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CAPÍTULO 2

 

 

EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ABERTURA E INSERÇÃO EXTERNA

 

Entre o discurso que defende a estratégia de abertura e a prática efetiva das principais economias não se pode fazer uma derivação direta. Ao contrário, as principais economias do mundo não apresentam conformidade direta entre discurso e prática. É justamente dessa incongruência que trata a primeira parte deste capítulo. 

Em seguida, na segunda e terceira partes, respectivamente, são analisadas a experiência de inserção internacional dos países asiáticos, nas duas últimas décadas, e os principais experimentos neoliberais na América Latina nos anos 70 e 90. Procura-se, em primeiro lugar, diferenciar a inserção externa ativa dos países asiáticos da inserção passiva que caracteriza as experiências na América Latina desde os anos 70 e, em segundo lugar, comprovar o pioneirismo desta última região na implementação das políticas neoliberais.

 

2.1-ABERTURA EXTERNA E REFORMAS DE MERCADO NOS PAÍSES CENTRAIS: DISCURSO E PRÁTICA

 

            As reformas de mercado passaram a ter afirmação ideológica concreta a partir dos governos de Thatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA, na virada da década de 70 para a de 80. Entretanto, no que se refere à desregulamentação financeira do sistema americano, este processo teve início no final dos anos 60.

            A construção da estrutura institucional do sistema financeiro americano, no início dos anos 30, se deu como uma reação à grande crise que se estabelecera nos mercados financeiros àquela época[1]. A regulação do sistema financeiro se dá com base no Glass-Steagall Act (1933) e no Securities Exchange Act (1934) e tem como princípios fundantes dessa estruturação as restrições à competição entre instituições financeiras e a proteção estatal, incluindo um sistema de seguro de depósitos, e mecanismos de supervisão. A restrição à concorrência entre as instituições, tanto em seus ativos como em seus passivos, criou uma estrutura segmentada para o sistema. Além disso, cresceu o papel da autoridade monetária na regulamentação e supervisão das instituições financeiras. “Esse arcabouço institucional, montado nos anos 30, operou de forma notável no imediato pós-guerra ... a liquidez das instituições financeiras, o baixo nível do endividamento privado e o seguro de depósito mantiveram as taxas de juros em níveis baixos e estáveis. Nesse contexto, as incertezas sobre os custos de captação das instituições de depósito foram reduzidas, e facilitou-se a expansão dos empréstimos a taxas de juros fixas” (Cintra, 1998: 181).

            Entretanto, em meados dos anos 60, o crescimento da inflação e dos juros, associado aos mecanismos de restrições à concorrência, provocou uma limitação na capacidade adaptativa dos bancos e, consequentemente, uma instabilidade no sistema. O próprio mercado se encarregou de criar (inovar em) algumas formas de escape ao marco regulatório existente. O estabelecimento de tetos nas taxas de juros, por exemplo, desencadeou a desintermediação financeira na medida em que os bancos tiveram seus recursos transferidos para os mercados monetários. Outro exemplo importante diz respeito à criação de certificados de depósitos negociáveis no euromercado. Com isto, os clientes da matriz americana contornaram as restrições do mercado doméstico, uma vez que as alternativas de aplicações oferecidas pelas filiais no exterior eram muito maiores.

            A capacidade inovativa das instituições, com a criação de novos produtos financeiros, a volatilidade das taxas de juros americanas, a crise do endividamento, que reduziu a lucratividade do setor bancário, e o desenvolvimento tecnológico que permite acesso mais rápido e barato à informação, são normalmente apontados como as razões do processo de desregulamentação do sistema financeiro americano[2]. Esse processo provocou alterações profundas no sistema[3], de forma que foi diluída a especialização das instituições por tipo de serviço (segmentação), a dinâmica dos mercados passou a ser ditada pelo processo de securitização e pelos mecanismos de transferência de risco, estabeleceu-se uma extrema flexibilidade nos prazos e nas taxas de remuneração, e “após 1982, modificou-se o papel dos bancos e aumentou-se a importância dos intermediários financeiros não-bancários nos processos de gestão da riqueza, de criação de crédito, e de monitoramento dos meios de pagamento na economia americana” (Cintra, 1998: 188).

            A liberalização financeira externa que, no caso americano, impulsionou a internacionalização do mercado financeiro mundial, foi estimulada por excedentes em dólares gerados pelo déficit do balanço de pagamentos americano, em específico, nas transações correntes. A formação do euromercado, nos anos 60, além das restrições impostas na conta de capital pelo governo dos EUA, já havia sido impulsionada pelos desequilíbrios externos americanos. Agora, além do déficit externo, o crescimento da dívida pública e da necessidade de seu financiamento desencadearam a liberalização financeira e sua internacionalização. O crescimento da dívida pública, que se dá muito por conta do grande diferencial entre as taxas de juros e as de crescimento econômico, provocou a necessidade de financiamento externo em forma de compra de títulos públicos nacionais, isto é, a liberalização financeira externa[4]. Embora este encadeamento déficit público – globalização financeira tenha começado nos EUA, consubstanciado pelos déficits gêmeos a partir dos anos 80, outros países centrais também utilizaram a liberalização financeira externa como forma de financiar as contas públicas. A tabela 1 mostra o brutal crescimento da dívida pública entre 1980 e 1992, enquanto que a tabela 2 apresenta o crescimento do percentual dessa dívida detido por não-residentes, o que comprova tanto a elevação da dívida pública quanto o seu financiamento pela compra de títulos por parte de não-residentes.

 

Tabela 1 – Estoque de dívida pública para títulos acima de 1 ano (US$ bilhões)

País \ Ano

1980

1993

Taxa de crescimento (%) entre 80 e 93

EUA

132,4

544,7

311,4

Japão

61,6

461,5

649,19

Alemanha

11,5

97

743,48

França

9,3

63,7

548,95

Itália

15,3

97,8

539,22

Grã-Bretanha

34,9

87,3

150,14

Fonte: Lima (1997: 165), com dados do IMF – International Capital

 Markets – set.1994.

 

Tabela 2 – Percentual de títulos da dívida pública detida por estrangeiros

Ano\País

EUA

Japão

Alemanha

França

Itália

Reino Unido*

1979

18,5

2,3

5,0

0,0

1,2

15,0

1992

20,4

5,6

25,9

31,8

6,1

27,7

     *1985 e 1991 respectivamente.

     Fonte: Plihon (1999: 108).

 

            O processo de desregulamentação financeira dos mercados domésticos foi implementado em outros países. Na Grã-Bretanha, em outubro de 1986, foram alteradas as regulamentações do mercado de ações através do Financial Services Act (FSA). As principais alterações foram a abolição das taxas de comissões fixas, o fim da separação entre brokers e dealers[5], e a eliminação da restrição feita às empresas estrangeiras ou com mais de 29,9% de capital estrangeiro de participarem como membros do London Stock Exchange (LSE). A França, por sua vez, iniciou o seu processo de reformas nos anos oitenta começando pelo setor financeiro, sendo que “em 1989, a França removeu os controles existentes sobre o câmbio e consequentemente abriu o caminho para a liberalização do comércio intra – CEE com serviços financeiros” (Langhammer, 1993: 180).

            Este processo na Alemanha parece apontar para a constituição de uma Finanzplatz, além de se apresentar como o centro financeiro da Comunidade Econômica Européia. Isso se deve à desregulamentação financeira que se dá desde meados da década de 80. As instituições financeiras alemãs, como aponta Nassuno (1998), têm como características a universalização de suas atividades, como decorrência do acirramento da concorrência, e a internacionalização do sistema financeiro alemão. Essa inserção internacional se deve tanto ao movimento autônomo das instituições financeiras como a adequação do sistema doméstico às tendências internacionais.

            A alteração da regulamentação doméstica do sistema financeiro alemão incluiu a liberalização dos movimentos de capitais com o exterior. No imediato pós-guerra, o controle sobre a movimentação de capitais se dava por conta da insuficiência de reservas, sendo que a exportação de capitais pelos investidores domésticos era proibida. Já na primeira metade dos anos 50, a liberação da exportação de capitais se deu após a obtenção de superávits no balanço de pagamentos, o aumento das reservas e a regularização da dívida externa[6]. Na década de 80, os controles sobre importação de capital foram sendo abolidos, completando um processo que se iniciou nos anos 70[7]. As mudanças no sistema financeiro alemão se traduziram na predominância de bancos universais, seja pela diversificação de produtos e constituição de conglomerados financeiros pelos bancos universais, seja pela ampliação das atividades dos bancos especializados, e na elevação da aplicação em portfolio no exterior durante a década de 80. A partir desse momento, a Alemanha se transformou em exportadora de capital de portfolio.

            Levando tudo isso em consideração, pode-se afirmar que o processo de desregulamentação financeira, iniciado nos EUA, foi implementado por outros países centrais e que o seu desdobramento em processo de internacionalização, também capitaneado pelos EUA, tem no crescimento da dívida pública e do seu financiamento pelas transações internacionais de títulos públicos a principal característica dos processos de liberalização financeira externa.

            É mais no campo comercial do que no financeiro que o paradoxo entre o discurso neoliberal e a prática política se apresenta. Apesar do discurso propagado pró-abertura comercial tanto no âmbito regional como supranacional, o protecionismo comercial americano e europeu são bastante conhecidos. Embora o comércio exterior (exportações mais importações) como proporção do seu PIB tenha crescido nos EUA, passando de 6,1% em 1950 para 8,3% em 1970, 10,1% em 1980, 14,4% em 1990 e 20% em 2000, a política comercial americana tem uma característica muito mais pragmática e protecionista do que de abertura[8].

            As barreiras não-tarifárias, sua principal característica, superaram as tarifas como forma dominante de protecionismo nos anos 70 e 80. Nos anos 90, até mesmo as barreiras tarifárias funcionaram como forma de proteção; o intervalo tarifário saltou de 0 – 72% em 1992 para 0 – 188% em 1996, demonstrando o recrudescimento do protecionismo americano (Serra, 1998: 21), muito embora a tarifa média ponderada de todas as importações nos EUA tenha passado de 3,3% em 1992 para 2% em 1998 e 1,8% em 1999 (Baumann e Franco, 2001: 15-17). Mas, são, de fato, as barreiras não-tarifárias que mais estão presentes na política comercial americana.

            As barreiras externas impostas pelos EUA se traduzem em quotas tarifárias que são aplicadas contra importações de produtos alimentícios (para valores acima das quotas são aplicadas tarifas elevadas e, em alguns casos, proibitivas), em dificuldades para acessar o mercado de compras governamentais, por conta do Buy American Act (que proíbe a aquisição de bens e serviços de fornecedores e impõe requisitos de fabricação local), em normas e regulamentações extremamente complexas, que não os padrões estabelecidos internacionalmente, e possui 3 níveis de regulamentos diferentes (federal, estadual e local), em processos antidumping e anti-subsídios[9], em barreiras fitossanitárias e cláusulas sociais e/ou ambientais, em procedimentos e direitos compensatórios e na utilização indiscriminada do critério da “melhor informação disponível”. Vale salientar que existem limites para investimentos estrangeiros em áreas como telecomunicações (20-25% do capital das empresas) e companhias aéreas (49% do capital das empresas), sendo que uma emenda de 1988 possibilita ao presidente suspender qualquer operação de investimento estrangeiro que se julgue “lesiva à segurança nacional” (Serra, 1998: 25)[10].

            Em relação às exportações brasileiras não é diferente. Baumann e Franco (2001: 16) atestam que “...permanece em vigor a cobrança de direitos compensatórios nas importações de diversos produtos brasileiros, e picos tarifários afetam diversos produtos importantes para o Brasil, como suco de laranja, calçados e têxteis (a tarifa ou o equivalente tarifário médio imposto pelos EUA nos 15 principais produtos de exportação brasileiros atingem 46%, enquanto o nível tarifário médio imposto pelo Brasil nos 15 produtos de exportação mais importantes dos EUA é de apenas 14%)”.

            Na União Européia, além da forte incidência de tarifas sobre importações de produtos alimentícios e agrícolas estabelecidas pela PAC (Política Agrícola Comum) – produtos que ainda possuem fortes subsídios em suas produções domésticas -, existe tratamento preferencial para vários produtos e regiões (café colombiano e suco de laranja do mediterrâneo, por exemplo), e a estrutura de proteção revela forte progressividade, isto é, existe elevada proteção efetiva para produtos de maior valor agregado. Dentre as barreiras não-tarifárias, além de quotas, destacam-se as exigências de etiquetagem para identificar possibilidades de reutilização e reciclagem de embalagens, que acabam elevando custos, os processos anti-dumping e anti-subsídios[11], e os mecanismos de importação não-automática e do Sistema Geral de Preferências (SGP). Através do primeiro mecanismo, as importações que estão sujeitas a restrições quantitativas, medidas de salvaguarda ou monitoramento não usufruem da licença automática. Já o SGP estabelece um esquema de retirada de benefícios para certos países considerados competitivos em determinados produtos. Este mecanismo é o que dá o caráter individualizado (por país) à política comercial européia.

            A discrepância entre o discurso e a prática nos países centrais não se restringe ao aspecto comercial. De fato, “é de se destacar, igualmente, que a adesão dos Estados Unidos ao neoliberalismo restringiu-se ao terreno do discurso pois, na prática, a potência hegemônica adotou, de início, um keynesianismo bélico clássico, sucedido por investimentos e reestruturação industrial e atração de capitais estrangeiros...” (Tavares e Melin, 1997: 74). De fato, a Reaganomics se caracterizou nos EUA pelo elevado gasto público (principalmente bélico), sendo que a liberalização financeira externa se tornou necessária para financiar os déficit gêmeos (em transações correntes e a dívida pública). Em que pese toda a aversão neoliberal à presença do Estado, a dívida pública cresceu substancialmente em todos os países centrais, como atesta a tabela 3.

            Mesmo as imposições do Tratado de Maastricht para a União Européia referentes ao setor público não eram respeitadas até 1995. Segundo Plihon (1999: 103), impôs-se por aquele tratado que o déficit público dos países membros deveria ser inferior a 3% do PIB e a dívida pública não superaria os 60% do PIB. Entretanto, em 1995, os países da União Européia apresentavam um déficit público de 4,5% do PIB e uma dívida pública correspondente a 70% do PIB.

            No que tange à política industrial, Erber e Cassiolato (1997: 43-44) constatam que “a tão mencionada necessidade de retração completa do Estado no domínio industrial não encontra correspondência nas políticas efetivamente implementadas nos países mais avançados”.

 

Tabela 3 - Estoque de dívida pública em US$ bilhões – EUA e OCDE (1980-1994)

Ano

EUA (1)

EUA (% do PIB)

OCDE* (2)

(1) / (2)

1980

738

27,2

2159

34,2

1981

825

27,2

2188

37,7

1982

988

31,4

2505

39,4

1983

1174

34,5

2840

41,3

1984

1373

36,5

3058

44,9

1985

1598

39,6

3962

40,3

1986

1813

42,5

4995

36,3

1987

1954

43,0

5950

32,8

1988

2097

42,8

6108

34,3

1989

2244

42,7

6254

35,9

1990

2548

46,1

7411

34,4

1991

2845

49,7

8123

35,0

1992

3142

52,0

8752

35,9

1993

3382

53,3

-

-

1994

3542

52,6

-

-

*inclui EUA, Japão, Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha, Canadá, Espanha, Holanda, Austrália, Suíça, Suécia e Bélgica.

Fonte: Cintra, M.A.M. (1998: 217).

 

            Essa discrepância entre o discurso e a prática dos países centrais não se fez sentir em outras áreas das reformas de mercado. Na Grã-Bretanha do período Thatcher, abandonou-se o controle de salários e preços, foram eliminadas as restrições ao crédito, os serviços foram liberalizados, a reforma financeira (Big Bang) removeu as restrições ao setor, e ocorreram substanciais privatizações e reformas trabalhistas e sociais. Os efeitos foram uma grande redistribuição pró-rendas de propriedade, a redução do poder dos sindicatos e dos serviços públicos, e a elevação da pobreza (Calvet, 1994). Nos EUA, as conseqüências da Reaganomics foram sentidas sobretudo nas reformas fiscais de caráter regressivo, com a queda da pressão fiscal sobre as maiores rendas,  a redução da pressão fiscal sobre as empresas e o corte de programas de assistência social e de seguro desemprego. Calvet (1994: 250) estima que os 15% mais pobres nos EUA pioraram sua situação econômico-social em torno de 10% durante os anos 80.

            Na França, a desregulamentação dos anos 80, que começou pelo setor financeiro, reverteu o programa de nacionalização dos anos 70, através de consideráveis processos de privatização e reprivatização, abandonou todos os controles de preços em vigor desde 1945. Foi no segundo mandato de Mitterand (iniciado em 1988) que a disciplina monetária e a abertura de mercado (intra-CEE) foram implementadas como forma de engajamento na União Européia.

            As reformas de mercado atingiram também a Alemanha, onde a Economia Social de Mercado aderiu ao princípio do mercado aberto, complementado por políticas redistributivas de taxação de renda, e se comprometeu com as imposições bastante restritivas na política econômica para adequar-se à União Européia. Aliás, o estabelecimento do euro e da união monetária exigiram políticas contracionistas, disciplina fiscal e restrição creditícia, que provocaram redução do crescimento europeu na década de 90[12].

            Em que pesem as reformas liberais para o mercado doméstico (e regional no caso da União Européia e do NAFTA), as estratégias práticas de abertura externa nos países centrais estão muito distantes do discurso propalado, assim como a presença do Estado na economia, tanto que o grande crescimento da dívida pública desses países teve um papel importante na abertura e internacionalização financeiras.

 

2.2- A OPÇÃO DE INSERÇÃO INTERNACIONAL DOS PAÍSES ASIÁTICOS

 

            A inserção internacional dos países asiáticos tem se caracterizado pelo papel ativo que o Estado apresenta na condução do programa econômico de cada país. Isso é perceptível desde a época em que o Japão, a partir de uma situação econômica de grande atraso, conseguiu tornar-se uma das potências mundiais já no início da Primeira Guerra Mundial. “Para tanto, era condição necessária dotar o país não só de um exército nacional e de instituições modernas, mas também de uma indústria capaz de, sob o controle de capitais nacionais, garantir o fornecimento dos meios necessários ao enfrentamento tanto dos exércitos ocidentais quanto dos países vizinhos” (Torres Filho, 1999: 223).

            Já em sua reinserção internacional pós-guerras, o Japão conseguiu um verdadeiro milagre econômico. Entre 1953 e 1973, a taxa de crescimento média foi de 10% ao ano. Segundo Torres Filho (1999: 225), o país logrou este resultado em menos de 15 anos, com uma política comercial protecionista, avesso ao capital estrangeiro e com forte intervenção estatal.

            Na Coréia do Sul ocorreu algo similar, quando o governo autoritário do general Park Chung Hee dirigiu o país em marcha forçada para a industrialização, através de sucessivos planos qüinqüenais, nos anos 60 e 70. A partir de meados dos anos 60, a taxa média anual de crescimento da Coréia foi de 9,5% (Coutinho, 1999: 353)[13].

            O sucesso de alguns países da região, em termos de crescimento econômico, há alguns anos atrás, também pode ser creditado a uma especificidade nas suas formas de inserção internacional. Medeiros (1997 e 1998) e Cunha (1998) defendem que a compreensão disso só é possível a partir da dinâmica regional de desenvolvimento que se apresentou na região.

            Com o Acordo do Plaza, estabelecido pelo G7 em 1985, inaugura-se uma ofensiva comercial dos EUA para reverter seu déficit comercial estrutural com o Japão, e é consubstanciada uma forte valorização (endaka) do iene frente ao dólar. A pressão comercial americana, em conjunto com a perda de competitividade das exportações japonesas, define um processo de deslocamento produtivo regional em direção aos países do leste e sudeste asiático, primeiro para os 4 tigres (Coréia, Cingapura, Hong Kong e Taiwan) e depois para os países do ASEAN-4 (Tailândia, Indonésia, Malásia e Filipinas) e China[14]. Os países asiáticos tiveram uma inserção internacional com exportações de manufaturas de baixo valor unitário – com exceção dos tigres – e com recepção de elevados investimentos estrangeiros diretos, em particular vindos do Japão, que se aproveitaram do fato desses países não possuírem um câmbio tão apreciado frente ao dólar como o iene. Medeiros (1997: 303) ressalta que os dados mostrariam uma indução do desenvolvimento dos 4 tigres rumo ao ASEAN-4, no sentido de que “a aceleração do crescimento dos países do ASEAN-4 deveu-se ao boom das exportações e ao investimento, sobretudo sob a forma de investimento direto estrangeiro do Japão e demais ‘tigres’ ”.

            A dinâmica regional asiática foi redefinida pelo deslocamento do capital produtivo japonês para os demais países da região, que se transformou em investimentos que combinam substituição de importações com promoção de exportações. Assim, ao mesmo tempo que esses países exportavam manufaturas baratas para EUA e Europa Ocidental, serviam como mercado para os bens de capital japoneses.

            Essa forma de integração regional e a existência de mercados na OCDE para as exportações dos países asiáticos resultaram em consideráveis taxas de crescimento econômico. No período entre 1979-1988, período em que o deslocamento do investimento direto japonês se deu rumo aos 4 tigres, estes últimos apresentaram uma taxa média de crescimento de 7,9% ao ano, enquanto o mundo crescia a 3,4% e os países do ASEAN-4 (mais a China) cresciam a 5,8%. Já no período compreendido entre 1989 e 1996, quando a dinâmica regional de deslocamento de investimentos produtivos juntamente com crescimento de exportações se desloca para o ASEAN-4 e China, este último grupo cresce, em média, 7,8% ao ano, enquanto os tigres o fazem a 6,9% e o mundo a apenas 3,2%.

            Mesmo com a insistência de liberais como Anne Krueger[15], o sucesso dessa inserção internacional asiática, sob a dinâmica de uma economia de caráter regional, em nada se relaciona com os preceitos do laissez-faire. Medeiros (1997: 318) constata que “a influência positiva do Japão sobre o desenvolvimento capitalista asiático foi exercida mais como modelo para a ação estatal do que como mercado ou fonte de financiamento para o desenvolvimento econômico”. Coutinho (1999: 367), por sua vez, nota que, no caso coreano, “embora a retórica dos planos qüinqüenais [5º e 6º - 1982/86 e 1987/91 respectivamente] fosse de crescente liberalização e de ênfase no livre funcionamento dos mecanismos de mercado ... não resta dúvida de que o Estado continuou determinando os rumos e as prioridades do processo de desenvolvimento, embora delegasse um espaço bem maior para que o setor privado tomasse iniciativas e escolhesse alternativas, porém, dentro das diretrizes oficiais”.

            Ao contrário do alardeado e esperado por liberais renitentes[16], os problemas começaram a aparecer, talvez por mera “coincidência”, depois que os países asiáticos passaram a sofrer pressões pela abertura externa.

            Já no início dos anos 80, principalmente por pressão americana, deu-se a liberalização do mercado financeiro japonês. A valorização do iene não corrigiu os desequilíbrios nas contas correntes dos EUA com o Japão, demonstrando o caráter estrutural da competitividade japonesa. Dessa forma, o acúmulo de recursos externos no Japão levou à eliminação gradual dos controles sobre movimentação de capitais, sob a forma de desregulamentação financeira e novos produtos financeiros, e, dado o caráter valorizado do iene, à internacionalização dos bancos e dos investimentos[17].

            Antes de sua flexibilização, o sistema financeiro japonês foi sempre muito restritivo ao capital internacional. Sua principal característica era a existência de vários subsistemas especializados em financiamento quase que exclusivo da atividade produtiva. Os controles sobre os fluxos de capitais se traduziam em restrições proibitivas às transações em moeda estrangeira; “ademais as divisas resultantes de superávits em transações correntes eram entregues ao governo, de modo que, na prática, não havia mercado de câmbio” (Levi, 1998: 296).

            A flexibilização do sistema financeiro japonês nos anos 80, se deu com a desregulamentação interna (liberalização das taxas de juros para depósitos acima de 1 milhão de ienes com maturidade de no mínimo 3 meses; aumento do valor máximo de emissão de certificados de depósitos; desenvolvimento do mercado secundário de títulos públicos; desregulamentação do mercado doméstico de bônus privados; etc.) e a liberalização externa (ampliação do acesso das empresas a instrumentos de endividamento direto no exterior; criação em 1985 do mercado doméstico de bônus denominados em moeda estrangeira, emitidos por não-residentes, os chamados shogun bonds; permissão para bancos estrangeiros atuarem na recém aberta bolsa de futuros; início das operações no Japan Offshore Market em dezembro de 1986, passo decisivo para a abertura financeira para operações internacionais, etc.)[18]. Apesar dessa abertura do mercado financeiro japonês, trata-se de um processo lento e “as restrições para a entrada de instituições financeiras estrangeiras são ainda muito severas” (Lima, 1997: 28).

            As medidas de liberalização financeira no resto da região se traduziram em desregulamentação das taxas de juros, reformas e privatizações nos sistemas bancários e desregulamentação nos mercados cambiais, levando ao aumento no grau de abertura financeira dessas economias[19]. No caso específico da Coréia, Coutinho (1999) assinala que o governo implementou as reformas liberalizantes no período 1993-1996, especificamente nos mercados financeiros e, em segundo lugar, na conta de capital. No que se refere a esta última, o Banco Central afrouxou os controles, facilitando a tomada de empréstimos de curto prazo pelos bancos locais junto aos internacionais, o que redundou em novos empréstimos junto aos bancos domésticos, em crescimento da alavancagem e da fragilidade financeira dos grupos coreanos[20].

            Com isso, dados os preceitos liberais, estariam abertas as portas para a decolagem econômica da Ásia. Não foi bem isso que ocorreu.

            Os problemas já aparecem no início da década de 90, quando ocorreu o estouro da bolha especulativa no Japão, com o endurecimento da política monetária operada pelo Banco do Japão (BoJ). O crescimento da especulação financeira levou à fragilidade financeira dos agentes (empresas e famílias) que, defrontados com a iliquidez decorrente da política do BoJ, desembocou em uma deflação de ativos. A crise financeira no Japão se traduziu em uma retração da economia japonesa, que dura até hoje, e só entre 1990 e 1997 fez com que o país crescesse em média míseros 1,5% ao ano (Torres Filho, 1999: 244).

            Nos demais países da região os problemas vieram depois. A elevação do grau de abertura externa redundou em valorização de ativos e alavancagem especulativa de créditos, que provocaram o aumento da fragilidade financeira. Este processo, em conjunto com a adoção de regimes de câmbio (quase) fixo[21], deflagrou a crise financeira e cambial do sudeste asiático.

            A crise asiática de 1997 se configurou em ondas, de forma que, em primeiro lugar, ela atingiu a Tailândia, Filipinas e Malásia, em julho daquele ano; depois foram Taiwan e Hong Kong três meses depois; e, por último, Coréia e Indonésia em dezembro de 1997. Segundo Miranda (1998), as pressões baixistas no mercado de câmbio da Tailândia se iniciaram em maio de 1997, levando à saída de divisas e ao abandono do regime de câmbio fixo. A crise financeira realimentou a crise cambial, visto que a desvalorização do baht tailandês era inevitável. Logo depois a crise contagiou a região.

 

Tabela 4 – Conta corrente em % do PIB (1993-1996)

País\Ano

1993

1994

1995

1996

Japão

3,1

2,8

2,2

1,4

Hong Kong

7,0

1,6

-2,3

1,0

Coréia

0,1

-1,2

-2,0

-4,8

Indonésia

-1,8

-1,9

-1,8

-3,3

Malásia

-4,6

-5,9

-8,3

-5,2

Tailândia

-5,4

-5,6

-8,1

-8,0

   Fonte: Cunha (1998: 324).

 

            Os sinais da crise já eram visíveis antes com a elevação da fragilidade financeira interna e externa das economias ao longo dos anos 90. A tabela 4, por exemplo, apresenta a deterioração das contas externas de alguns países asiáticos. Deve-se notar que a sensível piora se dá justamente em países que entraram na primeira onda da crise (Malásia e Tailândia). É de ressaltar também o fato de que a conta de transações correntes da Coréia em 1993 passa de um superávit de 0,1% do seu PIB, para apresentar um déficit de 5% em relação ao PIB em 1997. A dívida externa, também como proporção do PIB, passou de 17,3% em 1993 para 22,9% em 1996 na Coréia, enquanto na Tailândia saiu de 41,7% em 1993 para quase 50% em 1996.

            Os pacotes de ajuda externa que foram formulados, sob gerência do FMI, são, no mínimo, curiosos. Esses pacotes totalizaram US$ 58,2 bilhões para a Coréia, US$ 36,6 bilhões para a Indonésia e US$ 17, 1 bilhões para a Tailândia (Medeiros, 1998: 152). Entretanto, na base dos acordos estavam as exigências de que os países realizassem e/ou aprofundassem as reformas financeiras, privatizações, aberturas comerciais, ajustes fiscais, abertura das contas de capital e, explicitamente para a Coréia, reforma no mercado de trabalho. Ao prescrever a elevação ainda maior do grau de abertura externa, os formuladores dos tais pacotes só poderiam estar acreditando em uma de duas coisas: ou seria mera coincidência que as crises (financeira no Japão e financeiro-cambial no restante da região) tenham ocorrido exatamente após a implementação de reformas financeiras pró-mercado, ou então, o que seria mais grave, até admite-se alguma relação, mas insiste-se na prescrição como se alguma transformação qualitativa adviesse da pura insistência nas reformas.

 

2.3- POLÍTICAS NEOLIBERAIS E ABERTURA EXTERNA NA AMÉRICA LATINA: PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS E DECEPÇÕES

 

            Mesmo antes de serem chamadas como tais, as políticas neoliberais do Consenso de Washington foram implantadas no cone sul americano durante a década de 70. O Chile foi o primeiro país a fazê-lo, após o golpe militar de 1973, sendo seguido pelo Uruguai no ano seguinte e pela Argentina em 1976.

            Alguns autores, como Cintra (1999: 129), afirmam que a seqüência correta das reformas, assim como preconizado pelo argumento seqüencial de Mckinnon, só foi seguida pelo Chile, ao ponto deste país ter sido considerado o primeiro exemplo a ser observado e imitado. Em determinado momento, afirmou-se que “a ordem correta da liberalização ... se aproxima à do exitoso experimento chileno posterior a 1975. O Chile há de tornar-se a norma ou padrão de referência” (Mckinnon, 1982: 159 – itálicos não originais). Por escolha irônica do destino, pouco tempo depois desta afirmação, o Chile se tornou de fato o padrão de referência para as experiências de liberalização mas, ao contrário do desejado por Mckinnon, como prova de seus fracassos. São as experiências na América Latina que se passa a analisar.

 

2.3.1- Chile: o campo de testes e o fascismo de mercado

 

As reformas estruturais foram implementadas neste país no ano seguinte à instalação do governo militar autoritário de Pinochet, e se estenderam até o início da década seguinte. A reforma tributária, por exemplo, foi implantada em 1975 e caracterizou-se por ser extremamente regressiva, envolvendo redução tanto de gastos públicos como de investimentos estatais, assim como na criação de alguns impostos. O imposto sobre valor agregado foi criado  para incidir sobre vendas e importações com a alíquota de 20% (Cano, 2000: 311). Deve-se  destacar que esta reforma levou o déficit operacional de 22,7% do PIB em 1973 para 2,9% do PIB dois anos depois (Gatica e Mizala, 1990: 55). Os efeitos desta reforma também podem ser vistos na tabela 5. O déficit primário como percentagem do PIB foi reduzido drasticamente de 24,6% em 1973 para 2,6% em 1975 e, a partir de 1979, o governo passou a apresentar um superávit primário.

O processo de privatização, por seu turno, se caracterizou pelo retorno da propriedade privada para várias empresas que haviam sido nacionalizadas pelo governo Allende. Essas reprivatizações fizeram com que, do controle estatal de 464 empresas em setembro de 1973, restassem apenas 53 em 1977 para serem privatizadas (Gatica e Mizala, 1990: 54).

As reformas no mercado de trabalho envolveram tanto a repressão aos sindicatos a partir de 1973, a suspensão da negociação coletiva[22], expansão de contratos individuais e flexíveis. Por outro lado, a reforma da previdência envolveu, entre 1974 e 1978, a maior unificação de diferentes sistemas e benefícios e o fim da identidade entre os salários dos funcionários públicos ativos e a pensão do aposentado. Já em 1980, foi criado um sistema de capitalização privado, de forma que foi incentivada a transferência do antigo para o novo sistema e a obrigatoriedade de filiação ao novo para todos os novos assalariados a partir de 1981, com exceção das forças armadas e os carabineiros (Cano, 2000: 314).

 

Tabela 5 – Indicadores Macroeconômicos e Sociais (Chile: 1973-1982)

Indicador

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

Inflação

605,9

369,2

343,2

197,9

84,2

37,2

38

31,2

9,9

20,7

Crescimento econômico1

-5,6

1,0

-12,9

3,5

9,9

8,2

8,3

7,8

5,5

-14,1

Investimento1

14,3

25,8

14

13,6

14,4

16,5

19,6

23,9

27,6

11,1

Desemprego2

-

9,2

16,4

19,9

18,6

17,9

17,7

17,3

15,6

26,1

Capacidade produtiva utilizada3

93,3

97,3

79,9

81,4

86,8

90,4

94,9

97,6

99

82,6

Formação bruta de capital fixo1

14,7

17,4

15,4

12,7

13,3

14,5

15,6

17,6

19,5

15,0

Déficit primário1

24,6

10,5

2,6

2,3

1,9

0,9

-1,7

-0,6

-3,0

-2,3

Gasto social per capita4

-

110,1

82,5

80,1

89

86,6

87,5

77,9

72,9

87,9

Índice de Gini

-

0,468

0,484

0,543

0,534

0,524

0,526

0,522

0,531

0,534

Índice de Gini5

-

0,518

0,566

0,618

0,599

0,588

0,589

0,578

0,579

0,624

1-em % do PIB.

2- incluindo os programas emergenciais de emprego (PEM e POJH).

3-em % da produção potencial.

4- 1970 = 100.

5- considerando os desempregados e a renda dos mesmos sendo nula.

Fontes: Foxley (1988: 48) para taxa de desemprego e para o gasto social, Ffrench-Davis et al. (1992: 38) para formação bruta de capital e capacidade utilizada, e Edwards e Edwards (1992: 184) para o restante.

 

            O programa de estabilização implementado pode ser dividido em quatro fases[23]. Na primeira, entre setembro de 1973 e março de 1975, a política de estabilização teve como objetivo principal desmantelar o controle de preços que era feito no governo de Allende, além da já citada forte redução no déficit primário. Nessa fase de liberalização, portanto, a política de estabilização foi gradualista, englobando medidas como a introdução do imposto sobre valor agregado, a eliminação ou redução de vários tributos diretos sobre o capital – inclusive com a abolição do imposto sobre patrimônio e lucros de capital – e liberalização de todos os preços (com exceção de 30 que o foram mais gradualmente). Além disso, foi feita uma desvalorização da moeda nacional em 230% entre setembro e outubro de 1973, sendo seguida de minidesvalorizações, que duraram até 1979. A característica gradualista da política ainda foi observada na redução do crédito, que procurou conter a demanda agregada e, portanto, os preços, de forma não traumática. Para isto ainda contribuiu a deterioração dos salários reais, conseqüência das reformas no mercado de trabalho.

            Embora a taxa de inflação não fosse mais a observada no período anterior, sinais de seu “recrudescimento”, em conjunto com a fortíssima retração da economia em 1975 (queda de 12,9% do PIB), somados à piora no saldo em transações correntes e no serviço da dívida, forçaram a mudança na política econômica.

            Entre abril de 1975 e junho de 1976, a nova política de estabilização, caracterizada pelo tratamento de choque, procurou reduzir abruptamente a demanda agregada, ao mesmo tempo em que se aprofundaram as reformas estruturais. Dentre as medidas destacam-se a redução dos gastos e investimentos públicos em 27%, em termos reais, no ano de 1975, substanciais aumentos nas tarifas públicas, elevação do imposto de renda e eliminação de isenções no IVA, modificação da base de referência para reajuste salarial - o que provocou maior arrocho - e a aceleração da redução da oferta monetária.

            Até o final de 1975, a inflação foi reduzida, passando de 69% no segundo trimestre do ano para 26% no quarto trimestre, e a perda de reservas internacionais foi diminuída. Entretanto, o retorno da aceleração da inflação no primeiro semestre de 1976 levou a uma nova mudança.

            Sendo assim, o programa de recuperação econômica, que durou de junho de 1976 a junho de 1979, alterou o diagnóstico da inflação, estabelecendo como sua causa os custos e as expectativas[24]. As medidas implementadas foram a revalorização do peso em 10% em junho de 1976, a redução de tarifas sobre importações e o estabelecimento de um calendário de futuras paridades cambiais. A taxa de desvalorização preanunciada (chamada La Tablita) se ajustava, no início, de acordo com a inflação passada e, a partir de 1978, reajustando-se em um nível inferior à inflação passada, isto é, implicando em uma valorização real da moeda chilena. Os impactos, como se pode ver na tabela 5, foram a drástica redução da inflação e a retração nas taxas de desemprego. Contudo, o déficit em transações correntes volta a se apresentar em 1976 e, além disso, mais do que dobra em 1977 e 1979, passando de US$551 milhões para US$1,19 bilhões (Tabela 6).

 

Tabela 6: Balanço de Pagamentos – Chile (1973-1982) em US$ milhões

Conta

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

Exportações

1316

2152

1590

2116

2186

2460

3835

4705

3836

3706

Importações

1329

1901

1520

1473

2151

2886

4190

5469

6513

3.643

Saldo comercial

-13

250

70

643

35

-426

-355

-764

-2677

63

Conta de serviços

-281

-556

-572

-543

-682

-759

-937

-1320

-2164

-2474

Transações correntes

-279

-292

-490

148

-551

-1088

-1189

-1971

-4733

-2304

Conta de capital

70

-63

374

61

568

1946

2248

3165

4698

1215

Fonte: IMF, International Financial Statistics.

 

            A quarta fase do programa de estabilização, que se inicia em junho de 1979, pode ser caracterizada pelo enfoque monetário do balanço de pagamentos. Nesse mês, a taxa de câmbio nominal é desvalorizada em 5,7% e depois fixada em 39 pesos por cada dólar. A idéia é a de que, seguindo a hipótese de paridade do poder de compra, uma vez completada a abertura da economia, a taxa de variação dos preços externos regulará automaticamente a inflação interna e, depois de um certo tempo, esta última seria igual à primeira. Os resultados desse tipo de política foram a redução da inflação e a manutenção de altas taxas de crescimento (tabela 5). Por outro lado, a convergência da inflação interna com a externa não se verificou, o que provocou uma forte valorização real do câmbio (tabela 7). Isto, em conjunto com a abertura comercial, levou a fortes déficits em transações correntes que, entre 1979 e 1981, tiveram um crescimento de 298% ! Estes déficits só foram financiados graças à enorme entrada de capital externo, em maior volume a partir de 1978/79 (tabela 6).

Independentemente das especificidades de cada fase, os programas de estabilização de todo o período, dentro das variáveis inflação e déficit público, parecem ter sido extremamente bem sucedidos. No que se refere à primeira, ela passa de 605,9% em 1973 para 9,9% em 1981. No que diz respeito ao saldo primário, o déficit sai de 24,6% do PIB em 1973 para 2,3% em 1976 e, a partir de 1979, o resultado passa a ser superavitário.

 

Tabela 7: Taxa de câmbio real efetiva* – Chile (1977-1982)

 

1º trimestre

2º trimestre

3º trimestre

4º trimestre

1977

83,6

78,5

81,8

89,5

1978

97,5

100,3

103,3

105,1

1979

106,3

105,8

109,4

102,5

1980

100,2

95,9

93,8

87,1

1981

82,1

75,2

71,3

72,8

1982

69,9

70,8

82,8

97,2

*o índice expressa a proporção entre a média ponderada dos índices de preços, expressos em moeda chilena, dos dez principais sócios comerciais do país, e o IPC chileno, para 1975=100.

Fonte: Edwards e Edwards (1992: 93).

 

            No tocante à abertura comercial, antes da implementação da reforma, a dispersão tarifária era alta (0%-750%) e os bens finais tinham maiores graus de proteção efetiva (Cano, 2000: 309). A abertura comercial chilena do período teve o intuito não apenas de reduzir as tarifas de importação, mas também eliminar/reduzir rapidamente as barreiras não-tarifárias, além de simplificar e reduzir as posições tarifárias. No lado da promoção das exportações, as políticas foram tímidas e não seletivas.

            A tarifa média sobre importações, que chegou a ser de 105% em 1973, apresentou ao final desse ano um valor de 94%, valor este que foi sendo reduzido rapidamente (52% no início de 1975 e 44% em meados do mesmo ano). Em 07 de junho de 1976, a tarifa média de importação atingiu 33%, ficando assim abaixo da que prevalecia na maioria dos países em desenvolvimento (Edwards e Edwards, 1992: 126). No final desse processo de redução tarifária, em meados de 1979, estabeleceu-se uma tarifa única (com exceção do setor automobilístico) de 10%. A seqüência dessa redução tarifária pode ser acompanhada na tabela 8, que ainda apresenta a tarifa máxima e a quantidade de produtos sujeitos ao valor máximo.

                O importante a destacar, além da redução da tarifa média de importação, é que a abertura comercial chilena também incluiu a substancial redução do valor máximo da tarifa, até igualar-se ao valor médio em junho de 1979. Nesse momento, 99,5% dos produtos estavam sujeitos à tarifa máxima que, naquele momento, era também a média, atingindo o objetivo de reduzir a dispersão tarifária que constava antes do regime militar.

 

Tabela 8: Seqüência da abertura comercial – Chile (1973-1979).

Datas

Tarifa máxima (%)

(%) de produtos sujeitos ao valor máximo

Tarifa nominal média (%)

31/12/1973

220

8,0

94,0

27/03/1974

160

17,1

80,0

16/01/1975

120

8,2

52,0

09/02/1976

80

0,5

38,0

07/06/1976

65

0,5

33,0

02/05/1977

45

0,6

22,4

03/12/1977

25

22,9

15,7

06/1978

20

21,6

13,9

06/1979

10,1

99,5

10,1

Fonte: Edwards e Edwards (1992: 127).

 

            A rápida redução das barreiras não-tarifárias pode ser ilustrada pelo fato de que, antes da reforma, “havia trezentos itens proibidos e quase a metade das posições tarifárias dependia de aprovação formal pelo banco central. A quase totalidade dessas restrições foi eliminada entre 1974 e 1976”. Foi ainda suspensa em 1974 a dependência que vários produtos tinham de um depósito prévio, sendo que dois anos depois essa dependência foi eliminada (Cano, 2000: 309).

            Os efeitos dessa abertura comercial foram, segundo Foxley (1988: 80):

(i) uma expansão inicial das exportações;

(ii) a mudança na estrutura de importações, sendo que os bens de consumo mostram o crescimento mais acelerado[25];

(iii) um efeito diferenciado sobre os diversos agrupamentos industriais e sobre as empresas dependendo do tamanho[26];  e,

(iv) queda do emprego industrial[27].

            O processo de liberalização financeira teve início em 1974 com a desregulamentação financeira interna e, só mais tarde, com a abertura para a atuação do capital externo. No início de 1974, foram reduzidos os requisitos de reservas nos bancos que, em 1973, superavam os 100%, passando a 42% em 1979 e 10% em 1980 (Edwards e Edwards, 1992: 70), assim como foi dada a permissão para operação de novas instituições financeiras não-bancárias (as chamadas Financieras) que atuavam com poucas restrições. Em maio de 1974 foi permitida a livre determinação das taxas de juros pelas Financieras e, no ano seguinte, as taxas de juros cobradas e pagas pelos bancos comerciais foram liberalizadas. Antes desta última medida, deu-se início à privatização dos bancos que haviam sido nacionalizados no governo Allende. Tudo isto  contribuiu para que as taxas de juros praticadas fossem sendo elevadas, o que em um contexto de redução inflacionária leva a taxas reais de juros não apenas positivas, mas crescentes. A desregulamentação sobre prazos de vencimento e alocação de crédito, conformou a desrepressão financeira interna nos moldes da teorização de Mckinnon (1973 e 1991).

            A liberalização financeira externa se processou posteriormente. Como afirma Edwards (1991: 140), “ainda que o mercado interno de capitais tenha sido reformado no início de 1975 – ao serem liberalizadas as taxas de juros e permitida a criação de novas instituições financeiras – as correntes de capital estrangeiro estiveram estritamente controladas até meados de 1979”. Isto em que pese o fato de que já em 1974 modificou-se a legislação cambial para permitir a tomada de empréstimos no exterior por empresas e indivíduos; lei que em 1977 foi estendida para os bancos. No que se refere ao investimento direto estrangeiro, outra ressalva deve ser feita, uma vez que a partir de 1974 inicia-se a desregulamentação do capital estrangeiro, dando-lhe ampla possibilidade de alocação setorial, notadamente na mineração, nos serviços de transporte aéreo e marítimo (Cano, 2000: 310). O processo de liberalização financeira externa, entre 1978 e 1980, permitiu às empresas nacionais maior acesso ao financiamento externo. Autorizou-se a redução do encaixe bancário sobre empréstimo externo, que, para um prazo de 2 a 3 anos, passou de 25% para 15%; para os empréstimos de prazo entre 4 e 5 anos manteve-se o encaixe a 10%. Foi facilitada também a entrada de bancos estrangeiros.

            Em junho de 1979, foi eliminada a restrição sobre a proporção máxima de obrigações externas de um banco com respeito a um ativo. Um ano depois, no mês de abril, decretou-se o fim da restrição quanto ao incremento máximo mensal para obrigações externas dos bancos. “Esta medida gerou um crescimento surpreendente nos passivos externos dos bancos (...) os créditos externos dos bancos que entraram no país subiram em 1980 mais de três vezes!” (Edwards e Edwards, 1992: 72).

            Dessa maneira, a liberalização financeira externa foi implementada após a desregulamentação financeira interna e, mesmo assim, a entrada de capital de curto prazo não esteve autorizada até julho de 1982, quando passou a ser permitida por breve período[28]. Isto não impediu que o processo de abertura externa tivesse suas conseqüências. A entrada de capital externo explode a partir de 1977/78 (tabela 6), o que, se de um lado serviu para cobrir os déficits em transações correntes, por outro levou a uma brutal aceleração no déficit na conta de serviços – crescimento de mais de 250% entre 1977 e 1982.

O efeito deletério da abertura externa ainda pode ser observado pelos indicadores da tabela 9, ressaltando o brutal crescimento da dívida externa a partir de 1979, a alteração da composição da dívida, com o predomínio da parcela privada a partir de 1980, e a explosão do serviço dessa dívida como proporção das exportações.

            É fundamental ressaltar ainda que, pelos dados da tabela 7, o forte movimento de valorização do câmbio real se dá a partir do 4º trimestre de 1979, justamente no período em que a liberalização financeira externa se acelera. Esta última, portanto, além de provocar o forte endividamento externo e o crescimento do déficit na conta de serviços (por conta do pagamento de juros e remessa de lucros e dividendos), foi responsável pela valorização do câmbio real que, em conjunto com a abertura comercial, provocou os enormes déficits comerciais observados a partir de 1978[29].

 

Tabela 9: Endividamento externo chileno (1973-1982) em US$ milhões

Indicador

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

Dívida externa

3664

4435

4854

4720

5201

6664

8484

11084

15542

17153

-parcela pública

3244

3966

4068

3762

3917

4709

5063

5063

5542

6660

-parcela privada

423

469

786

958

1284

1955

3421

6021

10077

10493

Serviço da dívida1

-

35,1

55,6

52,7

52,8

58,7

50,8

47,7

70,8

88,5

1-como proporção das exportações.

Fonte: IMF, International Financial Statistics e Foxley (1988: 48) para o serviço da dívida.

 

            Esse quadro de insolvência externa não passou desapercebido para o capital externo. A crescente necessidade de financiamento das contas externas só podia ser feita pela entrada do capital externo, o que requereria a elevação das taxas de juros que, em termos reais, chegaram a 59,2% em 1981. Para piorar a situação, o capital externo era direcionado em grande medida para financiar o consumo interno e a especulação financeira e imobiliária. A erosão das contas externas chilenas se traduziu na incapacidade de saldá-las, levando à fuga do capital externo. A vulnerabilidade externa do Chile provocou a crise cambial que levou à desvalorização forçada de 18% em junho de 1982.

            A vulnerabilidade externa se manifestou também no aumento da fragilidade financeira das empresas e bancos ao longo do período; “o problema das quebras alcançou proporções de crise em 1982, quando ocorreram 810 casos de quebra, mais do dobro do que a média dos cinco anos anteriores” (Edwards e Edwards, 1992: 96)[30]. A fuga de capitais em 1982 representou um resultado na conta de capital 74% inferior ao ano anterior (tabela 6). Os efeitos da crise foram a impressionante retração de 14% do PIB ainda em 1982, a taxa de desemprego de 26% da população economicamente ativa no mesmo ano, e 34% no ano seguinte. Além disso, ocorreu o enorme crescimento da dívida pública, que passou de US$ 5 bilhões em 1980 para US$ 10 bilhões em 1983, em muito por causa da estatização da dívida externa, sob a forma da estatização do sistema bancário, como atestam Foxley (1988) e Edwards e Edwards (1992).

            Se observado durante todo o período de reformas, o resultado também é totalmente desfavorável. É bem verdade que os ganhos de estabilização – redução drástica da inflação e do déficit público primário, sendo que este se transformou em superávit a partir de 1979 – foram consideráveis, do ponto de vista do curto prazo que caracteriza o primeiro elemento do programa neoliberal. As taxas de crescimento da economia no período 1977/81 também foram invejáveis, uma média anual de 10,5%. Por esses resultados é que o Chile se tornou o primeiro “exemplo” a ser seguido.

            Entretanto, a livre entrada de capital externo e, por determinado período, a manutenção de uma paridade fixa do câmbio (ou então de taxas de desvalorização inferiores às da inflação) levaram a uma sobrevalorização do câmbio real que, em conjunto com a abertura comercial, provocou déficits comerciais a partir de 1978. A liberalização financeira externa, por sua vez, sob o pretexto de financiar os déficits em transações correntes, resultou em uma maior remessa de juros, lucros e amortização da dívida, o que gerou uma substancial piora na conta de serviços. Outro efeito perverso foi o superendividamento externo público e privado, que no período 1973/82 cresceu 368%.

            Não bastasse isso, a taxa média de crescimento do PIB entre 1973/82 foi de apenas 1,9%, muito inferior aos pouco mais de 4% da época de substituição de importações. A formação bruta de capital fixo, como proporção do PIB, foi sempre inferior a 20% por causa das altas taxas de juros, pela redução do investimento público, do processo de desubstituição de importações decorrente da abertura comercial, e da baixa taxa média de utilização da capacidade instalada. Assim, mesmo na fase de crescimento (1977/81), a retomada baseava-se muito mais na capacidade ociosa do que no acréscimo de capacidade instalada.

            Adicionalmente, o período inteiro de reformas se caracterizou pela concentração de renda como atesta o crescimento dos coeficiente de Gini na tabela 5, e a queda de 15% nos salários reais entre 1970 e 1987, efeito que não foi alvo de nenhuma política compensatória, uma vez que o gasto social per capita caiu durante o período[31]. Tudo isso redundou em uma elevação, entre 1973 e 1990, no percentual de famílias pobres de 30% para 40% (Ramos, 1997: 18).

            Considerando todas as conseqüências produzidas pelas reformas neoliberais no Chile da década de 70, a avaliação não é nada positiva. “Em síntese, os resultados do experimento monetarista no Chile são negativos em quase todos os aspectos. Quedas de produção, investimento e emprego, são acompanhadas por um forte déficit no balanço de pagamentos e um superendividamento externo até 1982. O desemprego sobe dramaticamente e os indicadores distributivos mostram uma marcada deterioração para os setores assalariados” (Foxley, 1988:49). A primeira experiência neoliberal redundou em um rotundo fracasso.

            Vale salientar que o Chile só se recuperou no período 84-89 porque tomou algumas medidas anti-neoliberais a partir de 1983, como a promoção de exportações não-tradicionais (através de subsídios implícitos), aumento dos gastos públicos em obras e habitação, fixação de preços agrícolas mínimos e, principalmente, a redução do grau de abertura externa. O retrocesso na liberalização financeira já se dá em 1982, quando o governo assume por 6 meses a correção cambial sobre as saídas de capital e limita o endividamento externo dos bancos. No imediato pós-crise, ocorre a estatização da dívida de curto prazo do setor privado e, entre 85-89, promove-se a renegociação da dívida externa, com conversão da dívida em investimentos (US$ 9 bilhões) e novos empréstimos do FMI (US$1,3 bilhão). São tomadas também medidas para aumentar o controle sobre a entrada de capital, com o objetivo de evitar o transtorno e a instabilidade que haviam provocado[32]. O retrocesso na abertura comercial se deu tanto pela reintrodução de bandas de controle de preços externos, como pela criação de um sistema de defesa antidumping e a ampliação das tarifas médias sobre importações. Elas são duplicadas para 20% em março de 1983, sobem para 35% no ano seguinte, e voltam a ser reduzidas para 30% em março de 1985 e 20% em junho do mesmo ano.

            A recuperação posterior da economia chilena, entretanto, não conseguiu atingir a situação pré-crise: “na crise de 1982 o produto por habitante caiu 15% e a partir de 1984 tem se recuperado a taxas insuficientes para superar os níveis pré-crise. Com efeito, o produto por habitante em 1987 era 6% inferior ao do ano de 1981” (Gatica e Mizala, 1990: 60).

            O desastre da experiência neoliberal chilena da década de 70 ocorreu mesmo que sua reforma tenha sido feita de acordo com a seqüência ótima propagandeada pela visão convencional, isto é, o Chile abriu primeiramente a conta corrente para depois promover a liberalização da conta de capital. Na mesma época, Argentina e Uruguai implementavam as reformas neoliberais, mas não o teriam feito na seqüência “correta”, o que não lhes rendeu a mesma “honra” outorgada ao Chile de “padrão de conduta”[33].

 

2.3.2- Argentina: abertura externa em dois momentos

 

            A experiência da Argentina com os programas neoliberais de desenvolvimento não se restringe a apenas um período, mas é compreendida por dois momentos. O primeiro durou de 1976 até 1983 com a mesma característica política da experiência chilena, isto é, foi dominado por um fascismo de mercado que se estabeleceu após o golpe militar de 24 de março de 1976, sob o comando, durante grande parte do tempo, do ministro da economia Martínez de Hoz. O segundo momento da aventura neoliberal argentina se inicia em 1989 com a eleição de Carlos Menem para a presidência do país.

 

2.3.2.1- Abertura externa sob a ditadura política e mercantil

 

            O programa econômico implementado logo da instauração da ditadura militar teve um cunho extremamente ortodoxo com congelamento de salários, liberalização de preços, abertura comercial, desregulamentação das finanças e do controle ao capital externo, e redução da oferta de moeda. Sourrouille e Lucángeli (1983) dividem as políticas de estabilização em dois períodos, o primeiro até 1978, caracterizado pela política monetária ortodoxa com pouca vinculação entre os mercados de capitais interno e externo, e o segundo a partir de 1979, caracterizado pelo mesmo enfoque monetário do balanço de pagamentos que inspirou a política econômica chilena.

            Calvo (1991: 118-120) identifica quatro fatos estilizados para o primeiro período:

(a) no início do mandato de Martínez de Hoz são tomadas medidas para aumentar o preço relativo dos bens exportáveis (em específico, os tradicionais);

(b) redução drástica do déficit público (excluídos os juros);

(c) em março de 1977, é imposto o controle de preços durante um trimestre, enquanto que em junho do mesmo ano é liberalizado o sistema bancário e o déficit do governo passa a ser financiado principalmente por títulos e não mais por emissão monetária; e,

(d) controlou-se a taxa de câmbio, inicialmente para acompanhar a inflação (1 ou 2 trimestres), mas durante 1978 a taxa de desvalorização cai consideravelmente até recuperar-se levemente no último trimestre do ano.

            Nesse período, a política cambial foi utilizada para controlar a inflação, de forma que a valorização da moeda argentina foi de 33% em 1976, em relação ao ano anterior, e em 1978 de 25% (Cano, 2000: 111).

            Já a partir de 1978, assim como no Chile, foi implementada a Tablita, mas as taxas de desvalorização preanunciadas eram inferiores às da inflação, o que provocou uma valorização real média de 40% entre 1978 e 1981. As políticas de estabilização, no caso argentino, não deram tão certo como no início da experiência chilena, como atestam os dados da tabela 10.

           

Tabela 10: Indicadores Macroeconômicos – Argentina (1976-1983)

Indicador

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

Inflação anual

444

176

175,5

159,5

100,8

104,5

164,8

343,8

Crescimento econômico1

-0,2

6,5

-3,4

7,2

1,9

-6,9

-5,5

2,9

Investimento interno1

18,0

19,3

25,9

26,8

27,2

24,4

22,7

22,2

Déficit público primário1

12,9

11,9

10,1

9,0

11,3

16,4

17,2

-

Serviço da dívida pública1

6,0

5,9

8,3

6,6

4,1

8,2

11,9

-

Variação de salário real

-32,7

-1,4

-1,4

14,3

11,3

-10,3

-

-

Taxa de câmbio real2

121,2

105,7

84,6

60,95

50,43

60,6

100,1

117,3

1-em % do PIB.

2-para 1990=100

Fontes: IMF, International Financial Statistics; World Bank; Calvo (1991: 118) para o setor público; Sourrouille e Lucángeli (1983: 100) para os salários reais; e, Damill e Keifman (1992: 107) para a taxa de câmbio.

 

Os dados mostram que os ganhos com a redução da inflação anual nunca fizeram com que ela ficasse abaixo dos três dígitos e, a partir de 1980, ela volta a subir. Já no que se refere ao déficit público primário, obteve-se uma redução de até 9% do PIB em 1979 mas, ele voltou a subir a partir desse momento e, ao contrário do Chile, superávits primários nunca foram obtidos.

            A abertura comercial se caracterizou, de imediato, pela eliminação do câmbio múltiplo, eliminação de restrições às exportações (redução de impostos sobre exportações tradicionais e redução de incentivos para exportações não-tradicionais), redução da tarifa média de importação de 93% para 52% e elevação dos incentivos para exportações tradicionais em até 25%.

            O sistema tarifário de comércio exterior vigente em 1976 tinha sido sancionado quase 10 anos antes (1967). Já no final de 1976 é unificado o câmbio para operações comerciais e financeiras, são liberalizadas as restrições financeiras sobre importações e reduzidos os direitos de importação como o regime de tratamento preferencial. Em 1978 estabeleceu-se o segundo acontecimento importante no desenvolvimento da abertura comercial[34]. Tem início a reforma tarifária geral, que pretendia levar a proteção nominal contra importações a um nível médio de 15% até 1984, com uma dispersão mínima em relação ao número de produtos. Com isso, a tarifa média cai de 55% para 29% entre meados de 1976 e o final de 1978, e atinge 26% no início de 1979.

            Algumas medidas reforçaram os efeitos dessa redução tarifária, como a redução das normas de importação para bens de capital. Além disso, “ajustou-se a tarifa e foi autorizada a importação, até então proibida ou restringida, de um considerável número de produtos que caíam na qualificação de ‘suntuários’ ” (Sourrouille e Lucángeli, 1983: 56). Em julho de 1980, as barreiras não-tarifárias passavam a ficar incorporadas formalmente à tarifa de importação, mediante uma modificação dos direitos existentes e a revogação das leis ou decretos que lhes davam origem.

            Os efeitos da abertura comercial entre 1976 e 1980-81 podem ser observados na composição das importações. Os bens de consumo passam de 2,2% do total de importações para 17,6%, enquanto os bens de capital e os bens intermediários passam, respectivamente, de 16,6% para 22,4% e de 63,4% para 49,5%. A abertura comercial quadruplica as importações de bens de capital, mas as de bens de consumo crescem 13 vezes! (Cano, 2000: 113) O total de importações cresce, principalmente a partir de 1979, tanto pela abertura comercial como pela valorização do câmbio real, como mostra a tabela 11. As exportações, por sua vez, crescem bastante já a partir de 1977.

 

Tabela 11: Balanço de pagamentos – Argentina (1976-1983) em US$ milhões

Conta

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

Exportações

3918

5651

6401

7810

8021

9143

7623

7835

Importações

2765

3799

3488

6028

9394

8431

4859

4119

Balança comercial

1153

1852

2913

1782

-1373

712

2764

3716

Balanço de serviços

-520

-757

-1125

-2352

-3424

-5402

-5151

-6168

Transações correntes

651

1126

1856

-513

-4774

-4712

-2353

-2436

Conta de capital

487

583

267

4430

2377

1646

2123

577

Fonte: IMF, International Financial Statistics.

 

            Do lado financeiro, a desregulamentação interna se processou através de uma reforma bancária que “deu aos bancos e às ‘financieras’ um grau considerável de liberdade na determinação das taxas de juros (exceto para depósitos à vista, que tiveram suas taxas de juros mantidas em zero), no direcionamento do crédito e no número de sucursais” (Calvo, 1991: 114-115). Foi em junho de 1977 que entrou em vigor o novo Regime de Entidades Financeiras, que, além da liberalização generalizada das taxas de juros ativas e passivas, recriou um sistema de reservas fracionárias[35], estabeleceu plena garantia de depósitos[36], e recriou a função de emprestador de última instância para o Banco Central. A redução das restrições internas sobre o movimento de capitais ainda incluiu a diminuição para um ano no prazo mínimo de contratação de empréstimos financeiros, prazo este que foi eliminado posteriormente.

            No front externo, a liberalização financeira se processou mais radicalmente a partir de 1978. Em 1977 houve uma alteração na regulação sobre movimentos de capital; passava-se a regular agora a entrada dos capitais, ao contrário do esquema tradicional de controle de saída, o que não impediu que o capital externo continuasse entrando, atraído principalmente pelas altas taxas de juros. Mas, foi a partir de 1978 que a desregulamentação sobre o fluxo de capital externo se intensificou[37]. O Regime de Entidades Financeiras foi sofrendo modificações, de forma que o Banco Central não mais regulou os preços no mercado de divisas; deu-se tratamento não-discriminatório para instituições estrangeiras e foi habilitado um mercado a termo para as divisas em julho de 1978. Em dezembro desse ano foram tomadas as medidas que tornaram gradativamente menos restritiva a entrada de capital externo: (i) autorização de captação de depósitos em moeda estrangeira pelos bancos argentinos; (ii) limitação a um ano do prazo mínimo para captação de empréstimos externos; e, (iii) redução gradual desse mesmo prazo, até sua eliminação em 1979. Não é por outro motivo que a entrada de capital externo em 1979 supera a do ano anterior em 1559% (tabela 11)!

            Os resultados do processo de abertura externa na Argentina dos anos 70 parecem ter sido ainda piores do que os chilenos, já que a Argentina não contou nem com ganhos substanciais no combate à inflação, nem com períodos de crescimento que pelo menos pudessem dar confiança, ainda que momentaneamente, aos entusiastas da abertura externa como única alternativa de desenvolvimento[38] A crise argentina já é vislumbrada em 1980 quando o capital externo não ingressa mais com a volúpia do ano anterior e a economia argentina apresenta um crescimento pífio de 1,9%.

O capital externo não se comportou dessa maneira por mero capricho em seu humor. O déficit em transações correntes aparece em 1979 (US$ 513 milhões) e explode, não coincidentemente, a partir daí, chegando a US$ 4,8 bilhões em 1980. Ainda mais claro do que no Chile, o saldo da balança comercial é o menor culpado por esse resultado, já que ele só foi negativo em 1980. Por outro lado, o saldo na conta de serviços é deficitário em todo o período, mais do que duplica em 1979, e atinge um déficit de US$ 5,4 bilhões em 1981. Os impactos da liberalização financeira externa ainda podem ser notados pelo fato de que a maior valorização do câmbio real se deu no período 1977-79, período em que foi acelerada a abertura financeira. Deve-se ressaltar ainda o superendividamento externo provocado por essa estratégia de inserção internacional, como demonstram os dados da tabela 12. O estoque da dívida externa se eleva constantemente no período todo (1976-83), mas o faz em maior proporção na época de maior liberdade para a movimentação de capital externo (1978-81). O agravamento contínuo e crescente de indicadores como a proporção da dívida externa sobre o PIB e a proporção da mesma sobre o total de exportações só podia sinalizar um fato para os investidores externos: a incapacidade cada vez maior que a economia argentina tinha para honrar seus compromissos externos. A vulnerabilidade externa da economia argentina, provocada pela estratégia de abertura externa, foi a responsável pela crise que se abateu no país. Os efeitos distributivos podem ser atestados pela remuneração média industrial urbana que é 37% inferior em 76-81, em comparação com 1974, 25% menor em 1979-81 e 37% inferior em 82 (Cano, 2000: 115).

 

Tabela 12: Endividamento externo argentino (1976-1983) em US$ milhões

Indicador

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

Estoque total

8379

9678

12496

19034

27162

33534

43634

45069

Dívida privada

3190

3634

4139

9074

127703

14526

15018

13360

Dívida pública

5189

6044

8357

9960

14459

19008

28616

31709

Total/PIB

17,1

17,4

21,6

26,3

30,9

40,1

53,7

53,6

Total/exportações

2,13

1,71

1,95

2,43

3,38

3,66

5,72

5,75

Fontes: Sourrouille e Lucángeli (1983: 99) e Damill e Keifman (1992: 106), a partir de dados do FMI.

 

            Dessa maneira, “a primeira experiência de liberalização da conta de capital e de abertura praticamente irrestrita ao fluxo de fundos do exterior foi implementada a partir de dezembro de 1978 e esteve em vigência por pouco mais de dois anos até que, no primeiro trimestre de 1981, sofreu um completo colapso no contexto de uma corrida sem precedentes contra a moeda doméstica, alimentada por uma fuga de capitais também sem precedentes” (Fanelli e Machinea, 1997: 140). O processo culminou, em 1982, com o aprofundamento da crise, o que obrigou, novamente, a uma reversão nas reformas, com o controle das importações e das transações externas, inclusive com a centralização do câmbio em abril de 1982. Deve-se notar que, durante a década de 80, o país não desenvolveu um sistema de indexação de ativos, como fez por exemplo o Brasil, o que, em períodos de alta inflação, como foi o caso dessa década, provoca a tendência à fuga da moeda local, a “desmonetização” e a dolarização informal (Hermann, 2000: 11-12). Estava preparado o terreno para a segunda experiência neoliberal na Argentina.

            O período 1983-1989 foi, ao mesmo tempo, caracterizado pelo processo de redemocratização, a partir da vitória nas eleições de Raúl Alfonsín, que assumiu a presidência em outubro de 1983, e pelos efeitos da crise da dívida externa e da aceleração inflacionária, que se abateram sobre os países da região ao longo da década de 80.

            As tentativas fracassadas de estabilização nesse período, como no caso do Plano Austral de 1985, constituído basicamente pelo congelamento de preços e salários, e de reversão no quadro das contas externas deficitárias, levaram ao desgaste político do governo e à vitória da oposição nas eleições presidenciais de maio de 1989.

 

2.3.2.2- abertura externa e dolarização

 

            A eleição de Carlos Menem em 1989 deu início a uma nova e mais radical implementação do ideário neoliberal na economia argentina. Em julho desse ano, o novo governo já assume com uma inflação acumulada de 715% e põe em marcha o Plan BB de cunho extremamente ortodoxo, que compreendeu medidas como: (i) aumento de tarifas públicas e redução nos gastos públicos (inclusive investimentos); (ii) suspensão por 6 meses de todos os subsídios e incentivos fiscais; (iii) aumento de impostos sobre exportações e fortes desvalorizações cambiais; (iv) baixos reajustes salariais; e, (v) corte na oferta monetária que elevou as taxas de juros, embora ainda inferiores à inflação.

 

Tabela 13: Indicadores macroeconômicos – Argentina (1989-1999)

 

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

G

-6,2

-1,8

10,6

9,6

5,7

5,8

-2,8

5,5

8,1

3,9

-3,4

P

4924

2314

171,7

24,9

10,6

4,2

3,4

0,2

0,8

0,9

-1,2

FBKF

15,5

13,9

14,6

16,7

19,0

19,9

17,9

18,0

19,3

19,9

17,8

Notas: G é a taxa de crescimento anual da economia, P é a taxa de inflação anual e FBKF a formação bruta de capital fixo como proporção do PIB.

Fonte: IMF, International Financial Statistics.

 

            A permanência da inflação e a profunda recessão (taxa de crescimento de –6,2% em 1989 – tabela 13) levaram à adoção de um novo plano econômico em janeiro de 1990. O Plan Bonex foi mais duro do que o anterior, levando as taxas de juros a níveis superiores aos da inflação, o que redundou em taxas reais de juros positivas que, entre abril e setembro de 1990, oscilaram entre 80% e 150% ao ano. O tratamento de choque ainda foi sentido na troca compulsória dos depósitos a prazo nos bancos por títulos de dívida pública dolarizados (os Bonex), pagáveis em 10 anos, com diferença cambial a favor do governo. Contrariamente ao plano anterior, o câmbio foi valorizado em 41% de 1989 para 1990. A recessão continuou e a inflação mostrava resistência à baixa; a taxa de crescimento da economia foi, em 1990, igual a –1,8% e a inflação atingiu 2314,7%.

            Em janeiro de 1991, é lançado o Plano de Convertibilidade que engloba a proibição por lei de mecanismos de indexação, a fixação de salários e tarifas públicas por tempo indeterminado, a aceleração da abertura comercial e a lei de convertibilidade, que fixou o  câmbio em 10.000 austrais (moeda argentina da época) por dólar e, posteriormente (01/04/1991), fixou a taxa de câmbio em 1 dólar por peso (nova moeda). Mais do que isso, essa lei, em seu artigo 4, criava a exigência de uma cobertura de reservas internacionais de 100% para a base monetária, incluindo-se nas reservas do Banco Central seus outros ativos externos (além das divisas) e os títulos públicos emitidos em moeda estrangeira nele depositados[39]. O Plano de Convertibilidade se aproveitou da grande dolarização já atingida pela economia naquele momento. A tabela 14 mostra a evolução e a composição dos depósitos bancários. Esses dados evidenciam dois fatos importantes. Em primeiro lugar, a desmonetização que havia caracterizado a década de 80 é revertida pelo crescimento dos depósitos tanto em moeda nacional como em dólares, a partir de 1991[40]. Em segundo lugar, os dados mostram o maior crescimento dos depósitos em dólares, chegando em 1995 como o maior componente dos depósitos bancários.

 

Tabela 14: Composição dos depósitos bancários – Argentina (1988-1998)  US$ bilhões

 

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

19981

Total

12,6

10,6

10,2

14,5

24,6

38,2

45

43,2

53,2

68,4

76,8

Em pesos2

90,2

88,5

72,2

55

55,5

52,8

-

45,7

46,9

46,4

44,9

Em US$2

9,8

11,5

27,8

45

45,5

47,2

-

54,3

53,1

53,6

55,1

1-dados até setembro.

2- como % do total.

Fonte: Hermann (2000: 35).

 

            Os resultados do programa, em termos de estabilização são satisfatórios, pois a inflação é fortemente reduzida (171,7% em 1991 e 24,9% em 1992) e as contas públicas apresentam uma melhora em virtude da forte redução dos juros reais em 1992-1993, com uma média anual de cerca de 13%, graças também à queda dos juros internacionais. Além disso, a arrecadação é elevada, não só pelas receitas do programa de privatizações[41], mas também em virtude do forte crescimento econômico de 1991 (10,6%). Depois desse ano, os ganhos de estabilização no tocante à inflação foram se mantendo.

            A maior parte da abertura comercial do período de reformas se processou entre 1989 e 1993 com a eliminação dos regimes de consulta prévia para importar – chegando praticamente a desaparecer em 1991 a necessidade de permiso previo de importación -, aumento de impostos sobre exportações e redução de subsídios tributários, com objetivos fiscais emergenciais. Em 1992 as exportações passaram a ser incentivadas novamente. Em outubro de 1990, foram retirados todos os ônus sobre importações de bens de capital e a redução das posições com restrição de importação de 2000 produtos para 25. As restrições foram totalmente eliminadas em janeiro de 1991.

            A estrutura tarifária, por sua vez, também sofreu profunda alteração com a abertura comercial. A tabela  15 mostra a evolução dessa estrutura até meados de 1991.

 

Tabela 15: Evolução da estrutura tarifária – Argentina (1988-1991)

Mês\Ano

Início*

09/89

01/90

03/90

07/90

09/90

04/91

Tarifa média

28,86

26,46

16,36

15,47

18,45

17,29

9,73

Tarifa máxima

40

40

24

24

24

24

22

Tarifa mínima

5

0

0

0

5

5

0

Posições com tarifa máxima

2325

2311

3139

3020

3113

3821

3808

Posições com tarifa mínima

849

777

783

1419

795

926

5165

*situação vigente em 1988.

Fonte: Damill e Keifman (1992: 119).

 

            Deve-se ressaltar a consistente redução da tarifa média de importação, assim como a da tarifa máxima que sai de 40% no início do processo de abertura comercial para chegar a 22% em abril de 1991. A tarifa mínima de 5% foi eliminada, sendo que o número de posições nessa tarifa chega a impressionantes 5165 em abril de 1991. Nesse mesmo momento, é eliminada a tarifa específica que detinha entre 150 e 300 posições. Desde abril de 1991, rapidamente, as tarifas baixam ainda mais e são estratificadas em três grupos (0%; 11% e 22%), sofrendo posteriormente um reescalonamento em oito níveis crescentes que saíam de 0% até 20%, na razão de 2,5%. É preciso lembrar, como faz Cano (2000: 129), que em 1992 a crise brasileira fez com que o governo argentino tomasse medidas que levaram a tarifa média para cerca de 18%[42].

A liberalização financeira externa foi ainda mais radical do que a abertura comercial. Segundo Bouzas (1996: 116), já no final de 1989 foram suprimidas todas as  restrições sobre transações em divisas e investimento externo (seja investimento direto ou de carteira). De fato, esta segunda experiência de liberalização financeira é extremamente radical, levando o grau de abertura financeira a um nível bastante próximo do seu limite. Entretanto, esse processo não se deu de forma imediata em 1989. Conforme Hermann (2000: 12-13), podemos apontar as principais medidas nessa direção da seguinte forma:

(a) Lei de Emergência Econômica (08/89): concedeu as mesmas condições de tratamento regulatório, creditício e tributário para o capital externo, sob a forma de investimento direto estrangeiro, que as possuídas pelo capital nacional;

(b) Lei de Reforma do Estado (08/89): regulamentou as privatizações (incluindo bancos nacionais e de províncias), com incentivos à participação estrangeira no processo;

(c) Normas do Banco Central que, em 07/89 e 03/91, regulamentam a captação de depósitos e operações de crédito em dólares pelos bancos argentinos e, em 12/89 e 04/91, a liberalização do mercado de câmbio;

(d) Plano/Lei de Convertibilidade (03/91): proíbe a indexação de valores, permite os pagamentos em moeda estrangeira, institui o regime de currency board, estabelecendo a livre convertibilidade entre a moeda nacional e o dólar e autoriza a realização de contratos em moeda estrangeira[43];

(e) Decreto de Desregulamentação do Mercado de Valores (11/91): eliminou impostos e outras restrições às operações com títulos mobiliários[44];

(f) Nova Carta Orgânica do Banco Central (09/92): definiu sua independência, vetando sua atuação como financiador do Tesouro Nacional[45] e restringiu seu papel de emprestador de última instância[46];

(g) autorização, no final de 1993, de ingresso de novas entidades financeiras (a regulamentação de não autorização já durava mais de 10 anos); e,

(h) Decreto 146/1994: liberou e regulamentou a operação de instituições financeiras de capital estrangeiro, fornecendo-lhes tratamento regulatório idêntico às nacionais.

Este conjunto de medidas representa, de forma muito mais radical, a volta ao quadro institucional existente no final dos anos 70, ou seja, abertura financeira com concentração de capital financeiro, a existência de bancos universais que operam sem restrições de mercado, e a desnacionalização. A participação dos bancos privados estrangeiros no ativo total do sistema argentino sai de 39,9% no fim de 1996 para 51,2% em setembro de 1998 (Hermann, 2000: 38).

            Com isso tudo e, principalmente, o perfil dolarizado que assume o sistema financeiro argentino, eleva-se a fragilidade financeira de suas instituições e, portanto, a vulnerabilidade externa do país. Em 1995, por exemplo, o efeito tequila proveniente da crise mexicana de dezembro de 1994 reduziu drasticamente a entrada de capital (caiu de US$ 9,3 bilhões em 1994 para míseros US$ 540 milhões no ano seguinte), o que provocou uma forte pressão cambial com elevação da fragilidade das instituições financeiras e um ajuste interno recessivo (taxa de crescimento de –2,8% em 1995)[47]. Essa extrema dependência do capital externo faz com que a economia argentina apresente um ciclo de crescimento bastante instável, ora com taxas muito positivas, ora com retrocessos expressivos (tabela 13). Como afirmam Freitas e Prates (1998: 181), “a vulnerabilidade do sistema financeiro argentino à reversão dos fluxos de capitais, intrínseca ao regime de conversibilidade, é agravada pela liquidez dos depósitos em dólares (e pesos) e pela concentração dos empréstimos em setores non-tradables, que ampliam a exposição das carteiras dos bancos às desvalorizações cambiais”.

            Como efeito do processo de liberalização financeira externa, ocorreu no país uma forte entrada de capitais, sendo que, entre 1991 e 1994, essa entrada totalizou US$44 bilhões, dos quais apenas US$ 12 bilhões como investimento direto estrangeiro e, destes, US$ 5,3 bilhões destinados a privatizações. A abertura comercial, em conjunto com a forte valorização do câmbio real[48] - conseqüência tanto do regime de câmbio nominal fixo como da livre entrada de capitais externos – fizeram com que as importações quintuplicassem entre 1990 e 1994. Como decorrência dos déficits comerciais e da conta de serviços, o déficit em transações correntes como proporção do PIB passou de 2,4% em 1992 para 3,6% em 1994 e 4,8% em 1998.

            Em outras palavras, o processo de abertura externa na Argentina da década de 90, aprofundado e agravado por um regime de câmbio nominal fixo, levou a déficits crônicos em suas contas externas, ao aumento do endividamento externo público e privado, que passa de US$ 62 bilhões em 1990 para US$ 79,5 bilhões quatro anos depois, sendo que a parcela do setor público, no mesmo período, sai de US$ 49 bilhões para US$ 61 bilhões[49], e à volatilidade nas taxas de crescimento da economia. O valor médio da taxa de crescimento entre 1989 e 1999 foi inferior a 3% ao ano[50], mas o que é mais indicativo é o fato de que os anos recessivos (1995 e 1999) foram justamente aqueles em que o capital externo mais se retraiu, evidenciando a fragilidade e vulnerabilidade externas da Argentina, que provocam uma forte restrição externa ao seu crescimento. Isto em termos distributivos também trouxe seus efeitos. Se a distribuição de renda tem sido regressiva nos últimos 25 anos, no último período ela regrediu mais ainda, pois, entre 1990 e 1998, a participação dos 20% mais pobres passa de 5,7% da renda para 4,2%, e a dos 20% mais ricos de 50,8% para 53,2% (Cano, 2000: 151).

            Apesar do agravamento da situação, o governo argentino parecia decidido a manter a convertibilidade e o grau de abertura externa, dez anos após o início do projeto neoliberal. No início de 2001, o governo chegou a anunciar um projeto para flexibilizar o regime cambial do país onde a cotação do peso passaria a ser igual a 50 centavos de dólar somados a 50 centavos de euro. Chegou também a ser anunciado um sistema cambial diferenciado para as transações comerciais e as financeiras. Entretanto, o compromisso com a convertibilidade ainda era afirmado explicitamente. Isto continuou impondo dois problemas para o país. O primeiro foi a manutenção de sua total inexistência de soberania no manejo da política econômica, o que não apareceu como um grande problema para os seus governantes. O segundo foi, como conseguir crescer e, ao mesmo tempo, obter reservas para manter o câmbio estável? Se o Banco Central argentino não pode emitir dólares e o FED americano não acenou para a incorporação de um novo “Porto Rico” aos seus Estados Unidos, a Argentina só teria duas saídas: vultosos saldos positivos na balança comercial ou continuidade da entrada de capital externo para financiar suas contas. A primeira alternativa não se mostrou muito promissora, não só pelos efeitos deletérios da abertura comercial, mas também pela valorização cambial que a Argentina sofreu em relação a seus principais parceiros comerciais. A segunda alternativa tampouco se mostrou sustentável, uma vez que a pergunta relevante ainda estava presente: até quando os investidores externos aceitariam financiar um país com superendividamento externo, déficits estruturais em transações correntes e restrição externa ao crescimento?

            A eclosão da crise, inclusive na esfera institucional, em novembro de 2001 mostrou que o experimento neoliberal argentino fracassou rotundamente.

Em janeiro de 2002, o país foi obrigado a abandonar oficialmente a lei que impunha a paridade entre o dólar e o peso. Inicialmente, foi anunciado um sistema de câmbio duplo com uma taxa fixa para comércio exterior e pagamento da dívida externa federal, e outra flutuante para as demais operações (turismo, poupança e importação de bens de consumo). Ao longo do ano, a incapacidade do país em honrar seus compromissos externos e a crise que se desenvolveu por conta da insuficiência de dólares no sistema bancário, frente à demanda dos correntistas, que desejavam retirar seus saldos em dólares, conformou uma intensa crise cambial e financeira no país.  Qualquer atitude frente a essa crise não escapará de altos custos econômicos e sociais para o país que, sem dúvida alguma, devem ser debitados em qualquer balanço geral que se faça das políticas neoliberais na América Latina. Saliente-se que, entre outras coisas, a crise já deixa, em meados de 2002, cerca de 25% da população desempregada e 51% da mesma vivendo em condições de pobreza.

 

 

 

2.3.3- México: mais um experimento no início da década de 90

 

            Apresentado como caso exemplar de um suposto sucesso na aplicação das políticas neoliberais, chegando até à indicação do cargo máximo da OEA para seu presidente Salinas, o México passou a ser referência dos resultados que essas políticas promovem. Ao invés de um exemplo de sucesso, como queriam os defensores e ideólogos do neoliberalismo, o México demonstrou, mais uma vez, a fragilidade e vulnerabilidade externas como conseqüência de um processo radical de abertura externa, processo que culminou com a grave crise de dezembro de 1994.

            Este país começou a implementar este tipo de política após passar pela crise da dívida externa no início da década de 80. O ano de 1982 representou não apenas uma exacerbação da crise, mas também uma profunda modificação na estratégia de desenvolvimento. O governo de López Portillo, entre 1979 e 1982, pode ser entendido como “a transição de uma postura mais nacionalista para outra francamente mais atrelada à política dos EUA, mais conservadora, fechando acordos com o FMI e colocando como eixo central da política econômica a opção pelo petróleo, ainda que para isso tivesse sido necessário um endividamento externo. A gestão Portillo representou, então, o fim de um processo de políticas de industrialização substitutivas de importações e o início – frustrado pela crise – de uma política liberalizante” (Cano, 2000: 408-409 – itálico original).

            A gravidade da crise em 1982 levou à suspensão do pagamento do serviço de uma dívida externa que passou de US$ 40 bilhões em 1980 para US$ 90 bilhões dois anos depois. Para piorar a situação, ocorreu uma reversão abrupta da taxa de crescimento da economia, que passa de 8,8% em 1991 para –0,6% em 1982, a explosão inflacionária que sai de 28,7% em 1981 para atingir 98,8% no ano seguinte. Além disso, o desequilíbrio financeiro do setor público se torna crônico quando em 1982 o déficit público como proporção do PIB atinge 17%. A gravidade dessa crise fez com que as reformas liberalizantes fossem adiadas, com exceção do programa de desestatização, e as políticas de estabilização passassem a ser a prioridade na agenda do novo governo empossado em novembro de 1982.

            Autores como Paula (1994) e Ferreira (1994) dividem a implementação das políticas de estabilização em duas fases[51]. A primeira compreenderia o período entre 1982 e 1987, englobando tanto as medidas emergenciais de 1982 para fazer frente à crise da dívida, como o Plano Imediato de Reordenação Econômica (PIRE). As políticas executadas para contornar a insolvência externa foram:

(a) reestruração da dívida externa e estabelecimento de um novo calendário para o pagamento do seu serviço (que voltou a ser pago em 1983);

(b) o Estado assume os passivos privados, inclusive com a nacionalização dos bancos em 01/09/1982[52];

(c) ajuste fiscal englobando a redução do gasto e do investimento públicos, assim como o reajuste de preços públicos;

(d) imposição em setembro de 1982 de controles cambiais e estabelecimento do câmbio dual, com um câmbio controlado para o comércio e para a dívida externa, e um câmbio livre para as demais operações;

(e) criação de um licenciamento prévio de importações e suspensão temporária dos pagamentos em dólares dos depósitos bancários nacionais nessa moeda.

           

Tabela 16: Balanço de pagamentos – México (1982 – 1988) em US$ milhões

Conta

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

Exportações

21230

22312

24196

21663

16031

20655

20657

Importações

14437

8550

11255

13212

11432

12222

18905

Balança comercial

6793

13762

12941

8451

4599

8433

1752

Transações correntes

-4878

5403

4194

1130

-1673

3968

-2905

IDE1

1655

461

390

491

1160

1796

1726

Investimento de portfolio

946

-653

-756

-984

-816

-397

1929

Variação de reservas

3470

-2183

-2355

2972

232

-5684

6789

1-Investimento direto estrangeiro.

Fonte: IMF, International Financial Statistics.

 

A política cambial também foi utilizada como forma de enfrentar o problema externo, com a taxa de câmbio sofrendo uma desvalorização entre o início de 1982 e o final de 1984, sendo que o câmbio controlado continuou sendo desvalorizado até 1987 através de um “deslizamento” diário[53]. Ainda que as desvalorizações tenham incrementado a carga financeira sobre o gasto público e a fragilidade financeira dos agentes endividados em dólar, essas medidas contribuíram para controlar o desequilíbrio externo, como mostra a tabela 16.

            De cunho ortodoxo, mas mantendo alguns elementos heterodoxos como o controle de câmbio e de importações, o PIRE procurou obter um ajuste gradual da conta corrente, um ajuste fiscal e a redução da inflação, utilizando para isso os instrumentos de rigidez na política fiscal (o imposto sobre valor agregado, por exemplo, passou de 10% para 15%), tetos para expansão do crédito interno e um maciço programa de privatizações. Dessa maneira, em termos de seus objetivos, o programa pode ser considerado relativamente bem sucedido, uma vez que o déficit em transações correntes saiu de cerca de US$ 5 bilhões em 1982 para um superávit de quase US$ 4 bilhões em 1987 (tabela 16). O déficit primário do setor público, que atingiu 3,9% do PIB em 1982, passou para um superávit de 4,7% do PIB em 1987, e o déficit operacional de 5,2% do PIB, no início desse mesmo período, se transformou em superávit de 1,2% do PIB (Landau, 1991: 08).

            Entretanto, o governo de Miguel de la Madrid (1982-1987) não conseguiu esses resultados sem custos. A tabela 17 apresenta esses custos.

 

Tabela 17: Indicadores macroeconômicos – México (1982-1988) em %

Indicador

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

Crescimento

-0,6

-4,2

3,6

2,6

-3,8

1,4

1,1

Crescimento per capita

-2,2

-7,4

1,3

0,2

-5,9

-0,9

-1,1

Taxa de juros ao ano

73,62

77,02

62,83

69,33

112

155,14

78,4

Taxa de inflação

98,8

80,8

59,2

63,7

105,7

159,2

51,7

Investimento / PIB

22,9

17,5

17,9

19,1

19,4

18,4

19,1

Taxa de desemprego

4,2

6,6

5,7

4,4

4,3

3,9

3,6

Fonte: IMF, International Financial Statistics e CEPAL.

 

            Os dados para o crescimento e o crescimento per capita da economia mexicana mostram claramente a estagnação econômica do período, o que é facilmente explicado pela manutenção de altas taxas reais de juros no período e pela redução do investimento como proporção do PIB. Só o investimento público, que representava 12,1% do PIB em 1982, caiu para 5% do PIB. Além disso, o consumo caiu de 75% do PIB em 1982 para 73% em 1988. Levando em conta a reversão do déficit público, o último componente da demanda agregada, o saldo comercial, era o único que poderia sustentar um certo crescimento econômico. Entretanto, os saldos positivos obtidos foram utilizados para o pagamento da dívida externa, de forma que a sangria de recursos para o exterior consumiu pouco mais de 6% do PIB ao ano entre 1982 e 1988 (Cano, 2000: 427).

            A taxa de desemprego, que se elevou ao longo do período, recuou até atingir 3,6% em 1988. Contudo, a taxa de informalidade no mercado de trabalho passa de 24,2% para 36%, em muito por causa do grande crescimento do emprego na indústria maquiladora, frente ao fechamento de postos na indústria não maquiladora. Em termos distributivos, os 20% mais pobres, que em 1984 recebiam 2,9% da renda passam a receber, em 1989, 6,2% (Cano, 2000: 422). Os salários como proporção do PIB, por sua vez, passam de 35% em 1982 para meros 15,8% em 1988!

            Não bastasse isso, a explosão inflacionária em 1986 e 1987 (tabela 17), muito por conta das desvalorizações do período e da revisão dos preços públicos, provocou uma guinada da política de estabilização. Em dezembro de 1987, Miguel de la Madrid propôs o Pacto de Solidariedade Econômica (PSE), que aglutinou medidas ortodoxas e heterodoxas. Às primeiras pertenceram o corte de crédito e de oferta monetária, a aceleração da abertura comercial e das privatizações, e o enxugamento do Estado com a dispensa de funcionários, desestatização e extinção de entidades públicas[54]. O caráter heterodoxo do PSE se deu por uma política “concertada” de rendas, onde governo, empresários e trabalhadores se comprometiam a manter um controle temporário sobre preços e salários. Especificamente, concedeu-se um aumento salarial único no início do PSE e estabeleceu-se o compromisso de indexar os salários à inflação, a partir de março de 1988, compromisso este não efetivado na prática. A taxa de câmbio controlada foi ajustada para acabar com o ágio existente no câmbio livre, sofrendo desvalorização de 22% em 16/12/1987, e sendo fixada até 1989[55]. A utilização da taxa de câmbio como âncora da estabilização foi possibilitada pela existência de reservas cambiais na ordem de cerca de US$ 14 bilhões no início do plano, posteriormente acrescidas pelo ingresso de capital externo pós-liberalização financeira.

            Com o início do governo Carlos Salinas de Gortari em 1989, e a inflação substancialmente reduzida – ela passou de quase 160% em 1987 para 51% em 1988 – manteve-se o principal do PSE, mas estabeleceu-se o Pacto pela Estabilidade e de Crescimento Econômico (PECE) com três objetivos adicionais: (i) liberalização de preços; (ii) retomada do crescimento; e, (iii) renegociação da dívida externa. A idéia da política era a da estabilidade macroeconômica com redução do papel do Estado e o crescimento encabeçado pelo setor privado, ou seja, uma vez conseguida uma certa estabilização[56], o processo de abertura externa e desregulamentação interna garantiria a retomada dos investimentos externos e internos e, portanto, o crescimento econômico.

            Entretanto, para que isso fosse feito, era necessário que o país voltasse a acessar os mercados de capitais internacionais, o que só seria possível com uma renegociação da dívida externa. Essa renegociação se deu sob os moldes do Plano Brady[57] e foi concluída entre 1989 e 1990.

            O processo de abertura externa, antes da liberalização financeira, já vinha sendo implementado com a abertura comercial. A gravidade da crise no início dos anos 80 fez com que as licenças prévias para importação, entre 1981 e 1982, passassem a atingir 100% das importações, a tarifa média sobre as mesmas chegasse a 27% (16,4% ponderado pela produção doméstica), e a amplitude tarifária se definisse pelo intervalo 0% e 100%, existindo 16 níveis tarifários. Entretanto, esse quadro foi prontamente revertido e o processo de abertura comercial teve seu início já em 1984 quando essas licenças para importações atingem 83% do total destas. Como a aceleração da abertura comercial se dá em 1985, autores como Paula (1994) e Ten Kate (1992) identificam esse ano como o início do processo, mas a sua concepção já estava delineada e os seus primeiros passos foram dados antes[58]. Uma vez que o sistema de proteção à indústria mexicana se baseava em controles quantitativos (quotas e permissões prévias de importação), tarifas nominais elevadas e um sistema de preços oficiais de importação, que serviam para o cálculo do valor tarifário mínimo e para evitar subfaturamento, a abertura comercial mexicana se traduziu na redução da incidência desses mecanismos no total das importações, como mostra a tabela 18.

 

Tabela 18: Evolução do regime de proteção mexicano (1980-1991)

Mês / Ano

Incidência de permissão prévia à importação1

Tarifa média (%)2

Incidência de preços oficiais de importação1

04/1980

64

22,8

13,4

06/1985

92,2

23,5

18,7

12/1985

47,1

28,5

24,4

06/1986

46,9

24

19,6

12/1986

39,8

24,5

18,7

06/1987

35,8

22,7

13,4

12/1987

25,4

11,8

0,6

06/1988

23,2

11,0

0

12/1988

21,3

10,2

0

06/1989

21,8

12,6

0

12/1989

19,8

12,5

0

06/1990

19,6

12,5

0

12/1990

17,9

12,4

0

12/1991

-

12,0

0

1-% do total de importações

2-ponderada pela produção doméstica.

Fonte: Ten Kate (1992) e Agosin e Ffrench-Davis (1993).

 

            Deve-se destacar que a tarifa média sobre importações começa a cair em 1984, mas são reajustadas em 1985 para compensar a redução significativa das licenças para importação. Os preços oficiais de referência de importações também passam a atingir uma proporção maior das importações em 1985 para compensar o primeiro efeito[59]. A partir daí, entretanto, os três mecanismos de proteção passam a ser reduzidos. Em julho de 1985, foram eliminados os controles quantitativos para um grande número de posições, sendo que só 908 de um total de 8000 posições ficaram sob controle, a maioria referente a bens de consumo final (Ten Kate, 1992: 67). No início de 1986 foi abolida a tarifa de 100% e a tarifa máxima passou a ser de 50%. Em março do mesmo ano foi anunciado um cronograma de redução tarifária para que a tarifa máxima chegasse a 30% até outubro de 1988, em quatro fases. O processo todo se dá de forma que a abertura comercial estava praticamente concluída em 1988, sendo que a partir daí foram feitos alguns ajustes, como a pequena elevação tarifária para compensar a redução de outras restrições não-tarifárias. Uma das características da abertura mexicana é o fato de que o número de categorias de tarifas reduziu-se de 16 em 1982 para apenas 5 em 1990.

            A entrada do México no GATT em meados de 1986, embora não tenha implicado em mudança de sua política comercial, uma vez que o país já tinha ido mais além na abertura comercial do que o estipulado pelo GATT, representou uma “amostra por parte das autoridades mexicanas de sua firme intenção de levar o programa de abertura a suas últimas conseqüências, sem possibilidade de volta atrás” (Ten Kate, 1992: 67). A incorporação do México no NAFTA, em janeiro de 1994, possui o mesmo significado, sendo que o país se comprometia a seguir reduzindo tarifas frente aos EUA e Canadá, a aprofundar o processo de liberalização para os setores de serviços e a dar maior abertura aos movimentos de capital.

            No que se refere à liberalização financeira externa, o processo de abertura começou a ser implementado posteriormente. O período entre 1982 e 1988, a reforma financeira limitou-se à adequação frente as mudanças internacionais. Sobre esse período Cano (2000: 421-422) afirma que, apesar da exclusividade do governo para a atividade bancária, fruto da reforma constitucional de 1983, “já se permitiria aos bancos a emissão de aceites com taxas e prazos livres, redução do controle sobre taxas passivas, diminuição da alocação dirigida para o crédito”. Entretanto, é só com a lei bursátil de dezembro de 1989 que o processo de liberalização financeira é de fato posto em marcha. Esta lei ampliou o acesso do investimento estrangeiro ao mercado de ações, possibilitando-lhe a aquisição de ações do tipo que garantem (ou podem garantir) o controle de capital; essas ações, anteriormente, eram exclusividade para investidores nacionais.

            O elemento central da liberalização da conta de capital mexicana foi a abertura do mercado de títulos públicos. A proibição de aquisição desses títulos por não-residentes que vigorava desde 1980 foi eliminada em 1990. Em maio desse mesmo ano, foi instituída uma taxa única de 1% (“selo fiscal”) sobre repatriação dos recursos aplicados no exterior. O regime de câmbio dual, vigente desde 1982, foi abolido em novembro de 1991 e, um mês depois, foram autorizadas as negociações com Certificados de la Tesorería (Cetes), que são títulos do governo denominados em pesos, além de terem sido liberalizadas as aplicações em títulos privados de renda fixa.

            No que diz respeito à conversibilidade entre moedas, a liberalização financeira externa também foi aprofundada. Se no período entre 1986 e 1991 os depósitos em moeda estrangeira eram permitidos só para empresas localizadas na fronteira com os EUA, em 1991 esses depósitos foram liberados para pessoas físicas dessas localidades e pessoas jurídicas mexicanas em geral. Dois anos depois, as condições de acesso para não-residentes a estes depósitos foram liberalizadas[60]. Ainda foi autorizada a emissão de títulos denominados em moeda estrangeira, isto é, com cobertura cambial (como os Tesobonos, que têm um prazo de apenas 1 a 3 meses e são indexados em dólar), e de Certifiados de Depósito Bancário denominados em dólar.

            Já o marco regulatório do capital estrangeiro no tocante aos bancos também foi liberalizado. Em julho de 1990 foi promulgada uma nova lei das instituições de crédito flexibilizando as condições de acesso para as instituições estrangeiras. Especificamente, estabeleceu-se que as sucursais podiam transacionar apenas com não-residentes e autorizou-se uma participação minoritária estrangeira no capital social das corretoras. Em abril de 1994, em face da entrada para o NAFTA, foi autorizada a abertura direta de filiais de bancos e corretoras americanos e canadenses. Tudo isso se deu em meio à reprivatização dos bancos entre 1990 e 1992[61]. A participação estrangeira no sistema financeiro mexicano não cedeu nem no período pós-94 (ano da crise), sendo que em dezembro desse ano 1,2% do total de ativos era de propriedade estrangeira e três anos após essa proporção já estava em 19,9%.

            Esse processo de abertura externa provocou vários efeitos deletérios sobre a economia mexicana. O endividamento externo privado, por exemplo, teve um crescimento de 170% entre 1988 e 1994, sendo que só a dívida externa bancária nesse período foi acrescida em US$ 18 bilhões. A forte entrada de capitais externos, fenômeno que se acelerou a partir de 1991 (tabela 19), no período entre 1990 e 1993, se efetivou 21% na forma de investimento direto e 67% na forma de investimento em carteira (Griffith- Jones, 1996: 156); só no ano de 1993, o investimento externo em portfolio superou o investimento direto estrangeiro em 6,5 vezes ! Deve-se ressaltar que o investimento de portfolio passa a superar o investimento direto estrangeiro exatamente quando a liberalização financeira externa é intensificada no governo Salinas.

 

Tabela 19: Balanço de pagamentos – México (1989-1997) em US$ bilhões

Conta

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

Exportações

35,1

40,7

42,7

46,2

51,9

60,9

79,5

96,0

110,4

Importações

34,7

41,6

49,9

62,1

65,3

79,3

72,4

89,4

109,8

Saldo comercial

0,4

-0,88

-7,2

-15,9

-13,4

-18,4

7,1

6,6

0,62

Transações correntes

-5,8

-7,4

-14,8

-24,4

-23,4

-29,6

-1,5

-2,3

-7,4

Investimento direto estrangeiro

2,7

2,5

4,7

4,4

4,4

10,9

9,5

9,2

12,4

Investimento

de portfolio

0,35

3,3

12,7

18,0

28,9

8,2

-9,7

13,4

5,0

Conta de capital

4,7

8,4

25,1

27,0

33,7

15,7

-10,4

6,1

18,9

Fonte: IMF, International Financial Statistics e Huerta (2000: 57) para a conta de capital.

 

            A forte entrada de capital externo, em conjunto com a utilização da taxa de câmbio como âncora da estabilização, provocou uma significativa apreciação real do câmbio (tabela 20). Isto, aliado ao amplo processo de abertura comercial, resultou nos déficits comerciais que ocorreram no período 1990/1994.

 

Tabela 20: Indicadores macroeconômicos – México (1989-1998) em %

Indicador

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

Crescimento

3,3

4,4

3,6

2,6

0,6

3,5

-6,2

5,2

6,8

4,8

Crescimento per capita

1,3

2,4

1,7

0,9

-1,5

1,5

-7,5

3,8

4,9

2,8

Inflação anual

19,7

29,9

18,8

11,9

7,7

6,5

52

27,7

15,7

18,6

Poupança interna1

-

20,3

18,7

16,6

15,1

14,7

19,4

20,4

21

20,6

Taxa real de câmbio2

95

90

82

76

72

74

110

96

86

85

Taxa de desemprego

-

-

2,7

2,8

3,4

3,7

6,2

5,5

3,7

3,2

1-como proporção do PIB.

2-deflacionado pelo IPC e com 1988=100 (a redução do índice indica apreciação).

Fonte: IMF, International Financial Statistics e CEPAL, Anuário Estadístico de América Latina y El Caribe.

 

            A significativa diferença entre os déficits na balança comercial e em transações correntes durante todo o período evidencia o pesado déficit na conta de serviços, consubstanciado na elevada magnitude das remessas de juros e dividendos e pagamentos de juros. Esses déficits externos crônicos eram cobertos por mais ingresso de capitais, que implicaram em maiores remessas de lucros (no caso de investimento direto estrangeiro ) e pagamento de juros (empréstimos externos), e no crescimento do passivo externo; entre 1990 e 1994 o passivo externo líquido elevou-se em US$ 92 bilhões (Ffrench-Davis, 1997: 30). A crônica incapacidade de cobrir o déficit em transações correntes, que, em relação ao PIB, sai de 1,5% em 1988 para 3,0% em 1990, 5,1% em 1991 e 7,7% três anos depois, se tornou um círculo vicioso que desembocou na grave crise cambial de dezembro de 1994[62].

            Essa crise já deveria ter acontecido em princípios do ano, mas o governo cobriu o déficit externo com reservas monetárias, contraindo empréstimos de curto prazo. Ao longo desse ano, ocorreram seis ataques especulativos contra a moeda mexicana, sendo que a tentativa do governo de desvalorizar o câmbio em 15,6% em dezembro levou a uma fuga em massa dos capitais externos e ao esgotamento das reservas. A variação destas em 1994 foi de - US$ 18,9 bilhões.

 

Tabela 21: Investimentos estrangeiros em dívida pública

México (1991-1996) em US$ bilhões*

Obrigações do governo

1991

1992

1993

1994

1995

1996

Cetes

3,0 (54)

9,2 (64,3)

15,4 (70,2)

2,5 (12,3)

2,8 (82)

3,0 (89,2)

Tesobonos

0,3 (4,7)

0,2 (1,4)

1,3 (5,9)

17,4 (85)

0,2 (5,6)

-

Outras

2,2 (41,3)

4,8 (34,3)

5,2 (23,9)

0,6 (2,7)

0,4 (12,4)

0,4 (10,8)

Total

5,5

14,2

21,9

20,5

3,4

3,4

*os número entre parênteses mostram a proporção em relação ao total.

Fonte: Freitas e Prates (1998: 182).

 

Esses problemas de financiamento externo levaram a uma queda no PIB de 6% , a uma forte depreciação de sua moeda e a um repuxo inflacionário no ano seguinte (tabela 20). A crise cambial ainda foi complicada por dois fatores. O primeiro foi o encurtamento e dolarização da dívida para atrair investidores no início de 1994. Os títulos do governo denominados em pesos (Cetes) foram sendo substituídos por títulos com cobertura cambial (Tesobonos). Estes últimos passaram de US$ 1,3 bilhão em 1993 para US$ 17,4 bilhões em 1994 (tabela 21). O segundo fator complicador foi o crescimento da postura especulativa de bancos e instituições financeiras nos mercados cambiais, o que provocou o aumento do endividamento privado e da fragilidade do sistema financeiro[63].

            Para tentar socorrer a economia mexicana foi montado um pacote de ajuda, sob a supervisão americana, de mais de US$ 50 bilhões, dos quais US$ 20 bilhões dos EUA, US$ 17,8 bilhões do FMI (com prazo de 5 anos) e US$ 10 bilhões do BIS. As exigências americanas para efetivar o pacote reuniam faturas das exportações mexicanas de petróleo, depositadas em conta no FED como garantia, a continuação da implementação do receituário de políticas do FMI e o pagamento de todas as despesas inerentes ao pacote. Apesar de apenas pouco mais de US$ 11 bilhões terem sido utilizados, “a dívida externa, acrescida pela abertura, passa (em US$ bilhões) de 102 em 1987 para 131 em 1993, disparando para 166 em 1995. Tal aumento foi possibilitado justamente pelo socorro dos EUA e do FMI, que permitiram ao México voltar ao mercado financeiro internacional para (...) reendividar-se ainda mais” (Cano, 2000: 444).

            A crise de dezembro de 1994 foi o ponto culminante de uma experiência que vinha sendo mostrada como a prova definitiva de que os países periféricos deveriam implementar políticas claras de abertura externa para poderem sustentar períodos consistentes de desenvolvimento. Três anos antes da crise, Landau (1991: 24-25, itálicos não originais) afirmava que “pelos resultados obtidos até hoje, a política de estabilização mexicana se transformou em exemplo de sucesso de ajustamento à crise externa e de combate à inflação” e, mesmo, com os dados já piorando, “não resta dúvida, porém, de que a relativa estabilidade macroeconômica alcançada, após sete anos de ajuste, criou ambiente propício para a recuperação dos investimentos e a retomada do crescimento”. Ten Kate (1992: 76), por sua vez, entendia o caso mexicano como um wirtschaftswunder (milagre econômico).

            O fracasso dos ensaios chileno e argentino de 12 anos antes parece não ter sido suficiente para evidenciar que a abertura externa tende a provocar problemas de financiamento das contas externas e a conseqüente vulnerabilidade externa da economia. A inevitável crise mexicana de 1994 cumpriu o papel de tentar relembrar estes efeitos para os arautos da abertura externa. É bem verdade que alguns autores, como Griffith-Jones (1996), não atribuem a crise à natureza do processo de abertura, mas à velocidade como ele é implementado. A estes autores deve-se lembrar que o PIB per capita do México entre 1982 e 1996 caiu 0,6% ao ano em média, frente a um crescimento médio de 3,3% ao ano entre 1950 e 1981, e que o déficit em transações correntes em 1998 já superava os US$ 15 bilhões, voltando aos níveis do início da década. Além disso, o salário mínimo real de 1997 correspondia a 55,3% do de 1988, sendo que este era igual a apenas 55,2% do que vigorava em 1980! (Cano, 2000: 452). Ou seja, o processo de abertura externa no México produziu, assim como nos outros casos, um regime de baixas taxas de crescimento e de concentração de renda, além de majorar a possibilidade de crises financeiras e/ou cambiais que, neste caso específico, transbordaram a barreira da possibilidade e se tornaram uma necessidade.

As desastrosas experiências de abertura externa do Chile, México e Argentina - este último tanto na década de 70 como na de 90 – não parecem ter servido de exemplo. Na década de 90, um neoliberalismo tardio tornou-se hegemônico no Brasil e, embora com condicionantes históricos diferenciados, possibilitou a implementação de uma estratégia de abertura externa com a mesma orientação destas outras experiências latino-americanas. O próximo capítulo tem por objetivo mostrar como esta estratégia foi implementada no Brasil durante esse período.



[1] Para uma análise detalhada da estruturação do sistema financeiro americano nos anos 30, veja-se Cintra (1998).

[2] “O início do processo de desregulamentação, ou mais propriamente, de uma nova regulamentação (ou re-regulamentação) iniciou-se nos anos setenta e intensificou-se na década de 80 nos EUA, desencadeado devido à pressão de vários grupos de interesse perfeitamente representados nas administrações do presidente Reagan, mas, sobretudo, pelas condições macroeconômicas vigentes e por inovações financeiras...” (Lima, 1997: 21).

[3] Lima (1997: 245-247) sintetiza as principais alterações entre 1972 e 1990.

[4] Ao contrário do discurso liberal que prega o caráter natural do desenvolvimento dos mercados, “é desse modo que, no início, as autoridades públicas liberalizaram e modernizaram os sistemas financeiros para satisfazer suas próprias necessidades de financiamento” (Plihon, 1999: 108).

[5] Brokers designam a pessoa física ou jurídica que recebe comissão por intermediar compra/venda de títulos, enquanto dealers são os agentes que assumem risco da transação de compra/venda, adicionando uma margem ao preço do papel por isso.

[6] “Nesse processo ocorreu entrada e saída de capitais; bancos estrangeiros ingressaram e bancos alemães se internacionalizaram, títulos em marco foram emitidos no exterior e dinamizaram o mercado de capitais. Contudo, o governo, em nenhum momento, descartou sua prerrogativa de controlar riscos e minimizar fatores desequilibradores de suas variáveis macroeconômicas” (Braga, 1999: 217).

[7] Saliente-se que, mesmo para países centrais, a liberalização financeira não se processa sem conseqüências. Eichengreen (2000: 185) lembra que a crise cambial na Europa em 1992-1993 se manifestou por forte alargamento das bandas cambiais, após a eliminação dos controles de capital.

[8] Como destacaram Lipset e Hayes (1995), a política comercial americana nos anos 70 e 80 se caracterizou pela divergência ou convergência com os princípios do livre comércio, de acordo com seus interesses momentâneos, a auto-suficiência econômica nacional (que não pode ser confundida com autarquia), e as regiões com que o país possui ou não acordos de preferência. É essa flexibilidade e validade de acordo com o país e/ou região que fornece pragmatismo à política comercial americana. De neoliberal ela só parece se vestir no discurso.

[9] Os EUA são o único país no mundo que contabiliza supostos subsídios implícitos na privatização de empresas estatais como forma de dumping.

[10] São feitas análises minuciosas das barreiras externas para os produtos exportados para os EUA, inclusive para exportações de origem brasileira, em Serra (1998) e Fernandes e Rios (1999).

[11] Contra produtos brasileiros, a incidência destes processos é maior nos EUA do que na União Européia (Fernandes e Rios, 1999: 26).

[12] A taxa de crescimento na Alemanha passa de 5,7% em 1990 para 2,0% em 1997, enquanto na França ela cai de 2,5% em 1990 para 1,6% em 1996 (Huerta, 2000: 139). Por sua vez, a taxa de desemprego nos países da União Européia passa de 3,7% da PEA no período 1970-79 para 8,8% em 1980-89 e 9,5% em 1990-95 (Plihon: 1999: 102). Os efeitos sobre países periféricos da União Européia são ainda mais drásticos. Na Espanha, por exemplo, o déficit comercial foi multiplicado por 4 entre 1985 e 1989, chegando a impressionantes 7,3% do PIB (Seco, 1994: 136)!

[13] Coutinho (1999) faz uma interessante comparação da industrialização na Coréia e no Brasil, ressaltando suas especificidades e diferentes estratégias a partir dos anos 80.

[14] O caso específico da China não pode ser tratado da mesma maneira que os outros países, uma vez que as reformas pró-mercado não retiraram do planejamento econômico sua primazia na organização dos recursos econômicos; o mercado é instrumento auxiliar do planejamento. Em relação ao seu desempenho, “estratégias ativas de inserção internacional têm aumentado a capacidade da China de atrair investimento externo direto e de realizar a absorção de tecnologia com base em relações benefício-custo altamante favoráveis para o país” (Gonçalves, 2002: 146). Embora a forma preferencial de financiamento externo seja o investimento direto, ele é feito através de joint ventures com empresas estatais, e está subordinado às diretrizes do planejamento. Gonçalves (2002), Amin (2001) e Medeiros (1999) são boas referências para o caso chinês.

[15] Krueger (1993) teve a desfaçatez de creditar o sucesso asiático em sua inserção internacional às reformas liberalizantes empreendidas!

[16] Mais um ato de fé da senhora Krueger (1993: 28-29): “De qualquer forma, os países que atravessam programas sérios de reformas econômicas orientadas para o mercado, com o realinhamento genuíno para remover o viés às vendas no mercado doméstico, têm uma boa oportunidade no futuro da economia internacional”.

[17] “Graças à liberalização financeira, parte dos novos investimentos direcionou-se para o exterior, atraídos por expectativas de retorno substancialmente maiores que as encontradas no Japão e pela redução do preço em iene dos ativos denominados em moeda estrangeira, em decorrência da valorização cambial” (Torres Filho, 1999: 242).

[18] As medidas de desregulamentação e flexibilização do sistema financeiro japonês podem ser encontradas, de forma detalhada, em Levi (1998) e Lima (1997).

[19] “A despeito de sua importância, a abertura financeira na Ásia não é comparável com a ocorrida na América Latina. A manutenção de políticas seletivas de crédito e as restrições às operações de não-residentes nos mercados financeiros nacionais ainda observadas em países como Coréia, Indonésia e Formosa não mais encontra paralelo no continente latino-americano” (Medeiros, 1998: 304 – nota 23).

[20] Painceira (2001) analisa a crise financeira da Coréia do Sul em 1997 a partir da hipótese de fragilidade-instabilidade financeira, reportando-se também às principais medidas de liberalização durante os anos 90.

[21] Este aspecto é muito ressaltado em Miranda (1998).

[22] Em 1979, a negociação coletiva foi restaurada, mas só por empresa (Cano, 2000: 313).

[23] Edwards e Edwards (1992) também dividem o período em quatro fases, mas não seguem o critério dos programas de estabilização para fazê-lo. Utiliza-se aqui a periodização e, portanto, os critérios usados em Foxley (1988) para os programas de estabilização.

 

[24] “Foi então que as autoridades econômicas mudaram sua hipótese sobre a causa da inflação e começaram a falar de uma inflação de custos e de expectativas inflacionárias” (Gatica e Mizala, 1990: 56).

[25] “As importações de máquinas e equipamentos mostram um crescimento nulo entre 1970 e 1979, enquanto sua participação sobre o total cai de 20% para 12%. Por sua vez, sua participação no PIB (...) caiu em um quinto” (Ffrench-Davis et al., 1992: 44). Cano (2000: 316) ainda mostra que, em conjunto com a valorização cambial, a abertura comercial multiplicou o total de importações em 5, entre 1973 e 1981 (ver tabela 6), sendo que as importações de bens de consumo duráveis aumentaram 4 vezes a mais  do que as de insumos e bens de capital. Deve-se citar ainda que a participação do setor industrial no PIB passa de 29,5% em 1974 para 18,9% em 1982 (Edwards e Edwards, 1992: 133).

[26] As formas que as empresas e os diversos setores adotaram para se ajustar (falência ou fechamento de plantas; fusão ou suspensão de linhas de produção; importação de substitutos de sua produção anterior) provocaram uma forte concentração econômica.

[27] Análises mais pormenorizadas sobre os efeitos da abertura comercial no setor industrial e na estrutura produtiva do Chile podem ser encontradas em Cano (2000) e Foxley (1988).

 

[28] Com a exceção do financiamento ao comércio exterior, “ao contrário de Argentina e Uruguai, o Chile proibiu os movimentos de capital de curto prazo até os desesperados dias da crise de 1982.” (Edwards e Edwards, 1992: 71).

 

[29] “o desequilíbrio maior das contas externas foi causado pelo lado financeiro (notadamente juros, amortizações e remessas de lucros) e menos pela balança comercial, salvo em 1980-1981, quando ocorreram os dois fatores” (Cano, 2000: 317).

[30] A situação foi tão grave que em janeiro de 1981, o governo foi obrigado a intervir, liquidar e nacionalizar alguns bancos.

[31] Segundo Gatica e Mizala (1990: 59), o gasto em educação por habitante, entre 1970 e 1985, caiu 24%, enquanto os gastos em saúde e habitação por habitante, no mesmo período, decresceram 36% e 34% respectivamente.

[32] “...uma intervenção muito forte do Estado nos mercados financeiros e cambiais, apoiada pela entrada de recursos externos oficiais, ajudou a atravessar a crise de 1982-84. Depois de 1985, as políticas macroeconômicas e de reconversão industrial não tiveram nada de liberais e, em todo caso, supuseram uma participação efetiva e um grau de intervenção do Estado, tanto quantitativa como qualitativamente, muito superiores às demais experiências de ajuste latino-americanas” (Tavares, 1996: 85). Sobre as medidas implementadas para controlar o ingresso de capitais existem vários trabalhos como Aninat e Larraín (1996) e Ffrench-Davis et al. (1997).

[33] Já seria de se perguntar: se os três países sofreram crises brutais no início da década de 80, e Argentina e Uruguai não seguiram a seqüência ótima para as reformas, enquanto o Chile o fez, não seria porque os problemas não residem na correção ou não da seqüência de abertura, mas na própria natureza da abertura em si?

[34] Em 28 de dezembro de 1978, a resolução 1634 do Ministério da Economia modificou as tarifas de todas as posições e estabeleceu um programa de redução tarifária trimestral até janeiro de 1984, programa este que foi antecipado no decorrer do tempo.

 

[35] “Algumas regulamentações, como os coeficientes mínimos de encaixe, foram mantidas, mas eliminadas gradualmente”  (Calvo, 1991: 115). Os coeficientes mínimos de encaixe obrigatório iniciaram o período em 45%, passando para 33% no fim de 1978, 21% um ano depois e, finalmente, para 10% em dezembro de 1980.

[36] Ao contrário do que ocorreu no Chile e no Uruguai, “uma grande proporção dos depósitos nos bancos e outras intermediárias financeiras estavam assegurados pelo Banco Central” (Calvo, 1991: 115-116).

[37] Ainda que a convertibilidade da moeda tenha se expandido com a unificação do mercado de divisas em dezembro de 1976, todavia existia um imposto sobre empréstimos externos de mais ou menos 20% em 1978 (Calvo, 1991: 116).

[38] Ainda assim, o experimento argentino parecia funcionar até 1980. Entre 1976 e 1980, o consumo havia crescido 16% e o investimento 22%. Entretanto, no mesmo período as importações haviam crescido 274%, enquanto que as exportações aumentaram 115% (Cano, 2000: 113).

[39] Esse sistema de currency board, na prática, restringiu a atuação e a autonomia da política monetária, pois “com isso a expansão dos meios de pagamento em moeda nacional ficou restrita ao aumento das reservas e às alterações do encaixe bancário”” (Cano, 2000: 138).

[40] Como o crescimento da oferta monetária, inalterado o encaixe bancário, só acontece se ingressarem reservas internacionais, o crescimento da entrada de capital externo (passa de US$ 182 milhões em 1991 para US$ 7576 milhões no ano seguinte) garante a remonetização e recuperação da intermediação financeira. Segundo Freitas e Prates (1998: 180), “o êxito do Plano de Convertibilidade dependeu, em grande medida, das novas condições vigentes nos mercados financeiros internacionais a partir do final da década de 80”.

[41] “O processo de privatização já tinha sido tentado pelo governo anterior (Alfonsín), só que mais timidamente e sem chegar a concretizar sua implementação” (Neffa, 1996: 162).

 

[42] Nesse momento também foram aplicadas salvaguardas e ações antidumping contra importações provenientes do Brasil.

[43] “Dessa forma, a desregulamentação do mercado de câmbio foi total. Não somente inexistem, agora, regulamentações de qualquer tipo para a compra e venda de divisas como, inclusive, não existem bons registros estatísticos das operações. Nesse contexto, o custo de ingresso e saída de capitais reduziu-se a quase zero” (Fanelli e Machinea, 1997: 150).

[44] A convertibilidade total da conta de capital foi obtida com a desregulamentação do mercado de capitais em 1991 (extinção do imposto sobre operações bursáteis e autorização para empresas e bancos emitirem obligaciones negociables em moeda estrangeira e commercial papers) e a adoção da Lei de Anistia Fiscal de 1992 (isenção de tributação à repatriação de recursos argentinos no exterior).

[45] Nesse sentido, foi proibido o financiamento monetário do déficit público e restringida a venda de títulos públicos a um montante não superior a 1/3 das reservas do banco e com um limite de 10% para o seu incremento anual (Cano, 2000: 130).

[46] Foi suprimida a garantia oficial de depósitos e limitada severamente a concessão de redesconto e empréstimos para instituições financeiras.

[47] Em 1999, essa situação se repetiria. A taxa de crescimento da economia nesse ano foi de –3,3%, refletindo tanto os efeitos da crise russa no final do ano anterior, como da crise cambial brasileira de janeiro de 1999, sendo que o Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina no Mercosul.

 

[48] Portugal (1995: 209) estima que a maior parte da valorização do câmbio real na década de 90 se deu entre 1989 e 1990, isto é, antes do Plano de Convertibilidade, o que permite estabelecer que a forte entrada de capital externo tem muito mais responsabilidade na deterioração desse preço relativo do que o estabelecimento do câmbio nominal fixo. Segundo suas estimativas, utilizando o IPC, a taxa de câmbio real sai de 202,42 em 1989 para 100 em 1990 (ano base de sua estimativa), chegando em 1994 a 54,29.

[49] “A despeito das privatizações, entre 1989 e 1996, a dívida externa do governo aumentou em 17,6 bilhões de dólares e a do setor privado em 16,8, sofrendo, juntas, um aumento de 53% no período” (Cano, 2000: 128).

[50] Em 2000 a taxa de crescimento foi mais pífia ainda, atingindo 0,6%.

[51] Landau (1991) prefere uma divisão em três fases para apontar o início do governo Salinas de Gortari em 1989 como uma fase específica, quando procurou-se, além de garantir a estabilidade econômica, a retomada do crescimento e a renegociação da dívida.

[52] “A profundidade da crise do sistema financeiro levou o governo a estatizá-lo: assim 56 instituições (principalmente bancos e suas empresas coligadas) passaram ao acervo público em setembro de 1982” (Cano, 2000: 417).

[53] Mesmo assim, a taxa de desvalorização se manteve abaixo da inflação, de forma que “entre meados de 1983 e dezembro de 1984 a taxa de câmbio [real] controlada e livre se apreciou, respectivamente, em torno de 20% e 30%” (Paula, 1994: 45).

 

[54] O detalhamento dessas medidas pode ser encontrado em Landau (1991) e Paula (1994).

[55] Segundo Cano (2000: 49), o PSE praticaria, a partir de março de 1988, uma indexação descendente de preços, salários e câmbio, mas, com os resultados obtidos até aquele momento, resolveu-se pelo congelamento informal desses preços, sendo que os salários tiveram um pequeno reajuste de 3%.

[56] “O México tinha conseguido conter a inflação de princípios da década de 90 mediante uma estratégia ortodoxa, que incluiu a eliminação do déficit fiscal, a liberalização do comércio e a aplicação de restrições monetárias” (Ramírez de la O, 1996: 27).

[57] “Na essência, o Plano Brady provia alívio por meio da reestruturação das dívidas para com os bancos comerciais a taxas de juros mais favoráveis e por meio da possibilidade de securitizar essas dívidas por títulos de renda fixa” (Botaro, 2001: 56). O  México foi o primeiro beneficiário das renegociações da dívida externa sob a forma do Plano Brady, e concluiu seu refinanciamento conseguindo renegociar mais da metade dos US$ 48,5 bilhões que totalizavam a sua dívida externa no final de 1989.

[58] “O governo mexicano inicia a partir de 1983 uma nova política de comércio exterior. Transita-se rapidamente de uma política protecionista de importações para uma política de liberalização comercial, que objetiva o incremento e a diversificação das exportações e uma maior competitividade da planta produtiva” (Urdiales, 1991: 18).

[59] Essa compensação nas medidas é o que parece fazer com que Paula (1994) e Ten Kate (1992) identifiquem o ano de 1985 como o marco inicial do processo de abertura comercial.

 

[60] “Apenas representações oficiais dos governos estrangeiros, organismos internacionais e pessoas físicas estrangeiras que prestam serviços a essas instituições podem abrir contas em moeda estrangeira no México” (Freitas e Prates, 1998: 177).

[61] “O processo de rápida liberalização da conta de capitais coincidiu com um processo de reprivatização dos bancos” (Griffith-Jones, 1996: 153).

[62] Existe uma vasta literatura sobre a crise mexicana de 1994, dentre a qual podemos destacar González (1995), Baeza (1997), Chesnais (1999b), Ramírez de la O (1996), Ffrench-Davis (1997), Bejar (1995) e Huerta (2000).

[63] Sendo assim, o caso mexicano combinou uma ampliação do endividamento público, da fragilidade financeira dos bancos, com a vulnerabilidade externa da economia.