Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS POSSIBILIDADES E LIMITES DA PRODUÇÃO EM HISTÓRIA

Autores e infomación del artículo

Danniel Ferreira Coelho*

Fabiola Dourado Fulgêncio**

Unimontes, Brasil

Email: dannielcoelho65@yahoo.com.br

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RESUMO
O presente artigo busca discorrer acerca das possibilidades que existem nas diversas propostas paradigmáticas, buscando construir uma colaboração a um infindável debate sobre os caminhos e as possibilidades da história, e das ciências sociais de um modo geral.O debate historiográfico atual se dá em torno de distintas concepções que frequentemente levam a compreensões e abordagens diferentes, que possibilitam a vigência de ângulos diferenciados do vivido. Isso obriga o historiador ao imperativo da escolha acerca dos pressupostos teóricos e metodológicos de sua abordagem, abrindo para uma ampla reflexão em torno da possibilidade da construção de uma pesquisa que possibilite a ambição ao estatuto da verdade na história, e nas ciências sociais em geral.

Palavras-chave: História, Historiografia, Metodologia, Política, Modernidade, Pós-modernidade

RESUMEN
El presente artículo busca discutir las posibilidades que existen en las diversas propuestas paradigmáticas, buscando construir una colaboración para un debate interminable sobre los caminos y posibilidades de la historia, y de las ciencias sociales de manera general. El debate historiográfico actual es alrededor. Diferentes concepciones que frecuentemente conducen a diferentes entendimientos y enfoques, que permiten la existencia de diferentes ángulos de experiencia vivida. Esto obliga al historiador al imperativo de elegir sobre los supuestos teóricos y metodológicos de su enfoque, abriéndose a una amplia reflexión sobre la posibilidad de construir una investigación que permita la ambición del estado de verdad en la historia y en las ciencias sociales en general.

Palabras clave: historia, historiografía, metodología, política, modernidad, posmodernidad.

ABSTRACT
The present article seeks to discuss the possibilities that exist in the various paradigmatic proposals, seeking to build a collaboration to an endless debate on the paths and possibilities of history, and of the social sciences in a general way. The current historiographic debate is around different conceptions that frequently lead to different understandings and approaches, which allow the existence of different angles of lived experience. This obliges the historian to the imperative of choosing about the theoretical and methodological assumptions of his approach, opening for a broad reflection on the possibility of constructing a research that allows ambition for the status of truth in history, and in the social sciences in general.

Keywords: History, Historiography, Methodology, Politics, Modernity, Postmodernity

Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Danniel Ferreira Coelho y Fabiola Dourado Fulgêncio (2019): "Considerações acerca das possibilidades e limites da produção em História", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2019/07/limites-producao-historia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1907limites-producao-historia


O presente artigo busca discorrer acerca das possibilidades que existem nas diversas propostas paradigmáticas, buscando construir uma colaboração a um infindável debate sobre os caminhos e as possibilidades da história, e das ciências sociais de um modo geral.
O debate historiográfico atual se dá em torno de distintas concepções que frequentemente levam a compreensões e abordagens diferentes, que possibilitam a vigência de ângulos diferenciados do vivido. Isso obriga o historiador ao imperativo da escolha acerca dos pressupostos teóricos e metodológicos de sua abordagem, pressupostos estes que muitas vezes são diametralmente opostos, e que, por sua vez, possibilitam resultados absolutamente divergentes, pondo em xeque inclusive o próprio caráter cientifico da disciplina, e abrindo para uma ampla reflexão em torno da possibilidade da construção de uma pesquisa que possibilite a ambição ao estatuto da verdade na história, e nas ciências sociais em geral.
Todavia, antes da abordagem dos aspectos divergentes e contraditórios em torno das possibilidades paradigmáticas e epistemológicas, faz-se necessário uma breve abordagem nas convergências existentes entre os polos opostos do pensamento acadêmico.

Antecedentes históricos - a superlativação do político.
O século XX foi palco de uma grande virada que levou à construção de novas hegemonias, no tocante às abordagens do passado. O entendimento geral era de que se produzia nos anos de 1800 uma história absolutamente embebida (ou talvez embriagada) de uma inspiração positivista, proposta científica que vinha ganhando cada vez mais adeptos, desde a popularização da obra do seu principal catedrático, o francês Emile Durkheim (1858-1917).(DOSSE, 2003).
Tal inspiração se evidenciava nas publicações de então, cuja característica principal era a de uma história voltada ao estudo do fato político, mas sendo este entendido estritamente em relação aos grandes feitos de grandes homens, isto é, se produzia uma história eminentemente biográfica, voltada à vida dos líderes políticos e militares que chefiavam o Estado.
Esse entendimento vinha, sobretudo, de uma compreensão durkheimiana que expande sobremaneira o papel do Estado na vida societária. Para Durkheim, o Estado era o substituto da Igreja sob a ótica de ente responsável pela disciplina e pela organização moral da sociedade, chegando inclusive ao ponto de propor que a “individualidade moral” também é oriunda do Estado, pois este “tende a assegurar a individuação mais completa que o estado social permita. Longe de ser o tirano do individuo, é ele quem o resgata da sociedade”. (DURKHEIM, 2002, pg. 96).
Portanto, a partir desta perspectiva, entende-se inclusive que o Estado é o responsável pelas “liberdades individuais”, pois é da atuação deste, e também de seus conflitos, que estas nascem. (DURKHEIM, 2002, pg. 88).
É sob a égide de uma autoproclamada ciência, que partia de tal pressuposto, que a historiografia do século XIX se construiu.
Em uma perspectiva que dava tamanho protagonismo ao Estado, nada mais natural do que se partir de estudos aprofundados centrados naqueles que chefiavam, ou ocupavam de alguma forma lugar de destaque, este agente onipresente na vida das pessoas, produzindo-se então uma história centrada no factua. l(DOSSE, 2003)
O historiador francês François Dosse, em seu livro a “A História em migalhas”, aponta corretamente que essa proposta positivista não foi a primeira tentativa de se construir uma certa unicidade de pensamento historiográfico, em que pese ter sido a mais bem-sucedida até então. Além da vertente positivista, ainda houve, segundo Dosse, outras duas tentativas: uma capitaneada pelo geógrafo Vidal de la Blache, e outra pelos historiadores Henri Berr e François Simiand. Ambas propunham novas possibilidades, cujas principais características se encontravam no fato de se afastarem da política, e buscarem novos olhares na vida da sociedade, o que as aproximarão das futuras abordagens que dominarão as propostas historiográficas do século XX. (DOSSE, 2003).
Portanto, é em torno da crítica a essa abordagem positivista que a história se constrói nos anos 1900. Será, pois, ponto de convergência entre autores dos dois “paradigmas distintos”, conforme termos propostos por Ciro Flamarion Cardoso (1997), a crítica à perspectiva positivista. Esta história factual, biográfica e eminentemente política, perderá terreno no decurso do século XX, para propostas epistemológicas antagônicas, definidas por Cardoso enquanto paradigma iluminista, ou moderno e pós-moderno (1997).

O paradigma moderno, ou a História científica.
O primeiro paradigma, o iluminista ou moderno, seria um conjunto epistemológico cujas origens remontam ao século XVIII, com a ascensão de uma matriz de pensamento filosófica que rompe com as amarras da liturgia dogmática, e centra-se em uma doutrina em que a racionalidade se encontra no centro da abordagem, fazendo com o que homem retome as rédeas da humanidade, e desbanque a providência, enquanto norteadora dos destinos.
A proposta iluminista inaugura uma era em que a racionalidade e a ciência se tornam os novos objetos de adoração humana. Esse novo período modernista se consolidará no decurso do século XIX e perdurará enquanto perspectiva hegemônica até meados do primeiro quartel da segunda metade do século seguinte. Sob este amplo paradigma se encontraram vertentes de pensamento claramente distintas. (CARDOSO, 1997).
Este paradigma teria como principais características a busca da construção de uma síntese histórica total e globalizante. Essa síntese globalizante pressupunha a vigência de um caráter científico e racional da história, que se articularia interdisciplinarmente com as demais ciências sociais, e possibilitaria ao conhecimento histórico alcançar o seu triplo objetivo, que seria a produção de um conhecimento do passado, que fosse analítico, estrutural e explicativo, o que, consequentemente, forneceria um “elo dialético” entre o passado o presente. (CARDOSO, 1997, p.25).
Portanto, teriam tais características e seriam filiadas a esse paradigma, segundo Cardoso (1997) e Dosse (2003), as correntes historiográficas fincadas na acepção marxista do materialismo histórico, e também as duas primeiras gerações da famosa Escola dos Annales.
Cardoso (1997) enumera inclusive alguns pontos que em sua opinião convergem epistemologicamente entre o marxismo e os Annales, fruto, segundo ele, de uma suposta “influência oculta do marxismo” sobre a corrente francesa. A saber: os pontos que unificam as duas correntes seriam a já citada necessidade de uma síntese global que demonstrasse uma totalidade estruturada; a opinião de que a consciência de determinada época não coincide com a realidade social; a especificidade de cada período e a sociedade; a unidade entre as ciências sociais; a junção das preocupações da pesquisa histórica com as ansiedades do presente; e, por fim, uma característica que abrangeria alguns dos membros dos Annales (mas não todos, nem mesmo a maioria), que era a convicção da determinação do econômico em ultima instância. (CARDOSO, 1997).
Tais características inclusive aproximariam, segundo Cardoso, os Annales muito mais do marxismo do que outras tendências que supostamente seriam efetivamente marxistas, como as proposições de Louis Althusser, e principalmente a teoria dos autores da chamada Escola de Frankfurt, como Habermas e Adorno.(CARDOSO, 1997).
Contudo existem diferenças, e estas fazem com que se tornem imperativas algumas considerações acerca de cada uma destas vertentes de pensamento, que se inserem no paradigma iluminista.
Compreender o marxismo não é de modo algum uma das tarefas mais simples, especialmente porque esta é uma vertente teórica que, paradoxalmente, ao mesmo tempo que celebra a modernidade ele também a critica.
Todo o discurso marxista é, antes de mais nada, ligado a uma perspectiva de transformação social, isto é, a própria razão de ser deste arcabouço teórico se encontra na proposta de superação do capitalismo industrial, que por sua vez é a maior expressão da modernidade ocidental. A grande ambiguidade da obra de Marx, em especial no célebre Manifesto, é que ela, ao mesmo tempo, condena o capitalismo e celebra a modernidade. (SANTOS, 2001).
Todavia, para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, tal enigma é facilmente desvendado a partir de um estudo mais aproximado das produções teóricas deste teórico alemão. Santos afirma que o objetivo final de Marx é exatamente construir essa saída moderna ao capitalismo, pois, para ele, “enquanto capitalismo, a modernidade é um projeto necessariamente incompleto” (SANTOS, 2001, p.23).

            E afirma ainda que:

 “a ciência e o progresso, a liberdade e a igualdade, a racionalidade e a autonomia só podem ser plenamente cumpridas para além do capitalismo, e todo o projeto politico, científico e filosófico de Marx consiste em conceber e promover esse passo.” (SANTOS, 2001, p.23)

            Portanto, não há contradição entre Marx e a modernidade, pois para ele a modernidade somente se completa a partir da superação do capitalismo, que, em sua visão (equivocadamente, segundo muitos), ocorreria necessariamente através de um processo de transformações sociais de caráter revolucionário, que seria empreendido pela própria modernidade por aqueles que seriam considerados como sua vanguarda, a classe trabalhadora. (SANTOS, 2001)
O próprio Manifesto Comunista de 1848 já afirmava que “tudo que é sólido se desmancha no ar”, em uma avassaladora profecia, não cumprida, que atestava o caráter transformador que a modernidade teria. Desta forma o marxismo se torna um dos “pilares das ciências sociais na modernidade” (SANTOS, 2001, p.33).
Contudo, a partir da constatação que o marxismo é um dos “pilares” da modernidade, contata-se também que, consequentemente às crises que esta última sofreu, abalou-se sobremaneira este arcabouço que lhe dá sustentação, pois se “a modernidade se torna hoje mais do que nunca problemática, o marxismo será parte do problema” (SANTOS, 2001, p.35).
Se por sua vez a crise do paradigma moderno representa também a crise do marxismo, o mesmo não ocorre com os Annales, que continuarão com o posto de vertente hegemônica do pensamento historiográfico, mesmo apesar de tal crise, mas com novas orientações absolutamente distintas das vigentes no passado modernista (não tão distante) deste periódico francês, chegando ao ponto de fazer com que muitos considerem que as rupturas desta nova fase sejam mais numerosas que as suas continuidades (DOSSE, 2003).
Durante o período anterior a 1969, houve o que se convencionou chamar de duas gerações dos Annales. A 1ª geração remete do período da fundação da revista em 1929, por Marc Bloch e Lucien Febvre, até meados da década de 1940, quando Lucien Febvre cede a direção da revista a Fernand Braudel, inaugurando assim a 2ª geração, que dura até o final da década de 1960, quando ele deixa a chefia do periódico.
As principais obras desses autores são “Os Reis Taumaturgos(1924)”, “Apologia a História, ou o ofício do historiador” (publicada postumamente em 1949) de Marc Bloch; “Combates pela história (1953)” de Lucien Febvre; e o “O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II (1949)” de Fernand Braudel.
De acordo com Dosse (2003), é pelas mãos principalmente desses autores que os Annales construíram sua hegemonia enquanto corrente historiográfica, e isso ocorreu por motivos de cunhos epistemológicos, como o rompimento do isolamento da história, e também porque essa corrente, diferentemente do marxismo, se consolidou muito mais enquanto arcabouço metodológico do que teórico, o que possibilitou que um número anda maior de historiadores se ligassem a essa escola.
Essas duas gerações evidentemente possuem suas diferenças, e talvez a mais forte delas seja a ênfase que a primeira geração dá aos homens, considerando-os o objeto central da análise, enquanto na outra geração este centro se desloca para aspectos geográficos que extrapolam a ação humana.
Marc Bloch, um dos “pais fundadores” dos Annales e ícone da 1ª geração, em sua “Apologia da história” (2001), afirma que “o objeto da história é, por natureza, o homem, ou melhor, os homens”, e completa o seu pensamento postulando que “o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça”. (BLOCH, 2001, p. 54)
Já o eixo central da 2ª geração, liderado por Braudel, é facilmente identificado pelos próprios títulos das obras desses escritores. Em Braudel o centro se encontra no mar mediterrâneo, como já citado, e, além desta, também se destacam as obras de Pierre e Huguette Chaunu “Sevilha e o Atlântico”(1954), “Portugal, o Brasil e o Atlântico”, de Frederic Mauro, dentre outras que revelam a sólida preocupação com o espaço, inaugurada pelos membros desta geração.
A transição desses eixos se deu essencialmente pela prevalência que Braudel e seus seguidores deram à chamada “longa duração”. É em Braudel que se desenvolve o conceito que Reis denomina de “dialética das durações” (REIS, 1994, p.58). Para Reis, este “tempo consiste na ultrapassagem do indivíduo e do evento, sem, no entanto, negar a realidade dos eventos e do papel do indivíduo”. (REIS, 1994, p.64)
Em tal dialética Braudel discute o próprio conceito de duração em que dispõe da existência de uma longa duração, que é o tempo da estrutura, a média duração, que é o tempo da conjuntura, e a curta duração, que é o tempo do evento. O pioneirismo e a importância de Braudel em desenvolver essa fórmula vai no sentido de afirmar ser a história a ciência social mais complexa, pois seria a única que considerava tal articulação dialética, em que há “interação entre estrutura, conjuntura e evento”, com uma atenção especial ao tempo estrutural, fato que consequentemente realizou o já citado deslocamento dos homens para o espaço, diferenciando a produção dessas duas gerações dos “Annales”. (BARROS, 2010, p. 15)
Todavia, também essas duas gerações em muito se assemelham e representam uma continuidade da presença do paradigma moderno no âmbito dos Annales franceses. Dentre as características fundamentais que permeiam essas duas fases se destacam as seguintes: a absoluta crença no caráter científico que a história deveria ter, fazendo, pois, que fosse imperativo passar da “história-narração” para uma história problema; a existência de um debate crítico permanente da história com as demais ciências sociais, importando delas “problemáticas, conceitos, métodos e técnicas”; a vontade de criação de uma “história-global”; o abandono do factual e a busca do coletivo e do social;  diminuição da importância das fontes escritas e a ampliação de outras fontes, tais como a história oral, os vestígios arqueológicos, etc; consciência da existência de uma “pluralidade dos níveis de temporalidades”; maior preocupação com o espaço; e, por fim, a visão da história enquanto “ciência do passado e do presente”, ao mesmo tempo. (CARDOSO, 1997, pps. 28-30)
Contudo, ressalte-se novamente que essas eram as características dos Annales modernos, e que, portanto, já não vigoram há algumas décadas.

A crise da cientificidade histórica no paradigma pós-moderno – Busca da narrativa
A partir de 1968, todo o paradigma moderno é questionado a partir de uma série de críticas que farão com que se dê espaço a um novo modelo epistemológico, que se convencionou denominar “pós-moderno”. Tais críticas abaterão especialmente o marxismo, mas também os historiadores dos Annales, sendo que estes últimos em grande medida absorverão essas e transformarão a historiografia a tal ponto que ela ficará irreconhecível em relação à feita anteriormente, fato que faz com que muitos, entre eles Dosse (2003) e Cardoso(1997), considerem que as rupturas excedam as continuidades entre tais gerações.
Segundo Cardoso (1997) as críticas ao paradigma moderno são diferenciadas e fazem parte de um caráter mais amplo.
Antes de se adentrar às críticas feitas, é importante se ter uma clara contextualização do momento em que se deu essa transição paradigmática. O momento em questão é principalmente após 1968, quando boa parte da intelectualidade se convence do não cumprimento das promessas da modernidade. É quando eclode uma “desilusão radical” com a ideia de que a ciência e o racionalismo seriam condutores a um futuro melhor, de “libertação e felicidade”. Tal tese se apoiava em diversos argumentos buscados na própria história do século XX, tal como as duas guerras mundiais, o nazismo, a destruição do meio ambiente, etc. (CARDOSO, 1997, p.32)
Além disso, o próprio marxismo foi um alvo prioritário de tais críticas, pois além de as principais previsões que Marx havia feito não terem se efetivado, na União Soviética, centro mundial do marxismo de então, o que se via era a completa prevalência da chamada Realpolitik, que, segundo muitos, em vez de se criar a tão esperada sociedade sem classes, criava uma ampla casta de dirigentes que parasitavam em torno do Estado e dos trabalhadores, visão que provocou inúmeras cisões no movimento socialista mundo afora, numa fragmentação que somente se intensificou a partir da invasão soviética à Hungria e à Tchecoslováquia, levando o marxismo a cair cada vez mais no descrédito intelectual, criando uma nova geração de pensadores cujo traço marcante era a desilusão com o marxismo e, consequentemente, com qualquer perspectiva de transformação global. (CARDOSO, 1997)
É especialmente a partir do pensamento de tais intelectuais que se chega ao primeiro conjunto de objeções feitas à proposta modernista, de cunho epistemológico e filosófico, que proporia a desilusão com as perspectivas de racionalismo, evolução e principalmente contestando a “ilusão cientificista”, inviabilizando a “explicação racional do social”. (CARDOSO, 1997, p. 32)
Esses questionamentos acerca da impossibilidade da cientificidade do conhecimento histórico levaram a novas objeções metodológicas que supostamente comprovariam essa tese, pois “quando se espera ter acedido à verdade, um temporal muda a direção das folhas e tudo que era sólido se desfaz no ar”. (REIS, 2006, p.98).
José Carlos Reis (2006), admitindo o caráter “muito problemático epistemologicamente” do conhecimento histórico, apresenta os principais argumentos para tais problemas.
Primeiramente, Reis (2006) observa que o conhecimento histórico é produzido exclusivamente através de vestígios do passado, sempre precários e lacunares, e às vezes também estrategicamente colocados. Portanto, o passado se torna uma “abstração” pois é um “conhecimento indireto do passado”, e portanto a “linguagem da história” não é em nada distinta da “linguagem do mentiroso”. O conhecimento histórico é, portanto, apenas uma “retrodicção pouco rigorosa”, pois é fruto apenas da escolha do historiador na hierarquização das causas e escolha dos eventos. (REIS, 2006, p.99)
O historiador, portanto, ainda segundo as objeções expostas por Reis(2006), não tem método, muito menos teoria e, consequentemente, não explica nada, fazendo com que o discurso histórico seja em muito semelhante ao de uma anedota.
Além disso, em tais críticas os historiadores, de um modo geral, são acusados de fazer o que mais condenam, que é o anacronismo. A história é feita por homens no presente, que, por mais que tentem, não conseguem olhar o passado de outra maneira que não seja com o olhar do presente. (REIS, 2006).
E esse conjunto de críticas termina, portanto, afirmando que a principal causa da confusão da explicação histórica é que ela é “um conhecimento sem objeto”, e é por este motivo que se torna inviável a construção de um conhecimento racional. (REIS, 2006)
Reis (2006) afirma que, sob a perspectiva de tais críticas, conclui-se que o “conhecimento histórico produz uma mutilação da experiência passada, uma organização ilusória e fantasmagórica dos homens do passado”. (REIS, 2006, p.100).
É sob tal contexto de ataques aos pilares do paradigma moderno que se elevou esse arcabouço teórico que se convencionou chamar de pós-moderno. A morte dos centros e a incredulidade às metanarrativas deram a tônica que marcará todas as ciências sociais, especialmente a história. Não há mais História, mas histórias. Não há mais coletividades, há indivíduos e pequenos grupos. Não há mais “homo faber, nem homo economicus,” o que há agora é “homo simbolicus”. (CARDOSO, 1997, p.40)
Tal opção por esse homo simbolicus é fruto de um abandono do analítico, do estrutural, da macroanálise, em favor da hermenêutica, da microanálise, das interações, e da concepção da história enquanto narrativa, opção que Cardoso ressalta ser a característica mais evidente desta produção historiográfica no paradigma pós-moderno. (CARDOSO, 1997)
No mesmo sentido, Reis constata que é nesse momento que se completa a transição de um modelo nomológico, para um novo modelo narrativo, que se hegemonizará a partir da década de 1970. (REIS, 2006)
Um dos autores essenciais desse novo modelo é Paul Veyne, legítimo representante da nova historiografia francesa, na qual a terceira geração dos Annales se enquadra. Em seu trabalho “Como se escreve a História”, ele defende ardorosamente que a história não é uma ciência, pelo contrário, é uma narrativa por excelência, principalmente por ser o historiador alguém que em seu trabalho simplesmente escolhe os eventos arbitrariamente, e constrói, segundo Veyne, a sua trama.
Ao delimitar dessa forma, ele faz uma analogia da história com um romance, e a única diferença entre esses dois gêneros seria que a história não se preocupa com a estética, mas sim com a busca pela verdade. (VEYNE, 1982)
Contudo, Reis (2006) ressalta a existência de pelo menos três Veyne´s distintos, isto é, no decurso de sua carreira ele próprio oscilou em suas convicções acerca da história. Em um primeiro momento, na obra “O inventário das diferenças”, ele inclusive defende o caráter científico da disciplina, alegando ser esta ligada às ciências sociais de modo a reproduzir conceitos científicos, posição que rapidamente sucumbirá em suas obras. Já no artigo “História conceitual” ele manterá a defesa exposta no próprio título, mas já sem o caráter cientifico, posição que dará lugar à perspectiva presente em “Como se escreve a História”, que apregoa a absoluta impossibilidade de esta almejar o estatuto científico, e se finca na visão de que se escreve enquanto intriga. É esta última posição que será a que melhor definirá as opções deste autor. (REIS,2006)
Em Veyne também se pode encontrar o próprio movimento de transição feito pela disciplina, pois neste autor a mudança para o modelo narrativo, acima citado, se encontra de forma bastante clara. Neste tipo de produção os fatos são escolhidos pelo autor de acordo com o interesse da intriga proposta. Assim, a história se torna um “conhecimento descritivo e não teórico”. (REIS,2006, p.135)
Essa transição é fruto de uma ambição de aproximação da história com o vivido. A fórmula anterior privilegiava sobremaneira o lógico e o estrutural, a história-problema se demonstrou “excessivamente abstrata, estática, ahistórica, anônima, sem eventos e homens”. Esse novo historiador, segundo Reis (2006), tem na sua essência a busca de “motivos, intenções, sujeitos” buscando, portanto, essa aproximação com o homem, ou os homens, de forma mais pessoal. (REIS, 2006, p. 133)
E nesse novo formato a própria temporalidade é revista: “o tempo torna-se humano na medida em que é articulado de forma narrativa”, e também afirma que a “narração ganha todo seu significado quando se torna uma condição da experiência temporal”. Portanto, “o vivido torna-se mais humano, quando narrado”.(REIS, 2006, p.139)

 

Considerações finais
A partir desta breve exposição de métodos tão distintos, que geram possibilidades tão diversas, e inclusive possibilitam resultados diametralmente opostos, não há como não ficar no ar o óbvio questionamento sobre qual seria então o caminho mais adequado para a melhor compreensão dos fatos do passado.
Sem a pretensão de se chegar a uma resposta definitiva, acerca de um tema tão controverso, entende-se pois que talvez a perspectiva mais sensata seja aquela proposta por Ronaldo Vainfas, no breve capítulo que conclui o livro “Domínios da História”, escrito conjuntamente com o já citado Ciro Flamarion Cardoso.
Vainfas, diferentemente de Carodoso, que faz uma clara opção pelo paradigma moderno, afirma que não vê “com nitidez qualquer vantagem a priori de um paradigma sobre o outro, em termos epistemológicos”. Este autor entende que o ponto fundamental nesse debate é que necessariamente cada paradigma leva a opções e abordagens distintas. Contudo, Vainfas deixa claro que apesar disso ele não crê de forma alguma que tais abordagens sejam excludentes por natureza. (VAINFAS, 1997, p.448)
É possível, segundo a visão deste autor, se compreender uma realidade global a partir do individual, assim como o inverso também é factível, isto é, pode-se partir do detalhe para compreender o todo. Dessa forma, ele conclui afirmando que possivelmente o ideal é o diálogo constante entre essas abordagens, para, a partir daí, se chegar a resultados mais precisos do vivido.

REFERÊNCIAS
BARROS, José Costa D´Assunção. A Escola dos Annales: considerações sobre a história do movimento. In: Revista História em Reflexão: Vol. 4, n. 8. Dourados, UFGD, 2010.
BLOCH, Marc. Apologia a história, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro, Ed. Jorge Zahar, 2001.
CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Paradigmas Rivais. IN; CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Campus, Rio de Janeiro, 1997.
DOSSE, François. A história em migalhas. Dos Annales à nova história. EDUSC, Bauru, 2003
DURKHEIM, Emile. Lições de sociologia: a moral, o direito e o estado. Martins Fontes, São Paulo 2002.
REIS, José Carlos. História e Teoria. Historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.
REIS, José Carlos. Nouvelle histoire e o tempo histórico. São Paulo, Ed. Ática, 1994
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8 Ed. São Paulo, Cortez, 2001
VAINFAS, Ronaldo. Caminhos e Descaminhos da História. IN; CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Campus, Rio de Janeiro, 1997.
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília, UNB, 1982.

*Doutorando em Desenvolvimento Social, Mestre em História Social, Sociólogo, todos os títulos obtidos pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Atualmente Diretor de EAD da Universidade Católica de Brasília
**Mestranda em História Social e Bacharel em Direito pela Unimontes, e Jornalista pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas Gerais.

Recibido: 17/07/2019 Aceptado: 23/07/2019 Publicado: Julio de 2019

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