Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


O DESENVOLVIMENTO E AS PERSPECTIVAS DOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS

Autores e infomación del artículo

Gustavo Bonin Gava*

Hugo Dias**

Carlos Raul Etulain***

Universidade Estadual de Campinas, BRASIL

gustavo.bgava@gmail.com

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RESUMO
O objetivo deste texto é o de revisitar o debate sobre a emergência e desenvolvimento dos sistemas de proteção social nos países latino-americanos. Enfatizamos a singularidade do subdesenvolvimento econômico em relação à dinâmica dos países capitalistas avançados para depois apresentar tipologias que procuram captar, em diálogo com o debate internacional, as especificidades dos modelos de proteção social na região. A hipótese que se coloca é que houve, na primeira década do século XXI, um movimento das políticas sociais em direção do enfrentamento da realidade do atraso e da desigualdade estrutural nos países. Para isso utilizamos de uma abordagem histórica com base em dados quantitativos. Depois de uma década ímpar nos indicadores econômicos e sociais, a América Latina atravessa um cenário complexo, onde avanços importantes podem ser freados pela baixa perspectiva do crescimento econômico na região. Além do problema econômico, os avanços liderados pelos governos progressistas ao longo da última década parecem ter encontrado os seus limites em muitos países da região, sendo ilustrativos os casos de Argentina e Brasil.
Palavras-chave: Sistemas de Proteção Social. América Latina. Subdesenvolvimento.
ABSTRACT
The purpose of this text is to revisit the debate on the emergence and development of social protection systems in Latin American countries. We emphasize the uniqueness of economic underdevelopment in relation to the dynamics of the advanced capitalist countries and then present typologies that try to capture, in dialogue with the international debate, the specificities of social protection models in the region. The hypothesis is that, in the first decade of the 21st century, there was a movement of social policies towards confronting the reality of backwardness and structural inequality in the countries. For that purpose we use a historical approach based on quantitative data. After an unprecedented decade in economic and social indicators, Latin America is going through a complex scenario where important advances can be constrained by the low prospects of economic growth in the region. In addition to the economic problem, the advances led by the progressive governments over the last decade seem to have found their limits in many countries of the region, and the cases of Argentina and Brazil are illustrative.
Keywords: Social Protection Systems. Latin America. Underdevelopment.

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Gustavo Bonin Gava, Hugo Dias y Carlos Raul Etulain (2018): "O desenvolvimento e as perspectivas dos sistemas de proteção social nos países latino-americanos", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (diciembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2018/12/sistemas-protecao-social.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1812sistemas-protecao-social


  1. INTRODUÇÃO

A história dos países da América Latina, marcada pelo domínio colonial e os lentos processos de formação de repúblicas e Estados Nacionais, está na base da sujeição de contingentes populacionais à escravidão e mais tarde à inserção precária na divisão internacional do trabalho. Os processos de democratização na América Latina foram fragmentados e isolados durante o século XX e na atualidade estão condicionados a movimentos dos capitais financeiros e à autonomia dos grandes conglomerados, das corporações e oligopólios econômico-financeiros com poder muitas vezes superior do que a maioria das nações latino-americanas. Nesse contexto contemporâneo se reproduzem as assimetrias em termos de direitos e condições de vida, persistem quando não se exacerbam os privilégios em forma desigual entre setores da sociedade, impactando raças e etnias, gêneros e classes sociais.
O objetivo deste texto é o de revisitar o debate sobre a emergência e desenvolvimento dos sistemas de proteção social nos países latino-americanos. Enfatizamos a singularidade do subdesenvolvimento econômico em relação à dinâmica dos países capitalistas avançados para depois apresentar tipologias que procuram captar, em diálogo com o debate internacional, as especificidades dos modelos de proteção social na região. A hipótese que se coloca é que houve na primeira década do século XXI um movimento das políticas sociais em direção do enfrentamento da realidade do atraso e da desigualdade estrutural nos países, para isso utilizamos de uma abordagem histórica com base em dados quantitativos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Depois de uma década ímpar nos indicadores econômicos e sociais, a América Latina atravessa um cenário complexo, onde avanços importantes podem ser freados pela baixa perspectiva do crescimento econômico na região, segundo a CEPAL (2017), o crescimento médio deve ser de 2,2%, em 2018. Além do problema econômico, os avanços liderados pelos governos progressistas ao longo da última década parecem ter chegado ao limite em muitos países da região, sendo ilustrativos os casos de Argentina, Brasil e Equador.
Não devemos assumir que as políticas sociais fomentadas superaram em sua totalidade as situações do atraso, nem que não sejam válidas por isso, porém deve ser pensado que processos históricos de longo impacto criam estruturas nas quais a desigualdade e a pobreza se reproduzem cotidianamente e que a maneira de enfrentá-las está relacionada à posição estratégica do Estado e à combinação de políticas sociais universais.

  1. EMERGÊNCIA E DESENVOLVIMENTO DOS MODERNOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL

Expressas em duas grandes obras, o contexto histórico fornece um aspecto adequado para observarmos a natureza das tensões incrustadas na ordem social capitalista.
Em A grande transformação, de Karl Polanyi (1980), a história social do século XIX é o resultado de um duplo movimento, correspondendo à ação de dois princípios organizadores da sociedade, assentados em forças sociais distintas, com objetivos e métodos próprios. A visão de uma economia de mercado autorregulada é por este classificada como uma utopia que implica a mercadorização dos seres humanos, natureza e dinheiro. Deste modo, o movimento de expansão do mercado teria enfrentado um contra movimento que o procurava limitar, um movimento de autoproteção da sociedade.
Robert Castel (1998), em As metamorfoses da questão social, adota uma perspectiva semelhante, onde os processos de industrialização e de urbanização, com a erosão das solidariedades tradicionais e a geração de um estado de anomia social, trouxeram uma expansão de complexas relações sociais e o surgimento de novos riscos aos indivíduos e à sociedade (Aureliano e Draibe, 1989). As primeiras intervenções com vista a reduzir a situação foram realizadas longe do Estado. O liberalismo puro impediu a intervenção do Estado, mas se tornou compatível com sucessivas intervenções filantrópicas que procuraram reconstituir um conjunto de regras e obrigações morais. Conviveu-se assim com dois modelos de organização social, embora tensionados: o da “troca contratual” entre indivíduos livres e iguais, e o registro da “troca desigual” para os que não conseguem participar da primeira modalidade (Castel, 1998, p. 284-287).
Nesta fase, a discussão sobre a chamada “questão social” (Castel, 1998), começa a assumir particular relevância, com o aumento da pressão no sentido de que o Estado construísse legislações específicas em resposta às dimensões mais desumanas da industrialização, da urbanização e do mercado.  A dinâmica de “desmercantilização” produziu uma transformação no capitalismo liberal tendo se cristalizado num princípio de organização e coesão social distinto que começa a ser construído no final do século XIX, mas sobretudo a partir dos anos trinta do século passado. Até os últimos vinte anos daquele século, a assistência aos pobres se baseava em intervenções ocasionais, residuais e discrecionais, que eram consideradas como “benemerências” que se concediam a pessoas quase sempre avaliadas como sem mérito e, assim sendo, comportavam marginalização política e civil dos beneficiários; enfim, a distribuição da assistência era feita segundo modalidades institucionais indiferenciadas e sobre base prevalentemente local (Di Giovanni, 1998, p. 16).
Aureliano e Draibe (1989), demonstram que o conceito de sistema de proteção social diz respeito ao processo de transformações nas relações entre o Estado e a sociedade, que se manifesta em modificações na própria estrutura do Estado e na emergência de sistemas nacionais, públicos ou estatalmente regulados de educação, saúde, integração de renda, assistência social e habitação popular. Para Fleury e Ouverney (2012, p. 30), o sistema de proteção social “pode ser considerado um mecanismo de integração que neutraliza as características destrutivas da modernização, e sua essência reside na responsabilidade pela seguridade e pela igualdade”. Assim, os sistemas de proteção devem compreender e diagnosticar situações de fragilidade social, ampliando e desenvolvendo as potencialidades de famílias e indivíduos por meio de políticas sociais que fortaleçam os vínculos sociais e reconhecendo direitos no campo da cidadania.
A uma fase formativa, balizada pelas últimas décadas do século XIX até ao final da primeira Guerra Mundial, sucedeu um período de consolidação no período entre guerras com experiências significativas, como é o caso dos aspectos sociais do New Deal norte-americano (1935) e os primeiros passos para a construção de um sistema de proteção social (Welfare State) na Suécia (1933). Mas o seu período áureo foi exatamente após a Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1970, em que se verifica a sua expansão, seja no nível de cobertura, seja no nível da diversificação dos programas e dos benefícios, sob o signo de uma perspectiva universalista de cidadania social.
Neste contexto, diferentes tipologias foram desenvolvidas para explicar as origens e o desenvolvimento dos modernos sistemas de proteção social nos países desenvolvidos. A contribuição pioneira de Wilensky e Lebeaux (1958) que distingue entre dois modelos de Welfare State - residual e institucional – e posterior reformulação de Richard Titmuss (1974), introduzindo um terceiro modelo – meritocrático -, constituem marcos incontornáveis deste debate. Mas a proposta de Gosta Esping-Andersen (1990) de distinção entre três regimes de Welfare State - liberal, corporativista e social democrata – tornou-se o principal referencial no debate sobre esta temática. Será a partir desta obra seminal, que se desenvolveram intensas polêmicas, em torno da questão se estes três regimes captaram toda a diversidade dos sistemas de proteção social existentes. Não faltaram propostas de reconhecimento de um quarto regime de Welfare State, quer fosse o modelo mediterrâneo ou o modelo desenvolvimentista do Leste Asiático (Ferrera, 1996; Draibe, 2007), ou tentativas de adaptar esta tipologia a contextos diferentes, nomeadamente o da América Latina.
Conforme afirma Lanzara (2011, p. 100), as generalizações tipológicas sobre as origens e desenvolvimento dos sistemas de proteção social nos países desenvolvidos partem do princípio de que houve, em algum momento histórico, simetria das relações entre capital e trabalho, com a “institucionalização do conflito distributivo”. Porém esta relação não pode ser encontrada nos países da América Latina, onde existem especificidades decorrentes da sua formação capitalista tardia, periférica e dependente, com informalidade no mercado de trabalho e privações sociais e econômicas aos seus cidadãos, impondo barreiras de acesso à proteção social e à cidadania.

  1. AS RAÍZES HISTÓRICAS DOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL LATINO-AMERICANOS

Na segunda metade do século XIX, há inúmeras transformações no comércio internacional em conjunto com as modificações na inserção da América Latina na divisão internacional do trabalho. No aspecto do desenvolvimento econômico, Raúl Prebish (2011) discorre que o processo:
[...] começa na Grã-Bretanha, continua, com diferentes graus de intensidade, no continente europeu, adquire impulso extraordinário nos Estados Unidos e, finalmente, atinge o Japão... [...] consolidando, assim, os grandes centros industriais do mundo e, em torno deles, a periferia do novo sistema, vasta e heterogênea, que participava escassamente das melhorias na produtividade. (Prebish, 2011, p. 153, grifos nossos)
Contrariamente da agricultura (crescimento pequeno), as indústrias dos países centrais estavam em um amplo processo de produtividade crescente, por isso, a Inglaterra e os demais países do centro detinham vantagens comparativas quando confrontados aos países periféricos, a importação de produtos agrícolas por partes dos primeiros, garantiu a América Latina o seu condicionamento a exportação de matérias-primas, de produtos agrícolas e de minerais. Durante os trinta anos antecedentes da Primeira Grande Guerra, a América Latina tornou-se uma importante fonte de matéria-prima e de commodities para os países em franco processo de industrialização. Porém, com o advento da Guerra, houve uma reversão nesta tendência: a deterioração dos preços dos produtos primários nos mercados internacionais reverteu a tendência de aumento do coeficiente de exportação para os países centrais, juntamente com a capacidade de importação, expondo as economias primário-exportadoras ao consenso de que economias baseadas no binômio latifúndio-minifúndio vigente tinham baixíssima produtividade, ocasionando em entraves ao desenvolvimento, permitindo que crises e recessões abatessem com mais gravidade nessas economias com estruturas de exportação mais rígida (PREBISH, 2011).
Assim, na América Latina – periferia do sistema capitalista –, o desenvolvimento econômico se dará, quase que exclusivamente, em poucos setores, predominantemente de baixa capacidade tecnológica, onde será necessária a produção de alimentos e matérias primas de baixo custo destinados aos países centrais.
Nas duas últimas décadas do século XIX as economias latino-americanas se tornaram primário-exportadoras, com o centro dinâmico da economia voltado ao exterior. A diferença da economia colonial para a economia primário-exportadora se deu nas relações de trabalho, na primeira o trabalho escravo, na segunda o trabalho assalariado. A economia colonial se organizou para cumprir a função de instrumento de acumulação primitiva de capital. A produção colonial era mercantil e complementar à economia da metrópole, gerando excedentes comerciais transformáveis em lucros e recebendo produtos manufaturados da metrópole (CARDOSO DE MELLO, 2009).
Na América Latina, o capitalismo industrial trouxe consigo o início da crise das economias coloniais ao destruir o trabalho compulsório, estimular decisivamente a ruptura do pacto colonial e a constituição dos Estados nacionais. O aumento da demanda por café nos países centrais no final do século XIX impulsionou a queda da economia mercantil escravista e a ascensão da economia exportadora capitalista. Em 1885 o preço do café começou a subir, elevando a taxa de lucro. Como consequência, houve expansão da lavoura com base na utilização massiva da mão de obra imigrante (CARDOSO DE MELLO, 2009).
Após 1945 as economias latino-americanas puderam se industrializar utilizando o aparato técnico das economias centrais, mas a necessidade de capital exigido nesse processo foi muito maior do que a dos países pioneiros. A indústria latino-americana também enfrentou problemas de debilidade da demanda que dificultavam a implantação da produção em larga escala. Ao contrário dos países desenvolvidos, a escala crescia conforme a produtividade aumentava a renda. Os empregos que poderiam ser gerados com o aumento da demanda por bens de capital nos países periféricos foram transferidos aos países de centro, produtores desses bens.
A partir desse contexto econômico, os países da América Latina tentaram forjar algo semelhante aos sistemas de bem-estar de vertente conservadora, na tipologia de Esping-Andersen (1990) – em que a proteção social estava interligada ao acesso ao mercado de trabalho formalizado. No entanto, a expansão gradativa da proteção social para determinados grupos de trabalhadores deu lugar a um processo de relação clientelista com o Estado, com a lógica da incorporação segmentada de grupos emergentes, assim como da forte presença do mercado de trabalho informal.
Os benefícios sociais na região latino-americana são de longa data, de acordo com Mesa-Lago (1978), estes foram desenvolvidos em três grandes ondas. Os países pioneiros (Argentina, Brasil, Chile e Uruguai), realizaram ainda na década de 1920 medidas de proteção social designadas para determinados grupos ocupacionais. Contudo, com a industrialização e urbanização, outras categorias profissionais foram assimiladas ao sistema de proteção social. Os demais países não exibiram os mesmos êxitos, apresentando fragmentação das políticas de proteção social, resultando em uma seguridade social estratificada, onde os grupos de maior poder econômico se beneficiaram de melhores políticas sociais em detrimento aos desassistidos.
O grupo intermediário (Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Paraguai e Peru) promoveu transformações na proteção social a partir da década de 1940, com forte influência das propostas advindas do Relatório Beveridge, da Inglaterra.
O grupo tardio (El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana) é formado pelos países que desenvolveram sua proteção social a partir das décadas de 1950 e 1960. São países extremamente pobres, com baixíssimos níveis de proteção social e de cobertura populacional, com concentração de serviços apenas nas capitais.
Observando-se a periodização da proposta de Mesa-Lago (1978), os países pioneiros foram aqueles que realizaram seus projetos de industrialização com a participação de sólidos movimentos operários e da predominância do Estado na condução da política de desenvolvimento nacional. Assim, o trabalho deste autor foi fundamental para identificar a estratificação da cobertura, combinada com um maior ou menor grau de fragmentação institucional, como características centrais dos sistemas de bem-estar na América Latina.

  1. DUAS TIPOLOGIAS PARA A COMPREENSÃO DA REALIDADE DA PROTEÇÃO SOCIAL LATINO-AMERICANA

Fernando Filgueira (1998), explorou o contexto histórico da emergência da proteção social na região a partir da década de 1930 até as reformas econômicas das décadas de 1970 e 1980, utilizando indicadores econômicos (gastos sociais) e índices de cobertura dos serviços públicos (educação, saúde, previdência, dentre outros). O autor, assim como Santos (1979), salienta que os esforços iniciais de criação da política social na América Latina partiram do desenvolvimento de uma cidadania regulada e segmentada, produzida pela modernização conservadora, onde o Estado controlou o acesso aos direitos sociais.
Esta abordagem acompanhou também a proposta de Esping-Andersen, destacando a gênese corporativista dos modelos latino-americanos. Contudo, não podemos reduzir o modelo de bem-estar latino-americano ao conservador europeu pois mesmo que seja uma afirmação precisa em uma perspectiva geral, não deixa de ser reducionista, porque ela apresenta três premissas inadequadas: primeiro, que as tipologias de regimes de bem-estar das economias desenvolvidas podem ser replicadas à realidade latino-americana; segundo, que podemos assumir a região como homogênea; e terceiro, que as reformas econômicas e sociais introduzidas, durante as décadas de 1980 e 1990, foram reproduzidas e apresentaram os mesmos resultados em todos os países (Kerstenetzky, 2012). De acordo com Filgueira, o principal obstáculo para se produzir uma tipologia específica para a região é a imensa variedade de modelos e diferentes graus de desenvolvimento que se encontram os sistemas de proteção social.
Apenas a título de exemplo, não é correto afirmarmos de forma geral a existência e a continuidade dos Estados de Bem-Estar na América Latina, onde, com raras exceções, a democracia não prevaleceu de forma duradoura, tampouco todos os direitos civis ou políticos foram garantidos, ou os direitos sociais foram universalizados para toda a população. Não é apropriado também que abordemos a região como um todo, simplesmente porque existem enormes diferenças entre os países que a compõem. Os contrastes se manifestam em vários indicadores e escalas, tais como: PIB per capita, gasto social, gasto público em saúde e em educação, tamanho populacional etc. O que Célia Lessa Kerstenetzky (2012, p. 164) afirmou em seu livro de “microcosmo de disparidades”.
O universalismo foi o critério principal para a elaboração da tipologia de Filgueira (1998), pois constitui o princípio que melhor promove as metas de coesão social, impedindo a existência de barreiras de acesso baseadas na posição social de indivíduos ou comunidades. Daí derivou a divisão em três grupos de países: o primeiro grupo, denominado de universalismo estratificado, integrado por Argentina, Chile e Uruguai; o segundo grupo é formado por Brasil e México, denominado de regimes dualistas; finalmente, o último grupo é chamado de regimes excludentes, composto por Bolívia, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana.
Entre os universalistas estratificados estariam os países em que grande parte da população é coberta por políticas de proteção social, algumas, inclusive, com efeitos redistributivos, muito embora a estratificação de grupos ocupacionais ainda esteja preservada. Estes países coincidem com os pioneiros na metodologia de Mesa-Lago (1978), onde o desenvolvimento dos primeiros esquemas compulsórios se deu pela formação de um mercado de trabalho precoce na região. Menores graus de mercantilização e a presença de uma alta estratificação de benefícios sociais são marcas de Argentina, Chile e Uruguai.
Nos regimes dualistas, como no Brasil e no México, aproximadamente metade da população é protegida por um sistema de bem-estar, enquanto a outra metade não é. Como característica comum ao desenvolvimento econômico, Filgueira aponta que nestes países houve alta heterogeneidade regional – basta olharmos para o caso brasileiro, onde o desenvolvimento se concentrou na Região Sudeste do país. Nos grupos populacionais, que de certa forma estão protegidos, predominam-se modelos corporativos de inclusão, com os sistemas de proteção amortecendo a estratificação, existem ainda políticas sociais de caráter redistributivo. Nos setores populares das regiões menos desenvolvidas economicamente, predominaram-se as formas clientelistas de incorporação. A estratificação encontrada no modelo anterior é acentuada e a heterogeneidade territorial é ainda mais profunda. Como resultado há carência de proteção social em grandes setores populacionais, com baixa intensidade democrática, o que favorece esse dualismo.
Finalmente, nos regimes excludentes, apenas alguns habitantes se beneficiam de políticas e gastos sociais. Neste grupo estão concentrados os baixos níveis de cobertura de serviços sociais públicos e, em geral, há uma apropriação do Estado por uma elite, o que aprofunda as desigualdades e vulnerabilidades sociais e econômicas. De acordo com Filgueira (1998), aproximadamente 20% da população desses países é incorporada em algum tipo de política social. A Tabela 2 resume a tipologia proposta pelo autor.
A segunda tipologia é de Marcel e Rivera (2008, p. 157) busca também inspiração nas análises de Esping-Andersen. Porém, os autores procuraram assimilar na sua abordagem as especificidades dos países latino-americanos como, por exemplo: limitados níveis de bem-estar, sociedades relativamente tradicionais e conservadoras, com Estados que ainda carregam em suas histórias um regime democrático ainda não consolidado e um importante contingente de trabalhadores informais. Ao contrário dos trabalhos de Esping-Andersen, os países latino-americanos possuem uma maior gama de provedores de bem-estar, para além do Estado e mercado, o que pode ajudar a “explicar as grandes diferenças nos níveis de bem-estar observadas na região em relação aos padrões de gastos sociais e de coesão social”.
Desta forma os autores defendem a existência de cinco provedores de bem-estar nos países latino-americanos – Estado, mercado, economia informal, família e empresas –, produto da formação de sociedades em transição e com fortes segmentações sociais internas, podendo existir em um mesmo país mais de um provedor de bem-estar social.
O desafio da tipologia foi o de evidenciar se a coexistência entre provedores de bem-estar social ocorre de forma complementar ou excludente. Dois ou mais provedores de bem-estar serão excludentes quando estes promovem caminhos diferenciados para a promoção ao acesso dos cidadãos ao bem-estar, assim como quando um provedor impõe limites ao desenvolvimento do outro. O exemplo mais comum é quando coexiste a informalidade do mercado de trabalho com o mercado e com o Estado como os principais provedores de bem-estar. Desta maneira a informalidade delimita o espaço de atuação do mercado, reduzindo os contratos formais de trabalho e o comprimento das regulações e leis trabalhistas, assim como restringe a capacidade do Estado para receber impostos e taxas para manter ou mesmo ampliar suas políticas e programas sociais. Desta maneira os regimes se enquadrarão como dualistas.
A relação de exclusão anterior não se reproduz quando o mercado coexiste com o Estado, com as empresas ou famílias como provedores do bem-estar. Muitos países da América Latina apresentam programas de aposentadorias e pensões fornecidos pelos Estados nacionais de maneira universal, programas esses que podem ser complementados pela previdência privada, derivada do mercado ou mesmo com transferências intrafamiliares.
Com base na coexistência entre diferentes provedores de bem-estar social – de forma complementar ou excludente – os autores distinguem entre quatro regimes de bem-estar: potencial Estado de bem-estar, conservador, dualista e informal-desestatizado. A Tabela 3 identifica os países que correspondem a cada um dos regimes.
Os Potenciais Estados de bem-estar foram encontrados em cinco países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai. De acordo com Segura-Ubiergo (2007 apud Marcel e Rivera, 2008), este grupo apresenta quatro elementos econômicos e políticos similares no contexto histórico de formação dos sistemas de proteção social: (i) processo de desenvolvimento econômico e industrial; (ii) graus diferenciados de abertura comercial; (iii) presença de governos democráticos; e (iv) presença de movimentos sindicais de esquerda.
O desenvolvimento econômico com base na substituição de importações permitiu aos Potenciais Estados de bem-estar o fortalecimento da elite econômica bem como da militância sindical industrial. Assim, esses países criaram leis trabalhistas e programas sociais como uma resposta aos movimentos sindicais urbanos. Como destaca Lanzara (2016, p. 36), para o caso brasileiro: “Para dar vigência a um sistema de direitos sociais assentados sobre uma ordem social profundamente desigual, o Estado brasileiro munira-se de um poderoso artifício, criando um sistema de ‘tensões reguladas’ em torno da concessão desses direitos”. Na Argentina, o mesmo se verifica com a ascensão do movimento sindical e sua aliança duradoura com o Peronismo.
Podemos ainda observar nos Potenciais Estados de bem-estar a existência de uma maior continuidade democrática – mesmos com os Golpes Militares na região estes países consolidaram suas instituições em detrimento dos demais grupos –, somada ao maior desenvolvimento econômico, com a participação de sindicatos atuantes e, finalmente, com a presença de partidos políticos progressistas/socialdemocratas. Contudo, os avanços na proteção social universal foram barrados pela presença das elites agrárias e industriais conservadoras, ocorrendo então a segmentação da proteção social beneficiando os grupos com maior capacidade de exercer pressão sobre o Estado, em detrimento de outros setores sociais (MARCEL e RIVERA, 2008, p. 192).
O regime conservador está presente no Equador, México e Venezuela. Neste grupo a proteção social é realizada principalmente através de famílias e empresas. A exploração de recursos naturais, especialmente do petróleo, são fatores econômicos similares neste grupo. As rendas da exploração petrolífera exercem uma tripla influência sobre as finanças públicas: (i) redução da carga tributária para empresas e indivíduos; (ii) discricionariedade dos gastos públicos; e (iii) períodos alternados de extrema abundância e outros de escassez, ocorrendo desequilíbrios nas contas públicas, prejudicando a implementação de políticas públicas. Grupos de interesse, como sindicatos petroleiros, garantem seletivas e melhores políticas de proteção social, ocorrendo a segmentação do sistema de proteção social, em uma clara relação clientelista entre Estado e demais grupos de interesse de classe.
Os regimes dualistas de proteção social – Bolívia, Colômbia e Panamá - caracterizam-se pela dinâmica excludente de um provedor em detrimento do outro que ocorre entre informalidade, mercado e Estado. Os processos de industrialização, de urbanização e de formação de sindicatos de esquerda foram menores em comparação aos demais países. Além da informalidade, tanto a Bolívia como a Colômbia possuem problemas históricos de divisão cultural, territorial e da presença de confrontos entre o Estado e organizações paramilitares.
A última classificação da tipologia de Marcel e Rivera (2008), denominada de regime informal-desestatizado, abarca El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai e Peru. São os países mais pobres e menos urbanizados da América Latina, possuindo algumas relações econômicas que podem ser consideradas pré-capitalistas. São países que se caracterizaram por elevados níveis de insegurança e violência, pela virtual ausência do Estado como provedor de bem-estar, sendo essa lacuna preenchida pelas famílias e/ou mercado.
Destes, os países classificados como potenciais Estados de bem-estar demonstram os melhores indicadores socioeconômicos e maior participação do gasto social como % do Produto Interno Bruto (PIB) dentre os demais.
As tipologias apresentadas constituem tentativas de interpretação da realidade latino-americana, dialogando com a literatura internacional sobre o tema – sobretudo com a obra incontornável de Esping-Andersen –, mas apontando os limites da sua aplicabilidade face à especificidade da experiência histórica e social deste continente. Se os trabalhos de Mesa-Lago (1978) e Filgueira (1998) se destacam pelo seu pioneirismo e Marcel e Rivera (2008) procuraram robustecer as análises empíricas e fortalecer as análises comparativas. Se a heterogeneidade é o principal traço para a compreensão da emergência e desenvolvimento dos sistemas de proteção social na região, a leitura das tipologias permite afirmar a existência de algumas características compartilhadas entre todos os países.
Em primeiro lugar, o desenvolvimento dos sistemas de proteção social está longe de ser linear, não existindo um isomorfismo entre o seu grau de aperfeiçoamento e diferentes patamares de desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, a apreensão da trajetória histórica, permite reconhecer as especificidades de cada sistema, bem como as ameaças e as possibilidades para a sua transformação.
Outra característica latino-americana é a presença de um enorme mercado de trabalho informal que entre os anos de 2013 e 2014, em alguns países chegou a responder por mais de 50% da mão de obra urbana ocupada em setores de baixa produtividade, são os casos da Bolívia (57,6% em 2013), Colômbia (56,3% em 2014), Equador (56,4% em 2014), El Salvador (53,6% em 2014), Guatemala (57% em 2014), Guiana (51,4% em 2013), Paraguai (50,6% em 2014) e Peru (57,2 em 2014). Outros países conseguiram diminuir a presença do mercado informal, foram os casos de Argentina (43,9% em 1990 para 37% em 2014), Brasil (45,8% em 1995 para 37,9% em 2014), Chile (38,8% em 1990 para 29,2% em 2013). A Tabela 6 apresenta os resultados.
A presença do mercado de trabalho informal constitui uma característica singular da região. A formação atual do mercado de trabalho nos países latino americanos, continua sendo fragmentada onde, por um lado um setor de serviços moderno inclusive com a participação no mercado mundial e, por outro lado, um mercado informal que cresce continuamente, com grande volume de trabalhadores desqualificados e desocupados, sem acesso aos serviços públicos de saúde, educação e previdência social (DEL VALLE, 2010).

Os regimes de proteção social estão limitados pelos condicionantes econômicos que dificultam a consolidação dos direitos sociais. Os ajustes econômicos fomentados na década de 1990 ainda são realizados pelos países latino-americanos, com forte impacto na manutenção de superávits primários e com concentração apenas nos gastos – principalmente sociais – realizados pelos governos. A regressividade tributária que atinge os países da região, com a ampliação de tributos indiretos, afeta principalmente os mais pobres, ou seja, os que mais precisam de políticas e programas sociais do Estado. Como sustenta Soares (2012, p. 815): “é como se não existisse a possibilidade de ampliar e, sobretudo, redistribuir as bases da arrecadação”.
A economia informal e as famílias constituem pilares da proteção social, sobretudo nos países mais pobres da região. Assim, qualquer análise tipológica que não aluda a estes pressupostos apresenta sérias limitações na compreensão da realidade. No entanto, apenas o Estado pode realmente suprir as necessidades econômicas e sociais dos cidadãos, uma vez que: (i) o mercado não possui condições de infraestrutura e tampouco econômica para empregar toda a força de trabalho; (ii) a proteção social realizada por famílias – sobretudo mulheres – reforça a perspectiva do trabalho não remunerado, ou seja, a não emancipação da mulher e de sua cidadania, tanto social como também econômica; e (iii) as organizações sociais e comunitárias não possuem recursos próprios e não representam a totalidade da sociedade em que estão introduzidas (CECCHINI, 2016, p. 22).
Deste modo, a construção de sistemas universais de proteção social – inspirados nos modelos dos países centrais – só será possível com programas de desenvolvimento econômico e social que integrem as complexidades das desigualdades sociais e da pobreza, compreendendo a “questão social latino-americana”, transitando do emergencial (políticas focalizadas aos mais pobres) para o estrutural (desenvolvimento de sistemas públicos universais). Implica a elaboração de estratégias e políticas que levem em conta as inter-relações entre econômico e social, substituindo programas sociais desconexos, mas implica sobretudo equacionar qual o padrão de desenvolvimento social ambicionado pelos países latino-americanos.

  1. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS SOCIAIS EM DUAS DÉCADAS DIFERENCIADAS

No período que corresponde à primeira década do século XXI em que houve um movimento favorável à melhoria na distribuição de renda na região da América Latina se registrou a expansão do emprego com aumentos salariais reais, o aumento de postos de trabalho de boa qualidade e de período integral, assim como a remuneração média por jornada de trabalho, isto provocou a diminuição da disparidade entre as rendas médias dos trabalhadores da região. Contribuíram neste movimento as políticas mais ativas de melhoria do salário-mínimo e de transferência de renda implementadas em vários países da região.
Nesse sentido, pode-se observar a diferença entre o ocorrido na primeira década do século XXI e a situação da década de 1990, na qual predominaram as políticas econômicas de ajuste e para o caso de enfrentamento dos problemas sociais mais urgentes, as políticas sociais focalizadas.
Segundo a CEPAL (2010):
Entre 1990 e 2002, a distribuição de renda na região foi marcada por grande rigidez, seguindo os aumentos de desigualdade de distribuição acumulados na década de oitenta. Por sua vez, o período 2003 a 2008 foi caracterizado não apenas por um gradativo crescimento econômico, mas também por uma ligeira, porém nítida, tendência de diminuição da concentração de renda. A nível da região como um todo, o índice de Gini caiu cerca de 5% em relação ao valor registrado em 2002 impulsionado, sobretudo, por quedas registradas na Argentina (área metropolitana); no Estado Plurinacional da Bolívia (área urbana); no Panamá (área urbana) e na República Bolivariana da Venezuela, todas superiores a 10%. Brasil, Chile, Equador (áreas urbanas), Nicarágua e Paraguai (áreas metropolitanas) também registraram reduções importantes, da ordem de 7% ou mais, deste indicador. (CEPAL, 2010, p. 174)
Durante a década de 1990, em consequência da crise da dívida, foram impostas severas restrições ao gasto público na região para dessa forma cobrir o déficit fiscal. Os gastos públicos sociais foram então os que mais sofreram cortes. O Estado recuou do seu papel na área social, justamente uma das principais áreas de forte impacto no desenvolvimento nacional e regional. Diversos sistemas de educação e saúde foram transformados na época em sistemas descentralizados de capitalização, com estímulo à previdência privada e aos planos de saúde privados. As políticas sociais se reduziram a interferências focalizadas apenas em certos grupos de riscos. No campo do trabalho, se buscou e promoveu a flexibilização contratual e nas áreas de saúde e previdência, a mercantilização das coberturas.
Somente no século XXI, alguns países passam da chamada "focalização das políticas sociais" para políticas públicas mais integradas, tendo o Estado como principal ator. A disponibilidade de recursos públicos para financiamento da proteção social e a promoção de oportunidades na última década demonstra o maior compromisso público na distribuição da renda das famílias e nos problemas de exclusão social. O ponto de vista que prevaleceu nesta orientação política é o da igualdade de direitos e não apenas de oportunidades da população. Em virtude da realização dos direitos, a sociedade avançou para uma abordagem universalista de mecanismos solidários capazes de modificar a situação geradora de pobreza e desigualdade. Do ponto de vista econômico, estas políticas sociais dos últimos anos buscaram a sustentabilidade mediante a associação entre crescimento e equidade social, o aprimoramento dos mecanismos de transferência de renda são um exemplo disto pois integram a participação cidadã, o emprego produtivo na superação das condições da pobreza e os impactos redistributivos eficazes nos processos multiplicadores da renda nacional.
Considerando-se o gasto público social como a soma dos gastos públicos em educação, saúde, previdência social, moradia dentre outros, se apresenta a seguir na Tabela 8 o comportamento dessa variável de 1990 a 2010 para os países selecionados.
A abordagem em favor das políticas públicas sociais ganhou espaço em relação a abordagens de corte individualista e centradas no mercado das políticas de ajuste da década de 1990, junto com a mudança em relação à focalização como princípio balizador da assistência social para a política pública universalista.
Durante os anos das políticas sociais viu-se no panorama político a formação de partidos políticos e governos populares e de esquerda e centro-esquerda que para lutar contra os ajustes assumiram estratégias nas quais o Estado tem papel estratégico na formulação e implementação das políticas sociais, revalorização a função da política pública em sentido geral diante da narrativa contrária dos setores da linha liberal-conservadora e neoliberal. Este discurso e sua ação prática através das políticas sociais de corte universal significaram a revalorização das políticas keynesianas de emprego, estímulo ao consumo e transferência de renda (Sunkel, 2006). A sustentabilidade das mesmas se baseia no crescimento com distribuição de renda e com reforço das variáveis macroeconômicas domésticas de consumo e investimento.

  1. DESAFIOS ATUAIS NA AMÉRICA LATINA

Com novas configurações na política partidária e a crise econômica que se abateu sobre a região, a posição em favor da liberdade de mercado e da minimização do papel do Estado como ator principal na elaboração de políticas econômicas e sociais voltou a dar tom ao debate político e econômico. Para os críticos da intervenção do Estado, a piora nas variáveis econômicas nos últimos oito anos foi provocada pelos aumentos sucessivos do déficit público, assim, no debate econômico e político atual ganhou-se prioridade novamente a necessidade da política de estabilidade econômica sob as demais políticas sociais na região. A desaceleração ao combate a pobreza e a vulnerabilidade social podem ser observados em todos os países selecionados, em outros a porcentagem da população que vive com apenas US$ 3,00 por dia aumentou entre o período de 2013-2014, foram os casos da Argentina e Panamá.
O desemprego voltou a assolar os latino-americanos com 8,9% para o ano de 2016, maior taxa desde 2010. O Brasil liderou o aumento do indicador tendo 13% para 2016, contrastando com a situação mexicana, onde o desemprego foi o menor dentre os países selecionados, 4,3% para o mesmo período. No caso brasileiro, realizou-se em 2017 a maior mudança em sua lei trabalhista, buscando a flexibilização dos contratos de trabalho e criando legislações específicas para o trabalho intermitente e home office, tal elaboração só foi possível através de uma sinergia entre os partidos de centro-direita e a política econômica de ajuste fiscal implementada desde 2015.
Mudanças importantes foram realizadas pelos países latino-americanos em seus sistemas de proteção social. Segundo Cecchini et al. (2015), o maior progresso nos sistemas se deu principalmente nos países com maior desenvolvimento, cujas lacunas sociais eram menores, como Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e, em menor dimensão, no Panamá. Outros países também adotaram políticas sociais, mas com pouco compromisso de continuidade como foi o caso paraguaio.
Os programas de transferência de renda condicionada apresentaram um balanço ambivalente. Por um lado, em geral, não houve um incentivo ao direito ao acesso à saúde e a educação, pois os programas focalizados detiveram por objetivo primordial apenas o cumprimento de metas pré-estabelecidas, as quais pormenorizaram, em curto prazo, algumas situações como, por exemplo, da extrema pobreza. Assim, não foram capazes de criar condições de desenvolvimento de políticas e ações que contribuíssem massivamente para a resolução dos problemas centrais na distribuição de renda, de acesso e de fortalecimento dos sistemas de proteção social (Fonseca e Viana, 2007). Além disso, os resultados obtidos foram diferenciados para cada país, no caso brasileiro, com o Programa Bolsa Família, a redução do coeficiente de Gini foi emblemática, de 2,7 pontos percentuais. O programa chileno, Chile Solidário, apresentou um insignificante 0,1 ponto percentual de redução do Gini (CEPAL, 2010).
O problema é o embate político das forças em confronto, dado que os setores que atualmente comandam as decisões que movimentam os capitais mais concentrados e tendem a ter implicações poderosas na vida social se encontram cada vez mais isolados no processo de globalização e na hierarquia de poder financeiro estabelecida nas últimas décadas, todos cada vez mais sujeitos a interesses econômicos. Conglomerados financeiros ditam posições que podem provocar crise e empobrecimento de regiões inteiras no mundo. Daí que o desafio hoje seja conjugar o global com o nacional sem perder de vista a possibilidade de criar mecanismos de políticas sociais que enfrentem os impactos negativos dos mercados e que reforcem a autonomia de cada país no cenário mais amplo das relações internacionais (STIGLITZ, 2002).

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Houve na América Latina, na primeira década do século XXI, um movimento de políticas sociais em direção ao enfrentamento da realidade do atraso e da desigualdade estrutural. A efetividade das políticas sociais depende da sua duração ao longo do tempo e é somada às condições da população em termos de acesso aos sistemas de proteção social. As discussões atuais sobre as políticas sociais vêm aprofundando o debate acerca da atuação do Estado e do seu papel na promoção dos direitos. Torna-se assim importante para os formuladores de políticas públicas a compreensão de como os sistemas de proteção social se defrontam com desafios cada vez mais complexos representados pelas incertezas quanto à dinâmica de crescimento econômico na América Latina, o fim do benefício demográfico e o aumento do desemprego e do mercado de trabalho informal. Assim, é evidente a necessidade de fortalecimento dos sistemas de proteção social diante do mercado e a consolidação dos mecanismos que impulsionam a melhoria na distribuição da renda e na diminuição da pobreza.
É importante procurar robustecer essas análises empíricas e fortalecer as análises comparativas nos estudos sobre os países da América Latina. Se a heterogeneidade é o principal traço para a compreensão da emergência e desenvolvimento dos sistemas de proteção social na região, a leitura das tipologias permite afirmar a existência de algumas características compartilhadas entre todos os países.
Diante das urgências sociais, a construção de sistemas de proteção social mais abrangentes só será possível com programas de desenvolvimento econômico e social que contemplem a a complexidade das desigualdades sociais e da pobreza e perpassem do emergencial e das políticas focalizadas para o desenvolvimento de políticas universais.

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*Doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas gustavo.bgava@gmail.com
** Professor Dr. do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas hugodias@unicamp.br
*** Professor Dr. da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas carlos.etulain@fca.unicamp.br

Recibido: 01/10/2018 Aceptado: 05/12/2018 Publicado: Diciembre de 2018

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