Revista: TURYDES
Turismo y Desarrollo local sostenible / ISSN: 1988-5261


PORTUGAL NA ROTA DO TURISMO JUDAICO.
ANÁLISE EXPLORATÓRIA A UM SEGMENTO DE NICHO EM EXPANSÃO

Autores e infomación del artículo

Susana Silva*

CEGOT – Universidade de Coimbra (Portugal)

susanageog@sapo.pt


RESUMO
Por toda a Europa tem-se assistido à redescoberta do património judaico. Este crescente interesse tem desencadeado um conjunto de medidas e processos que têm conduzido à sua turistificação e ao aparecimento de um “novo” segmento de turismo, o turismo de património judaico, alimentado cada vez mais por turistas de origem judaica. Portugal, através das marcas e elementos culturais, materiais e imateriais, que possui devido à permanência de judeus no país, tem-se posicionado também na rota deste interesse e desta procura que, no dizer dos seus pares, é puramente emocional.
A partir da revisão da literatura científica e da análise de dados estatísticos provenientes de diversas fontes, este artigo pretende abordar, de forma exploratória, o contexto, os contornos e a dimensão deste segmento de nicho no país que vai encontrando argumentos consolidativos, tanto no âmbito da oferta como da procura, chamando a atenção para a rápida evolução deste mercado e da sua relevância em territórios de baixa densidade.  

PALAVRAS-CHAVE: Património judaico – turismo de património judaico – rede – indicadores da procura – desenvolvimento territorial.

ABSTRACT
All over Europe there has been a rediscovery of Jewish heritage. This growing interest has triggered a set of measures and processes that have led to its touristification and the appearance of a "new" segment of tourism, the Jewish heritage tourism, fed increasingly by tourists of Jewish origin. Portugal, through the marks and cultural elements, material and immaterial, that has due to the permanence of Jews in the country, has also been positioned in the route of this interest and demand that, in the words of its peers, is purely emotional.
From the review of the scientific literature and the analysis of statistical data from several sources, this article intends to address, in an exploratory way, the context, the contours and the dimension of this niche segment in the country that is finding consolidative arguments, both in terms of supply and demand, drawing attention to the rapid evolution of this market and its relevance in low density territories.

KEY-WORDS: Jewish heritage – tourism of Jewish heritage – network – demand indicators – territorial development.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Susana Silva (2018): ““Portugal na rota do turismo judaico. Análise exploratória a um segmento de nicho em expansão”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 25 (diciembre / dezembro 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/turydes/25/turismo-judaico.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes25turismo-judaico


INTRODUÇÃO

Por toda a Europa tem-se verificado um interesse crescente pelo património judaico, pela redescoberta do seu valor e significado. Portugal tem-se posicionado também na rota deste interesse por via da presença histórica de uma cultura minoritária.
A história e a cultura assumem-se como dois elementos importantes na apresentação de Portugal como destino turístico. Este pressuposto, cristalizado no anterior documento vinculativo para o turismo, o Plano Estratégico Nacional do Turismo, continua válido nas novas linhas orientadoras definidas para o período 2016-2020 que focam agora muito mais a Pessoa, ou seja, o mercado da procura, as suas características e motivações.
A presença secular de judeus em território luso originou uma herança cultural material e imaterial que tem dado origem a um “novo” fenómeno no âmbito da procura turística, o turismo de património judaico. Este segmento personifica bem esta nova visão para o turismo em Portugal, já que se tem desenvolvido na sequência do interesse manifestado pelo mercado da procura, seja ele mais generalizado ou cada vez mais específico que, por sua vez, tem motivado a organização dos recursos e a formulação de um produto turístico numa base de cooperação inter-regional.
Este movimento é particularmente relevante no interior português. Lugares como Castelo de Vide, Belmonte ou Trancoso têm visto o número de turistas aumentar ano após ano, em particular os de origem israelita, que constituem já o principal mercado externo de várias atrações. Na última década o número de visitantes provenientes de Israel cresceu exponencialmente, de cerca de 17 mil hóspedes registados nos alojamentos nacionais em 2007 para quase 105 mil em 2016, um aumento de mais de 500%. Há novas linhas aéreas entre Portugal e Israel, novas agências especializadas, novos hotéis, novas lojas kosher, vários serviços adaptados às especificidades da cultura judaica, e intensifica-se a promoção junto de potenciais mercados. Apresenta-se um produto cada vez mais estruturado para satisfazer as necessidades deste mercado que vem em busca de memórias, das suas raízes e da sua história. Um reencontro também impulsionado pela lei de 2015 que garante dupla nacionalidade a quem provar ter como ascendentes judeus sefarditas, que foram expulsos de Portugal no século XV.
Este artigo tem como objetivo abordar e discutir, de forma exploratória, o contexto, os contornos e a dimensão deste segmento de nicho no país através de uma breve análise ao percurso e herança cultural judaica no país, à forma como o produto tem sido estruturado numa base de cooperação inter-regional e ainda da procura com base nos indicadores turísticos referentes aos hóspedes e dormidas assim como a frequência de um conjunto de atrações âncora. Uma breve abordagem mais concetual ao processo de patrimonialização e turistificação da cultura e memória judaica enquadra o propósito deste trabalho na secção seguinte.

CULTURA JUDAICA: PATRIMONIALIZAÇÃO E TURISTIFICAÇÃO DA MEMÓRIA E IDENTIDADE

O povo judeu é parte integrante da civilização europeia, tendo contribuído de forma única e duradoura para o seu desenvolvimento. O velho continente é por isso o grande reduto e guardião da história e da memória através de um amplo acervo de património judaico, testemunho da cruzada desta comunidade durante séculos, identificado como dissonante por Ashworth (2003), onde o carácter imaterial ganha, muitas vezes, protagonismo face ao material.
É amplamente reconhecido que o património é construído, percebido, interpretado e gerido de acordo com a atribuição de significados e valores (Ashworth, 2011) da mesma forma que a patrimonialização é um ato pessoal e social de dar sentido e compreender o passado e o presente (Smith, 2006) através das ligações, tangíveis e intangíveis, estabelecidas entre estas duas dimensões temporais, perspetivando uma terceira, o futuro. Estes pressupostos colhem fiel tradução no caso particular do património judaico, do seu “consumo” e da forma como é interpretado. Nas últimas décadas, e particularmente desde a queda do comunismo (1989-1990), a Europa tem assistido a um crescente interesse por quaisquer aspetos relacionados com o judaísmo, os judeus, a cultura judaica e o Holocausto, cada vez mais reconhecidos como parte da história e cultura nacionais. A cultura judaica, ou o que é entendido ou definido como cultura judaica, tornou-se uma componente visível de “herança” e “identidade”, mesmo em países onde os próprios judeus são praticamente inexistentes. Mas esta tendência é sobretudo observável em países cujos povos foram os perpetradores, bem como as vítimas e espectadores da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, e mesmo em países onde o antissemitismo ainda está presente (Corsale & Vuytsyk, 2018).
Como resposta a este interesse as antigas judiarias de várias cidades europeias têm-se desenvolvido como atrações turísticas, restauram-se sinagogas, constroem-se museus e memoriais, publicam-se guias, folhetos e mapas do património judaico, surgem agências de viagens especializadas em excursões judaicas (Gruber, 2007), abrem-se lojas, cafés e restaurantes especializados em produtos judaicos (Heitlinger, 2013) e desenvolvem-se redes/rotas não só a nível nacional, mas também a nível europeu, como é o caso da Rota Europeia do Património Judaico. O turismo de património judaico é um produto oferecido aos visitantes em muitas cidades europeias (Gruber, 2002; Krakover, 2013) e tornou-se um nicho bem estabelecido no vasto mercado turístico, promovido a nível privado mas fortemente apoiado também por autoridades estatais, municipais ou regionais (Gruber, 2002), uma vez que tanto o setor público como o privado estão cientes do potencial da herança judaica para o desenvolvimento de destinos turísticos e para a diversificação de produtos (Corsale & Vuytsyk, 2018). Assente sobretudo em recursos de natureza não monumental (Leite, 2007; Krakover, 2013; Dinis & Krakover, 2016), este nicho turístico apela sobretudo aos sentidos e à imaginação, até porque de acordo com Poria, Butler e Airey (2004) no campo do turismo, e particularmente no turismo de património, não é o sítio que importa, mas sim o significado e os valores a ele atribuídos.
Em muitos casos este interesse pelo património judaico assim como a sua valorização e promoção turística é feita por cidadãos sem qualquer relação com a fé judaica, enfatiza Gruber (2002), tratando-se sobretudo de um movimento externo à comunidade e verificando-se frequentemente estados de dissociação cognitiva (Flesler & Pérez Melgosa, 2010; Krakover, 2013). Esta situação é particularmente visível no caso de Espanha (Russo & Romagosa, 2010; Krakover, 2013) e Portugal (Leite, 2007; Krakover, 2012; Dinis & Krakover, 2016), onde não judeus estabeleceram organizações públicas (Rede de Judiarias de Espanha e Rede de Judiarias de Portugal) com vista ao renascimento das judiarias medievais, à valorização da cultura judaica e à promoção do diálogo interculturas. Pelo contrário, outros casos há em que o desenvolvimento de produtos relativos ao património/memória judaica é alcançado com o envolvimento ativo das comunidades judaicas locais como por exemplo em algumas cidades da Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Hungria (Krakover, 2017) e da Ucrânia (Corsale & Vuytsyk, 2018).
Também ao nível da procura a redescoberta da história e cultura judaica é um processo levado a cabo, em grande parte, por não judeus e que está dependente da sua interpretação metafórica e do valor simbólico e cultural por estes atribuído, pelo que as múltiplas razões e significados associados vão desde o interesse pelo multiculturalismo, a sentimentos de culpa pelo Holocausto, aos apelos à democracia e à nostalgia romântica (Corsale & Vuytsyk, 2018). Porém, a realidade mostra que os próprios judeus têm contribuído para este fenómeno. Assim, paralelamente à sociedade em geral, a necessidade de redescobrir as suas raízes culturais e de redefinir a sua identidade própria manifesta-se também, há já algum tempo, de forma cada vez mais vincada no meio judaico (Luzzati & Rocca, 2011), que tem perpetrado esforços para recuperar ou redefinir identidades judaicas pessoais e reviver ou enriquecer as comunidades judaicas, a vida judaica e a cultura e memória judaica interna em vários países (Flesler & Pérez Melgosa, 2010).
Na perspetiva de Cuesta (2008), esta necessidade de enraizamento está relacionada com os traumas da segunda metade do século XX que resultaram num desenraizamento e numa perda dos referenciais coletivos. A comunidade judaica em particular, cuja tradição e religião está intrinsecamente assente em mecanismos da memória e da lembrança (Yerushalmi, 1982; Le Goff, 2000), têm partido em busca de lugares com o objetivo de recuperar as suas raízes e memórias, até porque estas, sejam individuais ou coletivas, têm nos lugares uma referência importante para a sua construção (Halbwachs, 1997), e para o seu resgate.
Este povo, no papel de turista, procura destinos onde possa reviver, relembrar e aprender a história do seu próprio povo (Malheiros, Lourenço & Almeida, 2016). Portugal constitui um desses destinos de recuperação de memórias, de raízes, no fundo de identidade.   

 

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*Doutora em Geografia pela Universidade de Coimbra e Investigadora do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (Universidades de Coimbra, Porto e Braga).

Recibido: Mayo 2018 Aceptado: Diciembre 2018 Publicado: Diciembre 2018

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