ENCUENTROS ACADÉMICOS INTERNACIONALES
organizados y realizados íntegramente a través de Internet



Para um estudo das políticas económicas de defesa: Novas abordagens à revolução dos assuntos militares
 

Joám Evans Pim; Óscar Crespo Argibay
Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz
evans@igesip.org | argibay@igesip.org
 

Este texto fue presentado como ponencia al
TERCER ENCUENTRO INTERNACIONAL SOBRE
Economía, Política y Ética
celebrado del 5 al 23 de mayo de 2006

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NOTAS PRÉVIAS

Na hora de abordar a temática deste trabalho, o estudo das políticas económicas de defesa, partimos justamente de duas disciplinas que foram nos últimos tempos objecto de uma crescente modelação matemática. Por uma banda, a economia, onde já não é algo inusual encontrar especialistas em matemática, física, ou engenharia teórica, aplicando os seus conhecimentos ao cada vez mais competitivo orbe financeiro, no explosivo mundo da relativamente nova engenharia económica, ou na busca de patrões e regras que permitam dar uma explicação compreensível do devir económico. Na outra topamos com os assuntos da defesa, tanto ao nível doutrinal, organizativo, e operacional, assim como a cada vez mais vital optimização dos recursos, tanto humanos como materiais, que têm descoberto um grande aliado no rigor da linguagem da ciência da precisão. E não só isto, ao tomar esta opção, facilita-se o trabalho ao respeito do estabelecimento da base relacional que junge ambas disciplinas, constituindo em este caso o fio argumental de este escrito, quando o mesmo esquadrinha a correlação existente entre o modelo que explica a economia coma uma onda de tipo sinusoidal no tempo, e os avanços repercutidos pela chamada Revolução dos Assuntos Militares.
Assim, um dos feitos mais salientáveis que vêm acontecendo nos últimos tempos, no que tem que ver com as distintas ramas do saber humano, é a progressiva matematização das mesmas, é dizer, a proposição de modelos emergidos de uma profusa formalização e fundamentação teórica que se deram nas matemáticas para finais do século XIX e princípios do XX. Agora bem, e para evitar a crescente confusão nascida do uso que muitas vezes se realiza de modo indiscriminado de estas técnicas, faz-se necessário amostrar a diferencia subjacente entre o que é a idealização matemática e a realidade. Sem dúvida, e pelo menos, desde a mesma enunciação dos axiomas de Euclides, que hão fundamentar a geometria até bem entrado o século XIX, é a experiência cognitiva a que forma a base e o fundo da abstracção, que com a sua linguagem particular, dar-se-ia em chamar matemáticas. Mas apesar de que ache o seu manancial originador na avaliação empírica, não é uma explicação, nem uma descrição do real, senão que coma toda idealização, trata-se de uma simplificação, de uma redução na complexidade da temática a estudar. E é cá que embicamos com a questão principal, a resposta obtida no transitar de este caminho, não é apenas exacta, senão uma aproximação, uma indicação, convertendo-se de este jeito a cotação do erro em um elemento de primeira magnitude, como bem sabem os especialistas em modelagem da matemática aplicada, onde o relevante não é só obter uma solução, senão também o porte que supõe o erro cometido.

BASES INTRODUCTÓRIAS: A TEORIA CÍCLICA

A teoria de ciclos de onda longa nos permite realizar uma análise da realidade desde um ponto de vista distinto do predominante no mundo acadêmico. Buscando causalidades e não-causalidades, voltamos à época na qual a ciência tinha como único objetivo o reconhecimento de padrões na natureza, tais que permitissem o enunciado de leis que não deixassem lugar algum à especulação banal, tão própria do mundo científico atualmente. É nessa conjuntura, no retorno à solidez do padrão, na que se aborda a aplicação de uma teoria que ocupa os economistas há mais de cem anos, mas não só a eles, também aos mais diversos campos, desde a explicação da mudança e o conflito social, particularmente a guerra, até chegar ao porquê de uma certa política, passando, como neste caso, pelo estudo das políticas e indústrias tecnológicas no campo militar e no modo com que estas repercutem em toda a sociedade.
Ainda que seja habitual escutar comentários sobre ciclos em economia, especialmente quando se fala dos ciclos curtos nas flutuações de mercado, os ciclos de onda longa continuam sendo os grandes desconhecidos, inclusive no campo acadêmico. Cabe dizer que este tipo de análise somente é válido quando se trabalha com dados das economias capitalistas de mercado, pois as tentativas de extensão a períodos protocapitalistas, em parte devido à ostensiva ausência de elementos empíricos, não resultaram concludentes de forma alguma. De forma similar, cabe indicar que a maior parte da literatura faz referência aos países onde historicamente se desenvolveu este sistema, designadamente os de matriz anglo-saxã e centro-européia. Devemos assinalar, além disso, que os estudos cíclicos não estão restritos ao campo da economia, tendo, como veremos, especial validade nas áreas como a polemologia, estudos ambientais, mudanças sociais e (r)evolução tecnológica.
Direcionando-nos ao assunto deste apartado, iniciamos fazendo referência ao século XIX, quando certos economistas, através de estudos, assinalaram que a economia capitalista poderia comportar-se seguindo um movimento ondular de período longo. No entanto, foi especificamente com Schumpeter (1939), professor de Harvard que recuperou os trabajos de Kondratieff, que se chegou a colocar de manifesto a natureza cíclica dos fenômenos econômicos no mundo acadêmico.
Em suas obras The Analysis of Economic Change e, posteriormente, Business Cycles: A Theorical, Statistical Analysis of the capitalist Process, este autor aponta para a existência de três tipos de ciclos, com o nome dos seus respectivos descobridores: os ciclos de Kitchin ou de onda extra-curta (aproximadamente quarenta meses); ciclos de Juglar ou de onda curta (entre oito a dez anos); e os que aqui nos incumbem, os ciclos de Kondratieff ou de onda longa (entre quarenta e sessenta anos).
Schumpeter considera a inovação técnica o elemento que atua como detonante no processo cíclico do desenvolvimento econômico, baseando a divergência de longitude dos distintos períodos na própria natureza da inovação-matriz que incita a origem do ciclo. Portanto, para ele, o determinante tecnológico é o que motiva o caráter cíclico da economia, e no caso do ciclo de onda longa, sua própria origem se encontra nos importantes descobrimentos de tipo técnico. Estudiosos neo-schumpeterianos, como Freeman ou Pérez, sustentam a explicação anterior, em base à relação causal entre inovação, lucro e expectativas econômicas criadas, que desemboca na aparição de novas técnicas e produtos com a introdução de uma renovada indústria responsável pela parte crescente do ciclo ou da fase ascendente de uma onda longa.
Kondratieff, através de sua obra, foi quem mais influenciou na concepção cíclica da economia capitalista, ao ponto de se utilizar 'onda longa' e 'onda de Kondratieff' ou 'ondas-K' como sinônimos, ainda que alguns autores distingam outras ondas longas com períodos distintos ao descrito pelo cientista russo. De qualquer forma, Kondratieff foi um dos primeiros a tentar demonstrar, baseando-se em dados de origem puramente estatística (utilizando os materiais mais completos que existiam em referência às economias dos Estados Unidos, França e Reino Unido), a existência de ondas longas na evolução econômica dos países capitalistas, em um conjunto binômico de 'crescimento-decrescimento' com uma média de cinquenta anos de duração. Tudo isto, através de séries relativas aos preços, taxas de lucro, evolução do volume do comércio exterior, produção de ferro, chumbo e carvão, entre outros produtos.
Sua honestidade científica nos tempos da União Soviética de Stalin o levou a ver o fim de seus dias em um Gulag da Sibéria, em 1938. Suas conclusões não podiam contrariar mais aos mandatárias soviéticos, ao mostrar que, desde seu início efeticvo em 1789, o capitalismo sofria crises periódicas, seguidas por períodos de recuperação e bonança, sendo as causas que incitariam estes movimentos rítmicos, ascendentes e descendentes, a seu entender, de tipo endógeno.
Aprofundando os estudos, Gordon (2005), seguindo Kondratieff, aborda cada ciclo dividindo-os em quatro fases perfeitamente distintas, ficando cada uma delas (primavera, verão, outono e inverno) plenamente caracterizadas. Com base em sua análise, situar-nos-íamos, atualmente, nos alvores do Inverno do quarto ciclo, tendo como ponto de apoio para seu estudo o acontecido nos três ciclos anteriores e em especial no terceiro, o mais próximo, conhecido e estudado, tanto pela sua proximidade na linha temporal como pelo volume e qualidade dos dados à nossa disposição.
No terceiro ciclo, a entrada na estação hibernal vem determinada por um evento conhecido como o crack de 1929, de cujas conseqüências europeus e estadunidenses somos conhecedores e cujo detonante consistia numa acumulação de dívida insustentável tanto no nível estatal como empresarial e particular, que levou à criação de uma economia irreal, não baseada na produção, mas na especulação. Gordon considera esta descrição como apropriada para a situação em que vivemos na atualidade e nos indica que, somente nos Estados Unidos, a dívida está totalizada em cerca de trinta e sete trilhões de dólares, algo nunca visto no passado. Este processo tem a 'missão autorreguladora' de aniquilar a dívida adquirida, ainda que o preço a pagar seja extremamente alto, sobretudo se tivermos em conta realidades como de 1929, quando somente 5% das famílias estadunidenses apresentavam interesses no mercado de valores, comparando-a com a atual, em que esta porcentagem chega aos 50%, o que pode nos dar uma idéia do que aconteceria se ocorresse um crack semelhante ao de então.
As séries de preços de bens e matérias primas se convertem no principal argumento a favor da hipótese da onda longa. No referente à produção, a controvérsia é maior, já que, como aponta Goldstein (1988), enquanto a escola marxista encontra uma relação consistente entre o aumento de produção preferencialmente industrial e o período de crescimento da onda, outros estudiosos procedentes de diferentes escolas teóricas não confirmaram esta afirmação, ou mostram escassas evidências que a sustentem. O trabalho de Cleary e Hobbs (cit. Goldstein, 1988) realça o fato quase inquestionável, referente às séries de preços, assim como os dados aportados pela produção de energia, a inovação e o índice de interesse, que tentam indicar a consistência da teoria, sendo a produção industrial um elemento a desprezar. Sobre a inovação, o desacordo entre os especialistas é a tônica dominante, desde o momento em que não existe unanimidade na designação do que se pode considerar inovação, ainda que a escola neo-schumpeteriana seja a que maior ênfase coloca.
Ao introduzir a teoria de ondas longas na economia e buscar o elemento-raiz que induz a geração de um comportamento cíclico no decorrer da atividade econômica através da linha do tempo, nota-se que uma das principais escolas, que hoje em dia se ocupam dos estudos e otimização da dita teoria, é aquela que considera a inovação tecnológica (que, inclusive, chega a ser catalogada como revolução técnológica) quando a aportação proveniente de tal novidade leva consigo uma mudança radical de paradigma da realidade tecno-econômica, como a pedra roseta que nos permite decifrar as chaves fundamentais na hora de levar a cabo uma descrição coerente das causas que impelem a economia a adotar um comportamento cíclico segundo o já citado modelo binômico de crescimento-descrescimento.
Schumpeter inaugurará e nomeará esta escola de pensamento econômico, ainda que seja o próprio Kondratieff o que adiante a importância fundamental da inovação como elemento dinamizador e modelador da economia, como bem reflete ao sentenciar: “During the recession of the long waves, an especially large number of important discoveries and inventions in the technique of production and communication are made, which, however, are usually applied on a large scale at the beginning of the next long upswing” (Kondratieff, 1935:111).
Buscando comprovar a teoria, Schumpeter chega a catalogar, na história da economia capitalista, três mudanças de paradigma tecno-econômico devidas a outras tantas inovações fundamentais ou cluster de inovações radicais, a saber:
1 A revolução industrial e seu brutal impacto nas formas de produção tradicional, que pouco a pouco se veriam substituídas. Isto conlevaria o desaparecimento do laço comunitário expresso através da congregação gremial, a ser substituído por um crescente individualismo que tem sua raiz genelógica no homem assalariado;
2 A posterior idade do aço e o vapor que terá uma incidência primordial no encurtamento das distâncias geográficas mediante a introdução das ferrovias, de modo que a indústria deixaria de estar ligada à fonte de matéria prima, podendo encontrar-se separada dela a milhares de quilômetros;
3 Logo chegaria a revolução introduzida pela aparição da eletricidade, a química e os motores de combustão interna, variando radicalmente a forma de produção, que permite colocar em mercado, de forma simultânea e em lugares distantes geograficamente, uma grande quantidade de um mesmo bem (sincronia e ubiqüidade).
E ainda que o autor não chegue a catalogar uma quarta revolução tecnológica, fizeram-no os seus discípulos, estando esta caracterizada pela invenção do plástico, a generalização do uso do automóvel (que tanto deve à cadeia de montagem e ao veículo do povo - VolksWagen -, o carro popular utilitário), assim como a aparição da eletrônica e o conseqüente descobrimento do transistor, que fez possível a miniaturização dos aparelhos eletrônicos. Trata-se, sem dúvida, do cimento sobre o qual se assenta o que atualmente se chama a revolução tecnológica, também conhecida como 'sociedade da informação', ao ser justamente o tratamento e o acesso à informação o centro sobre o qual gravita toda esta série de inovações de consumo, que dia-a-dia nos são oferecidas.
A inovação paradigmática ou radical que produz a ruptura com a fase terminal do ciclo e amostra o início da seguinte cumpre uma série de pré-requisitos necessários para que tal processo possa ser levado a cabo: deve introduzir novas técnicas que resultem no aumento da eficácia produtiva, mediante a aparição de novas e mais efetivas ferramentas; traz consigo a elaboração de novos produtos e bens que estão à disposição do consumidor; imperativamente obriga uma reorganização da atividade econômica com a aparição de novos modelos de estruturação.

A INDÚSTRIA DE DEFESA COMO AGENTE IMPULSOR

Se é certo que os constatáveis ciclos econômicos devem sua anuência à introdução de uma nova tecnologia capaz de produzir uma mudança paradigmática em relação à que se tenha tornado obsoleta, e portanto habilita a geração de um novo ciclo de renovados brios, é, então, necessário analisar, ainda que somente de maneira superficial, a contribuição feita desde o campo militar, especificamente sua indústria, a esta vital renovação que se encontra atrás do devir econômico.
A preocupação pela defesa e segurança ocupam um lugar preferencial dentro do pulular vital do homem desde o princípio dos tempos. Mais do que isso, o próprio instinto de sobrevivência, com sua base genética, impele de maneira definitiva para assim seja. Por tudo isso, não é descabido afimar que as políticas de defesa e segurança, desde seus rudimentos mais arcaicos nas tribos nômades até a atual sofisticação eletrônica, é parte indivisivel da própria vida. E para somente demonstrar, basta que se visite um dos milhares de Castros localizados no nosso noroeste peninsular, onde, sem dúvida se perceberá, dada a sua localização e estruturação que, primeiramente e antes de ser erigido em uma zona favorável ao cultivo ou pastoreio, ergue-se sobre um terreno defensível, constitui uma unidade defensiva e apresenta-se edificado de acordo com uma verdadeira política de defesa, a qual há de reger o resto das atividades da comunidade. Tendo isto em conta, não parece difícil chegar à conclusão de que os desenvolvimentos tecnológicos no campo militar, entendido num amplo espectro, têm uma absoluta influência no âmbito civil e particularmente no devir econômico.
Neste sentido, é necessário fazer notar a crescente dissociação entre o civil e o militar, ao contrário dos tempos antigos, em que a milícia e a cidadania estavam intimamente ligadas, chegando a ser praticamente indistinguíveis uma da outra. E apesar deste atual desentendimento, e ainda que os grupos de pressão favoráveis a que este divórcio se consolide definitivamente sejam cada vez mais numerosos e poderosos, a realidade se mostra irremediavelmente teimosa. A tentativa, condenada sem remédio ao fracasso, de separar investigação militar e civil é um erro notável que somente pode entorpecer a histórica e necessária convergência e retroalimentação de ambas, a qual somente pode ter um objetivo de efeito multiplicador de resultados positivos.
O exemplo norte-americano de fusão de ambos setores é o que, sem dúvida, melhor tem mostrado a eficácia e conveniência desta comunhão. Também devemos ser conscientes de que a colaboração das empresas civis no campo da investigação e produção militar, as proporciona um alto nível competitivo tanto nacional como internacional, ao estar os encargos realizados desde os departamentos de defesa ligados à mais candente atualidade tecnológica, supondo isto um desafio que somente pode repercutir na melhoria da qualidade de sua própria produção empresarial. Como demonstração deste inapelável fato, basta simplesmente a enumeração de toda uma série de invenções e implementações técnicas que marcam nosso decorrer diário e sem as quais seria impossível levar a cabo nossas tarefas mais habituais, cuja origem se encontra na atividade da investigação e indústria militares. Hoje, dificilmente e nas mais diversas áreas, seria inconcebível nosso trabalho e lazer tem a presença dos computadores e Internet. Mais ainda, seu desaparecimento causaria um colapsco econômico global. Pois bem: ambos elementos nasceram na esfera do militar.
O primeiro computador digital, o electronic numerical integrator and computer, ENIAC, foi desenvolvido pelo exército norte-americano para fazer frente à extraordinária demanda de cálculo necessário para elaborar as tabelas de disparo balístico. O ENIAC constitui o protótipo do qual evoluiriam todas as máquinas computacionais de hoje, abrindo caminhos para uma nova indústria, passando rapidamente de um instrumento meramente militar à principal fonte para a solução numérica de uma imensidão de problemas científicos, entre eles os relacionados com a energia nuclear, os modelos meteorológicos, a ignição térmica, a análise espectral, a geração dos números aleatórios ou o desenho de túneis de vento, entre muitos outros.
Por outra parte, também temos a energia nuclear, vítima de falsa controvérsia, sem a qual não contaríamos, apesar do problema dos resíduos, com a mais barata e eficaz forma de produzir energia em ingentes quantidades. No entanto, se o argumento energético não fosse suficiente, somente teríamos que acudir a um hospital qualquer de uma de nossas cidades para comprovar o amplo leque de técnicas e aparelhos que deparou sua implementação na esfera sanitária. Não cabe dizer, por tão conhecido que já nos é, e ainda que sua infausta utilização como arma de guerra haja causado centenas de milhares de mortos e feridos, além de um terror global a uma guerra de tipo nuclear, que a origem das atuais aplicações pacíficas da mesma se centram no desenvolvimento destas próprias armas que, talvez, por outro lado, tenham evitado uma devastadora III Guerra Mundial, dado o elemento dissuasivo que introduziram.
Somos prisioneiros do telefone móvel, acessamos a canais de televisão que emitem em tempo real desde qualquer parte do mundo, contamos com um sistema de aviação que constitui o meio de transporte mais seguro, cujo tráfico se organiza e atualiza em tempo real, assim como as rotas marítimas e frotas de transporte terrestre, do mesmo modo em que podemos viajar num automóvel próprio particular de Lisboa a Berlim, sem nos perdermos em estradas secundárias, graças aos satélites que orbitam nosso planeta.
Conforme podemos podeceber, há dois elementos, cuja ausência faria inimaginável a existência desta tecnologia. Por uma parte, a ambição espacial de Wernher von Braun, cujos trabalhos em balística, primeiro para o exército alemão e logo após a guerra, para a que então era uma agência militar, a NASA, não só conduziram o primeiro homem à Lua como permitiram elaborar o veículo que colocaria em órbita a plêiade de satélites que hoje sobrevoa as nossas cabeças e que tantos serviços põe à nossa disposição. Por outra, a militarmente falida strategic defense initiative, SDI, ou popularmente conhecida como guerra de las galaxias, sob a égide da administração Reagan. Esta iniciativa se contituiu em um dos maiores desafios técnicos jamais assumidos pelo homem, cujo ingente esforço em investigação e desenvolvimento, ainda que miliarmente fosse um fracasso, tenha acabado por dar seus frutos no campo civil, sendo, sem dúvida, o sistema GPS um dos seus frutos, mas não o único. Aplicações na luta contra o câncer, na localização e extração mineral, petróleo ou gás, por exemplo, são da mesma forma algumas das que podemos nomear.
É possível, no entanto, encontrarmos aplicações militares adaptadas à sociedade civil que sejam menos espetaculares. Um exemplo é a adequação dos sensores utilizados pelo exército para a localização de submarinos e minas para evitar os acientes, não demasiado freqüentes, nas salas onde se levam a cabo as ressonâncias magnéticas. Também nos vale ressaltar que não somente no campo técnico se realizam as contribuições militares, como no teórico. Não em vão, o último trabalho que apresenta uma solução exata à teoria do campo gravitacional de Einstein sob a condição de que a massa se mova a uma velocidade próxima à da luz vem da mão do físico norte-americano Franklin Felebr, com mais de 30 anos de serviço nas Forças Armadas estadunidenses.
Por último, cabe mencionar alguns dos trabalhos que se levam a cabo em nosso país dentro do ramo da investigação militar e que apresentam uma clara possibilidade de ser implementados no nível civil: estudos sobre os efeitos das radiações eletromagnéticas sobre as pessoas, por estar o pessoal militar altamente exposto a este tipo de emissões, a fabricação do radar tridimensional por parte da Indra; a elaboração de sensores que, inseridos nas fuselagem dos aviões farão possíveis detectar seu grau de fadiga sem a necessidade de proceder à sua desmontagem; o desenvolvimento de aviões não-tripulados que, além de colaborar com as tarefas de combate, poderão ser utilizados na luta contra o fogo ou na localizaçao de bancos de peixes.

A DEFESA: INOVAÇÃO DOUTRINAL, ORGANIZATIVA E OPERACIONAL

A introdução de novidades tecnológicas desde a esfera da defesa supõe um processo de extrema complexidade que primeiramente vai repercutir na própria estrutura da mesma, assim como na forma em que se exerce, para finalmente acabar ultrapassando a, hoje grossa, linha que separa o militar do civil. Todo este périplo é o que se costuma chamar de Revolução dos Assuntos Militares, em inglês Revolution in Military Affairs.
Antes de entrar a definir um conceito tão amplo e vigoroso como pode ser o da Revolução dos Assuntos Militares, e posto que se entra de cheio no campo da defesa e segurança, converte-se imperativo aclarar algum termo, dado o redemoinho totalitário proveniente do politicamente correto, que traz como resultado um esvaziamento do sentido etimológico das palavras, para simultaneamente dotá-las de um novo significado mais de acordo com a nova ideologia do neutro, do assexuado, do tíbio, conduzindo, deste modo, a construção do que se denomina uma neolíngua, na que o sentido da intuição natural que conforma o significado dos significantes é substituído por uma mera idealização abstrata. Isto se plasma particularmente no que se refere à guerra, cuja alusão direta foi suplantada por toda classe de eufemismos, chegando, inclusive, a mudar-se a definição clássica da sua natureza intrínseca, que tão bem foi observada por Clausewitz.
Analisando-se sob essa perpectiva, parece-nos plausível pensar que talvez o trágico destino do homem seja não ver-se jamais livre da guerra, já que, ainda além de todos os desenvolvimentos e avanços que tenha conseguido alcançar em todos os âmbitos de sua existência ao largo da história, a realidade é que esta se encontra total e absolutamente determinada pela guerra. Até mesmo nossa vida atual no ocidente, desfrutando de um dos maiores períodos de paz e prosperidade jamais alcançados por nossa espécie é resultado dela, não entendível sem a vitória aliada sobre as forças do eixo em 1945 e a derrubada do bloco soviético, que marcaria o final de uma confrontação bélica não-declarada, caracterizada pelo terror nuclear e os conflitos bélicos periféricos que enfrentaram as superpotências concorrentes. É possível que este prolongado período de tempo tenha afetado a percepção da realidade em boa parte de nossas sociedades, e isso apesar de os fatos serem curs e obstinados, como assim se encarregam de mostrar-nos tragédias como as de Ruanda, Congo, Chechênia, as guerras do Golfo e Afeganistão e, sem ir muito longe, no próprio coração da Europa, durante o traumático desaparecimento da antiga Iuguslávia.
Se o descarnado escrutínio de nossa história nos mostra que a guerra não pode ser abolida, então de imediato se converte em objetivo primordial seu discernimento e entendimento, não mediante a ficção de como gostaríamos que fosse, mas como realmente é, de acordo com as ferramentas que o bom juízo, a razão e o método científico tenham posto à nossa disposição. Portanto, cabe aqui perguntar: o que é a guerra? Ante a necessidade de proceder à abordagem de tamanha questão, nada melhor do que voltar a vista a um dos maiores teóricos, no que diz respeito à procura de uma resposta a esta pergunta. Já que, se os estudos de Clausewitz no que tem a ver com os procedimentos técnicos e materiais, táticos e estratégicos, tenham permanecido, sem dúvida obsoletos, não é o caso de sua audácia na hora de captar sua essência mesma, aquela que permanece imanente no transcurso da história.
Clausewitz, em seu crucial trabalho, Vom Kriege, descreve-a como um duelo em grande escala, como um ato de força que tem por objetivo impor a vontade própria sobre a do adversário, como a continuação da política por outros meios, nada extrínseco à própria condição cainita de ser humano, salvo por estar em proporções ampliadas. Para aclarar, e devido à deturpação lingüística à que se fazia referência anteriormente, faz-se mister realizar alguma matização para esta definição, que sem dúvida seria pertinente tendo em conta a época histórica na que coube ao autor viver, ao ser assumida como caracterizadora da noção mesma.
Conceber-se-á, portanto, a guerra como um conflito armado entre estados, entendendo-se por estado toda a unidade política que controla um espaço físico e os indivíduos que o habitam, independentemente de que esta entidade seja capaz de exercer e manter um controle político sobre um território e seus moradores e que seja reconhecida, ou não, pela arbitrariedade emanada do Direito Internacional. Desta maneira, capacita-se a discriminação entre defesa e segurança, sendo a primeira a garantia da sobrevivência do estado mediante o uso da força armada e a segunda encarregada de garantir a boa ordem e o cumprimento da lei, não tanto mediante o uso da força militar, mas empregando ferramentas de informação/contra-informação e inteligência.
A modo de exemplo e à luz do que vimos, podemos dizer que, no caso da intervenção norte-americana no Afeganistão após o 11-S, encontramo-nos ante uma guerra genuína, em virtude do estabelecido precedentemente, enquanto que resulta do todo improcedente da denominação "guerra" contra o terrorismo, cujo combate mais efetivo há de ser levado a cabo desde a esfera da informação e inteligência, tanto militar como civil.
Após esta breve nota aclaratória sobre a necessidade de chamar cada coisa por seu nome, em virtude de um espírito de simplicidade e claridade, faz-se necessário entrar no proceloso mar que há de conduzir a dar uma definição o mais ajustada possível do que se entender por Revolução dos Assuntos Militares. É muita a literatura que, nos últimos tempos, tem-se divulgado a esse respeito, particularmente nos Estados Unidos, e são muitos os enunciados propostos como definidores do que venha a ser a RMA. No entanto, ainda assim e apesar da volubilidade da linguagem, há dois elementos comuns que podem ser notados em todos eles: mudança e tecnologia. A mudança, compreendida como fundamental, paradigmática, que vem a substituir velhos esquemas por novos, parece-se traumática no sentido em que a substituição do que conhecido por algo que não o é sempre produz uma força inercial de rejeição. Isto demonstra-se-nos importante, já que é um fator que pode fazer fracassar uma revolução, ou tão somente uma inovação que, com o tempo, pode chegar a mostrar-se como de vital importância.
Por outro lado, encontra-se o fator tecnológico, que seria, em grande medida, o propulsor da mudança ou revolução, mas não somente, já que, como se tratará de mostrar, há outro elemento, o antropológico, que, ainda que no passado talvez não tenha tido um peso específico demasiado apreciável, certamente resultou num agente fundamental na hora de impulsar a atual RMA.
O patente empobrecimento conceitual, que já antes era referenciado, também faz obrigatório explicitar o que se entende por tecnologia, já que não somente se trata da teoria e técnica que leva à produção de aparelhos eletrônicos, como se poderia pensar se limita exclusivamente aos meios de comunicação massiva, pois, muito ao contrário, um elemento tecnológico é toda a ferramenta desenvolvida pelo homem e que lhe facilita a realização de suas tarefas. Implementações que hoje em dia podem parecer arcaicas, como o controle do fogo por parte dos grupos humanos ou a invenção da roda, em seu tempo consituíram avanços tecnológicos de primeira ordem.
Em um modo extensivo, pode-se dizer que nos encontramos ante uma RAM quando se produz uma mudança do paradigma tecnológico que acaba por acarretar uma mudança radical na forma de levar a cabo uma guerra. Ou seja, produz-se uma profunda transformação na forma e organização das instituições militares, na política que as rege, assim como no modo em que as ações são levadas a cabo no campo de operações. Portanto, a técnica leva a uma restruturação das instituições e conjuntamente influencia na plasmação prática no nível operacional. Não é preciso dizer que as RMAs, ainda que a nossa sociedade trate, de todas as formas, de classificar o militar e o civil em conjuntos distintos, têm um impacto direto sobre o espectro político, social e econômico, como assim se mencionou expressamente com anterioridade nesta exposição, mediante a transferência de teoria e técnica, fruto da investigação militar, ao campo civil.
Esta definição extensiva possui a virtude de proporcionar a capacidade de identificar distintas RMAs ao longo da história e não somente centrar-se à que vem-se desenvolvendo, ou procurando que se desenvolva, de tal modo que se admite um certo grau comparativo, que sempre terá um grande valor na hora de fixar e generalizar idéias. Contudo, talvez se peque por limitação ao fixar o elemento tecnológico e técnico como primário, sem se ter em conta que, em qualquer época, a violência política organizada é um produto extremamente complexo que reúne processos políticos, sociais, econômicos e culturais.
Com isso, queremos significar que existem pelo menos duas escolas de estudiosos das RMA. Em um lado, notam-se aqueles que consideram unicamente as novas invenções técnicas aplicadas no campo de batalha na hora de outorgar a titulação revolucionária das RMA. Deste modo, para eles, estaríamos ante uma RMA, por exemplo, no caso da introdução da artilharia no século XV ou com a conjugação da artilharia e do poder naval (séc. XVI - XVII), com a generalização do uso das armas de fogo (XVI-XVII), com a informação, cujo desenvolvimento no período de entreguerras levaría à aparição de uma nova doutrina de combate, a Blitzkrieg, que quase teve como resultado uma vitória alemã a qual, aos olhos dos grandes generais franceses ou britânicos, estagnados pela doce, mas fugaz glória da vitória de 1918, somente se poderia produzir contra toda previsão. Aqui encontramos um dos condicionantes que fazem necessária a impulsão da RMA: a obrigação de estar sempre um passo mais adiante do possível adversário, mediante a inovação e o fator-surpresa que esta introduz na equação do conflito.
Uma segunda escola, sem dúvida a mais interessante e realista, é conformada justamente por aqueles que entendem a força armada e a instituição militar como parte indissolúvel da sociedade, de tal modo que o mundo civil e o militar se constituem como organismo simbiótico, sendo, portanto, a defesa uma obrigação de todas as suas partes, não ficando somente nas mão do exército mercenário de turno. Deste modo, a mudança paradigmática somente é interpretada como tal quando tem uma profunda influência, em todos os níveis, de uma comunidade filiada em uma entidade estatal. Provavelmente possamos exemplificar através da situação que atualmente estamos vivendo, na que a eletrônica, cujos avanços no mundo civil são simplesmente impensáveis sem se ter em conta a aportação da investigação militar (o computador, a internet, a rede de satélites, a tecnologia balística que se fez possível, etc.), está originando uma profunda transformação no nexo social, da maneira na que se produz, distribui e vende, ou no acesso à cultura. Pode ser identificada, inclusive, uma terceira escola, que seria o produto misto das duas precedentes, com o que o único que viria aportar seria um maior grau de confusão na hora de lidar com tais assuntos.
Antes de empreender a análise do nível mais técnico a respeito da RMA, suas características, os processos que conduzem a ela, as variáveis que entram em jogo na hora de determinar seu êxito ou fracasso, ou um superficial estudo da atual RAM que está se dando nos Estados Unidos, é necessário entender os elementos que a motivam. Já fizemos menção expressa à perecibilidade de adiantar-se aos movimentos das possíveis ameaças mediante a inovação, que, sem dúvida, é algo que não necessita maior explicação. No entanto, há um elemento que não costuma constar nos manuais mas que, sem embargo, apresenta-se como vital ao tratar de compreender o porquê da RAM atual: a correria com a que, desde os departamentos de defesa ocidentais, principalmente o norte-americano (não cabe dúvida pois é o único país ocidental que mantém uma intensiva atividade militar em distintas frentes ao longo do globo), se deseja o desenvolvimento de mais e mais tecnologia eletrónica, especialmente em sua variante robótica e de precisão de fogo, para ser implementada no nível operacional.
Este é o antropológico, o condicionante humano, o como mudaram a forma e a organização social, assim como a maneira com a que o indivíduo percebe sua própria existência que, ao fim e ao cabo, é algo intimamente ligado ao cada vez maior abandono do cultivo da parte espiritual constitutiva do homem, que não somente se traduz na relutância na hora de exercer a atividade militar, mas também quando ela se exerce por indivíduos não informados por valores que transcendem uma mera existência material, convertida em simples violência extrema que em nada ajuda a obter os resultados que o uso da força, em um princípio, buscava.
Com respeito à análise da atual situação de apatia em nossas sociedades, no que se refere aos assuntos de defesa, nada melhor do que citar as palavras de um militar, o Vice-Almirante António Emílio Ferraz Saccheti, atualmente Presidente do Grupo de Estudo e Reflexão Estratégica (GERE) e da Academia de Marinha de Portugal, para quem, sob as roupagens da globalização e uma pretendida evolução dos tempos, está se criando uma ideologia do relativismo, que apresentada com a aparência de liberdade e modernidade, nada mostram como definitivo e, ainda ao contrário, favorecem a aceitação constante de egoísmos, dentro de um ambiente onde tudo é relativizado. E, citando o próprio João Paulo II, ratifica o crescimento de uma indiferença ética geral e de uma preocupação obsessiva pelos privilégios e interesses próprios, o que acaba por desembocar uma doentia avidez por querer gozar tudo e de forma imediata, o que vem a abolir qualquer classe de esforço e trabalho desinteressado em prol do bem comum, que tem sido substituído por um atroz individualismo constituinte de uma barreira insalvável na hora de empreender projetos comuns, particularmente aqueles que podem chegar a exigir o maior do todos os sacrifícios, como é a defesa.
Sua visão do indivíduo nestas atuais circunstâncias é elevada à altura dos partidos políticos, onde a razão e interesses partidários vieram a substituir as políticas tendentes a proporcionar o bem comum, assim como as políticas que necessitam de uma unidade de ação nacional, como é o caso, novamente, da defesa. O marketing político que faz o jogo à deriva social tão bem expressa anteriormente, resultou em uma percepção negativa da força armada e da instituição militar em geral, quando a realidade é que esta se mantém como garantia última do livre funcionamento das instituições democráticas, assim como da defesa dos interesses nacionais que, como indica o Vice-Almirante Ferraz, são permanentes e vitais. Sua nítida percepção da realidade social também o permite afirmar, algo que já Nietzsche havia captado, a confusão entre causas e feitos e o grave erro que constitui tomar um efeito por uma causa, sendo desta maneira impossível alcançar a raiz do mal.
Abundando nesta temática, é necessário citar também o Coronel Carl D. Rehberg, da US Air Force (USAF), sobre a educação de caráter como parte integral da profissão de armas na tradição ocidental, mostrando sua preocupação pelo relaxo em que vive este aspecto, já não no âmbito civil, como também no militar, quando ela dotou aos homem de uma série de valores e códigos que serviram tanto em tempos de paz como de guerra. Põe sua ênfase em que isto não se adquire por ter fé em um sistema legislativo nem em uma instituição particular, as quais sempre se encontram à mercê do devir temporal, mas pela fé em princípios que permanecem imutáveis apesar dos avatares históricos. Talvez aqui se faça necessário regressar a Goethe e perguntar-se quem é o melhor soldado: o que acode a ela sabendo que somente cairá se houver uma bala que leva o seu nome e que a morte não é o final (como se canta em honra aos nossos caídos) ou o que crê no contrário.
Somente neste marco é acessível o julgar por completo as características que informam a atual RAM e a impaciência por implementá-la, a qual se esvazia por completo no fator tecnológico, tratando de extinguir no possível a intervenção humana. Quer-se conseguir, deste modo, evitar o dano que, sobre a quebradiça moral nacional, tem o conhecimento, por parte da sociedade, das vítimas feitas em ato de serviço, aliviar para uma capacidade cada vez menor de recrutamento e converter a guerra em um instrumento frio e calculado que, através de uma vitoriosa superioridade tecnológica, somente chega a causar vítimas colaterais, algo assim como as que a cada fim de semana produzem as nossas estradas, tal como estas são percebidas por parte dos cidadãos como mera e fria estatística refletida em alguma coluna interior de um jornal.
Abandonando esta espinhosa matéria, é tempo de refugiar-se no burladeiro da insípida e neutral ténica, para adentrar-se na natureza da RAM na sua vertente mais apegada à efetiva realização de operações miltares e como esta incide nas mesmas. Neste sentido, pode-se entender a RAM como uma revolução técnica militar, combinando avanços tecnológicos em vigilância, comando, controle, comunicações, inteligência e precisão de fogo, assim como toda uma bateria de novos conceitos operacionais entre distintas unidades que na confrontação clássica atuavam de forma separada. No dilema atual, e sobretudo graças ao grau de miniaturização permitida pelos chips de silício, que permite que equipamentos dotados de uma grande potência de cálculo e processamento de informação possam ser portados de forma individual, a estrita e clássica hierarquia militar se começa a ver como pouco plástica e adaptável a uma situação na qual, dada a imediatez da informação recebida, é a própria unidade de combate a que deverá resolver a ação a tomar, sem esperar as ordens procedentes do mando pertinente. Sem dúvida, este será um dos efeitos mais importantes que a atual RAM provocará sobre a atual organização de uma instituição militar ainda apegada a um modelo clássico.
O escrutínio do arquivo histório, no que tem a ver com a RAM, faz viável assinalar uma série de características que se repetem em todas aquelas que se pôde identificar:
1 As RAM raramente são implementadas pelos atores dominantes no teatro de operações; e o exemplo clássico que foi mencionado podemos encontrar no desenvolvimento das unidades mecanizadas e aéreas que deram triunfos inimagináveis à Alemanha de Hitler no início da segunda conflagração mundial, quando os exércitos francês e britânico permaneciam embebidos pelo halo de superioridade aparente que, frente ao inimigo germânico, haviam obtido de seu triunfo na primeira guerra mundial;
2 O desenvolvimento da RAM, tenha esta um caráter limitado ou mais amplo, sempre acaba por conferir ao adversário que primeiramente a desenvolve uma ampla vantagem na batalha. Sirva novamente como exemplo a implementação da Blitzkrieg e seus devastadores efeitos sobre o oponente;
3 Com freqüência sucede que uma nova tecnologia desenvolvida por um bando seja primeiramente utilizada por alguém que a adquire sem ser seu original criador, ao ter uma visão de projeção no futuro da mesma da que está carente o primeiro;
4 A RAM fundamentada tecnologicamente costumar trazer uma série de novas invenções que atuam de forma combinada;
5 O êxito de uma determinada RAM se correlaciona com o fato da presença, nela, de três fatores fundamentais: tecnologia, doutrina e organização;
6 Não se trata de algo que possa programar e levar a efeito de uma forma sistemática, mas que, pelo contrário, habitualmente, precisa de um considerável período de tempo para que possa amadurecer de forma efetiva, dado o importante número de agentes que intervêm nela;
7 Recordemos que toda inovação produz, em primeira instância, uma recusa e este efeito não é menor na matéria aqui tratada, de modo que a adoção desta, ou não, dependerá de que possa ser testada, ou não, no campo de operações, possibilitando, assim, a eliminação das possíveis reticências que poderiam existir em princípio.
Brevemente, deve fazer-se menção ao processo que conduz à catalogação de uma RAM como tal, de forma que esta fique constituída pelas seguintes fases ou passos. Em uma primeira fase se produz o desenvolvimento tecnológico incentivado pela presença dos diversos desafios que representam inimigos declarados, ou aqueles que, desde a ótica geopolítica, possam fazer tal papel no futuro. Sem eles, ou sob a percepção errônea de que são inexistentes, dificilmente se poderá finalizar com êxito uma RMA, ao necessitar-se dos incentivos precisos que motivam a investigação militar. O anteirior dá passo ao seguinte escalão, que consiste numa ruptura conceitual referente à organização militar e à sua doutrina, dando lugar a uma nova que esteja mais de acordo com a necessária execução efetiva da nova técnica sobre o teatro de operações. Por último, o passo definitivo se traduz na incorporação prática das novas tecnologias e ténicas, assim como do novo modelo operacional e organizacional no campo de batalha.
Sublinhamos, em seguida, aqueles elementos que possam provocar o fracasso de uma pretendida RMA. No caso da investigação científica em geral, e militar em particular, não é raro o caso no qual se obtêm resultados teóricos que, na prática, resultam irrealizáveis, seja por questões pressupostas ou de complexidade e, portanto, ainda que, em teoria, conlevassem a uma mudança na atuação bélica, ao final acabam por ser recusados. Outro dos fatores que se mostra como primário na hora de decretar uma RAM como falida é a oposição da estrutura miliar à mudança que supõe a introdução dos novos avanços na hora de organizar-se e de operar, sendo um risco que somente pode ser abolido mediante o teste de tais elementos de forma satisfatória, de modo que não sobre mais remédio que dar o Nihil Obstat à sua adoção.
Atualmente, e se não mudam muito as coisas, é o que cabe esperar nos próximos anos e, inclusive, década, são os Estados Unidos da Norteamérica o único país capacitado para levar a cabo uma verdadeira RAM, constatando, sem dúvida, que os esforços neste sentido, conduzidos pelo seu Departamento de Defesa sob os auspícios da administração federal, estão sendo bastante consideráveis, sobretudo se nos atentarmos ao gasto geral em defesa e, em particular, em investigação militar. Não se pode dizer o mesmo deste outro lado do oceano, e menos ainda ao nos referirmos ao nosso país, onde a aquisição de novos elementos tecnológicos tanto de hardware como de software se produz no mercado internacional e não são fruto da própria investigação teórica e conseguinte desenvolvimento técnico que esta há de proporcionar.
A esta situação, que somente cabe qualificar de lamentável, ao podar uma importante parte da soberania e independência nacional, quando se depende de pontências extrangeiras na hora de obter dispositivos-chave para a operatividade militar, contribuem dois elementos fundamentais, o baixo gasto destinado à defesa, e, portanto à investigação militar, e a grave dissociação existente entre o mundo civil e o militar, o que dificulta a tranferência mútua de idéias e técnicas. Não é o caso dos Estados Unidos, onde a participação, desde as grandes corporações às PEMEs, e chegando à própria cidadania, no trabalho para a defesa, encontra-se na base da abrumadora superioridade com a qual conta este país hoje em todos os âmbitos.
Este fato pode ser constatado através da enumeração de alguns dos programas que, na atualidade, estão se implementando nos Estados Unidos com a finalidade de introduzir uma RAM, e que não somente terão um impacto em como se faz a guerra, mas sim, assim como demonstra o registro histórico, influenciarão diretamente em toda a sociedade.
Está se colocando grande ênfase na análise de quais e como seriam as guerras do futuro, já que, ainda que entendida classicamente como o enfrentamento entre unidades hierarquizadas e uniformadas seja cada vez mais improvável, desde logo não parece descartável, sendo assim que a simulação de tensões geopolíticas e a tomada de decisões para eventuais ações militares contra as chamadas potências locais se encontram na mais recente atualidade. Além do wargaming, o ponto forte se encontra no desenvolvimento tecnológico de novas ferramentas de combate e a experimentação com as mesmas, tanto para analisar sua precisão e validade, como a influência que podem ter no momento de desenhar a tática e estratégia a aplicar na vertente operacional.
Tampouco se deixa de lado a questão referente à própria organização militar e como esta deve adaptar suas estruturas para obter um funcionamento otimizado de todos os ramos que confluem numa política de defesa efetiva. Também é necessário ressaltar o cadaz vez maior grau de implicação do campo teórico-científico, não somente para a elaboração de ferramentas técnicas, como para a própria racionalização do esforço. Aqui se destacam os trabalhos realizados dentro da chamada operations research, e que, por exemplo, mediante o profuso emprego das técnicas de programação matemática, têm proporcionado notáveis êxitos na hora de otimizar a estruturação da logística militar. Sobressaem também as cada vez mais numerosas contribuições da investigação operativa, tanto através da teoria de jogos como da teoria da decisão que, graças à rigorosidade de um adequado marco matemático, permitem uma melhor avaliação das situações de crise, tanto políticas como militares, servindo de inestimável apoio na hora de tomar decisões e estimar suas conseqüências.

CONCLUSÕES

A conjugação da teoria econômica que considera o devir da mesma como uma situação de ciclo de onda longa (cuja dinâmica se encontraria na força que introduz a inovação tecnológica) com a percepção de que a atividade militar constitui um incentivo de primeira ordem na hora de que esta se produza, demonstra-se como um modelo, quanto menos interesante, na hora de abordar as mudanças que com certeza nos depara o futuro próximo. A própria história aclara como a transferência tecnológica desde o campo militar ao civil, que se vem produzindo de forma evidente e nítida e sem a qual não seria compreensível, atualmente, a nossa forma de vida, permite concluir o alto grau de correlação existente entre a atualização tecnológica militar e o mecanismo que se esconde depois do acionar da maré econômica.
Tratar de cortar ou acabar esta ligação somente pode desembocar em um freio à inovação, já que se podaria pela raiz um dos principais incentivos na hora de procurá-la, que não é mais nem menos que a milenar preocupação do homem por sua segurança e sua defesa. As atuais divergências tecnológicas, mesmo dentro da orbe dos países ocidentais plenamente desenvolvidos, parece apontar para a importância da inversão na área do I+D+I de defesa na hora do desenvolvimento integral e holístico da nação. Ainda assim, não se poderá falar de forma alguma de uma autêntica Revolução dos Assuntos Militares se não se enfrenta a dimensão essencial da defesa: o homem.

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