Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


O ESTADO DESENVOLVIMENTISTA DE CELSO FURTADO E O ESTADO CLASSISTA DE CAIO PRADO JÚNIOR

Autores e infomación del artículo

Daniel Strauss*

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

Email: daniel_strauss@outlook.com.br.

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Resumo

Este trabalho objetiva discutir as concepções de Estado em dois autores ícones da formação teórica econômica brasileira: Celso Furtado e Caio Prado Júnior. Suas semelhanças na tentativa de elaborar teorias alternativas à literatura econômica tradicional, bem como suas preocupações com subdesenvolvimento e como superá-lo, não podem reduzir a síntese antagônica das ideias desses autores. Enquanto Furtado entende a necessidade de um desenvolvimentismo direcionado pelo Estado, inserido os antagonismos da estratificação social; Caio Prado está preocupado com a superação do modo de produção capitalista por via revolucionária, uma vez que o Estado representa os interesses da classe dominante.
Palavras-chave: Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Estado, Desenvolvimentismo, Classes sociais.

Abstract

This paper aims to discuss the conceptions of State in two iconic authors of the theoretical Brazilian economic formation: Celso Furtado and Caio Prado Júnior. Their similarities in the attempt to elaborate alternative theories to the traditional economic literature, as well as their preoccupations with underdevelopment and how to overcome it, can not reduce the antagonistic synthesis of the ideas of these authors. While Furtado understands the necessity of a developmentalism directed by the State, inside the antagonisms of social stratification; Caio Prado is concerned with overcoming the capitalist mode of production by revolutionary means, since the state represents the interests of the ruling class.

Keywords: Caio Prado Junior, Celso Furtado, State, Developmentalism, Social Classes.

Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Daniel Strauss (2019): "O Estado Desenvolvimentista de Celso Furtado e o Estado Classista de Caio Prado Júnior", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2019/07/estado-desenvolvimentista-furtado.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1907estado-desenvolvimentista-furtado


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trabalha a questão do Estado sob a perspectiva de dois autores centrais do pensamento econômico brasileiro: Celso Furtado e Caio Prado Júnior. Considerados marcos na fundação de teorias que interpretam a realidade nacional com forte independência da visão tradicional da economia. Suas propostas consideram o subdesenvolvimento não como uma etapa, ou como necessidade de criação de ambiente institucional, para desenvolvimento. Caio Prado e Furtado observam o subdesenvolvimento brasileiro com raízes na própria lógica do capitalismo.
As características que aproximam esses dois autores são amplamente exploradas, no entanto suas diferenças são determinantes na essência de suas sínteses. De um lado temos as teorias de Celso Furtado com o plano político desenvolvimentista, cuja base entende a luta de classes, mas projeta essas disputas de interesses em reformas que tentam superar a condição de subdesenvolvimento. O Estado é o pilar que sustenta sua construção teórica, portanto, é preciso desenvolver os interesses e valores que levariam ao estado de desenvolvimento econômico e social.
Para caracterizar esse estado, Furtado reelabora a teoria de crescimento para refletir não apenas a realização das necessidades, mas também manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador. Portanto, o Estado como integrador desses diferentes interesses tem o papel de conduzir como canalizador do projeto desenvolvimentista. Furtado aponta uma profunda modificação na distribuição de renda e no fortalecimento do mercado interno como papéis dessa condução.
Por outro lado, Caio Prado não guarda expectativas com o Estado dentro do modo de produção capitalista. Conduzido por uma linha teórica marxista, não pensa que o Estado tenha cumprido historicamente o papel de emancipador humano das condições de exploração do trabalho. Ao romper com a linha teórica do marxismo ortodoxo, que apontava para formação feudal no Brasil, Caio Prado discute uma proposta que o Estado brasileiro cumpriu um papel de gerenciador da colonização marcado em primeiro lugar pelo suprimento dos interesses da metrópole, Portugal, e posteriormente das necessidades do capitalismo imperialista nascente, Inglaterra.
Apesar de este trabalho refletir as propostas que os autores têm sobre o Estado e suas características mais gerais, e contrapô-las, não entendemos que, metodologicamente, Furtado ou Caio Prado enxerguem uma caracterização única e equivalente a todos os períodos históricos para o Estado. Pelo contrário, essas caracterizações estão delimitadas para o marco de economias subdesenvolvidas, especialmente a economia brasileira, e datadas historicamente.
A proposta subsequente do artigo é: na seção 2 observar as ideias de Celso Furtado, e, neste caso, o enfoque foi dado ao chamado período maduro de Furtado, com elaborações mais recentes de seu pensamento. A seção 3 traz Caio Prado em suas principais obras e formulações sobre o comportamento do Estado no Brasil, bem como suporte teórico da linha marxista.

2 CONCEPÇÃO DE ESTADO DESENVOLVIMENTISTA EM CELSO FURTADO

A partir dos anos 1960, Furtado começa a inserir novas propostas em suas ideias sobre o que é desenvolvimento e qual deveria ser o papel do Estado. Sua caracterização vai de encontro à proposta marxiana, a qual, Furtado (1964), qualifica como uma abordagem dos conflitos sociais predominantes em determinadas fases de desenvolvimento. Esses conflitos que dividiam a sociedade civil em partes de interesses antagônicos cuja convivência social seria impossível. Faz-se necessário, então: “a organização de uma força repressora destinada a obrigar os explorados a aceitar sua própria exploração” (FURTADO, 1964: 38).
Isso não está de acordo com os fatos, apesar de qualificar as disputas de interesses em uma sociedade estratificada, apresenta uma teoria de alternativa de organização, cujo foco está na formação de introdução de inovações e de difusão de novos valores culturais. Furtado (1964: 38) cita sociedades cujo foco do Estado não estava em reprimir interesses em nome de uma classe dominante, mas: “Se observamos uma sociedade como a grega antiga, vemos que os conflitos sociais mais importantes eram aqueles que se travavam permanentemente entre grupos organizados politicamente em múltiplas formas de microestados.”.
Furtado não nega a existência de uma luta de classes, mas sua qualificação de Estado o torna uma instituição disputável com diferentes projetos políticos. Quando aponta características da formação e apropriação do excedente, Furtado (1977: 17) afirma que: “[...] a existência do homem sempre esteve ligada a formas de divisão do trabalho, ou especialização, ao nível dos sexos, dos grupos etários, de micro-grupamentos sociais como a família, e de grupos sociais mais complexos.”. A ideia de excedente surge como evidência da divisão social do trabalho, cujo crescimento demográfico permite expansão e complexificação dessa divisão. Então se prossegue a conclusão que:

[...] a teoria do excedente constitui a face econômica da teoria da estratificação social. [...] Tudo indica que, alcançado certo nível de produtividade do trabalho, a especialização assumiu a forma de diferenciação mais complexa, dando origem a certas funções que permitiam àqueles que as exerciam estabelecerem relações assimétricas com os demais membros da comunidade. (FURTADO, 1977: 18).

Furtado (1964: 35) segue ainda apontando que:

[...] padrões de organização social que resultaram ser mais eficazes e vieram a predominar provocaram a formação de classes sociais com interesses antagônicos, e que a tomada de consciência desses antagonismos deu origem às formas múltiplas de luta de classes que nos apresenta a história.

Nas questões ideológicas da luta de classes e na formação de uma ideia de desenvolvimento a fomentação dos valores burgueses penetra a sociedade industrial. Nesse aspecto, metodologicamente, Furtado (1978) defende uma visão histórica e estrutural do capitalismo industrial, portanto, a acumulação gerada no bojo desta forma de capitalismo surge da ampliação do excedente comercial. Esse excedente abre espaço para especializações geradas dos aumentos de produtividade proporcionados pela atividade comercial, bem como a facilitação da difusão de valores culturais. Com exemplo da expansão marítima e sua importância chave na fomentação da sociedade industrial, cuja ação dominadora europeia permitiu sua expansão de valores e raio de ação.
Quanto à formação desses valores, Furtado (1978: 58) aponta que surgem das formações da burguesia europeia:

A revolução burguesa não é outra coisa senão a forma social que assumiu a evolução social europeia. Isolá-la de seu contexto histórico e liga-la “necessariamente” ao desenvolvimento das formas produtivas é transformá-la em um conceito cujo alcance explicativo já está contido na teoria do desenvolvimento das forças produtivas, da qual se parte.

Prossegue Furtado (1978) afirmando que na formação dessa civilização industrial, burguesa, conquistou difusão planetária de seus valores, inclusive seus ideais de modernidade, com pilar na expansão das necessidades materiais. Esse movimento conduziu a estruturações sociais diversas, mas centrados no “[...] sistema de produção e a difusão dos critérios de racionalidade instrumental, que conduzem à preeminência da ideia de produtividade, à primazia do sistema de incitações materiais, à busca exacerbada da diversificação da produção” (p. 76).
A base dessas ideias está centrada no culto racionalismo e no empirismo, permitida pela revolução burguesa, que encontra sua expressão definitiva na ideia de progresso. Assim,

A revolução burguesa não era outra coisa senão a ascensão de forças sociais que tinham na acumulação a fonte do próprio prestígio, e a acumulação nos meios de produção conduzia à diversificação do consumo, [...] as mudanças dai decorriam nos padrões culturais – a concepção de modernidade – passaram a ser consideradas como indicador e ascensão social, de melhora, de progresso. (FURTADO, 1978: 100).

Em outras palavras, tudo o que conduzia ao progresso, ou à riqueza dos países, ganhava legitimidade. Essa crítica apontada por Furtado (1978) à ideia de progresso-acumulação fora absorvida até pelo pensamento revolucionário, orientado para a destruição do capitalismo, cujo pensamento elaborado por Marx “[...] atribui à classe operária papel histórico semelhante ao que desempenhara a classe burguesa, ou seja, a função de provocar transformações culturais que abririam um novo ciclo de civilização” (p. 102). Essa transformação seria possível graças ao avanço da intensificação do processo acumulativo.
A racionalidade instrumental imprime a noção otimista de progressividade da história. Haveria, neste caso, avanços etapistas rumo a um futuro mais eficiente no crescimento econômico. Para Furtado (1980) aquilo que deveria representar ao mesmo tempo o progresso da técnica de forma mais eficaz ao elevar a produtividade do trabalho e a satisfação das necessidades humanas torna-se apenas forma de reprodução do capitalismo, ou do ato de acumular.
O projeto político de Estado defendido por Furtado é o Estado desenvolvimentista, mas com preocupações e características especiais no que tange as categorias de desenvolvimento econômico. Para isso, a necessidade de um conceito mais abrangente de acumulação. Através do conceito de riqueza, era possível subdividi-lo em dois itens: 1) estoques; 2) fluxo. Furtado (1977) aponta que a preocupação dos clássicos, inclusive Marx, estava voltada à acumulação-fluxo, em específico com o processo de investimento; o qual recebe vitória contundente em seus estudos a partir de Keynes que o próprio conceito de riqueza fora abandonado.
A necessidade de orientar os estudos a um processo global de acumulação e não apenas trabalhar os antigos conceitos de análise econômica (investimento, consumo, poupança etc.) que estavam relacionados apenas para a pesquisa da acumulação geradora de fatores de produção. Para isso, Furtado (1977: 15) aponta a importância da relação entre acumulação e progresso técnico: “As relações entre acumulação e progresso técnico, que constituem um dos pontos centrais da teoria do desenvolvimento, somente podem ser adequadamente percebidas a partir de uma análise global do processo de acumulação.”.
Furtado (1984) observa o homem como fator de transformação, dentro de sua proposta de desenvolvimento a finalidade é a realização das potencialidades humanas e define: “As sociedades são consideradas desenvolvidas na medida em que nelas o homem mais cabalmente logra satisfazer suas necessidades, manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador” (p. 105). Para tanto, sua definição de desenvolvimento é irredutível a esquemas formalizáveis. O excedente, que permite aprofundar a divisão do trabalho, viabiliza a acumulação. O desenvolvimento é uma das formas que pode assumir esse excedente, se ele for direcionado a tal finalidade. Em outras palavras, o excedente pode ser usado na construção de muralhas, manutenção de cortes, construção de pirâmides; mas Furtado (1984) defende esse excedente utilizado para satisfação das necessidades e potencialidades humanas.
A expectativa de Furtado é que essas mudanças para um desenvolvimento, cujos valores se assentam na evolução das potencialidades humanas, se aplique dentro do próprio modo de produção capitalista, sem romper com sua essência. A disputa se relaciona com os antagonismos da sociedade estratificada e, ao transplantar os interesses das diferentes classes, seria possível utilizar o Estado como ferramenta dessa transformação.
Para isso Furtado (1998) aposta na pressão exercida pelas forças sociais, para impor esses valores no Estado desenvolvimentista. Por isso sua aposta na capacidade, por exemplo, do movimento dos sem-terra que, diante das contradições da disponibilidade de terras e da demanda, não há oferta aos trabalhadores que desejam voltar ao campo. Furtado (1998: 78) assim qualifica esse movimento como:

A única força social nova com grande capacidade de mobilização, entre nós, é o Movimento dos Trabalhadores Sem–Terra, cujos objetivos são elementares: questionamento da velha divisão patrimonial das terras que atrasou o Brasil secularmente, investimento em pequenas propriedades no sentido de promover a formação de áreas rurais de uma sociedade civil mais estruturada.

O papel desses setores sociais é influenciar o Estado que tem função de integrador na construção do país. Esse Estado deve ser canalizador dessa proposta desenvolvimentista de Furtado e, para tal, não deveria recorrer à inflação para financiar os investimentos, mas corrigir tendências ao consumismo das classes médias, modificando a fundo a distribuição de renda. A política econômica deveria ter como objetivo estratégico o crescimento do mercado interno privilegiando os interesses da população (FURTADO, 1998).

3 O ESTADO DE CLASSES EM CAIO PRADO JÚNIOR
Antagônico ao pensamento furtadiano, que rompe com as propostas marxistas, Caio Prado Júnior tem sua influência no chamado marxismo ortodoxo, praticado pelas posições oficiais dos Partidos Comunistas, dirigidos pelas diretrizes Soviéticas e traduzidas na figura do stalinismo. Esses partidos inclui o Partido Comunista Brasileiro, do qual Caio Prado era integrante. Atentar o que apontam as posições do marxismo sobre a questão do Estado é entender a base metodológica da formação do pensamento de Caio Prado.
Quando se trabalha o método da economia política, com as bases dialéticas marxistas, o ponto de partida é o concreto: a população, por exemplo. Mas a população é apenas uma abstração quando se deixam de lado as classes sociais que a compõe. O capital, por exemplo, não é nada sem o trabalho assalariado. Se se inicia pela população, aponta Marx (2008) teríamos apenas a visão caótica do todo. Por isso a necessidade de chegar a representações cada vez mais simples, e nesse ponto, as classes sociais tornam-se o eixo do pensamento marxiano.
Para trabalhar a elaboração do Estado capitalista, considera-se, portanto a inserção que sofre das classes sociais e seus interesses. O Estado torna-se força motriz da reprodução do capitalismo ao defender os interesses das classes que o dominam e o mantém sobre controle historicamente.
A formação ideológica tem papel fundamental na formação dos interesses sociais.  “As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade e, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante.” (MARX & ENGELS, 2009: 67). Essa noção leva a conclusão de que a classe dominante transforma seus interesses em interesses gerais ideologicamente dentro de categorias como povo, nação; o que leva a classe dominada a entender em sua realidade a importância de construir pautas que não são próprias. No capitalismo, por exemplo, a importância das construções econômicas faz crer que os lucros da burguesia são a prioridade social.
Na mesma linha segue Prado Júnior (199-?) ao apontar que a evolução política no Brasil fora, na constituição historiográfica oficial, está de concordância com os interesses da classe dirigente. A tentativa do trabalho de Caio Prado está em buscar reconstituir uma história que não seja a glorificação das classes dominantes e, ao criticar os trabalhos até então produzidos conclui: “Quis mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também na nossa história os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida em que acordam com os interesses das classes dirigente, em cujo benefício se faz a história oficial.” (PRADO JR., 199-?: 8).
Por isso dentro dessa constituição ideológica, surge a constituição do Estado, que se utiliza do monopólio da violência para garantir que os interesses da classe dominante sejam garantidos.  Lênin (1970: 9) elabora a questão de que os interesses inconciliáveis são a razão do Estado:

Aqui se encontra expressa com toda clareza a ideia fundamental do marxismo acerca do papel histórico da significação do Estado. O Estado é o produto e a manifestação do fato de as contradições das classes serem inconciliáveis. O estado aparece precisamente no momento e na medida em que, objetivamente, as contradições das classes não podem ser conciliadas. E inversamente: a existência do Estado prova que as contradições das classes são inconciliáveis.

Isso vai de encontro ao projeto político de Estado desenvolvimentista furtadiano, que apesar de inserir as classes sociais em suas formulações, não enxerga o Estado como inserção e defesa única dos interesses dessa classe dominante.
Caio Prado, no entanto foge da perspectiva completa do marxismo oficial quando caracteriza a formação da economia brasileira. O stalinismo, com a tradição bukharinista aponta ao etapismo histórico com fases delimitadas que apontam a um determinismo dos processos. Por isso a tentativa do marxismo oficial qualificar o estágio de economia feudal no Brasil (GUIMARÃES, 1968; SODRÉ, 1967). Quando o marxismo oficial teoriza a necessidade de socialismo em um só país, sob pretexto de explicar as dificuldades que o imperialismo impõe em uma nação socialista nascente, pensa nos estágios necessários para atingir o capitalismo avançado e poder avançar ao socialismo (TROTSKY, 1985).
Essa relação de rompimento com o etapismo mecânico adotado pelo marxismo oficial é observável nas suas elaborações de que transplantar a caracterização do modo de produção feudal para a formação histórica no Brasil estava equivocada. Prado Júnior (2004: 30) caracteriza que o que havia era uma colonização destinada a explorar recursos naturais do território em proveito do comércio europeu: ”Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu.”.
O que observamos é que há um mercado externo europeu pelo qual a produção colonial brasileira se submetia. A relação que a colônia se submetia com a metrópole, para atender os projetos e lucros do capitalismo europeu, e não há a fomentação de uma sociedade feudalista separada ou desligada dessa estrutura.
O momento decisivo ao qual Prado Júnior (2004) faz referência como decisivo para entender as relações e a formação do Estado no Brasil e suas características coloniais é a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil em 1808, cujo resultado se expressa como balanço final de três séculos de colonização. Esse processo é a “chave preciosa e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele, que é o Brasil de hoje” (PRADO JÚNIOR, 2004: 9). E conclui esse pensamento apontando que esse processo fora “início de um longo processo histórico que se prolonga até os nossos dias e que ainda não está terminado.” (Ibid.: 10).
Esse momento é marcante em sua obra, pois se caracteriza como:

Este acontecimento, das mais largas consequências, seria o precursor imediato da independência do Brasil. É impossível determo-nos aqui, sem sair do nosso assunto, nas diferentes repercussões de ordem política e social que ocasionou a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. (PRADO JÚNIOR, 2008: 127).

Prado Júnior (2008) reflete a substancial transformação que é a mudança da corte para o Brasil e seu significado econômico. As mudanças com a abertura dos portos interferem diretamente a decadência da influência política e econômica de Portugal no Brasil. A Inglaterra escoa sua produção industrial, vítima de um bloqueio francês, para terras brasileiras sob vantajosas condições competitivas. Nesse momento o Brasil torna-se nação.
Não há, no entanto, uma expectativa com esse momento como um movimento de independência pleno. Prado Júnior (2008: 270) assinala que essas transformações estão interpretadas sob a égide do imperialismo:

A intervenção do capital estrangeiro na economia do Brasil foi repetidas vezes assinalada nos capítulos anteriores em que se analisaram os diferentes setores e fases das atividades do país. [...] efetivamente a ação do capital estrangeiro ocupa na economia brasileira contemporânea uma posição central, e é um dos elementos fundamentais do seu condicionamento.

A economia “nacional” que deveria ser a organização da produção em função das necessidades próprias da população que dela participa, torna-se uma economia de exportação construída com a finalidade de fornecer gêneros-alimentícios e matérias-primas aos países europeus (PRADO JÚNIOR, 2008). Nesse ponto temos a diferença com Furtado, que não observa as relações de poder próprias da fase imperialista do capitalismo e defende a fomentação via Estado de uma economia desenvolvimentista com enfoque nacional.
Caio Prado Júnior não percebe o Estado como agente transformador disputável, mas pelo contrário, como instituição que representa diretamente os interesses das classes que os dominam historicamente. Na formação econômica brasileira, o Estado cumpriu a tarefa de manter as estruturas colônias e, ao se dar o rompimento colonial com a metrópole portuguesa, através da chegada da família real, as transformações seguiram pró-capitalismo imperialista inglês, sem romper estruturalmente com essa condição colonial. Não há nesse sentido um desenvolvimentismo via Estado em projeto de industrialização que não seja ligado aos interesses do grande capital estrangeiro.
Prado Júnior (2005) afirma que o processo de ruptura não se daria por disputas pontuais, mas por revolução que é que as transformações sociais podem ser processadas:

[...] revolução quer dizer o emprego da força e da violência para derrubada de governo e tomada de poder por algum grupo. [...] Mas “revolução” tem também o significado político-social que pode ser, e em regra tem sido historicamente desencadeada ou estimulada por insurreições. (p.25).

A revolução torna-se o momento histórico em que reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país, suas necessidades mais profundas e as aspirações de seu povo, ainda que este não se dê conta perfeita da sua realidade incapaz de entender as origens de suas insatisfações e seus desejos. (PRADO JÚNIOR, 2005). Esse é o momento de profunda ruptura do individualismo metodológico.
Apesar de romper com o etapismo do marxismo oficial, Prado Júnior (2005) está longe de romper com o determinismo histórico do socialismo. Ao assumir que o socialismo é o fim último do capitalismo toma por consequência que o papel dos comunistas deveria focar com o pensar do que “acontece” em lugar de qualificar uma taxonomia do “ser”. Se o socialismo é a direção para qual marcha o capitalismo, a mais simples greve representaria um passo a esse socialismo. A luta revolucionária seria a conquista dessas reivindicações.
Assim, Prado Júnior (2005) chega à conclusão que qualquer greve tem uma significação própria ou um fim em si mesmo e o papel dos revolucionários é a conquista das propostas e aspirações na ordem do dia:

A greve ou outro incidente de luta revolucionária não encobre finalidades secretas e excusas, não constitui manobra astuciosa que visaria outros objetivos que não os expressos e que lhe servem de bandeira e programa. Os comunistas que assim pensam e agem não são verdadeiros marxistas, mas antes fatores adversos à revolução e à vitória do socialismo. (p. 37).

Nesse ponto, Caio Prado se aproxima de uma visão determinista do marxismo, otimista, por pensar no socialismo como evolução natural do capitalismo, e pessimista, do ponto de vista de que o dirigismo revolucionário nada poderia fazer diante das relações capitalistas, a não ser conquista de pautas imediatas. Então, diverge da proposta leninista de organização revolucionária, cujo pilar está na construção do partido e no avanço da consciência das massas, através das vanguardas revolucionárias, com a intenção última de tomar o poder para construir o socialismo (LENIN, 1986).

4 CONCLUSÃO
As desigualdades econômicas, políticas e sociais entre os países não advém de leis imutáveis ou verdades absolutas, mas de uma complexa relação constituída dentro do modo de produção capitalista. Nesse ponto, tanto Furtado quanto Caio Prado assemelham sua busca por quais pontos de inflexão tornam uma economia subdesenvolvida ou desenvolvida. Na tentativa de explicar essas dicotomias entra uma peça fundamental e, em absoluto, distinta do pensamento dos autores: o papel do Estado.
Furtado mantém uma expectativa na democracia burguesa e no modo de produção capitalista quando desenvolve as relações antagônicas das disputas de interesses das classes sociais, refletido na estratificação social. Sua proposta era buscar as raízes do desenvolvimento pleno, abandonando conceitos de crescimento como fim em si mesmo, e refletindo a integral satisfação das necessidades e realização das aptidões humanas.
Caio Prado, por sua vez, não aponta saída pela via da democracia burguesa. Sua preocupação de tratar as raízes do subdesenvolvimento brasileiro, ou de sua miséria, não propõe uma saída desenvolvimentista, ou por qualquer mudança institucional que reformule o capitalismo. A essência de sua crítica está inserida na própria lógica do modo de produção capitalista, que só pode, e necessariamente deveria, ser superada com o socialismo. Portanto, os antagonismos de classe em Caio Prado levam à tomada revolucionária do poder e à fomentação natural do socialismo.
Se refletirmos qual o papel social das classes, que para Furtado seria disputar o Estado via movimentos sociais para um projeto de desenvolvimentismo nacional como superação do subdesenvolvimento, em Caio Prado isso seria a disputa pela construção de um projeto revolucionário consciente, ainda que, adote posturas deterministas sobre o socialismo.
Não observamos que as diferenças devam ser menosprezadas ou relevadas em nome de suas igualdades, nem acreditamos estas serem apenas diferenças na aparência, mas são pensamentos essencialmente diferentes que repercutem em projetos políticos antagônicos. A elevação de sua similaridade não passa de uma crítica ao subdesenvolvimento e à proposta de superação que a literatura econômica tradicional dá para essa questão.
O Estado, apesar de ser um meio que possibilita a transformação social, não corrobora em saídas de política, econômica e social semelhante entre os autores. Furtado quer disputar o Estado por dentro do capitalismo, que, através das disputas de classes e de interesses, poderia ser usado como ponte ao projeto desenvolvimentista. Caio Prado observa o Estado como palco de atuação burguesa, ou da classe dominante, e, portanto precisa ser demolido e reconstruído sob a égide de uma sociedade dominada pela classe trabalhadora, socialista.

REFERÊNCIAS
GUIMARÃES, A. P. (1968): Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FURTADO, C. (1978): Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
_______________. (1984): O desenvolvimento como processo endógeno. In: FURTADO, C. Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
_______________. (1964): Dialética do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura.
_______________. (1998): O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra.
_______________. (1980): Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
______________. (1977): Prefácio à nova economia política. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
LÊNIN, V. I. (1970): O Estado e a Revolução. Porto: Vale Formoso.
_______________. (1986): Que fazer? : as questões palpitantes do nosso movimento. São Paulo : Hucitec.
MARX, K. (2008): Contribuição à crítica da Economia Política. São Paulo: Expressão Popular.
MARX, K.; ENGELS, F. (2009): A ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular.
PRADO JÚNIOR, C. (2005): A revolução brasileira. IN: PRADO JÚNIOR, C.; FERNANDES, F. Clássicos sobre a revolução brasileira. São Paulo: Expressão Popular.
________________. (199-?. ): Evolução da política no Brasil : colônia e império. São Paulo: Brasiliense, Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/295772301/Caio-Prado-Jr-Evolucao-Politica-Do-Brasil> acesso em 17 de jan de 2018.
________________. (2004): Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense.
________________. (2008): História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense.
SODRÉ, N. W. (1967): História da Burguesia Brasileira. São Paulo: Brasiliense,.
TROTSKY, L. (1985): A revolução permanente. São Paulo: Kairós.

*Mestre em Economia com ênfase em Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e-mail: daniel_strauss@outlook.com.br.

Recibido: 17/05/2019 Aceptado: 25/07/2019 Publicado: Julio de 2019

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