Revista: TURYDES
Turismo y Desarrollo local sostenible / ISSN: 1988-5261


FAZENDAS DE CACAU: UM ENSAIO SOBRE O TURISMO RURAL NA REGIÃO CACAUEIRA DO SUL DA BAHIA

Autores e infomación del artículo

Joanna Isis Chaves Carvalho*

Horígenes Fontes Soares Neto**

Lessí Inês Farias Pinheiro***

Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil

jichaves@hotmail.com


RESUMO
O presente ensaio visa analisar o quadro do turismo rural na Costa do Cacau, no sul da Bahia, como uma via econômica para os produtores agrícolas das fazendas cacaueiras da região após a crise que se instalou com a vassoura-de-bruxa. A reconversão dos meios econômicos para a manutenção da dinâmica da região fez com que muitas das fazendas abrissem suas portas para a visitação de turistas. O denominado turismo rural ainda não possui um investimento marcante do poder público, tanto a nível nacional quanto municipal. Todavia, corresponde a um setor que merece um tratamento especial, tendo em vista que as fazendas expressam a dinâmica cultural, histórica e ambiental que permeiam a saga cacaueira, possibilitando ao turista a vivência e o contato com a base histórica da região, história esta que encanta os mais diversos públicos e é imortalizada nas obras de Jorge Amado.

Palavras-chave: Costa do Cacau. Turismo Rural. Fazendas de cacau.

ABSTRACT
The present essay aims to analyses the rural tourism framework in the Costa do cacao  as an economic pathway for rural producers of cocoa farms in the region after the crisis that was installed with the witch's broom, for this reason, it uses the methodology of research of predominantly bibliographical and statistical. The conversion of the economic means for the maintenance of the dynamics of the region caused many of the farms to open their doors for the visitation of tourists. The so-called rural tourism does not yet have a striking investment of public power, both at national and municipal level. However, it corresponds to a sector that deserves special treatment, once the farms express the cultural, historical and environmental dynamics that permeate the saga of cocoa, allowing the tourist the experience and the contact with the historical base of the region, history that enchants the most diverse audiences and is immortalized in the books of Jorge Amado.

Keywords: Cocoa Coast. Rural Tourism. Cocoa Farms.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Joanna Isis Chaves Carvalho, Horígenes Fontes Soares Neto y Lessí Inês Farias Pinheiro (2018): “Fazendas de cacau: um ensaio sobre o turismo rural na região cacaueira do sul da Bahia”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 25 (diciembre / dezembro 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/turydes/25/fazendas-cacau.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes25fazendas-cacau


INTRODUÇÃO

            Indiscutivelmente o cacau marca a história e a realidade do sul da Bahia. Fruto cuja exploração rendeu por muitos anos riqueza ao eixo Ilhéus-Itabuna, sofre desde os anos de 1990 grandes infortúnios quanto a sua relevância para a economia local. A vassoura-de-bruxa, praga destruidora das lavouras do “fruto de ouro”, a duras penas exigiu daqueles que sobreviviam à base do plantio em forma de monocultura certa reinvenção para sustentarem-se, já que os impactos causados pelo fungo assolaram toda a região, do grande produtora ao trabalhador da roça.
As saídas à crise emergiram gradualmente. As exportações de matéria-prima do cacau tornaram-se exportações de derivados dela, implementou-se a clonagem nos cacauais sul baianos, a agroindústria do cacau e, de igual sorte, o setor terciário, tomaram forma e lugar na economia local. Os serviços, neste passo, ganharam seu espaço e sustentam a economia.
Por assim ser, as velhas fazendas produtoras da fruta que dá base ao chocolate, inspiradas na biodiversidade da Mata Atlântica, na história e na saga do chão de cacau, alicerçam o que atualmente se convenciona chamar de turismo rural ou rústico nas fazendas de cacau do sul da Bahia.
O presente ensaio, justificado pela necessidade de estudo a respeito da reconversão da base econômica pela qual tem passado a Microrregião Ilhéus-Itabuna e discutindo a atividade turística rústica enfatizada nas fazendas de cacau como contribuição para a economia regional, visa analisar o quadro do turismo rural locorregionalmente, como uma via alternativa aos produtores rurais das fazendas de cacau que sofreram com a crise perpetrada pela vassoura-de-bruxa.
Para isto, por meio de revisão bibliográfica sobre o tema e observação estatística de dados fornecidos pelo Ministério do Turismo e pelas Secretarias de Turismo e Comunicação da Bahia, verificar-se-á a significância do turismo rural na economia, na asseveração da identidade e cultura locais e na preservação da floresta atlântica remanescente da região de Ilhéus-Itabuna, bem assim discutir-se-á a atuação do poder público para o fomento deste setor, com o fito de demonstrar que tal atividade gera benefícios incontestáveis sob a ótica da economia e da reafirmação histórica, já que ainda se conhece esta região como a “Terra do Cacau”.

1 DA AMÊNDOA AO TURISMO

Desde o início do século XIX, o eixo Itabuna-Ilhéus é conhecido nacional e internacionalmente pelo cacau, o “fruto de ouro” representado nas obras de Jorge Amado e Adonias Filho. Inseridos timidamente na Bahia em 1746, em terras do agora município de Canavieiras, os cacauais protagonizaram na arquitetura econômica local e estadual até boa parte do século XX (MIRA, 2013).
A história aponta que antes da inserção do plantio do cacau, a então capitania de São Jorge dos Ilhéus (futuramente cidade de Ilhéus)e todo o seu entorno, inclusive as vilas a ela pertencentes, como Tabocas (futuramente cidade de Itabuna), viviam às expensas das lavouras de cana-de-açúcar, mandioca, milho, feijão e diversos outros gêneros alimentícios que esteavam a produção locorregional (ROCHA, 2008). Com a entrada dos cacaueiros, no entanto, a policultura de subsistência reinante perde força e cede seu lugar à monocultura, centralizando uma economia que se demonstrava esparsa; a sociedade, daí em diante, sustenta-se de produção única,com extração contínua e desgarrada de técnicas, o que, tempos à frente, representaria a bancarrota da lavoura.
Indiscutivelmente,a literatura registra que após o ingresso da atividade cacaueira no sul baiano houve uma mudança de paradigmas sociais, econômicos e culturais. Com intensa exploração da terra e da mão-de-obra, as figuras do coronel, capataz e trabalhador rural, moldaram o cenário e marcaram a Microrregião Ilhéus-Itabuna, também transformada em solo fértil para casas de comércio de amêndoa brasileiras e estrangeiras, bem assim para migrantes e imigrantes que fugiam da escassez de recursos e da falta de trabalho em seus locais de origem (ROCHA, 2008).
Segundo Mira (2013), a contínua retirada de recursos naturais das fazendas de cacau, atrelada à mão-de-obra barata – e em excesso –, à facilidade do plantio (que exigia pouca ou nenhuma técnica, mormente em razão das características edafoclimáticas desta parte do país, propensas ao cultivo da fruta) e à importância que o fruto ganhou no panorama nacional e internacional, com destaque à exportação da amêndoa, tornaram Ilhéus a “Capital do Cacau” e, por assim ser, chão onde a concentração de renda e riqueza nas mãos de alguns se deu em decorrência do processo evolutivo socioeconômico – os grandes fazendeiros em contraponto aos pequenos e super explorados lavradores das roças.
A sociedade, por longo período, extraiu de maneira desenfreada dos cacaueiros e pouco investimento realizou no trato da lavoura; a renda deles advinda destinava-se ao sustento de luxos ou seguia para fora da região.

A alta renda oriunda do cacau gerou grande opulência. Com a falsa impressão de que seriam eternas, seus produtores nunca se preocuparam em poupar. Seus filhos dedicavam-se ao usufruto da riqueza, sem qualquer preocupação empresarial e, ou profissional relacionada ao cacau. Freitas (1979, p. 57) define como comum, por parte dos coronéis do cacau, “o gosto pelo supérfluo, a divulgação dos dados da riqueza pessoal, a transferência da renda regional para investimentos urbanos, culminando com o abandono da região por parte de sua elite social e política”, o que se daria, inicialmente “[...] através dos descendentes mais jovens [dos coronéis], e, posteriormente, se constituindo como atitude comum à própria burguesia cacaueira” (p. 87). Ou seja, uma alta propensão marginal a consumir, inclusive em bens duráveis, fora do sistema econômico “cacau”, ocasionando evasão de divisas (MIRA ,2013, p. 58).

            A crença na inesgotabilidade do “alimento dos deuses” pouco a pouco se converteu em falácia com o aparecimento das crises econômicas que assolaram direta ou indiretamente a região cacaueira. Rocha (2008) indica o aparecimento dos primeiros colapsos logo nos anos 1914 e 1919, ocasionados por alterações climáticas que geraram chuvas em demasia e enchentes responsáveis pelo perecimento de parte da safra e da lavoura despreparadas para tais incidentes, e, poucos anos empós, quebra” da bolsa de Nova York, em 1929, com reflexos na diminuição nos preços e exportações de cacau.
A partir da década de 1930 as crises passaram a ser cíclicas, superando-se o coronelismo, já tardia e precariamente, frise-se. Este foi o momento da atuação positiva estatal, desembocada na criação de órgãos para incentivo e fomento à produção do cacau, além do relevante fornecimento de subsídios para os produtores. As gêneses do Instituto do Cacau da Bahia (ICB), em 1931, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), em 1957, e do Conselho Nacional dos Produtores de Cacau (CNPC), em 1963, assinalaram os primeiros passos ao desenvolvimento efetivo da região diante das crises, com o emprego de técnicas no cultivo, conquanto tenham tido esses órgãos desvirtuadas suas finalidades anos depois (MIRA, 2013).
Inobstante o empenho na superação dos colapsos, já fragilizada por mais de um século de exploração desmedida, com o aparecimento da crinipellis perniciosa (“vassoura-de-bruxa”)nos cacauais,em 1989, desde a década de 1990 a cacauicultura sofre a maior das crises já vista até então e que não conseguiu ser contornada pelos instrumentos governamentais existentes.Organismos como a CEPLAC não foram aptos nem a desenvolver técnicas suficientes e nem a acalentar financeiramente os extratores, como outrora o havia feito.
Órfão, o proprietário da fazenda, que se reerguia dos impactos sofridos na produção e na dinâmica econômica, afunda-se ainda mais em dívidas, arriscando até mesmo perder sua propriedade por elas; o trabalhador rural, cuja força de trabalho se empregava na monocultura do cacau, tem retirada sua fonte de renda e migra para os centros urbanos em busca de emprego, fatos geradores do inchaço das cidades, suburbanização e mais desemprego; os comércios de cacau fecham, e o cultivo que se dava em grande escala nas exportações de amêndoas reverte-se em um mapa com premente necessidade de importar o referido insumo para atender à demanda existente.

[...] o Brasil, que no ano de 1990 era o segundo maior produtor de cacau do mundo, ocupa hoje o sexto lugar e, pela primeira vez, de exportador, passou a importador de cacau (ZUGAIB, 2005). Pelos dados da CEPLAC, a produção de cacau era, em média, de 350 mil toneladas por ano; passou a importar cerca de 70 mil toneladas para completar a produção atual (ROCHA, 2008, p. 107).

Frente ao alarmante quadro decorrido do surgimento do fungo da “vassoura-de-bruxa” e, por conseguinte, a queda nos indicadores econômicos, houve uma reconversão produtiva no sul da Bahia. O cacau, destinado às exportações por meio de amêndoas, passa a ser exportado na forma de líquor, torta, manteiga e pó, investem-se em técnicas de cultivo, como a cabruca e a clonagem. A economia, até então baseada no setor primário – tatuado ainda hodiernamente no imaginário econômico dos sobreviventes da época de ouro do cacau –, transfigurou-se para o setor terciário. O desenvolvimento regional da Microrregião Ilhéus-Itabuna decorre, na atualidade, dos serviços, com relevo para o turismo (MIRA, 2014).

2 O TURISMO RURAL NO BRASIL

            Preliminarmente, para analisar o turismo rural na região cacaueira, sua importância e como sua prática tem impactado algumas fazendas que outrora vivenciaram a era áurea do ouro “marrom”, é necessário apresentar algumas conceituações de como o turismo é concebido e praticado no Brasil.
A paisagem rural, antes preterida pela urbana, tem adquirido valor estratégico para o desenvolvimento regional. As novas funções sociais, econômicas e culturais que o turismo rural tem proporcionado colaboram com a valorização do modo de vida bucólico e trazem uma nova perspectiva para os produtores rurais que encontram no turismo uma maneira de garantir sua permanência nas áreas campestres. Para o agricultor, tal processo significa um avanço na forma de encarar a dinâmica rural, não apenas enfocando seus esforços na produção, mas também no crescimento da atividade turística, com seu aspecto transversal e dinâmico, possuído rdo poder de impactar diferentes setores do desenvolvimento territorial. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010)
Segundo Paiva (1995, apud SILVA; MOURA, 2010) a expansão urbana e os problemas decorrentes da ausência da ocupação territorial citadina seriam os principais motivadores para que os indivíduos se interessassem na mudança de cenário e ambiente, migrando temporariamente de um meio neurótico e estressante, que ocasionaria seu isolamento, para outro contrastante, que lhe proporcionaria paz e tranquilidade.
Em pesquisa mais recente encontrada e realizada pelo Ministério do Turismo em 2009, em parceria com a Vox Populi, constata-se que a procura por destinos campestres tem sido bastante expressiva, figurando em segundo lugar nas preferências dos entrevistados.

            O homem procura o turismo como forma de relaxamento e fuga da correria, da opressão e da pressão que a vida cotidiana no meio urbano exerce sobre ele. A escolha pelo turismo rural apresenta uma dinâmica interessante no momento em que o homem que busca, inicialmente, a agitação das cidades e de seus atrativos, passa em um dado momento a se interessar pelo meio rural como forma de se conectar com parte da dinâmica condutora de sua existência: a natureza.
Percebe-se que o homem não apenas tem a necessidade de modificar a natureza à sua volta ou até mesmo transformá-la em recurso econômico, como também necessita dela para adquirir o equilíbrio natural de suas ansiedades cotidianas. Esta mesma reflexão pode ser percebida no entendimento de Balderramas (apud SILVA; MOURA, 2010), segundo o qual “o turismo rural aproveita a propriedade como atrativo turístico, indo de encontro ao desejo do turista em estar em contato com o ambiente natural, ou mesmo o de resgatar raízes culturais, ou ainda de contemplar o cotidiano daqueles que trabalham no sistema de produção agropecuária”.
O turismo rural é um seguimento econômico considerado ainda moderno e em expansão no mundo. No contexto mundial, surge em meados do século XX na Europa e nos Estados Unidos, difundindo-se nos anos 1980 para América Latina, mais precisamente Brasil, Argentina e Uruguai.
O intuito da concepção do turismo rural é bastante interessante e sustenta a valorização das atividades do homem do campo, bem como a necessidade de quebrar com as diferenças estruturais ainda existentes na sociedade entre o meio rural e urbano, tendo surgido como uma prática que visava a promoção da sociabilidade e para amenizar a pobreza no campo, preservando os contornos e aspectos naturais da paisagem nativa e sua base cultural. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010)
Em que pese ter se difundido no país ainda no início dos anos 1980, apenas no final do ano de 1990 é que seus aspectos positivos foram anunciados e disseminados pelo país, o que colaborou para o interesse da categoria rural em sua prática. Entretanto, por constituir um investimento novo, não havia muito embasamento técnico, o que claramente comprometeu a expansão de forma eficiente desse ramo do turismo.
Em verdade, grande parte do entrave ao desenvolvimento turístico advém da precariedade na definição e na delimitação do espaço rural e do urbano. No Brasil, esta “fronteira” espacial possui um caráter administrativo, sendo o poder público municipal o definidor das regiões rurais e urbanas. Soma-se a isso a definição bastante vaga trazida pelo Ministério do Turismo de que “todas as atividades praticadas no meio não urbano, que consiste de atividades de lazer no meio rural em várias modalidades [...]” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010). 
Conforme Roque (2017)tal ramo do turismo que tende a valorizar o ambiente rural iniciou seu desenvolvimento há aproximadamente 20 anos e ainda há uma confusão nas definições dos conceitos, sendo denominada sinonimamente como turismo de campo, interior, alternativo, endógeno ou verde. Os princípios que delimitam e regem este tipo de atividade devem atentar-se para a preservação das raízes, o atendimento familiar, a harmonia, sustentabilidade ambiental, autenticidade de identidade, qualidade do produto e envolvimento da comunidade local.

Assim, pode-se dizer que para ser Turismo Rural, deve-se oferecer ao turista a oportunidade de desfrutar das particularidades das propriedades rurais e das peculiaridades da região, especialmente aquelas relacionadas às atividades agropecuárias. O atendimento precisa ser personalizado, para transmitir a hospitalidade do campesino ao visitante. O centro de interesse do turista que se desloca para áreas rurais está no conjunto constituído pela atividade produtiva, pela natureza e pelo modo de vida, que diferem da paisagem e do ritmo urbano (Ministério do Turismo, 2010).

            Apesar das classificações e subdivisões que a prática do turismo impõe para uma melhor compreensão a nível didático, o turismo rural abarca uma gama de benefícios que vão além do simples caráter econômico.
A importância dos valores, principalmente culturais e de sustentabilidade, é uma maneira de manter viva as raízes que impulsionaram a criação local e a dinâmica da modalidade rústica de turismo.  O turismo rural, em um contexto de globalização crescente, é uma forma de resistência às tendências urbanas e estrangeiras que, por vezes, padronizam o modus vivendi das comunidades em nome do paradigma do desenvolvimento econômico global de caráter urbano, negando as origens e consumindo indiscriminadamente os recursos naturais sob a lógica imposta de um crescimento econômico que expressa uma receita pronta norte-americana e eurocêntrica, não se atentando para as peculiaridades de cada comunidade, mormente as pequenas glebas rurais e as áreas indígenas.

3 O TURISMO RURAL NA COSTA DO CACAU

            A Região Nordeste é reconhecida nacional e internacionalmente como um destino turístico muito atrativo. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas em novembro de 2017, foi constatado que 82,6% dos entrevistados preferem o roteiro nacional para viagens. Destes, mais da metade, 43,4%, escolhem a região Nordeste como destino principal. A figura 2 apresenta preferências dos destinos turísticos regionais no país.
Os turistas que optam pela Bahia como destino de turismo, tem um amplo leque de opções. Dentre elas, a Costa do Cacau, localizada entre dois outros destinos turísticos: a Costa do Dendê, ao norte, e a do Descobrimento, ao sul. A região do cacau é composta por Canavieiras, Una, Uruçuca, Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Santa Luzia, sendo Itabuna-Ilhéus suas cidades mais expressivas. Aqui, é importante notar que essas duas áreas foram os pólos estratégicos para o desenvolvimento da economia cacaueira nas épocas áureas, direta ou indiretamente: Ilhéus com a base econômica na agricultura primária e Itabuna com enfoque na prestação de serviços. Além disso, a proximidade com a Mata Atlântica favoreceu o plantio do cacau, como também a presença de um importante órgão estratégico à época: a CEPLAC, a qual se localiza exatamente no eixo Ilhéus- Itabuna.
Com a queda do cacau, conforme já explicitado no tópico 1, principalmente as fazendas de cacau situadas neste eixo, as quais se destacavam na produção e exportação cacaueira, viram-se obrigadas a sobreviverem por outros meios. Um destes meios foi justamente a abertura de suas áreas rurais para o turismo receptivo de cunho campestre e endógeno.
Segundo a Secretaria do Turismo da Bahia (2015), o turismo na Costa do Cacau tem sido bastante significativo para a economia da região, demonstrando que em 2014 a região foi destino de aproximadamente 828.501 viajantes, o que correspondeu à geração de aproximadamente R$ 894.018.859,001 para a região cacaueira. Embora a maior parcela destes turistas apresente interesse em praias, sendo o turismo rural ainda um segmento pouco expressivo na Costa do Cacau (Figura 1), não se pode ignorar a sua importância no crescimento regional.
Dentre as fazendas que mais se destacam neste segmento, temos a Fazenda Provisão e Fazenda Yrerê, ambas em Ilhéus. Conforme afirma Mira (2013), o turismo rural nestas áreas ainda é embrionário e denota uma contradição com o não desenvolvimento de tal ramo turístico na região Ilhéus-Itabuna, já que há elevada potencialidade local para sua promoção, um contrassenso que, portanto, merece atenção.
Neste ponto, é possível fazer uma reflexão de que essas fazendas de cacau representam a expressividade de uma cultura existente ainda hodiernamentee que foi base para a estruturação e desenvolvimento das cidades de Ilhéus e Itabuna, como conhecidas atualmente. Demais disto, a história cacaueira conjetura a preservação ambiental da Mata Atlântica da região, devido à técnica que o cultivo do cacau demanda.
A promoção deste tipo de turismo constitui uma forma de não apenas introduzir aos visitantes os produtos fabricados, muitas vezes in natura, mas também de contar a história da região, o que os aproxima de um turismo cultural, com notórios traços do ecoturismo e sustentabilidade, ligando-os a áreas de plantio e cultivo de cacau, e, por consequência, das diversidades da Mata Atlântica do sul da Bahia.
Na visão de pesquisadores da região este setor, que poderia ser uma via econômica mais expressiva para a região, não avança  devido a fatores culturais e à falta de apoio público.

Quando este “caminho” é relativamente longo, há certa passividade. Elaborar um produto turístico rural, por exemplo, mesmo com tamanha disponibilidade de terras nas quais a produção ainda continua e com toda a cultura cacaueira arraigada, inclui-se neste caso. E, pior, demandaria o suporte de organizações públicas que adotassem tais produtos de infraestrutura, como estradas vicinais (MIRA, 2013, p.).

É importante destacar que em que pese as dificuldades da prática do turismo rural na região, principalmente por encontrar-se ainda nos estágios iniciais da sua implantação e disseminação entre os visitantes, as fazendas de cacau tais como a Yrerê e Provisão, encontraram na tecnologia a saída para a divulgação das suas instalações e roteiros turísticos. É possível, atualmente, encontrar informações em páginas pessoais na internet sobre as duas fazendas. Ambas oferecem serviços variados para os visitantes, tais como passeios nas roças produtivas, venda de produtos fabricados, passeios em trilhas na mata atlântica, bem como visitas ao conjunto arquitetônico que refletem a estrutura e modelo da época pomposa do cacau.
A acessibilidade, principalmente por meio virtual, vem sendo uma arma na promoção deste ramo de turismo e principalmente no instigar da curiosidade comunitária acerca das características que permearam e ainda permeiam o cultivo de uma das frutas mais preciosas da região, bem como para a atração de novos investidores.
Consoante dados publicados pela Secretaria de Turismo da Bahia (2015), as duas fazendas citadas são classificadas como pontos turísticos da região de Ilhéus, possuindo como topologia dos atrativos turísticos a natureza e a cultura, estando classificadas no segmento de turismo cultural com notas de acesso de quatro pontos, em uma escala de zero a cinco pontos.
Além do quesito cultural, o turismo desta espécie consiste na manutenção das estruturas tradicionais, principalmente no tocante aos valores e ao modo de vida das comunidades rurais, bem como dos elementos históricos do cotidiano da região e das famílias (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010).
Outro quesito que deve ser destacado, e principalmente analisado, é a importância da conscientização da preservação e educação ambiental que o turismo rural na terra dos cacauais proporciona aos visitantes. A cultura do cacau através da utilização do sistema das cabrucas 2 permitiu que parte significativa das árvores de grande porte da Mata Atlânticafossem preservadas, a qual contava em 2013 com apenas 12,5% de sua formação original segundo dados do SOS Mata Atlântica.
Neste sentido, por seus encantos culturais, históricos e preservacionistas, atrelados a um contexto de reconversão econômica cacaueira,não é à toa que mesmo de maneira incipiente e deveras precária, o poder público tem pensado em alternativas ao fomento da atividade turística fundada no cacau no sul da Bahia.
            Um dos projetos municipais que vem tentando colaborar com a importância histórica e cultural das fazendas de cacau é a construção da Estrada de Chocolate (figura 3). A obra, que teve seu roteiro iniciado em agosto de 2017, é uma parceria entre o Governo da Bahia e a Prefeitura de Ilhéus,prevendo 42 quilômetros da BA-262 que ligam Ilhéus à Uruçuca e percorrem em seu trajeto as formosas fazendas de cacau (SECOM ILHÉUS, 2017).
Sem dúvida, o investimento, a princípio indireto, tendo em vista que não possui o objetivo primordial de fomentar diretamente o turismo rural dentro das fazendas e sim do trajeto como um todo, incluindo fábricas de chocolate, proporciona uma significativa elevação neste ramo turístico, uma vez que a estrada, por ser temática, envolve os visitantes e aguça suas atenções em para como a saga do cacau foi travada na região, bem assim como os produtos são criados e a economia das fazendas encontram-se atualmente no pós-crise, alavancando e contribuindo também para a atração de receita à região percorrida pela estrada, uma vez que  “as pessoas que visitarem o sul da Bahia poderão conhecer todo o processo, de cultivo, colheita, preparação das amêndoas e produção do chocolate, adquirindo marcas de qualidade” (SECOM BA, 2017)

Para o Governo da Bahia o objetivo é a retomada do desenvolvimento regional, e “a Estrada do Chocolate é estratégica porque atua como pólo difusor da produção verticalizada, além do forte atrativo turístico", destacando o casamento entre as belezas naturais da região e o sabor do chocolate premium” (SECOM BA, 2017) .
Como já observado anteriormente, o turismo na Costa do Cacau chegou em 2014 a arrecadar uma receita de aproximadamente R$ 894.018.859,001, o que é bastante expressivo se tomados os impactos locorregionais da crise de 1989, principalmente em Ilhéus, que era destacadamente uma das maiores produtoras de cacau. Deste montante, não cabe esquecer, parte advém da atividade turística campestre endógena, ocupante do segundo lugar na preferência dos excursionistas.
A conversão da utilidade das fazendas de apenas produtoras para promotoras de eventos turísticos significa um atrativo de receita, mas, acima de tudo, de investimentos públicos para o fomento do turismo rural na região cacaueira de forma acentuada, apesar de a realidade nacional no tocante ao turismo rural ainda não expressar todo o seu potencial.
Por se tratar de uma iniciativa recente não foram encontrados dados do quanto esta estrada impacta na economia da região, entretanto, espera-se que em relação ao turismo rural este segmento seja mais destacado e que possa receber investimentos mais diretos de forma melhor estruturada para o desenvolvimento deste setor ainda pouco explorado e promovido na Costa do Cacau.

CONCLUSÃO

            Apesar de todos os benefícios e potencial que o turismo rural possui na Microrregião Ilhéus-Itabuna, este ainda não recebe atenção expressiva.
Inegavelmente, percebe-se que a escolha dos viajantes por áreas como o campo, ocupando o segundo lugar nas preferências de destino na região brasileira mais atrativa aos turistas, a Nordeste, conduz à ideia de que o turismo rural, se devidamente investido e divulgado, tem o condão de proporcionar uma participação expressiva na economia da região cacaueira, desenvolvendo-a em largos passos. Somado a isto, o eixo Itabuna-Ilhéus é estratégico em tal fim, tendo em vista ser cortado por uma estrada asfaltada e possuir atrativos extras como Universidades e aeroporto, os quais contribuem para o acesso e chamariz aos visitantes.
Neste caminho de raciocínio, as possibilidades de desenvolvimento do turismo rústico em fazendas de cacau seriam não apenas desejáveis, mas também necessárias, uma vez que a exploração desta parcela da economia adquire claros contornos de mercado, bem como de fomento à diversidade cultural, à história regional e à sustentabilidade e preservação da Mata Atlântica, atendendo-se às riquezas naturais, e, como não mencionar, ao valor arquitetônico e cultural de uma região que inspirou um dos maiores escritores do mundo: Jorge Amado.
Para tanto, seria fundamental a reunião de esforços no sentido de promover uma maior expansão deste segmento, que perpassa não apenas pela questão financeira, mas também pela pesquisa e controle por órgãos estatais em busca de contornar a informalidade que ainda circunda este segmento, o qual compromete o levantamento de dados que possibilitem estudos mais aprofundados sobre a expansão ou até mesmo o melhoramento deste ramo que tende a servir de mais uma alternativa ao desenvolvimento local.
De fato, pesquisar dados sobre o turismo rural é um desafio. Poucos são os materiais que tratam do assunto e raros os artigos que se propõem a discutir o tema. O leque de informações torna-se ainda menor quando se associa a abordagem ao turismo rural da região cacaueira.
O cenário local deste segmento acompanhaos contornos nacionais, nos quais a não combinação de fatores técnicos, principalmente provenientes dos municípios e do Estado, não permite que o potencial econômico da atividade possa aflorar de forma significativa. Representa, portanto, uma contradição, tendo em vista que se trata de uma região que conforma diversos fatores graciosos.
A história do cacau merece ser falada, e, ademais, vivenciada, não apenas em contos, romances ou na paisagem urbana, mas em sua origem, extraídadas nuances e das dinâmicas que ainda subsistem nas fazendas de cacau, daí porque a Estrada do Chocolate pode representar um significativo passo no caminho da reconversão e crescimento econômicos.

REFERÊNCIAS

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* Bacharel em Direito e mestranda em Economia Regional e Políticas Públicas (PERPP) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). E-mail: jichaves@hotmail.com
** Bacharel em Direito e mestrando em Economia Regional e Políticas Públicas (PERPP) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). E-mail: horigenesfontes @hotmail.com
*** Doutora em Serviço Social professora do mestrado em Economia Regional e Políticas Públicas (PERPP) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). E-mail: lifpinheiro@uesc.br
1  Aproximadamente € 275.761.523, 44 (BACEN, 2018).
2 Segundo Blinder (2005), este sistema é formado pelo raleamento (corte seletivo) das árvores da Mata Atlântica com o objetivo de sombrear as plantações de cacau, ou seja, o cacau é plantado no sub-bosque da mata, mantendo as árvores nativas mais altas como elementos promotores de sombra. Este modelo agroflorestal impede a derrubada total de extensas áreas florestais; potencializa a proteção dos remanescentes devido ao seu alto poder regenerativo; garante a manutenção de fluxo de material genético entre os fragmentos, e promove a formação de corredores de vegetação em áreas de expansão agrícola, contribuindo, assim, para a manutenção da biodiversidade.


Recibido: Septiembre 2018 Aceptado: Diciembre 2018 Publicado: Diciembre 2018

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