Revista: TURYDES
Turismo y Desarrollo local sostenible / ISSN: 1988-5261


TEORIAS DO TURISMO: os espelhos dos métodos

Autores e infomación del artículo

Rodrigo Meira Martoni

Paula Mônica Maia Perdigão

Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil

rodrigomartoni@gmail.com


Resumo
O trabalho contempla, de forma compendiada, os procedimentos epistemológicos ou métodos predominantes no campo de estudos do turismo, haja vista que toda elaboração teórica que se quer científica está amparada por um método ou eixo norteador para a produção do conhecimento. Considerando que as possibilidades e limites de cada método acabam por reverberar em níveis de abstração da realidade dos objetos pesquisados, o objetivo central é relacionar autores comumente utilizados em turismo e seus alinhamentos de método no sentido de ponderar se a formação nesta área está voltada à constituição de sujeitos com base compreensiva quanto à lógica exploratória e excludente do mercado ou foca a disposição de sujeitos tecnicistas-operacionais para o mercado. A técnica de pesquisa adotada foi a observação indireta via análise documental de programas e bibliografias das disciplinas Planejamento Turístico, Políticas Públicas de Turismo e Teoria Geral do Turismo em dezoito instituições ofertantes de cursos de bacharelado. Verifica-se que os autores mais utilizados ou referenciados nessas matérias, ao abordarem o turismo por métodos que desconsideram a dinâmica da forma de produção hegemônica da vida social – como pressuposto básico de mediação de nossos objetos – não produzem conhecimentos em nível de explicar causalidades e contradições para contribuir com enfrentamentos possíveis, mas se inquietam em suscitar individualidades e propiciar funcionalidade ao mercado.

Palavras-chave: Turismo, Epistemologia, Métodos, Teorias do Turismo, Formação em Turismo.

Abstract
The paper contemplates, in a summarized way, the epistemological procedures or prevalent methods in the field of tourism studies, based on the fact that any theoretical elaboration that is considered scientific is supported by a method or guiding axis for the production of knowledge. Considering that the possibilities and limits of each method end up reverberating in abstraction levels at the reality of the researched objects, the main objective is to relate authors commonly used in tourism and their method alignments in order to deliberate whether the formation in this area is focused on the constitution of subjects with a comprehensive base on the exploratory and exclusionary logic of the market or focus on the provision of technical-operational subjects to the market. The research technique adopted was the indirect observation through documentary analysis of programs and bibliographies of the following subjects: Tourism Planning, Tourism Public Policies and General Theory of Tourism in eighteen institutions that provide bachelor’s course. It is possible to verify that the most used or referenced authors in these matters, when approaching tourism by methods that disregard the dynamics of the hegemonic form of production of social life - as a basic assumption of mediation of our objects – they do not produce knowledge at the level of explaining causalities and contradictions to contribute to possible clashes, but they disquiet themselves into arousing individualities and providing functionality to the market.

Keywords: Tourism, Epistemology, Methods, Tourism Theories, Tourism’s Graduation.

Resumen

El trabajo contempla, de manera compendiada, los procedimientos epistemológicos o métodos predominantes en el campo de estudios de turismo, teniendo en cuenta que toda construcción teórica que se quiere científica está respaldada por un método o eje guía para la producción del conocimiento. Teniendo en cuenta que las posibilidades y límites de cada método acaban por repercutir en niveles de abstracción de la realidad de los objetos investigados, el objetivo central es enlazar autores comúnmente dedicados al turismo y sus alineamientos de método en el sentido de analizar si la graduación en esta área está orientada a la formación de sujetos con base comprensiva en cuanto a la lógica exploratoria y excluyente del mercado o enfoca la disposición de sujetos técnicos-operativos para el mercado. La técnica de investigación adoptada fue la observación indirecta a través de análisis documental de programas y bibliografías de las disciplinas Planificación Turística, Políticas Públicas de Turismo y Teoría General del Turismo en dieciocho instituciones ofertantes de cursos de bachillerato. Se verifica que los autores más utilizados o referenciados en esas materias, al abordar el turismo por métodos que desconsideran la dinámica de la manera de producción hegemónica de la vida social - como presupuesto básico de mediación de nuestros objetos – no producen conocimientos en nivel de explicar causalidades y contradicciones para contribuir con desafíos posibles, pero se inquietan en suscitar individualidades y propiciar funcionalidad al mercado.

Palabras-clave: Turismo, Epistemología, Métodos, Teorías del Turismo, Graduación en Turismo.

 

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Rodrigo Meira Martoni y Paula Mônica Maia Perdigão (2019): “Teorias do turismo: os espelhos dos métodos”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 26 (junio/junho 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/turydes/26/teorias-turismo-metodos.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes26teorias-turismo-metodos


Introdução

A produção teórica-concreta consiste na reprodução ideal do que se passa na realidade prática, tratando-se da adequação da teoria ao movimento dessa realidade. Sua validade, para fins de explicação e orientação dos sujeitos sociais, está atrelada à compreensão de questões causais dos objetos de estudo, o que somente é possível se considerarmos suas múltiplas determinações ou categorias conformativas atreladas à forma de produção material da vida social atual. Isso significa levantar e elucidar as contradições e antagonismos inerentes à formação social que medeia nossos objetos e, dialeticamente, é mediada por eles. Explicar o turismo nessa perspectiva – o que envolve as inter-relações do capital com as interações laborativas, configurações socioespaciais, culturais e ideológicas – significa ir para além de descrições da empiria, de formulação de modelos sistêmicos (que se bastam a si mesmos) ou da redução do fenômeno à experiência da consciência.

Se essas formas de proceder à pesquisa não deixam de produzir formulações e explicações importantes e elucidativas, afirmamos que elas alcançam um determinado nível de conhecimento, mas não consumam o verdadeiro conhecimento. Apontamos, portanto, que os alinhamentos positivistas, funcional-estruturalistas e fenomenológicos, respectivamente, tratam a verdade dos objetos parcialmente ou mesmo a permutam por variadas assimilações, olhares ou verdades (subjetividades). E, ao substituírem a economia política por descrições da empiria, modelos ou percepções, acabam, algumas vezes sem pretender, servindo plenamente à dinâmica de forças excludentes e antagônicas do mercado. Em outras palavras: a não compreensão do capital como relação social – que, embora não seja a única, tem prioridade ontológica sob as demais, pois permeia e determina as relações laborativas fundantes do ser social – lança sombras epistemológicas e ideológicas na contradição máxima da formação social atual (capitalista): o caráter social da produção, a direção privada da apropriação e todos os seus desdobramentos traduzidos em diversas formas de desigualdades.

Considerando que a crítica à economia política do turismo deve se preocupar em explicar as relações estabelecidas entre os sujeitos a partir dos seus processos produtivos, assim como tais processos medeiam o campo da reprodução social, cultural e espacial, uma pesquisa que se quer esclarecedora deve se preocupar com a totalidade, a qual não significa conhecer tudo acerca de nossos objetos, mas explicá-los à luz de uma forma de sociabilidade que os conformam direta e/ou indiretamente. Mesmo diante do compromisso intelectual e social com a verdade – que esperamos dos pesquisadores e da ciência – não seriam as teorias parciais (meramente descritivas e prescritivas) ou invertidas (que colocam a materialidade social em posição secundária) as primordiais no campo de estudos do turismo?

Haja vista que, por diferentes métodos ou procedimentos epistemológicos, temos diferentes resultados acerca de um mesmo objeto – mesmo que sua verdade seja uma só e independa de nosso querer ou intenção individualmente tomados – duas perguntas devem ser expostas. Como o objeto “turismo” é tratado? Quais as obras comumente utilizadas em cursos de graduação e suas vinculações aos métodos? Tais questões centrais nos processos de formação e compreensão de nossos objetos de estudos passam por critérios ou discernimentos quanto aos diferentes métodos, sendo esta pesquisa justificada diante da adesão dos sujeitos (docentes, discentes ou interessados na temática) à certas obras de referência sem saberem ao certo à quais métodos estão associadas, bem como suas possibilidades e limitações.

O presente trabalho foi dividido em duas partes: na primeira, expomos os principais títulos utilizados em cursos de graduação em turismo e nas seguintes disciplinas: Teoria Geral do Turismo, Políticas Públicas de Turismo e Planejamento e Organização do Turismo. Tal levantamento foi realizado por meio de pesquisa documental em projetos pedagógicos dos cursos em instituições públicas e privadas, com foco nos programas de disciplinas e em suas bibliografias básicas. Na segunda parte, abordamos os principais métodos e realizamos a associação deles aos autores comumente utilizados, buscando situar a quais propósitos os processos de formação em turismo estão postos: para a constituição de sujeitos com base compreensiva quanto à lógica antagônica e contraditória do mercado; ou para a disposição de sujeitos tecnicistas-operacionais para o mercado. 

O objetivo central da pesquisa foi verificar as reais colaborações e, também, lacunas, dos autores e dos diferentes e conflitantes procedimentos epistemológicos (ou métodos) na produção de conhecimento no campo do turismo. Verifica-se que parte expressiva dos autores utilizados desenvolvem suas teorias amparados pelo procedimento Neopositivista, caracterizada por refusar “toda e qualquer ontologia [e adotar] uma orientação exclusivamente gnosiológica” (Lukács, 2012, p. 60), na qual, por um lado, despreza-se as relações e as mediações entre o objeto de pesquisa e suas particularidades com a formação social vigente (o universal ou a materialidade anterior às objetivações humanas), e, por outro, sustenta-se a “práxis [do] sentido imediato, [de onde] emergem novos métodos de manipulação da vida política [...], social [e] econômica [...]” (Lukács, 2012, p. 46-47). Tal viés Neopositivista, marcante na produção teórica em turismo, não é o único que sustenta certas análises, sendo possível situar a proeminência do Funcional-Estruturalismo e da Fenomenologia. Todos os métodos apontados (situados como eixos da produção dominante em turismo) tratam o objeto “turismo” em dimensões do conhecimento da realidade que, não raras vezes, desconsideram a totalidade (complexidade) social, fato que limita explicações ao nível da aparência (ou das formas) e/ou da subjetividade por si mesma, e acaba referenciando parte expressiva dos cursos de graduação-bacharelado em turismo no país.     

 

Autores mais utilizados em disciplinas essenciais à formação em turismo.

 

O levantamento referente aos autores mais utilizados nas disciplinas de Teoria Geral do Turismo, Planejamento Turístico e Políticas Públicas de Turismo foi realizado por meio de pesquisa junto aos colegiados de cursos bacharelados em instituições públicas e privadas. A partir da averiguação que contemplou a bibliografia básica de cada disciplina e as características dos métodos para a construção teórica, foi possível traçar a vinculação entre os autores mais utilizados com os métodos, bem como os propósitos formativos das instituições: para o mercado ou para se compreender o mercado.
Abrangemos os cursos de turismo nas seguintes instituições: 1) Universidade Federal do Maranhã;  2) Universidade Federal de São Carlos; 3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 4) UNESP; 5) Universidade do Estado da Bahia; 6) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; 7) Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; 8) Universidade de São Paulo; 9) Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro); 10) Faculdade Cearense; 11) Universidade Potiguar (Natal-RN); 12) Centro Universitário Franciscano (UNIFRA, Santa Maria, RS); 13) Faculdade do Litoral Sul Paulista; 14) Faculdade Gama e Souza (Rio de Janeiro); 15) Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 16) Universidade Federal Fluminense; 17) Universidade Federal de Juiz de Fora; e 18) Faculdade Paraíso (São Gonçalo, RJ). Nas instituições sem dados online, foram solicitadas informações por e-mail.
Considerando os cursos das instituições citadas, o autor mais utilizado nas disciplinas Teoria Geral do Turismo e Políticas Públicas de Turismo é Mario Carlos Beni. Já em relação à disciplina Planejamento Turístico, encontramos ocorrência, na maioria dos cursos, de Sergio Molina e Sérgio Rodriguez, seguido de Beni. Embora marginal na amostra levantada, não podemos deixar de mencionar a referência à Jost Krippendorf na disciplina Teoria Geral do Turismo. Considerando que tais autores têm alinhamentos à matriz positivista, mas embasam suas produções em procedimentos epistemológicos Estruturalistas (Beni), Funcionalistas (Molina e Krippendorf) com algumas poucas nuances do método Fenomenológico, apresentaremos, a seguir, um referencial introdutório acerca desses métodos e, posteriormente, faremos menção aos autores a partir de suas abordagens.

 

Referenciais gerais quanto aos métodos ou procedimentos epistemológicos.

 

Toda e qualquer teoria está associada e/ou amparada por um método, até mesmo aquelas empreendidas por pesquisadores que pouco ou nada sabem acerca dos diferentes e conflitantes métodos, assim como das discrepâncias entre método e metodologia. Ao tratarmos de método ou procedimento epistemológico, falamos em um eixo de orientação para a produção do conhecimento baseado em uma episteme (Materialista/Idealista). Conforme explica Robert Morais (1989, p. 27,32 passim), o método “[...] é o arcabouço estrutural sobre o qual repousa qualquer conhecimento científico” [fornecendo] orientações genéricas, experiências acumuladas, conceitos e categorias já lapidados que atuam como balizamentos gerais para a reflexão em curso”. Ou seja, a adesão a um método, muito mais que o uso de um conjunto de técnicas (ou, simplesmente, a metodologia) tem relação com a concepção filosófica do pesquisador e aos encaminhamentos específicos no trato com o objeto.
O conhecimento científico se distingue dos demais pelo uso do método. Fernandes (1978) aponta que, ao mapearmos as formas de produção do conhecimento fazendo distinção entre aqueles advindos do senso comum e aqueles do procedimento cientifico, verificamos que estes se opõem tanto em termos de explicação, quanto em termos de percepção da realidade. Nesse sentido, o importante não é o que se vê, mas o que se observa com método. Um pesquisador sem conhecimento de método pode ver muito e identificar pouco, ao passo que um pesquisador com ideias rígidas acaba vendo apenas os fatos que confirmam suas concepções.
Lefebvre (1991) irá se referir aos diferentes métodos ou procedimentos epistemológicos como “lógicas”, apontando, assim, as formidáveis diferenças entre a lógica formal e a lógica dialética. A lógica formal é caracterizada aqui, de forma generalista, por um conjunto de regras (descrição, comparação, seleção de variáveis, funcionalidades estruturais, experimentação, percepções subjetivas diversas) adotadas frente a um ente empírico qualquer, o qual, segundo certos encaminhamentos de método, teria: 1) uma única instância constitutiva - o conteúdo ou essência corresponderia à forma (Positivismo) e; 2) a essência como equivalente ao conteúdo de um modelo que, uma vez estabelecido e priorizado no plano da razão, passa a operar segundo uma perspectiva subjetiva focada na e para a estrutura (Funcional-Estruturalista). Não poderíamos deixar de considerar o método que busca diferenciar essência e aparência por meio da consciência do outro, sendo a realidade do fato uma leitura de mundo ou, conforme relata Triviños (1987, p.43) “uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é, sem nenhuma consideração com a sua gênese psicológica e com as explicações causais que o sábio, o historiador, o sociólogo podem fornecer dela [...]” – a Fenomenologia.
O Positivismo possui suas raízes no empirismo (John Locke 1632-1704), mas o principal precursor do método é Augusto Comte (1798-1857), o qual o institui como “modelo de cientificidade” ao estender os procedimentos de averiguação da natureza para os estudos da sociedade. Podemos considerar que a adesão ao positivismo ocorre a partir de dois encaminhamentos por parte do pesquisador, os quais, não raras vezes, são simultâneos: no momento em que este confunde ou trata como sinônimos método e metodologia; e/ou quando considera que os requisitos de ciência referem-se somente aos processos de descrição, comparação, experimentação e prescrição, tal como nas ciências naturais. Ao se posicionarem como sujeitos supostamente neutros, definirem hipóteses, efetivarem descrições, empreenderem relatos (mais ou menos pormenorizados via, por exemplo, analise documental e/ou aplicação de questionários) e receitarem saídas (muitas delas ideias), está fixada a aderência ao Positivismo e/ou ao Neopositivismo. A diferença deste em relação ao primeiro refere-se à certas técnicas que potencializam o enfoque descritivo e prescritivo do método, sendo que podemos chamar o Neopositivismo de “Positivismo potencializado” ao se valer de teorizações fortemente atreladas à dados estatísticos.
Podemos atestar, via produção bibliográfica existente, que o problema no campo de estudos do turismo é que muitas pesquisas acabam valendo-se somente dos processos de observação. Para Fernandes (1978, p. 14), são os ditos projetos monográficos, que fazem do conhecimento descritivo, no nível mais rudimentar em que ele se confunde com a própria representação analítica das propriedades dos fenômenos e das condições de sua manifestação, o alvo essencial da investigação empírica. Além disso, a concepção de neutralidade entre sujeitos sociais é impossível, pois a escolha de um objeto e o modo de tratamento epistemológico em relação a ele já posicionam ideológica, social e politicamente o pesquisador.
O modo de proceder Neopositivista (que não tem como pressuposto a forma de produção da vida social hegemônica) irá nortear outras duas correntes de pesquisa ou métodos comumente utilizados no turismo, mas cada qual com características que lhe conferem especificidades: o estruturalismo e o funcionalismo. O primeiro, tendo a referência de estudiosos da antropologia, como Claude Lévi-Strauss (1908-2009), bem como de pesquisadores da biologia, como Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), busca tratar os objetos estudados como organismos que, por sua vez, são elementos de uma estrutura. Ao mesmo tempo em que foca um sistema idealizado a partir do referencial empírico, bem como seus componentes e relações entre as partes para compor uma ideia de conjunto, desconsidera a produção da história (as relações sociais de produção). A estrutura é, portanto, um recorte que não existe na realidade concreta, sendo tarefa do pesquisador compor um sistema com entradas e saídas com vistas a otimizá-lo. Contradições e antagonismos inerentes à sociedade de classes sociais ou, de forma geral, o modus operandis da sociabilidade mediada pelo capital, não são mediações consideradas via método estruturalista, mas Triviños (1987, p. 82) pondera que: “[...] se esquecemos sua falta de historicidade para estudar os fenômenos sociais e apreciamos estes em seu devir, ao mesmo tempo que diminuímos sua ênfase nos processos de adaptação e nos desvios [...], a análise estrutural-funcionalista pode ser usada com mérito nas pesquisas sociais [...]”.Muito embora tenha seu alcance explicativo delimitado à estrutura, as elucidações quanto ao funcionamento desta a partir de uma realidade social (e não natural) é falha diante da desconsideração às categorias causais dessa realidade.
O Funcionalismo, o qual guarda estreitas ligações com o estruturalismo, tem como nomes referenciais o sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) e o zoólogo Henri Milne Edwards (1800-1885). Esta vinculação com o Estruturalismo é exposta por Triviños (1987, p.82) ao fazer referência ao método funcionalista como “estrutural-funcional”. Tal método, ao focar as funções dos componentes de uma estrutura, preocupa-se com a utilidade de cada um para traçar relações existentes e possíveis. Adota, também, uma perspectiva de natureza, da sociedade como um organismo regulado por leis naturais. Tais leis não devem ser questionadas, posto que são naturais para o funcionalismo (daí sua ligação com o positivismo), e cabe ao pesquisador compreender as funções para traçar saídas no sentido de contribuir com o bom desempenho do corpo social (ou do objeto analisado). Para aqueles que se norteiam por este método, por exemplo, o trabalho no turismo é um componente da estrutura social, assim como o capital, sendo que se cada um deve cumprir sua função e há anomalias entre tais elementos, estas devem ser detectadas e corrigidas com a ajuda da ciência. Tal compreensão não posiciona trabalho e capital como categorias representativas de classes sociais, as quais são necessariamente conflitantes dadas suas posições antagônicas na lógica produtiva, mas se atém a uma interpretação positiva ou normativa preocupada com a produção de modelos ideais. Diante disso, podemos afirmar que os procedimentos estruturalistas e funcionalistas acabam guardando forte viés conservador, conforme esclarece Triviños (1987, p. 82):    
Com efeito, reiteradas vezes a análise estrutural-funcional foi acusada de conservadora, defensora do equilíbrio e da adaptação social, o que, segundo nosso ponto de vista, é verdadeiro. Isto, em geral, se choca com a realidade dos povos subdesenvolvidos que reclamam mudanças substanciais em suas formas de vida que não se conciliam com as transformações dentro do sistema estabelecido, até superficiais, que propiciam os estrutural-funcionalistas.

Já o método Fenomenológico, o qual tem como precursores Edmund Husserl (1859-1938) e Max Scheler (1874-1928), apresenta como característica geral a restrição do conhecimento ao fenômeno da experiência da consciência, considerando que o sujeito é antes um indivíduo que um ser social, ou seja, a fundamentação social real é negligenciada diante da dimensão social compreendida individualmente. O objeto da percepção é secundário perante o sujeito da percepção, sendo a coisa como fenômeno da consciência o mais importante. Para a fenomenologia, a diferença entre essência e aparência deve ser salientada, mas chega-se a ela a partir da subjetividade, como se essa não fosse perpassada pela ideologia.  

 

Relações entre autores e procedimentos epistemológicos: uma abordagem referencial.

 

Uma vez consideradas as projeções de crescimento e desdobramentos socioespaciais do turismo, surge um objeto a ser investigado e explicado. Em sequência, hipóteses e teorias são desenvolvidas, confirmadas e/ou refutadas pelo uso de métodos divergentes. Os três elementos que conferem status cientifico ao turismo estão dados: objeto próprio de investigação; conjunto de teorias e hipóteses; e métodos convergentes e divergentes que buscam explicar este objeto. Nesse contexto constituído por teorias diversas, temos o chamado “saber” dominante no turismo. Faremos menção a esse “saber” a partir do que Lefebvre relata em relação à realidade urbana: conforme o pesquisador demonstra, existe um hiato formado por estudos e propostas que, ao invés de se embasarem nos aspectos prático-reais e ascenderem “ao nível dos conceitos e, mais precisamente, ao nível epistemológico” (Lefebvre, 1999, p. 17), substituem o conhecimento científico (que somente pode avançar a partir dos diferentes embates epistemológicos) por “um caráter institucional e ideológico”. Ao tratar do conhecimento advindo da ciência, sabe-se que Lefebvre faz referência, sobretudo, à investigação preocupada com a dinâmica do real e, portanto, ao método (Dialético) que teria condições de caracterizar os objetos investigados para além de suas balizas aparentes, rompendo com as fronteiras estabelecidas entre as ciências parcelares e, por extensão, com a fragmentação que desconecta os fatos, ou conjunto de fatos, da forma de produção material e imaterial da vida social.
Mas tal hiato seria um dessaber? É possível dizer que se trata de um desconhecimento promovido e, portanto, estratégico em relação à obliteração de procedimentos do “método cientificamente correto” (Marx, 2011, p. 54) para a apreensão do real, pois, também no caso mencionado por Lefebvre, isso tem um sentido: a manutenção e o aprofundamento da mercantilização das coisas e das relações humanas, defendido como único projeto possível de “inclusão” dos indivíduos ante um entendimento de sociedade como formação natural e, portanto, somente passível de ajustes e reformas, mas nunca de rupturas. O proceder científico, nesses termos, é “parte fundamental das tentativas de estender ao conjunto das atividades sociais os pressupostos, intencionalidades, representações que governam a divisão manufatureira do trabalho, com suas ordens e coações” (Martins, 1999, p. 09).
E os estudos no campo do turismo? Podemos afirmar, a partir de averiguações quanto à produção bibliográfica existente, que parte expressiva dos estudos apresentados e as proposições discutidas e aplicadas não têm qualquer referencial ontológico e, do ponto de vista epistemológico, conformam uma teoria descritiva e/ou de caráter altamente subjetivo. Não podendo deixar de partir de referenciais empíricos ou de questões realmente existentes, tais procedimentos ou ficam circunscritos às formas fenomênicas (positivismo) ou estabelecem como embasamento do pretenso decurso analítico o ambiente da lógica-mental-ideal (funcional-estruturalista, fenomenologia).
Fazendo alusão ao “saber” voltado à operacionalidade e, portanto, com viés tecnicista posto para levar a cabo empreendimentos desde que viáveis economicamente, seus representantes-propositores não passam de produtos do sistema capitalista, “não porque foram selecionados por ele, mas sobretudo porque nunca aprenderam nada além disso” (Debord, 1997, p. 148). Entidades privadas com finalidade pública para o empreendedorismo e que não deixam de funcionar como reguladores sociais para o capital servem como exemplo, assim como os cursos técnicos e universitários coordenados por certos especialistas focados na gestão sem contestação fazem parte desse seleto grupo confirmativo do mercado turístico orientado à acumulação privada a partir da produção social marcada pela precariedade sociolaborativa.
Paralelamente, posicionam-se os pensadores que, de tanto se comprometerem com as “leis da razão [...] ficaram isolados dentro de seus próprios sistemas fechados, tão divorciados da realidade prática quanto um psicótico” (Eagleton, 1997, p. 71). Não raras vezes, o primeiro conjunto de especialistas se embasam nesses últimos ou mesmo em algumas de suas frases feitas, muito embora alguns desses possam questionar os primeiros ao condenarem certas práticas sem chegarem a proposições que sejam combativas para além de um plano ideal estabelecido: são as chamadas revoluções que ficam circunscritas ao plano das ideias. Ouriques (2005, p.69-88 passim) faz um enquadramento da “produção científica em turismo” envolvendo esse conjunto de “saberes”, os quais se deslocam entre o positivismo acrítico e o idealismo que é próprio das correntes funcional-estruturalista e fenomenológica, situando autores no viés liberal, do planejamento estatal e do pós-modernismo.
Nosso propósito é evidenciar que a lógica empresarial-produtiva-competitiva própria a um modo de produção que tem a mercadoria como fim em si mesma é resguardada e disseminada de forma direta e/ou indireta, explicita e/ou implícita por um eixo-norteador que é dominante nos processos de formação formais em turismo. Tal eixo-norteador – Positivista – acaba por alinhar outras correntes ou métodos de produção teórica – Estruturalista e Funcionalista – cada qual com suas características, conforme verificamos, mas que não refutam as balizas da sociabilidade atual, a qual medeia nossos objetos de estudo. A Fenomenologia, se não é dominante, acaba tendo projeção como procedimento de pesquisa, haja vista sua compreensão de que as mudanças fundamentais estão na força do querer dos indivíduos e não no agir coletivo a partir de contradições sociais. Isso, no fim das contas, contribui com aparentes amenidades nos limites da esperança, uma vez que a dura realidade capitalistas é colocada entre parênteses.
Citaremos aqui os autores mais utilizados, buscando uma associação com o método utilizado por eles: Beni (2003a, 2003b), Molina e Rodriguez (2001); e Krippendorf (2000). De uma forma geral, para esses autores, a prática de um turismo regulado e também diferenciado daquele considerado massificado seria um desafio a ser superado pelo planejamento. Beni (2003a, p.36), por exemplo, aponta que as formas divergentes do turismo tradicional (roteiros pré-estabelecidos conhecidos por “pacotes”, entre outros), se constituem como uma tendência e princípio racionalizador de outros processos, nos quais os turistas adquirem os produtos e serviços não de operadoras internacionais, mas de “pequenas firmas locais”, gerando ocupações para os residentes. Sua proposição de uma espécie de localismo como forma de regulação desconsidera as especificidades dos espaços que podem servir ou não à expansão do capital e, tal como coloca Lefebvre (1999, p. 13), “numa extrema confusão, esquece-se ou se coloca entre parênteses as relações sociais (as relações de produção) [...]”.
Nessa confusão, envolvendo outras e novas possibilidades de produção a partir de realidades como se elas fossem movimentadas por uma “cultura”, e não por suas particularidades socioprodutivas que incluem a cultura, Beni aponta que a conformação do que ele chama de “clusters” poderia maximizar os benefícios para os agentes envolvidos no turismo em diferentes escalas ao integrarem serviços diferenciados do ponto de vista qualitativo. Assim, tais “clusters” seriam os elementos competitivos do turismo em um país ou entre países, fortalecendo “[...] o papel das regiões como também o de espaços localizados” (Beni, 2003b, p. 155). Para o refinamento ou a otimização desses agregados de serviços ou do turismo em si, o autor sugere invocar o que ele chama de “Sistur”, ou seja, um sistema estabelecido para, em termos gerais, buscar a composição ou o ajuste de uma dada realidade. A análise sistêmica empreendida por Beni é conformada por conjuntos organizacionais e ações operacionais, bem como por “subsistemas” de ordem cultural, econômica, social e ecológica.
Beni (2003b, p. 62) entende e expõe o capitalismo como “subsistema econômico” ou elemento a ser considerado na dinâmica do “Sistur” e assim o faz pelo viés da economia como matéria ou ciência especializada em elementos da circulação e da distribuição, desprezando a dinâmica central da ordem social: a produção e a teoria do valor-trabalho, advinda da economia política clássica (com Adam Smith e David Ricardo) e explicada na forma capitalista como um momento de sociabilidades e espacialidades pela crítica da economia política, com Marx à frente. É possível afirmar, então, que Beni apoia-se na Economia Neoclassica, enfatizando a ideia de fatores de produção ao invés da luta de classes entre produtores-diretos e proprietários dos meios produtivos, mostrando-se como um agente preocupado com o resguardo da racionalidade econômica vigente. Assim, a concepção que possui do turismo é a seguinte:
[tal setor] provoca o desenvolvimento intersetorial, em função do efeito multiplicador do investimento e dos fortes crescimentos (sic) da demanda interna e receptiva. É atividade excelente para a obtenção de melhores resultados no desenvolvimento e planejamento regional ou territorial. Por efeito do aumento da oferta turística (alojamentos, estabelecimentos de alimentação, indústrias complementares e outros), eleva a demanda de emprego, repercutindo na diminuição da mão-de-obra subutilizada ou desempregada [...]. Na estrutura turística deve estar prevista a necessidade de formar continuamente pessoal capacitado, que possa devotar-se à tarefa de oferecer um setor econômico perfeitamente dirigido e atendido por conhecedores do fenômeno. De outra forma, a atividade ver-se-ia seriamente prejudicada pela incompetência e improvisação (Beni, 2003b, p. 65-66).

Beni projeta-se no final da década de 1990 com a publicação do livro “Análise estrutural do turismo”, o qual foi considerado à época (e ainda hoje) como referência basilar de estudo a outros conservadores e àqueles que desprezavam, desprezam ou mesmo não conhecem outras epistemologias, bem como a finalidade real de sua abordagem, o que corresponde, essencialmente, a um desconhecimento de método. Verifica-se nesse autor um misto acerca da concepção do planejamento-sistêmico: por um lado, seu sistema-mental-ideal considerado “aberto”, converte-se em ponto de partida ou ente essencial para “o processo de controle [do Sistur], feito através do subsistema da superestrutura, que, na realidade e em essência, constitui o instrumento de administração do sistema global” (Beni, 2003b, p. 47). Convém esclarecer que Beni aponta a superestrutura como uma “complexa organização tanto pública quanto privada que permite harmonizar a produção e a venda de diferentes serviços do Sistur” (Beni, 2003b, p.47, grifo nosso), sendo que tal deformação do termo ou a ênfase ao Estado não pode ser confundida com a formulação marxiana. Por outro lado e, ao mesmo tempo, o Sistur é detalhado de forma a atender a sustentabilidade do capital, se apresentando, portanto, como um mecanismo para o planejamento “diminuto” nos dizeres de Mészáros (2007, p. 237). Não é por outro motivo que Ouriques adverte que as pesquisas desenvolvidas por Beni têm o propósito de atender aos “interesses empresariais”, sendo que a publicação citada, não é outra coisa senão “um volumoso manual para empreendedores” (Ouriques, 2005, p. 72).
Pode-se dizer que Molina e Rodriguez (2001) fazem uma contextualização em relação ao turismo de forma diferenciada de Beni, reconhecendo as relações de dependência que foram historicamente estabelecidas em países da América Latina frente aos ditames de países de economia capitalista avançada, como os Estados Unidos. É possível verificar nesses autores certa noção em relação à acumulação por espoliação, mas, sobretudo, quanto aos seus efeitos e não propriamente às causas. Tal como em Beni, o ponto de partida sócio-histórico e espacial é substituído pelas conexões de uma lógica formal. Molina e Rodriguez apontam que o planejamento elaborado sob bases técnicas fundamentadas pode acarretar melhor fluidez ao turismo sendo que, para eles, o problema seria o “enfoque econômico” abarcado pelas planificações, o qual, uma vez superado por proposições que deem mais relevância às culturas locais, propiciaria a diminuição de desigualdades: “[...] Quando o turismo é planejado a partir de uma perspectiva reducionista como, por exemplo, a partir dos aspectos econômicos [...], cria desequilíbrios evidentes nas demais dimensões de uma sociedade [...]” (Molina & Rodriguez, 2001, p. 10).
A base socioprodutiva com a sua hierarquização posta para a reprodução do capital não é reconhecida e considerada, sendo a economia capitalista tratada como algo que pode contemplar o equilíbrio desde que promova a “mobilidade social”. Para Molina e Rodriguez (2001, p. 29), “o desenvolvimento econômico é uma subestratégia de evolução junto ao desenvolvimento social” [...], o que demonstra um desconhecimento no campo da economia política e, assim, da dinâmica de produção e reprodução do capital, bem como dos aspectos socioculturais a ela atrelados. Krippendorf (2000) aproxima-se de Molina e Rodriguez no que se refere a uma noção dos problemas provenientes da sociedade posta para o consumo exacerbado (ou determinado pela produção de excedentes) e os desdobramentos concretizados a partir daí. Mas, ao se restringir à receitas de como os sujeitos poderiam se organizar e promover um turismo responsável a partir das proposições de “populações locais [que] vêm se esforçando para, pouco a pouco, ter de volta a soberania no que se refere às decisões importantes [...]” (Krippendorf, 2000, p. 101), fica ainda mais estrito à concepção dos autores anteriormente citados. Há em sua concepção um desdém em relação ao feitio dos processos que conformam o capital envolvendo realidades que são chamativas aos seus anseios reprodutivos, bem como à luta de classes. Se não é correto equipar Krippendorf a autores com enfoque liberal e conservador, como Beni, verifica-se que a sua contestação esta acorrentada à cultura de um sistema. Por isso, faz os seguintes sugestionamentos:
O objetivo principal a longo prazo deve ser o restabelecimento da harmonia do sistema. Mas a harmonia só pode se instalar numa situação de equilíbrio, em que a sociedade, a economia, o meio ambiente e o Estado se complementem da melhor forma possível; onde a economia volte a se inserir nas relações sociais, e não o inverso, onde ela se coloque, pois, a serviço do homem e da sociedade [...]; onde o Estado, enfim, seja o criador das condições gerais indispensáveis ao nascimento de uma nova harmonia. Todos esses objetivos só podem ser atingidos se conseguirmos refrear e, a seguir, inverter as tendências do desenvolvimento [...] (Krippendorf, 2000, p. 33).

É como se a história não fosse feita pelos sujeitos a partir da forma hegemônica de sociabilidade, mas pelo eu individual e pela somatória de ideias que, alinhadas e concretizadas em uma força ideal maior (o Estado democrático) harmonizaria o “sistema”. Tal entendimento, por tratar em separado categorias como Estado, trabalho, economia, ideologia, etc., de um todo social por ele desconsiderado, se manifesta como desprezo pelo fato concreto de que “o processo da história é causal [e] não teleológico, é múltiplo [e] nunca unilateral [ou] simplesmente retilíneo, mas sempre uma tendência evolutiva desencadeada por interações e inter-relações reais de complexos sempre ativos” (Lukács, 2010, p. 70). Em outras palavras: para Krippendorf o ser individual e não o ser social é que deve ser considerado, sendo que tal orientação teórico-filosófica lhe permite afirmar isso: “ora, um desenvolvimento harmonioso do turismo supõe uma ótica nova, diferente: é preciso revalorizar as profissões de vocação turística e reforçar a participação da população local em todos os níveis” (Krippendorf, 2000, p. 157). Essa absolutização da razão provém de formidáveis problemas de ordem ontológica. Por isso, Faria (2011, p. 23) acautela que tais sistemas, com “seus esquemas, seus modelos e sua lógica formal são de uma profunda abstração arbitrária, [sendo que a] metodologia [a eles relacionada] move-se no reducionismo formal, [onde] a realidade é simplificadamente organizada em arquiteturas previamente existentes [...]”.

Considerações Finais

Os métodos nada mais são do que caminhos investigativos, mas, ao mesmo tempo, complexidades intelectivas com especificidades convergentes e divergentes que precisam ser conhecidas. Para os cientistas sociais é necessário ter clareza das possibilidades e limitações de cada método, bem como de suas vinculações, pois, ao fim e ao cabo, acabam reverberando em elementos ideológicos e de confirmação ou enfrentamento ao capital como relação social que, ao priorizar as coisas, deixa em segundo plano as necessidades e carências humanas. Por isso, levantamos os principais autores utilizados em disciplinas-chave da formação em turismo nos dezoito cursos bacharelados e, via breve explicação quanto às características gerais de cada método e estudo das obras, foi possível verificar a filiação dessas produções teóricas aos métodos (ou procedimentos epistemológicos).   
Tal análise nos baliza a apontar uma resposta aos questionamentos levantados na introdução: os autores analisados não estão preocupados em explicar causalidades e contradições (como, por exemplo, o crescimento econômico proporcionado pelo turismo e a geração de desigualdades socioespaciais) para distender enfrentamentos e saídas possíveis, mas se inquietam em suscitar individualidades e propiciar funcionalidade ao “sistema turístico”, como se houvesse a possibilidade de inclusão, respeito e ética na socialização pelo e para o mercado. Os referenciais empíricos, por si só, já demonstram tal impossibilidade em diversas realidades em escala mundial (como demonstrado por Krippendorf, por exemplo), mas cabe à teoria explicar tais processos em sua dinâmica concreta, o que demanda compreender o sociometabolismo do capital em sociabilidades e espacialidades. Consideramos, portanto, que não há um compromisso teórico para a constituição de sujeitos com base compreensiva quanto à lógica do mercado – que, ao priorizar o mais-valor (trabalho não pago) em função de expedientes de concorrência, domínio e acumulação para fins do capital produtivo (e de outras formas especializadas de capital, como o financeiro, o rentista, o portador de juros), assim o fazem mediante mecanismos diversos de exploração do trabalho –, mas sim um comprometimento com o mercado no sentido de propagar seus referenciais e formar sujeitos restritos ao âmbito do agir tecnicista e operacional.
Ao analisarmos as obras mencionadas, verificamos que, se os autores fazem referência à produção do turismo (a geração de empregos, a economia, a “formação de pessoal capacitado”, a cultura e até mesmo acerca de certos efeitos deletérios), passam ao largo de como, para quais finalidades e para quais classes sociais ela está posta. E isso equivale a dizer que, se muito se discute acerca da integração dos sujeitos à hospitalidade quando essa passa a ser mais um ramo produtivo, pouco se pondera quanto às condições em que isso ocorre.Por fragilidades e limites próprios ao referencial epistemológico e procedimentos de método, desconsidera-se a antecedência ontológica da produção material e imaterial hegemônica, enquanto compõe-se um sistema lógico-organicista que, conforme entendem, seria o núcleo central e referencial para resolver questões sociais e ecológicas. Feito esse alerta, enfatiza-se que o planejamento do turismo (salientado por tais autores) não deve ser negligenciado. Muito ao contrário: sua validade se avulta conforme potencializam-se os problemas radicalizados em uma sociedade que interage cada vez mais mediante uma força objetal (o capital) – o qual tem como desdobramento a exacerbação de desigualdades nos processos de crescimento econômico –, mas, ao mesmo tempo, sua potência transformadora somente possui validade para além de modificações nas formas se fundamentado na realidade concreta e posto como instrumento de enfrentamento coletivo às dinâmicas contraditórias e antagônicas da sociedade de classes.

Referências

Beni, M. C (2003a). Globalização do turismo: megatendências do setor e a realidade brasileira. 2.ed. São Paulo: Aleph.

________________ Análise estrutural do turismo (2003b). 8.ed. São Paulo: SENAC.

Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto.

Eagleton, T. (1997). Ideologia. Tradução de Silvana vieira e Luís Carlos Borges. São Paulo: Boitempo,

Fernandes, F. (1978). Fundamentos empíricos da explicação sociológica. 3.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos.

Krippendorf, J. (2000). Sociologia do turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens. Tradução Contexto traduções. São Paulo: Aleph.

Lefebvre, H. (1999). A revolução urbana. Tradução de Sérgio Martins. Belo Horizonte: Ed. UFMG.

_______________ Lógica formal Lógica dialética (1991). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Lukács, G. (2010). Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. Tradução de Lya Luft e Rodnei Nascimento. São Paulo: Boitempo.

______________. Para uma ontologia do ser social I (2012). Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo.

Marx, K. (2011). Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. Supervisão editorial de Mario Duayer; tradução de Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo.

Molina, S., & Rodriguez, S. (2001). Planejamento Integral do Turismo: um enfoque para a América Latina. Tradução de Carlos Valero. Bauru: EDUSC.

Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Campinas: Alínea.

Robert Morais, A. C. (1989). A valorização do espaço. São Paulo: Hucitec.

Triviños, A. N. S. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas.


* Graduado em Turismo; Mestre em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento; e Doutor em Geografia. Professor na Universidade Federal de Ouro Preto. Campus Universitário Morro do Cruzeiro, s/n, Escola de Direito, Turismo e Museologia.
** Discente no Curso de Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista de Iniciação Científica do Programa PIVIC-UFOP. Campus Universitário Morro do Cruzeiro


Recibido: Abril 2019 Aceptado: Junio 2019 Publicado: 28 de junio 2019

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