Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


A RETÓRICA DO PROGRESSO NOS DISCURSOS DOS POLÍTICOS MINEIROS NOS PROJETOS DE INSTALAÇÃO DE FERROVIAS (1891-1906)

Autores e infomación del artículo

Bárbara Braga Penido Lima*

CEFET-MG – Brasil

bragapenido@gmail.com

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Resumo:

Pretendemos compreender os usos da retórica política, inserida nos repertórios produzidos pelos políticos mineiros entre 1891 e 1906, como instrumento discursivo sobre a instalação das ferrovias associadas às ideias de progresso, desenvolvimento e modernidade.  Pretende, portanto, uma dupla interpretação: por um lado, como a ideia de progresso foi utilizada na retórica do discurso político-intelectual dos senadores. Por outro, compreender de que modo a expansão da rede ferroviária foi concebida pela política mineira como instrumento para atingir o desenvolvimento econômico e social. Para isso, a metodologia usada será a da análise do discurso, seguindo a proposta de Patrick Charaudeau (2013). Ao considerar a produção de repertórios intelectuais discursivos desses políticos, verificam-se as relações das perspectivas retóricas de suas ideias com aquelas percebidas na política mineira, referentes às noções de engrandecimento mineiro – alcançado por meio da instalação das estradas de ferro, entre outros fatores.

Palavras-chave: Progresso; Ferrovias; Discurso político; Retórica.

Resumen:

Se pretende comprender los usos de la retórica política, inserta en los repertorios producidos por los políticos mineros entre 1891 y 1906, como instrumento discursivo sobre la instalación de los ferrocarriles asociados a las ideas de progreso, desarrollo y modernidad. Pretende, por lo tanto, una doble interpretación: por un lado, como la idea de progreso se utilizó en la retórica del discurso político-intelectual de los senadores. Por otro lado, comprender de qué modo la expansión de la red ferroviaria fue concebida por la política minera como instrumento para alcanzar el desarrollo económico y social. Para eso, la metodología utilizada será la del análisis del discurso, siguiendo la propuesta de Patrick Charaudeau (2013). Al considerar la producción de repertorios intelectuales discursivos de estos políticos, se verifican las relaciones de las perspectivas retóricas de sus ideas con aquellas percibidas en la política minera, referentes a las nociones de engrandecimiento minero - alcanzado por medio de la instalación de los ferrocarriles, entre otros factores.

Palavras clave: Progreso; Ferrocarriles; Discurso Político; Retórica.

Abstract:

We aim to understand the usages of political rhetoric, inserted in repertoires produced by Minas Gerais politicians between 1891 and 1900, as discursive instrument towards the ideas of progress, development and modernity. Therefore, it intents a double interpretation: on one hand, how the idea of progress has been used in the rhetoric of senators' politic-intelecual discourses; on the other hand, understand in which ways the expansion of the railroads has been conceived by Minas Gerais politics as an instrument directed to social and economical development. For that purpose, we are going to use Discourse Analyses, according to Patrick Charaudeau's (2013) propositions, as our main methodology. Considering the intelectual discoursive repertoires produced by the mentioned politicians, relations between rhetoric perspectives of its ideas and those noticed in Minas Gerais politics come clear, especially towards the notions of Minas Gerais aggrandisement - reached through railroad setting up, among other factors.

Keiwords: Progress; Railroads; Political Discourse; Rhetoric

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Bárbara Braga Penido Lima (2018): "A retórica do progresso nos discursos dos políticos mineiros nos projetos de instalação de ferrovias (1891-1906)", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (junio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2018/06/projetos-instalacao-ferrovias.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1806projetos-instalacao-ferrovias


Introdução

Este artigo busca discutir a ideia de progresso percebida nos horizontes de expectativas, vislumbrados nos repertórios dos discursos produzidos no Senado Mineiro, entre 1891 e 1906, relacionados à instalação e organização de ferrovias em Minas Gerais, como meio de alcançar o progresso no Estado.2 Pretende, portanto, uma dupla interpretação: por um lado, como a ideia de progresso foi utilizada na retórica do discurso político-intelectual dos senadores. Por outro, compreender de que modo a expansão da rede ferroviária foi concebida pela política mineira como instrumento para atingir o desenvolvimento econômico e social. Para isso, a metodologia usada será a da análise do discurso, seguindo a proposta de Patrick Charaudeau (2013).
Os discursos dos políticos mineiros, ao longo do século XIX e início do século XX, sugeriam a articulação entre a ideia de progresso, a construção de ferrovias e o desenvolvimento econômico. Ao tomar o Senado Mineiro como lugar de produção e normatização da legislação mineira, percebemos o uso da retórica junto à produção de repertórios políticos e intelectuais no legislar sobre a construção e expansão das ferrovias em Minas Gerais. Os discursos demarcam a trajetória e os percalços percorridos pela administração pública para instituir a legislação ferroviária durante as primeiras décadas da República, norteada pelas ideias de modernidade e progresso mineiro.
Essas questões serão tratadas a partir da análise de discursos dos senadores, tomando os Anais do Senado Mineiro como fonte. Os discursos foram percebidos como narrativa construída segundo condições históricas e sociais específicas, sendo uma representação do imaginário social de um grupo de interlocutores, permeado por relações de poderes e ao qual seu autor pertence. Os discursos políticos analisados foram entendidos como incorporados ao “mundo atlântico capitalista, perpassado por ideias, representações e valores que circularam entre a Europa e a América, lidos de modo sui generis” pelos políticos locais e apreendidos conforme a especificidade de seus interesses (GOODWIN Jr., 2015, p.17).
A competição pelo poder e as relações de forças dentro desse ambiente revelam a diversidade do pensamento político mineiro, relacionadas às suas variadas vinculações ideológicas e origens regionais, como lembra John Wirth (1982). As disputas encetadas neste cenário ocorreram nos espaços dedicados à administração pública: a Assembleia Provincial e, após a instalação da República, o Congresso Legislativo de Minas Gerais, destacando-se neste estudo o Senado Mineiro. Esses órgãos legislativos tornaram-se locais de embates, por meio do uso da retórica discursiva, na qual cada político expunha e advogava suas ideias como estratégias para garantir seu espaço político e fazer prevalecer sua interpretação de como atingir o progresso mineiro.
Tais instituições, onde ocorriam a ação política e o discurso, eram, portanto, espaços de contingência, concebidos neste trabalho como lugares da articulação do social e de sua atuação; ambientes produtores de discursos que comandavam os sistemas de representação3 de seu tempo (GONÇALVES, 2012, p.68). Para Pedro Pádua, nestes lugares se abordavam “os principais temas em questão na época”, que “não se resumem a relatos de realizações passadas”, mas também expressam as crenças, esperanças e projetos de seus integrantes para a inserção de Minas Gerais no caminho do progresso (PÁDUA, 2012, p.108).
Apesar das disputas internas geradas por estes grupos, as concepções de progresso eram partilhadas entre as elites políticas mineiras (VISCARDI, 2012)4, por pertencerem ao mesmo sistema de cultura política5. As propostas para alcançar o engrandecimento mineiro, diferentes entre si, eram apresentadas por meio da argumentação política, que despontava como arma necessária para persuasão do público ouvinte. Hannah Arendt afirma que a persuasão é o modo específico da fala política. Segundo a autora, “acreditava-se que a arte mais alta e verdadeiramente política era a retórica, a arte de persuadir” (cf. WAGNER, 2002, p. 34). De acordo com Nicola Abbagnano, o objetivo de uma argumentação não consiste em afirmar uma veracidade ou demonstrar deduções lógicas, mas “suscitar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que são apresentadas à sua aprovação” (ABBAGNANO, 2015, p.89).
Para esclarecer como a ideia de progresso foi percebida, apreendida e mobilizada no período é necessário observar como as linguagens praticadas no Senado Mineiro, considerando sua pluralidade, sancionaram determinados vocábulos como integrantes do universo do discurso político, “e que tipos de intelligentsia ou profissões adquiriram autoridade no controle desse discurso” (POCOCK, 2013, p.31). Ao considerar o discurso político como uma atividade que utiliza uma série de linguagens e modos de enunciação oriundos de diferentes campos do saber, ressalta-se a eloquência e a retórica como um dos elementos mais característicos da argumentação discursiva (PEREIRA, 2015, p.68). Na cena política mineira, entre o fim do século XIX e o início do século XX, a eloquência e a retórica são características marcantes daqueles que buscam sobressair nos debates políticos. Essas características revelam a utilidade e pertinência deliberativas, capazes de introduzir formas de distinção social ou de legitimidade que servem eficazmente aos interesses dos agentes políticos (PEREIRA, 2015, p.69).
Os políticos precisavam usar de artifícios discursivos para convencer seus pares sobre a importância da aprovação e execução de seus projetos. Era necessário utilizar da linguagem e das ideias compartilhadas na cena política do Estado para conseguir o apoio do público ao seu discurso. Cada político, ao subir à tribuna, buscava persuadir seus ouvintes, adaptando suas palavras e gestos conforme as expectativas daquele público. Nicola Abbagnano elucida que essa adaptação consiste “fundamentalmente no fato de que o orador pode escolher como ponto de partida do seu raciocínio apenas teses admitidas por aqueles aos quais se dirige” (ABBAGNANO, 2015, p.89).
Destaca-se que há uma diferença entre o pensado e o praticado na cena política. Essa diferença é assinalada a partir das análises das discussões de projetos políticos e da instalação das legislaturas desses projetos. O discurso político é permeado pela arte da retórica, que conjuga um horizonte de expectativas e a interpretação da realidade pelo sujeito, em palavras rebuscadas para demonstrar e legitimar a autoridade daquele que discursa. Por possuírem diferentes matizes, essas ideias carregavam sentidos diferentes, quando não opostos, nos repertórios políticos mobilizados durante os debates em sessões plenárias. Seu emprego nos discursos políticos, desse modo, poderia adquirir perspectivas próprias e diversificadas: abrigando, ao mesmo tempo, correntes de ideias que pertencem às escolas liberais, a projetos de modernização e a um corpus de pensamento conservador, que também pode ser reacionário – “no sentido lato de reação e resistência a qualquer mudança na ordem sociopolítica” (ALONSO, 2002, p.87).
As argumentações, isto é, as estratégias retóricas, que compõem o plano político discursivo, foram compreendidas circunscritas a um ambiente de experiências compartilhadas, onde formas de pensar e agir estão imbricadas a práticas e redes sociais, sendo marcado por discordâncias, embates e disputas, no caso, sobre a ideia de progresso e seu significado. Nesse sentido, ao pensar a composição do Senado Mineiro, compreendemos que os políticos não formaram um grupo coeso, homogêneo e organizado; ao contrário, seus discursos, em diversos momentos, sustentaram opiniões divergentes. Assim, os discursos mobilizaram repertórios sobre as ideias de progresso, civilização e modernidade, que foram apreendidas, elaboradas, reelaboradas e difundidas, perpassando um ou mais espaços de experiências.
Por espaço de experiência, de acordo com o entendimento de Reinhart Koselleck (2006), entendem-se as vivências dos políticos no Senado Mineiro, onde produziram seus discursos, nos quais descortinavam seus anseios, suas angústias, suas esperanças e seus desejos. É lugar de produção dos repertórios mobilizados na relação entre o passado e o futuro, vivenciada pelos políticos mineiros. Conforme José Luiz Fiorin, o discurso político é ancorado no tempo e no espaço. A partir do uso da retórica, o autor afirma que o discurso

se pretende verdadeiro, mas sua verdade não tem alcance universal. Está imerso na história, não anuncia seu fim, pretende compreender a contingência. Embora também seja um discurso que se adere por identificação fiduciária, apresenta-se claramente como um discurso da ordem do saber, uma vez que o político que se dirige ao eleitorado se apresenta como um conhecedor dos problemas da unidade político-administrativa que pretende dirigir e da maneira de resolvê-los. (FIORIN, 2013, p.24)

Ao adotar a postura de detentor de um saber específico relacionado à administração pública, o político se atribui o papel de intelectual. De acordo com Thomas Sowell, por intelectual podemos entender o sujeito com capacidade de “apreensão e manipulação de conceitos e ideias complexas”, que contribuem pela geração e difusão de ideias, capazes de influenciar seu círculo social (SOWELL, 2011, p.15). Elias Thomé Saliba aponta que os políticos se percebiam como os intelectuais da nação, com “uma capacidade motivadora e transformadora, arrogando-se o papel de autênticos missionários, únicos capazes de transformar aquela sociedade arcaica e fossilizada em uma nação neoliberal e moderna” (SALIBA, 2012, p.240). Detentores do saber, consideravam-se como sujeitos de um processo histórico da busca pelo progresso e de uma missão civilizatória (RAMA, 2015, p.37).
A legitimação da autoridade intelectual, nesse sentido, compreende o uso dos repertórios de ideias nos discursos políticos. O conceito de repertório, de acordo com Ângela Alonso, é concebido como “um conjunto de criações culturais aprendidas” à qual o sujeito recorria seletivamente segundo suas necessidades de “compreender certas situações e definir estratégias de ação” (ALONSO, 2002). Ao situá-los na estrutura de relações de poder da sociedade à qual pertencem, percebe-se que os repertórios apreendidos, produzidos, reproduzidos e mobilizados, os modos de pensar e agir, estão em íntima conexão com a conjuntura histórica, social e cultural de seu lugar de origem.
A análise dos repertórios, ao tomar as seleções e apropriações realizadas, irá perquirir quais usos e significados foram atribuídos às ideias de progresso relacionadas à instalação de ferrovias no imaginário das elites políticas mineiras, visando dirigir a sociedade em suas formas de pensar e agir.  Reinhart Koselleck elucida que “os atores se apropriam dos conceitos ampliados para imprimir sentido à experiência contemporânea e reivindicar determinadas perspectivas de futuro” (KOSELLECK, 2006, p.11). Logo, as ideias são parte do todo social e se constituem juntamente com ele. Elas se engendram no interior do processo histórico e são constitutivas dele (CAPELATO, 1989, p.17).
A indagação sobre a formação do conhecimento na conjuntura social demonstra o papel dos intelectuais, indissociáveis das formas de intervenção na organização social. Segundo Vinícius Machado, “a seleção dos referidos lugares de sociabilidade se fundamentou no conhecimento prévio de que por meio deles seria possível significar a proposta” de desenvolvimento mineiro, por meio dos programas direcionados para o fomento da economia, a partir da instalação da rede ferroviária e da organização da instrução pública e profissional no estado (MACHADO, 2010, p.21).
Assim, é evidente a importância de esmiuçar as práticas retórico-discursivas, manipuladas nas sessões do Senado Mineiro na fala dos políticos referentes às ideias sobre progresso e expansão da rede ferroviária, exercendo uma pluralidade de papéis dentro de uma conjuntura social definida (ARFUCH, 2010, p.11). Este raciocínio evoca a asserção de Hannah Arendt, ao indicar que “a política repousa sobre um fato: a pluralidade do humano” (ARENDT, 1995, p.31). Os vocábulos e as ideias usados no discurso não possuem sentidos fixos; isto é, seus significados derivam da interpretação e posição ideológica do enunciante e do receptor (POCOCK, 2013).

Os sentidos do Progresso, as Ferrovias e o Senado Mineiro

O ideal de progresso esteve presente no pensamento das elites políticas brasileiras desde, pelo menos, a era pombalina. Durante o século XIX, o aprimoramento dos campos de saberes da ciência, em função das novas descobertas na física, na biologia, na química e na engenharia mecânica, contribuiu para a vinculação da ideia de progresso ao desenvolvimento científico e tecnológico (CARVALHO, 1998, p.108-109). Nesse período, o avanço das teorias de Spencer e de Comte associou o significado da ideia de progresso à ciência e à técnica como fatores de transformação social. O pensamento positivista estava relacionado à teoria evolucionista de Spencer, em que a lei fundamental do universo seria a evolução, considerada sinônima do progresso. Os processos de civilização indicariam a marcha de cada sociedade rumo ao progresso e à modernidade.
Paolo Rossi apresenta o progresso concebido como uma lei de temporalidade universal, ao propor que as sociedades se direcionam para o mesmo objetivo (ROSSI, 2000). Seria uma meta a ser alcançada, que corresponde ao adiantamento da civilização, ao desenvolvimento e ao crescimento do saber científico e da técnica, meios para alcançar o vislumbrado projeto de modernidade. A ideia de modernidade compreendia a passagem do conhecimento humano contemplativo para um saber predominantemente operativo, “em que a ciência e a tecnologia têm um papel central” (PÁDUA, 2012, p.14). Assim, a noção de progresso estava relacionada ao desenvolvimento material e econômico, “baseada na agricultura, na indústria e na pecuária”, no solo mineiro.
Desde o período imperial, a leitura das atas das sessões da Assembleia Provincial e, com a alteração do regime político, do Congresso Mineiro, mostrou que os vocábulos “progresso” e “modernidade” eram comumente evocados nos discursos políticos para defender programas direcionados ao desenvolvimento econômico e social do Estado (LIMA, 2016). A partir de 1850, com a consolidação do regime monárquico, a busca pelo progresso passou a tornar-se cada vez mais relevante no país, vinculada à concepção de desenvolvimento econômico. A instalação do regime republicano irá reforçar o discurso do progresso entre os políticos mineiros e nacionais, associado ao desenvolvimento econômico e social.
Affonso Augusto Moreira Penna, por exemplo, relaciona a ideia de progresso e desenvolvimento econômico com a instalação de escolas de formação profissional. Para o senador mineiro, tais escolas tinham por finalidade promover a eficiência na produção agrícola, industrial e pecuária. Tais ideias podem ser observadas no seguinte discurso:

Acredito que outros institutos congêneres hão de ser criados pelo Congresso Mineiro, porque nós não precisamos de educação literária: precisamos, antes de tudo, de instrução profissional e técnica. (Apoiados). As condições do Estado Mineiro são as mais apropriadas para o desenvolvimento da lavoura e das indústrias; mas estas principais fontes de riqueza, não se poderão desenvolver convenientemente, enquanto não criarmos institutos, que formem cidadãos com a instrução precisa para explorá-las. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.296)5

Angela Alonso afirma que diversas teorias compartilhadas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, a exemplo do positivismo, spencerianismo, darwinismo e liberalismo, sofreram apropriações por parte das elites políticas nacionais, tendo seus usos redefinidos na produção de repertórios políticos (ALONSO, 2002). James William Goodwin Jr. reforça essa ideia ao afirmar que integrar o rol das nações civilizadas significava, “além do intercâmbio econômico ou da importação de tecnologias, os esforços em adequar-se à civilização europeia, especialmente por parte das elites locais das recém-independentes nações latino-americanas” (GOODWIN Jr., 2015, p.47). O discurso do senador Virgílio de Mello Franco fornece um vislumbre do pensamento político mineiro sobre o assunto:

Na vida social vimos que quando um grupo étnico é mais desenvolvido de que outro e consegue pelo progresso colocar-se em posição superior, torna-se uma espécie de modelo ao qual todos procuram imitar. [...] Assim os povos caminham para a unificação pela cópia das Instituições semelhantes, e não pela expansão de autonomia da personalidade humana.  (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.95)

Pertencer ao concerto das nações modernas, para os políticos mineiros, correspondia à participação nos benefícios do progresso e do desenvolvimento técnico e econômico (GOODWIN Jr., 2015, p.62). O progresso, percebido nos usos das tecnologias, do crescimento da produção material e da expansão de redes de comunicação (HOBSBAWM, 2011, p.51), tinha seus referenciais nas experiências vivenciadas pelas sociedades europeias ocidentais. A condição de atraso era definida a partir da relação de proximidade ou distância dos modelos de produção material e cultural europeus. A noção de modernização, também presente nas sociedades “atrasadas”, conferia à ciência – e suas aplicações práticas – o status de melhor caminho para se atingir o progresso e alcançar os parâmetros sociais almejados. 
Os políticos mineiros e nacionais atentaram para essas questões, ao perceberem a necessidade de desenvolver a economia e a sociedade, a fim de participar do rol das sociedades civilizadas. Após a proclamação da República, a ideia de progresso foi pensada como “uma melhoria constante projetada adiante no âmbito do desenvolvimento material da sociedade” (AZEVEDO, 2003, p.305). Pedro Pádua, ao analisar o discurso dos Presidentes do Estado de Minas Gerais, entre 1891 e 1930, buscou interpretar os diversos sentidos das concepções de progresso, a partir da identificação do termo nos discursos presidenciais. Ao considerar os agentes dos discursos analisados como parceiros, o autor entende que os grupos políticos mineiros compartilhavam um vocabulário comum, estavam sujeitos a regras comuns, sendo assim agrupados numa tradição cultural, o que permite que se entendam e se reconheçam uns aos outros (PÁDUA, 2012, p.25).
Os estudos desse pesquisador indicaram que o vocábulo “progresso” apresentou uma série de significados, que remetem a uma ideia comum, destacando-se os termos: adiantamento, aperfeiçoamento, desenvolvimento, melhoramento e avanço. Não havia, portanto, unidade no movimento intelectual em torno dessas ideias, que eram apreendidas e adotadas segundo a racionalidade de cada indivíduo. Ao voltar-se para o estudo das experiências históricas e a constituição das redes de sentido, Reinhart Koselleck afirma que as ideias adquirem caráter polissêmico, compreendendo uma multiplicidade de significados, capazes de transcender seu contexto original, sua temporalidade e espaço (KOSELLECK, 2006). 
Os grupos políticos de Minas Gerais apresentaram noções de progresso comumente associadas à ciência como critério de verdade, às ideias evolucionistas de Spencer, ao desenvolvimento científico e tecnológico associado ao sentido histórico do avanço do conhecimento (PÁDUA, 2012, p.28-30). Essas ideias podem ser observadas no discurso do senador Virgílio de Mello Franco, por exemplo:

Ora, o que os poderes públicos devem promover é o progresso, a produção contínua de invenções e descobertas científicas, conquistas sucessivas do homem sobre a natureza e que lhes asseguram o governo de forças novas pela percepção exata de seus segredos. [...] O progresso está na razão inversa da ação coercitiva do homem sobre o homem e razão direta da ação do homem sobre as cousas. [...] O que nós atualmente precisamos fazer é desenvolver a riqueza pública. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.718-719)

Na acepção dos senadores, o progresso era compreendido como o desenvolvimento da produção material, por meio do aprimoramento dos métodos agrícolas e do incentivo à criação de indústrias. Eles percebiam o desenvolvimento econômico ligado à produção industrial, aos serviços prestados pela administração pública na área dos transportes, da saúde e da instrução pública. Pedro Pádua demonstrou que o principal significado do conceito de progresso, identificado nos discursos analisados, estava relacionado ao desenvolvimento material e econômico, baseado na agricultura, na indústria e na pecuária (PÁDUA, 2012).
Na argumentação política cotidiana, especificamente, a concepção de progresso era constantemente utilizada nos discursos do Senado Mineiro associada às vias de transporte, com destaque para as ferrovias, pensadas como meios de escoamento da produção. A ferrovia, interpretada como chave para o desenvolvimento econômico e social, possibilitaria a ampliação da circulação interna, a criação de povoamentos e, consequentemente, o avanço da economia e o controle das fronteiras pelos Estados. Em diferentes regiões, a ferrovia passou a ser percebida como “elemento estratégico fundamental de controle interno e pressão externa, ou seja, um elemento fundamental de sua soberania” (LESSA, 1993, p.36).
As locomotivas foram consideradas símbolo do progresso, ao representarem a inovação técnica de maior impacto do século XIX e início do século XX, o esforço de construção empreendido pelo homem sobre a natureza, o rompimento da noção de distância e de tempo, e a integração entre diferentes regiões (FOOT-HARDMAN, 2005, pág.51-52). O trem, com sua velocidade, possibilitaria a penetração da civilização nas regiões rurais mais remotas, ao integrar os centros urbanos com o interior. Acreditava-se que o progresso chegaria junto com os trilhos ferroviários.
Em Minas Gerais, as políticas dirigidas para a melhoria dos transportes, com enfoque na instalação de ferrovias, começaram em 1835 com a elaboração do plano ferroviário por Bernardo Pereira de Vasconcelos, deputado da província de Minas Gerais. Em 1864 foi criado novo plano ferroviário pelo engenheiro Henrique Gerber e, em 1871, pelo engenheiro Modesto Faria Bello, solicitados pela Câmara dos Deputados da província mineira (BATISTA; BARBOSA; GODOY, 2012, p.09). Esses três planos apresentaram uma dupla preocupação: “ligar a economia mineira a mercados externos, especialmente ao Rio de Janeiro, e superar o problema da desarticulação interna” (BATISTA; BARBOSA; GODOY, 2012, p.09).
Foi no final da década de 1860 que os caminhos de ferro tiveram sua instalação iniciada no estado mineiro. A primeira estrada de ferro a penetrar no território de Minas Gerais foi a Estrada de Ferro D. Pedro II, com a inauguração das estações de Serraria e Chiador em 27 de junho de 1869. Em seguida, foi construída a Estrada de Ferro Oeste de Minas, por meio de concessão provincial e subvenção quilométrica, em 1873. Em 1877 foi terminada a construção da Estrada de Ferro Leopoldina, com a inauguração de uma estação na cidade de Leopoldina, MG. Tais ferrovias tiveram por objetivo otimizar a circulação de mercadorias e pessoas pelo território (BATISTA; BARBOSA; GODOY, 2012; LIMA, 2016).
Para os políticos mineiros, as estradas de ferro seriam responsáveis pela integração do território, dinamização do comércio, escoamento da produção – trazendo a reboque o projeto de modernização para o interior do estado (OLIVEIRA, 2009). Fazia parte do consenso geral que as ferrovias correspondiam à imagem de elo central para o progresso econômico (TOPIK, 1987, p.149). A crença no trem como propulsor do progresso derivava da certeza de que a ferrovia, acompanhada de demais melhoramentos técnicos, promoveria a aproximação ou entrada do país no concerto das nações civilizadas e apagaria a lembrança do atraso que se julgava herança do período anterior (HARDMAN, 2005). A ferrovia era concebida como fio condutor das mudanças, precursora do desenvolvimento econômico e social por onde passava.
Em Minas Gerais a idealização da ferrovia estava relacionada à expectativa do trem como fomentador do progresso e do desenvolvimento econômico. Apesar da divergência entre os senadores mineiros, todos concordavam com a ideia de que, por meio da instalação de ferrovias, se alcançaria o progresso econômico. Peter Blasenheim, conforme seus estudos sobre as ferrovias mineiras no século XIX, aponta a “crença compartilhada por todos os mineiros que as ferrovias estimulariam o crescimento econômico em toda a província, integrando as regiões e estimulando as exportações” (BLASENHEIM, 1996, p.83). O discurso do senador Affonso Penna demonstra essa concepção, ao referir-se às ferrovias como meio de fomentar o aumento da produção industrial e a dinamização do comércio:

E, senhores, um dos serviços que mais interessam a grande totalidade do Estado de Minas, é sem dúvida o que diz respeito às estradas de ferro (apoiados); a elas estão ligados os interesses da lavoura, do comércio e da indústria, que são as fontes principais da riqueza nos Estados. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.264)

Essa percepção do progresso ligado à instalação das ferrovias foi encontrada em diversos momentos nos discursos produzidos no Senado Mineiro. As estradas de ferro, para os senadores, simbolizavam a concretização dos avanços da ciência aliada ao capital.  Foram representadas como instrumentos de expansão do progresso capitalista na política mineira e na política nacional. Os maquinismos foram compreendidos como elementos capazes de promover o crescimento econômico e possibilitar a penetração da cultura urbana no interior. Observou-se que, além dos políticos mineiros, a sociedade em geral compartilhava desse ideal de progresso possibilitado pela rede ferroviária, como pode ser demonstrado pela seguinte notícia, celebrando a iminente chegada do trem em Diamantina, no ano de 1909:

Ramal Curralinho-Diamantina
Felizmente dentro em pouco será uma esplêndida realidade a antiga aspiração a que sempre nutriu a Diamantina de ver-se ligada aos centros cultos do Brasil, por uma viação rápida e cômoda. [...] Em dois anos no máximo, a locomotiva fará ouvir nestes serros alcantilados o silvo promissor do progresso. Então, a Diamantina, que infelizmente ia definhando numa cruel agonia, despertará forte, viril e rediviva. (Idéa Nova, publicação de 13 de dezembro de 1909, apud GOODWIN Jr., 2015, p.273)6

A partir da análise dos discursos políticos dos Anais do Senado, percebemos que a ideia da ferrovia, como propulsora do progresso, também estava associada à ideia da imigração. Diversos senadores defenderam a colonização do território mineiro por meio dos imigrantes, especialmente de origem europeia, como maneira de se introduzir novas práticas e técnicas produtivas, com o objetivo de fomentar o progresso. O discurso do senador Carlos Ferreira Alves, por exemplo, destaca a relação do imigrante com a atividade industrial: “Já não falo na necessidade de Minas desenvolver novas industrias, o que não pode fazer senão com elemento estrangeiro, com a imigração [...]” (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.855).
O desenvolvimento seria alcançado, segundo essa perspectiva, com as ferrovias, condutoras dos imigrantes às diferentes regiões mineiras e escoadoras de sua produção. Caberia aos colonos, conforme suas atividades produtivas, fomentar a economia, a indústria e a técnica. Os imigrantes trariam consigo, não somente novos métodos de produção, mas as tradições culturais das sociedades modernas da Europa. Representariam assim um meio de adiantar a cultura mineira, promovendo sua aproximação com os padrões culturais referenciados como modelos de civilização. Portanto, alguns senadores associavam a instalação de estradas à instituição de políticas imigratórias, a exemplo do senador Virgílio de Mello Franco, ao discutir sobre a legislação referente à distribuição de terras aos imigrantes:

Em território tão vasto como o nosso, e cujo futuro está preso à questão de colonização e imigração, a lição que poderá ser proveitosa para nós, na discussão deste projeto, é sem dúvida o que nos ensinar a história desta instituição em outros países. Portanto, o primeiro dever do político, tratando de fazer uma legislação sobre este assunto, é atender o mais possível a povoação deste vasto território, porque o futuro de Minas só depende do aumento de população e de braços para o trabalho; e para aquisição de braços é preciso favorecer a introdução de colonos de raça europeia. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.1009-1010)

Logo, a instalação de ferrovias gerava a expectativa de que o desenvolvimento capitalista poderia ser vislumbrado de perto em regiões longínquas; pois, de acordo com o senador Virgílio de Mello Franco, “a experiência prova que as estações de estradas de ferro vão se tornando núcleos de população numerosa, industrial e comercial; portanto me parecia que o projeto devia consignar a concessão gratuita de terrenos próximos às estações” (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.1011). As locomotivas, percebidas como principais condutoras de mercadorias, incrementariam o dinamismo econômico das regiões por onde passassem, especialmente as destinadas à imigração.
Pablo Lima discute as noções de cosmopolitismo cultural e a perspectiva de inserção de Minas Gerais no concerto das nações civilizadas, imbricadas com o ideal de progresso no imaginário mineiro. Os senadores, ao compartilharem do diagnóstico de relativo atraso econômico do Estado, também compartilhavam a crença do progresso via expansão ferroviária em Minas Gerais.7 Para os grupos políticos do Senado Mineiro, o trem simbolizava o cosmopolitismo e o progresso, como um fim em si mesmo, percebido como chave para a solução do atraso mineiro (LIMA, 2009, p.72).  Affonso Penna, por exemplo, reconhece essa ideia ao concordar com a argumentação da E.F. Leopoldina como propulsora do progresso na Zona da Mata, apesar de criticar a ferrovia pelos problemas e ineficiência de seus serviços, como indica seu discurso:

a companhia costuma alegar que a construção da linha veio trazer grande incremento às indústrias e ao comércio e que foi, portanto, um elemento de progresso para a zona percorrida por ela. Mas, por ter produzido estes resultados não fica ela sem a obrigação de cumprir os seus compromissos com o Estado, tanto mais quando se trata da regularidade do serviço a que é ela destinada. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.201)

A locomotiva não significava apenas o avanço social por onde passava: ao promover a integração das diferentes regiões do território mineiro, possibilitava a descoberta e o aproveitamento econômico das potencialidades que se creditavam a diversos lugares. No estado mineiro, as estradas de ferro eram vistas como alternativa às dificuldades dos transportes de mercadorias em função das péssimas condições das estradas de rodagem, que correspondiam a trilhas íngremes em que o transporte de pessoas e produtos era realizado por mulas (BLASENHEIM, 1996, p.83).
A instalação dos trilhos tinha por objetivo possibilitar o rápido escoamento da produção, principalmente a cafeeira, para os portos do Rio de Janeiro e de Santos, por meio de um transporte mais barato, capaz de deslocar uma quantidade maior de carga e interligar as diferentes regiões do território mineiro. Peter Blasenheim observou que, entre os anos de 1875 e 1880, houve um aumento no volume de exportação do café, atribuído pelos fazendeiros à instalação de trilhos que ligavam o sul e o centro da zona da Mata ao Rio de Janeiro (BLASENHEIM, 1996). A expansão das redes ferroviárias em Minas Gerais foi apoiada pelas elites políticas mineiras e pelos fazendeiros, especialmente os cafeicultores.
Apesar dos senadores vislumbrarem a implantação da rede ferroviária nos Estados Unidos como modelo, a instalação dos trilhos em Minas Gerais não seguiu a mesma lógica. Destaca-se que as ferrovias financiadas por particulares acompanharam a fronteira cafeeira, como o modelo instituído em São Paulo, em contraste com a rede ferroviária dos Estados Unidos – que “precedia as fronteiras econômicas” (BLASENHEIM, 1996, p.88). Porém, algumas ferrovias foram construídas conforme o modelo de ferrovia de penetração, adotado pelos Estados Unidos da América, como demonstra Simone Narciso Lessa, ao analisar a construção da estrada de ferro entre Belo Horizonte e Monte Azul, na divisa de Minas com Bahia (LESSA, 2003). Em situações semelhantes, a construção dos trilhos não manteve relação direta com as atividades econômicas.
Os traçados ferroviários foram idealizados para criar o tráfego, as vias de transporte e ligar regiões, os centros urbanos a regiões inexploradas. Diversos senadores mineiros basearam seus discursos sobre a instalação das ferrovias em Minas Gerais nos modelos adotados nos EUA. Os repertórios mobilizados na retórica dos discursos dos senadores associavam o progresso à construção das ferrovias, indutoras de desenvolvimento, ao penetrar em novas regiões. A ferrovia adquiria no imaginário do Senado Mineiro o papel de mensageira do progresso e da civilização e, portanto, sua implantação no estado deveria ser sempre objeto de apoio do governo mineiro. O discurso do senador Eduardo Ernesto da Gama Cerqueira ilustra esse pensamento:

E sobem de ponto estas considerações, quando eram recentes os esforços combinados do poder legislativo e da administração para apertarem mais os laços de solidariedade entre os diferentes pontos do vasto território do nosso Estado, aumentando-lhe os recursos, fortalecendo-lhe os elementos de progresso, aproximando-lhe as distâncias por viação fácil e rápida entre os seus pontos mais afastados, concorrendo destarte para a realização do ideal moderno das nacionalidades grandes e fortes, solidárias em seus supremos interesses e bem estar comum, embora divididas quanto aos negócios peculiares das suas zonas respectivas. E tais esforços, srs. Membros do Congresso, simbolizam o início dessa obra grandiosa, que deve circundar Minas entre as curvas imensas das cintas d’aço, que, percorrendo em todas as direções seu majestoso perímetro, sem diminuir-lhe milhares de portas a todas as conquistas do progresso humano e escoadouro largo e pronto à opulenta produção de sua natureza privilegiada. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1892, p.33)

Ocorreram inúmeros debates sobre a forma de organização e financiamento para a construção dos caminhos de ferro no Senado Mineiro. Parte dos senadores apoiavam a construção das redes ferroviárias por meio do uso de recursos do âmbito privado, sendo o Estado um agente fiscalizador do projeto a ser instituído. O outro grupo era a favor da construção de ferrovias por meio de recursos públicos, cabendo ao governo os meios de incentivar a expansão dos trilhos pelo território mineiro, projeto mais utilizado na expansão da rede ferroviária mineira (LIMA, 2016). O discurso de Affonso Penna exemplifica a questão:

Quaisquer que sejam as boas normas demonstradas pela teoria, quanto a exploração de certas indústrias pelo Estado, a verdade é que entre nós o serviço de estradas de ferro oferece mais vantagens e garantias aos passageiros, ao comércio e à lavoura, quando feito diretamente pela administração pública, do que quando efetuado por empresas particulares. Estas cometem os maiores abusos e ficam sem corretivo, apesar das despesas que se faz com a fiscalização. Não devemos iludir-nos levados por esperanças que os fatos desmentem. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.202)

A partir das legislações sobre a construção de ferrovias em Minas Gerais, percebe-se a presença do Estado na sua organização e instituição por meio de práticas de subvenção e concessão de verbas do governo às companhias particulares. A garantia de juros sobre parte do capital investido também foi bastante adotada na política mineira a fim de incentivar a construção de novos ramais e linhas de estrada de ferro (BLASENHEIM, 1996, p. 90). 
Apesar dos discursos de diversos senadores usarem o modelo ferroviário norteamericano como referencial a ser adotado, a instalação de grande parte das estradas de ferro em Minas Gerais seguiu as fronteiras das fazendas de café. Peter Blasenheim, ao analisar a construção da rede ferroviária na Zona da Mata, critica o projeto de instalação das ferrovias no Estado. O autor revelou que naquela região os traçados ferroviários foram definidos conforme o poder das autoridades locais, normalmente representadas pelas oligarquias cafeicultoras. Pois “a influência política de fazendeiros individuais da Mata determinava as trajetórias de linhas locais, a ligar plantações em vez de centros de população, confirmando o ditado de que estrada de ferro no Brasil, é a linha geométrica dos pontos de maior influência política” (BLASENHEIM, 1996, p. 97).
A instalação dos trilhos seguiu a primazia do modelo primário-exportador, cuja principal mercadoria à época era o café; essa rede ferroviária “tendeu a privilegiar as regiões que se mostravam mais estreitamente vinculadas a tal dinâmica” (BATISTA; BARBOSA; GODOY, 2012, p.09). A febre ferroviária, veiculada pelo entusiasmo dos políticos à causa do progresso via ferrovia, tornou problemática a realização de concessões para a construção de estradas de ferro. Após a expansão desorganizada da instalação de trilhos mediante concessões particulares, ocorreu a encampação generalizada desses trilhos pelo governo de Minas Gerais. Podemos utilizar como exemplo a absorção de outras companhias ferroviárias pela Cia. Leopoldina que resultava na construção de ramais com trilhos de bitolas diferentes e, por vezes, concorrentes entre si. No discurso de Affonso Penna podemos observar os problemas causados pela Cia. Leopoldina aos seus consumidores e ao erário público:

Leio diariamente nos jornais que se publicam, quer na Capital Federal, quer em algumas cidades do interior do Estado, reclamações contra o modo porque está sendo feito o serviço desta via férrea, que é a principal artéria da exportação do nosso Estado. V. Exc., que acompanha com interesse o movimento dos negócios do nosso Estado, deve estar, como eu desagradavelmente impressionado em vista do modo porque essa companhia que recebe grandes subvenções dos cofres mineiros, desempenha-se das obrigações que contraiu para com a antiga província de Minas.
[...] A vida dos lavradores desta zona tem sido um verdadeiro cúmulo de dificuldades e prejuízos!... Luta pela falta de trabalhadores, ordenados exagerados, que regulam 2$000, 3$000, 4$000 e mais mil réis diários, visto pagar-se 500, 600, 700 e 800 réis de cada alqueire de café! Falta de carros e tropas para levar o café, nos engenhos e estações, falta de sacos, dificuldades para obter dinheiro a fim de custear as fazendas, visto os comissários não cumprirem ordens ou marca-las com a já muito conhecida chapa: para quando mandar o café.
Finalmente, vencidas todas estas dificuldades, depara-se com o trambolho desta malfadada estrada de ferro, que melhor seria para esta zona não ter aparecido por aqui, pois atualmente não passa de um polvo caranguejo.
O comércio, por sua vez, recebe os gêneros avariados e com grandes faltas; como sejam: sacos de arroz com falta de 20 litros e mais, o que também acontece com o feijão, farinha e açúcar, caixas de sabão com dois, três e quatro páos [sic] de menos, caixas de velas com dois e três pacotes de menos, canudos com falta de dois e três queijos, o que acontece sempre, e caixas de querosene vazias e até com falta de uma lata.
Ora, Sr. Presidente, se fosse uma queixa singular, poder-se-ia atribuí-la a algum indivíduo que tivesse má vontade à companhia: mas é um coro geral de queixas de todos os pontos servidos pela Estrada de Ferro Leopoldina. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.199)
Em outra oportunidade, como podemos verificar no seguinte discurso, a Companhia Oeste de Minas também é alvo de críticas do senador Affonso Penna:

Tenho notícia, Sr. Presidente, que a linha da Oeste não é cercada, e como atravessa vastos campos de criação é muito frequente o encontro de animais pelas máquinas, e consequente prejuízo dos fazendeiros. A este respeito existe o decreto N.1930 de 26 de abril de 1857, com força legislativa. Este decreto prescreve nos arts. 2, 3 e 4 que as linhas serão fechadas. Entretanto, ninguém ignora que, salvo a linha da Estrada de Ferro Central, todas as estradas de ferro mineiras não se acham fechadas.
[...] Continuamente são sacrificados animais dos proprietários e as companhias não os indenizam desses prejuízos. Entretanto, por força do direito, as companhias incorrem em multa e além disso são obrigadas a indenizar os proprietários pelos danos causados. Não é só o prejuízo material, mas também o perigo da vida dos passageiros. Não poucas vezes temos tido notícia de desastres por encontro de animais na linha, causando ferimentos e mortes em passageiros. (Apoiados). É preciso que clamemos e reclamemos constantemente, cotidianamente, a fim de obrigar as companhias ao cumprimento de seus deveres, oferecendo aos passageiros a segurança a que têm direito, e aos proprietários das terras, que circundam a estrada, garantia para sua propriedade. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.315)

Além dos problemas inerentes aos empreendimentos ferroviários, era comum a celebração de contratos entre governo e companhias de estradas de ferro que não se materializavam, como podemos observar no discurso do senador Camillo Augusto Maria de Brito:

Entretanto, aliado à escola que vê o progresso no desenvolvimento das estradas de ferro, não posso deixar que, sem os meus protestos, corra à publicidade o discurso do nobre senador Costa Sena. O relatório do ilustrado e honrado ministro da agricultura vem nos demonstrar, cheio de minuciosas e importantes informações que, apesar de grande número de concessões feitas até hoje, durante o ano de 1892, somente foram construídos e abertos ao tráfego 126 quilômetros de estradas de ferro, sendo 73 da Oeste, 42 da Bahia e 11 da Sapucahy. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1893, p.60)

O Estado, além de subvencionar a construção das ferrovias, acabava por custear sua construção e funcionamento devido às falências das companhias ferroviárias, assumindo cada vez mais a responsabilidade e o ônus da modernização dos transportes.  O discurso do senador Joaquim Candido da Costa Senna é elucidativo quanto a essa questão:

Lembremo-nos de que temos necessidade de uma viação racional, lembremo-nos que é tempo de combater este açodamento com que temos marchado relativamente a concessão de vias férreas, tornado quase impossível a organização de um sistema razoável de viação, pela multiplicidade de privilégios concedidos sem método nem plano. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1893, p.81)

Portanto, como resultado da avaliação dos discursos, verificamos que na expectativa dos senadores a expansão ferroviária era uma de suas principais preocupações, sendo considerada como meio de acesso rápido ao progresso por promover o aprimoramento econômico e social. Entretanto, também nos discursos produzidos pelos senadores também percebemos grande contrariedade ao processo de instalação e expansão da rede ferroviária mineira. Eram comuns reclamações por parte dos políticos sobre a atuação das companhias ferroviárias e as práticas de subvenção e concessão de recursos realizadas pelo governo.

Conclusão

A análise da construção das ferrovias no estado de Minas Gerais permitiu perceber um contraste entre as construções idealizadas sobre a locomotiva como fomentadora da civilização pelo interior do país e a realidade dos empreendimentos ferroviários executados. A ausência de planejamento estratégico do governo, articulada à dependência tecnológica estrangeira, acarretaram nos “problemas que impediram um desenvolvimento substantivo do transporte ferroviário” em Minas Gerais (LIMA, 2009, p.59).
A metáfora alusiva ao trem como símbolo da modernidade e do progresso integrava a munição retórica que avivava as discussões dos senadores mineiros durante as sessões plenárias. Em concordância com os estudos de Simone Lessa, percebemos que a política ferroviária mineira foi marcada por “descaminhos, especulações, interrupções e recomeços” derivadas da falta de critérios do Estado para o planejamento da instalação dos trilhos. Ao longo de sua trajetória, o sistema ferroviário mineiro esteve associado a “interesses políticos e econômicos conflitantes, mostrando-se sempre como um bom recurso de retórica quando alguma autoridade queria mostrar-se afeita ao progresso e desenvolvimento” (LESSA, 1993, p.63).
Ao recorrerem a exemplos vivenciados em diversos países para definir seus repertórios sobre a política do transporte ferroviário, os senadores demonstraram que o campo da experiência vivida não se restringe à experiência pessoal. O vivido pelo outro pode ser apropriado como experiência própria para a definição de projetos, de horizontes de expectativas (KOSELLECK, 2006). Seus discursos revelaram que a busca pela modernização – rápida – utilizou como critério as experiências vislumbradas nos núcleos sociais considerados modelos. Os senadores mineiros, nesse sentido, apropriaram-se dos repertórios dos projetos ferroviários empregados pelas sociedades civilizadas, para delimitá-los e aplicá-los conforme as peculiaridades da realidade mineira. O senador Affonso Penna, ao debater a questão referente à responsabilidade do Estado sobre a instalação das ferrovias em Minas Gerais, recorre em seu discurso aos exemplos oriundos dos países considerados civilizados:

Sr. Presidente, V. Exc. não desconhece que há um grande debate entre publicistas e economistas sobre o melhor sistema a adotar, quanto a construção e a exploração das estradas de ferro; se deve ser confiada à administração do Estado, ou aos cuidados da indústria particular. É questão que dividi profundamente as escolas econômicas. Que é assunto intimamente ligado a interesses de ordem pública ao qual não pode ser indiferente o fato de em todos os países, os governos se reservarem à intervenção direta e imediata, na fiscalização das companhias que tomam para si a exploração das estradas de ferro. Mas, Sr. Presidente, são destas teses que não podem ser resolvidas de modo absoluto, como tantas outras do regime econômico. Para receberem a solução conveniente é preciso ter em vista as condições especiais de cada um dos países, onde a questão é ventilada, e tem de receber aplicação prática.
Srs., se recorremos ao regime vigente, nos diversos países da Europa, encontraremos os dois sistemas francamente pronunciados. De um lado, de modo absoluto, está a Inglaterra, onde são feitos estes serviços por companhias particulares, sem favores do governo, reservando-se este o direito de fiscalização das mesmas. Até certo ponto, a França depois de sérios debates no parlamento, durante o reinado de Luis Filipe, adotou o sistema de companhias subvencionadas, com garantia de juros. Em 1878, o atual presidente do conselho, Freycinel, apresentou um vasto programa, abrangendo o projeto de construção de grande número de vias férreas, complementares da rede francesa, por conta do Estado. Há, portanto, na França, por assim dizer, o regime misto. Mas não se deve desconhecer que em alguns importantes governos, como o da Alemanha, e principalmente da Prússia, as vias férreas são exploradas pelo Estado. Igualmente na Bélgica e na Rússia o maior número de linhas férreas são possuídas pelo governo. Na Áustria, onde se tentou o regime das companhias, vai predominando a ideia de serem estas chamadas para as mãos do governo e isto principalmente na rede férrea da Hungria. A Itália, por motivos políticos, teve até de desapropriar vastas redes de vias férreas na Lombardia. [...] Nos Estados Unidos prevalece o sistema de exploração de linhas férreas por particulares, recebendo estes favores do Estado, como sejam terras devolutas, e mesmo subvenções em dinheiro, como aconteceu com a grande linha que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico.  Na Austrália, país novo, colônia da Inglaterra, prevalece o sistema de viação férrea administrada pelo Estado. Pelo rápido esboço que acabo de fazer vê-se que os dois sistemas têm sido adotados por países novos e antigos, colocados em diversas condições. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p.516-517)

 Os discursos dos políticos de Minas Gerais, proferidos nas sessões do Congresso Mineiro, revelaram suas expectativas e suas decepções sobre a expansão das estradas de ferro no estado. Desse modo, “ao longo de toda a era ferroviária mineira, vozes dissonantes alertaram para o padrão de expansão que se adotava, [e] observou-se certo véu alienante que manteve a crença nos supostos benefícios imanentes à ferrovia até meados do século XX” (BATISTA; BARBOSA; GODOY, 2016, p.06).
A ferrovia gerou o progresso por onde passou, mas este progresso esteve muito aquém das expectativas mantidas pelos políticos mineiros. A modernidade não surgiu como uma ruptura com a realidade anterior; ou seja, o progresso e a modernização mineira não corresponderam aos anseios dos senadores nem à imagem projetada pela retórica de seus discursos.  Estes descortinaram suas decepções e preocupações com os rumos que a organização da rede ferroviária mineira seguiria, entre os quais podemos destacar os discursos dirigidos contra a organização da Companhia Leopoldina e da Estrada de Ferro Oeste de Minas, por exemplo.
Os impactos negativos vislumbrados nos discursos dos políticos e nas referências às notas de jornais e reclamações da população se assemelham à análise realizada por Marshall Berman sobre as conturbações espirituais e materiais presentes na modernização social (BERMAN, 2011). Os políticos, como interlocutores do progresso, se reconheciam como arautos do desenvolvimento econômico, da modernização e da civilização, ideais de um projeto que teria sua realização possibilitada pela chegada das ferrovias aos rincões de Minas Gerais. Entretanto, apesar do consenso entre os políticos mineiros sobre as ferrovias, idealizadas como elo central para o progresso econômico, há um desajuste entre suas expectativas e as características apontadas na instalação das redes ferroviárias em Minas Gerais. As locomotivas, nesse sentido, não corresponderam à desejada transformação das regiões mineiras que, distantes dos centros urbanos, deveriam romper com sua situação de atraso econômico e social.
A postura dos senadores em defesa do apoio financeiro do Estado às companhias ferroviárias, em manter e ampliar seus serviços, demonstrou sua forte crença na expectativa do progresso alcançado pelos caminhos de ferro. Para eles, o trem, aliado ao ideal de trabalho e dinamização da economia, seria uma das construções ideológicas referentes ao progresso, civilização e modernização da sociedade. A locomotiva seria responsável pelo escoamento da produção, pela ocupação de territórios desabitados e a consequente descoberta e aproveitamento das potencialidades econômicas dessas regiões.
Os problemas gerados pelas estradas de ferro adquiriram um significado além da sua situação financeira precária: representaram a decepção dos políticos com o ideal modernizador encetado pelas estradas de ferro. Os políticos mineiros, entretanto, ao mesmo tempo em que apontavam os problemas gerados pelas companhias ferroviárias e as dificuldades financeiras enfrentadas, indicavam a importância do transporte ferroviário para o engrandecimento mineiro e continuavam a apoiar as práticas de concessão de privilégios e subvenção para outras companhias de estradas de ferro. Percebemos que seu pensamento desenvolvimentista observou as experiências históricas de outras localidades, de onde retirou modelos, repertórios e planejamentos para adequar à realidade mineira e nacional.
A reboque das locomotivas viriam o incremento à indústria, a dinamização do comércio e a civilização dos costumes. Prevalecia a crença de que as locomotivas fomentariam o desenvolvimento econômico e social por onde passassem, sendo ela forte o suficiente para não paralisar as práticas de aprovação de concessões e subsídios realizadas pelos políticos mineiros. Apesar dos problemas constatados, eram evidentes os sinais de melhoria que o transporte ferroviário gerou para a dinamização da economia e facilitação das comunicações.  A ferrovia permitiu que a produção fosse transportada de um modo mais seguro, mais rápido e em maior volume. Por onde os trilhos passavam o comércio era incrementado e as cidades do interior, ligadas aos centros urbanos, passavam a comungar de novos padrões culturais. As ferrovias possibilitaram certo desenvolvimento econômico, por meio das trocas comerciais.
Na concepção dos senadores, o trem, apesar dos problemas de sua instalação e precariedade dos serviços prestados pelas empresas ferroviárias, permaneceu associado às expectativas de progresso, mesmo não sendo realizado o desejo de se implantar uma vasta rede ferroviária no território mineiro e promover rapidamente o desenvolvimento econômico e social. As críticas dos políticos mineiros aos empreendimentos ferroviários demonstraram sua frustração em relação à ideia de modernidade contida na imagem do trem associada a diversos fatores, tais quais a má administração pública, incúria, falta de fiscalização por parte governo, ausência de método na distribuição de concessões e subvenções do governo, entre outros fatores.
O progresso foi trazido pelo trem, mas com velocidade muito pequena, dentro de uma ordem pré-estabelecida, conforme a organização conservadora das elites políticas mineiras. O trem símbolo do progresso do século XIX e início do século XX não teve o impacto entre os mineiros que, ao sonharem em implantar uma vasta rede ferroviária no território, desejaram que ela promovesse rapidamente o desenvolvimento econômico e social. O tão almejado engrandecimento mineiro não veio conduzido pela força do trem. A precariedade dos serviços e os prejuízos de investimentos desvelaram um cenário de decepção ante as expectativas dos senadores mineiros sobre as companhias de estradas de ferro, que causaram problemas aos seus usuários e resultaram em significativos gastos do erário público na distribuição de subvenções e concessões.

Notas de Rodapé

  1. Este texto é um dos resultados da pesquisa de mestrado de Bárbara B. P. Lima, intitulada “Affonso Penna e os repertórios do engrandecimento mineiro: instrução profissional, ferrovia e ideário republicano (1874-1906)”, realizada no Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), sob orientação do Prof. Dr. Irlen Antônio Gonçalves e co-orientação do Prof. Dr. James William Goodwin Jr.
  2. Em Minas Gerais, após a implantação do regime republicano em 1889, foi instalado o Congresso Mineiro, composto por Senado e Câmara dos Deputados, que passou a exercer o poder legislativo estadual. Instituição representativa das oligarquias dominantes da época, o Senado tinha o objetivo de organizar a administração pública e fomentar o engrandecimento mineiro, por meio do desenvolvimento econômico e social, tendo em vista as ideias de progresso, de ciência e de civilização (PENIDO; GOODWIN JÚNIOR, 2014).
  3. Por representação compreendemos a definição expressa por Roger Chartier. Para o autor as representações sociais comportam códigos, razões, finalidades e destinatários particulares. Sua proposição, expressa no seguinte excerto, fornece o entendimento necessário para percebermos o significado de representação: “As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. [...] As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio. Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é, portanto, afastar-se do social – como julgou uma história de vistas demasiado curtas –, muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais” (CHARTIER, 1990, p.17).
  4. Cláudia Viscardi definiu as elites políticas mineiras segundo os indivíduos que ocupavam cargos no Executivo e no Legislativo estadual e federal na Primeira República (VISCARDI, 2012). Sob perspectiva semelhante, o conceito de elites, formulado por José Murilo de Carvalho refere-se aos grupos especiais de elite, marcados por características que os distinguem tanto das massas como de outros grupos de elites, de acordo com o critério de posição (CARVALHO, 2013). Para Otavio Dulci, “a elite política e a elite agrária remontam a uma estrutura socioeconômica tradicional, em que predominavam as atividades rurais” (DULCI, 1999, p.107). Neste trabalho, o conceito de elite será utilizado para designar os ocupantes dos cargos na administração pública no cenário mineiro e nacional.
  5. A ideia de cultura política é descrita como o conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas compartilhadas por determinado grupo, que expressa uma entidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro.  Para um estudo aprofundado ver MOTTA, 2009.
  6. A cidade de Diamantina teve que esperar, porém, até 1914 pela conclusão das obras de construção da linha férrea (GOODWIN, 2015, p.278).
  7. Para alcançar o progresso econômico e social, os políticos mineiros partilhavam a ideia de retirar o Estado de sua situação de atraso, assinalada pela crença na estagnação econômica e demográfica de Minas Gerais.  Otavio Soares Dulci afirma que a concepção de atraso estava vinculada à comparação com a imagem do passado de riqueza e prestígio, durante a exploração aurífera. Essa percepção também estava ligada à equiparação do avanço econômico vivenciado por outras regiões do país, especialmente São Paulo. Para John Wirth, Minas Gerais não experimentou um período de estagnação, mas sim um crescimento descontínuo e moderado (WIRTH, 1982). Na asserção de Otávio Dulci, “o contraste entre esse crescimento moderado e a mais rápida expansão de outras áreas” é que definiria a ideia de declínio mineiro em relação ao cenário nacional, corrente nas declarações e textos produzidos pelos grupos dirigentes do estado mineiro (DULCI, 1999, p.38-39). Após o declínio da atividade aurífera, a economia de Minas passou por processo de diversificação de suas bases produtivas, voltada especialmente para o abastecimento interno.

 

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*Mestre em Educação Tecnológica/CEFET-MG. Profª. da E.E. Prof. Caetano Azeredo (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil). Historiadora atuante na área de Patrimônio Cultural e pesquisadora de história econômica. E-mail: bragapenido@gmail.com

Recibido: 04/05/2018 Aceptado: 27/06/2018 Publicado: Junio de 2018

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