CARLOS GOMES
MEIOS TÉCNICOS E ENERGÉTICOS
Há uma ligação entre os meios técnicos utilizados e as necessidades imediatas de sobrevivência, os materiais disponíveis no meio ambiente e o estímulo humano de aperfeiçoamento e redução do esforço desenvolvido.
A evolução da técnica manifesta-se com mais evidência na regularidade e na simetria das formas dos instrumentos. Há uma tendência para reduzir o tamanho dos instrumentos e os adaptar às actividades predominantes, como a caça ou a colheita de plantas.
Ao longo do tempo pode observar-se um refinamento das técnicas de manufactura. É notório o peso da tradição, mas o homem tem demonstrado uma grande capacidade de transmitir aos seus descendentes os conhecimentos tecnológicos adquiridos. A aptidão a viver em comum amplia a sua capacidade técnica.
Os processos técnicos utilizados,
embora aplicados em épocas diferentes, não revelam diferenças sensíveis
nas diversas regiões onde o ser humano se foi instalando, quer seja na
África, na Europa, na Índia, na América do Norte ou do Sul.
REFORÇO DA ENERGIA MUSCULAR
A força muscular do homem foi a mais primitiva forma de utilização de
energia. Utilizando a sua força, arremessou pedras, lanças e setas,
carregou com animais, pedras e outros materiais. Com a ajuda dum tronco,
colocado por baixo a servir de ponto de apoio, fez movimentar blocos de
pedra. Utilizando peças de madeira, apoiados na água fez deslocar barcos.
A sua energia cedo foi reforçada através de técnicas que correspondiam,
sem o saber, à força da gravidade, ao princípio da alavanca e da
concentração de energia.
Com o efeito da percussão, o homem consegue aumentar o peso útil e repartir melhor o esforço produzido. A percussão aparece assim como uma importante via de progresso humano, através da acção dum instrumento sobre uma peça fixa ou do lançamento sobre a matéria a atingir. São exemplos do primeiro caso, o uso do pau de rebuscar, o atirar de pedra contra pedra, o uso de instrumentos com o fim de fragmentar, quebrar ou esmagar, furar, cortar ou talhar os materiais disponíveis. A percussão lançada amplia o alcance do objecto a atingir. A invenção do propulsor e depois do arco e da flecha, do arpão e do anzol, foram importantes êxitos do homem primitivo. Surge assim uma máquina já composta por dois elementos. O propulsor era constituído por uma curta haste feita de armação de veado ou madeira flexível. É ainda utilizado nos nossos dias para o lançamento de azagaias. O arco é um engenho propulsor na sequência da força humana do braço, que prolonga a maior distância a energia muscular. Surgiram assim armas de arremesso para matar presas à distância.
Estas técnicas permitiram a expansão
da caça e da pesca e contribuíram para facilitar e ampliar a produção de
instrumentos de trabalho.
O DOMÍNIO DO FOGO
O fogo é um bem ou um mal da Natureza. Porém, não se encontra à disposição
do homem como a água ou o solo. É preciso dominá-lo, conservá-lo, produzi-lo
e utilizá-lo. Para isso é indispensável a utilização de técnicas muito
específicas, que levaram muitos milénios a conquistar.
Os vestígios mais antigos do fogo, encontrados em África, datam de mais de um milhão de anos, mas não está provado que não seja ainda o efeito dum fogo ocasional que queimou algumas placas de argila. A primeira prova realmente convincente do domínio do fogo, até agora, data de há cerca de 460 mil anos, segundo os testemunhos encontrados numa gruta existente no Norte da China.
É possível que, numa primeira fase, o fogo não tivesse sido produzido mas apenas mantido e cuidadosamente guardado aceso, após um incêndio de arbustos ou árvores. O fogo só começou a ser produzido conscientemente pelo homem quando para o obter bate uma pedra sobre um bocado de pirite ou esfrega dois bocados de madeira seca. Só então foram criadas as condições para o usar e controlar. A técnica de domínio e emprego do fogo constituiu um dos maiores êxitos humanos e representou um salto gigantesco no desenvolvimento das forças produtivas. Traduziu-se numa primeira grande vitória do homem sobre os elementos da Natureza e um enorme passo em frente no aperfeiçoamento dos utensílios e instrumentos de trabalho e em toda a actividade produtiva.
Aproveitando a madeira como combustível, o homem consegue atear verdadeiras lareiras para o tornar disponível quando e onde pretende. Em muitas grutas, foram encontrados pelos arqueólogos depósitos de cinzas. Como fonte de calor, o domínio do fogo completou a vida nos abrigos durante os períodos frios. A sua utilidade, neste aspecto, depende do clima das regiões. As entradas das grutas e os acampamentos ao ar livre ficaram protegidos contra o meio ambiente e os predadores.
O fogo tornou-se vital como protecção contra a rigor dos invernos, sem o que não teria sido possível o avanço das populações originárias das faixas tropicais ou temperadas para as regiões mais frias. A sua deslocação não seria viável sem uma vital protecção contra o efeito da altitude ou dos rigores do Inverno. Só com o domínio do fogo foi possível o homem suportar as temperaturas das áreas próximas dos glaciares.
A utilização do fogo exerceu grande influência no modo de vida dos habitantes, na criação de novas necessidades. As populações aprenderam a cozer os seus alimentos, a aquecer os abrigos, a produzir recipientes pela moldagem da argila, a endurecer as pontas das seta, a proteger-se dos animais selvagens.
Como fonte de calor e de luz, o fogo pode ter constituído um centro de reunião ao possibilitar o convívio e o prolongamento dos trabalhos para lá do fim do dia. A atenção constante exigida pelo fogo e a influência atractiva podem ter contribuído para reforçar o sentido de comunidade dos grupos reunidos num abrigo.
Objecto de mistério, de temor e de
veneração, o fogo foi também origem de mitos primitivos, de motivos
religiosos, de prática de magia.
OUTROS MEIOS TÉCNICOS
No aperfeiçoamento da produção de pedras lascadas o homem utilizou
técnicas que marcaram um grande avanço para a época. A operação de talhe
permitia a remoção de um ou mais fragmentos de lascas de um pedaço de
matéria-prima. O uso da fricção é um dos mais antigos meios utilizados no
retoque dos primeiros instrumentos em pedra lascada.
Em algumas regiões, por exemplo na Índia e no Paquistão, encontraram-se autênticas oficinas de talhe junto das fontes de matéria-prima, onde por vezes se situavam os próprios acampamentos.
Nas suas migrações o homem aproveitou a força energética proveniente da água. Os rios foram transformados em caminhos que concorreram com os percursos térreos. Cavalgando troncos de árvore e depois escavando-os com o auxilio do fogo, o homem procurou vencer os lagos, as correntes fluviais ou marítimas.
A utilização de certas propriedades da água e da argila, matéria-prima largamente espalhada pelo mundo inteiro, ligada ao domínio do fogo, possibilitou a descoberta da técnica de moldagem. Esta técnica permitiu o desenvolvimento da olaria entre os povos espalhados pelos diversos continentes.