Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


FORMAÇÃO DA AVIAÇÃO COMERCIAL NO BRASIL: CONSTITUIÇÃO EMPRESARIAL E A CENTRALIDADE DO ESTADO (1927-1975)

Autores e infomación del artículo

Daniel Strauss*

Mestrando em Economia e Desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

daniel.strauss@outlook.com.br

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Resumo
A análise presente neste artigo pretende refletir sobre a os caminhos e estratégias adotadas para a formação do mercado de aviação comercial no Brasil. O resgate dos determinantes passa, necessariamente, pelo debate do papel do Estado na constituição de mercados e sua atuação no desenvolvimento nacional. Para constituir tal debate, Marx, Schumpeter e Keynes são fundamentais para entender como se constitui um mercado e como o Estado se relaciona com o setor privado. Análises de constituições das principais empresas e do setor privado também estão contempladas.
Palavras-chave: Aviação comercial, história da aviação, desenvolvimento econômico, aviação brasileira, história empresarial.

Abstract
This papper elaborates on the paths and strategies adopted for the formation of the commercial aviation market in Brazil. The determinants necessarily involves the debate on the role of the state in the constitution of markets and its role in national development. To constitute such a debate, Marx, Schumpeter, and Keynes are fundamental keys to understand how a market is constituted and how the state is related to the private sector. Analysis of constitutions of the main companies and the private sector are also contemplated.
Keywords: Commercial aviation, history of aviation, economic development, brazilian aviation, business history.

JEL: O14

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Daniel Strauss (2018): "Formação da Aviação Comercial no Brasil: constituição empresarial e a centralidade do Estado (1927-1975)", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (marzo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2018/03/mercado-aviacion-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1803mercado-aviacion-brasil


INTRODUÇÃO

O presente artigo elabora sobre como a aviação comercial se forma historicamente no Brasil, um país com característica economicamente periférica e dependente de economias dominantes imperialistas. Essa formação passa em primeiro lugar pela subordinação ao capital Alemão, e sua tecnologia aeronáutica, e em segundo lugar pelo Estado, cuja influência na tentativa de regulação e de direção do setor fora promovida com vias estratégicas de desenvolvimento e integração nacional, mas nunca de forma a superar a falta de autonomia e sempre mantendo as mesmas relações estruturais com as economias dominantes, primeiramente a alemã, e em seguida com os EUA.
A formação do mercado de aviação comercial é um motor que impulsiona o desenvolvimento de economias nacionais. No Brasil, país com escalas continentais, esse setor possibilita expansão, integração, monitoramento, suprimir necessidades, ao utilizar o avião: um veículo de velocidade e alcance à regiões de difícil acesso. Entender como ocorre essa formação e os fatores determinantes do seu desenvolvimento oportuniza pensar na manutenção e superação dos obstáculos geográficos.
No Brasil, observa-se que o Estado sempre teve, em maior ou menor grau, um papel atuante neste setor. Desde o início dos anos 1930 com a formação de regulações que legitimam a atuação empresarial privada, até os largos subsídios e incentivos ao investimento no setor.
O artigo trabalha então com a faísca que deu origem à aviação no Brasil em 1927 com a atuação e formação das primeiras empresas: Condor e Varig. Passa pelas épocas de regulamentação e consolidação nas décadas de 1950-60, e finaliza com o ano de 1975, pois este ano marca o ponto em que a Varig, maior empresa aérea, absorve a segunda maior, Cruzeiro do Sul, e torna-se hegemônica no setor, transformando suas características.
O artigo em sua segunda seção trabalha as relações de desenvolvimento econômico e o papel do Estado na formação de um setor nacional de aviação comercial. Com foco no papel da guerra e das disputas imperialistas para essa fomentação, e como se insere o Estado como propulsor, ao incentivar a burguesia a investir num setor pouco rentável e com altos riscos.
A terceira seção reconstrói os princípios da aviação nacional com destaque às primeiras leis de regulamentação do setor. O Estado possui neste ponto interesse em legitimar e fomentar as primeiras empresas aéreas. Posteriormente, a seção aborda essas primeiras empresas e sua história de formação.
A quarta seção remonta o período de regulação e consolidação do setor. Neste ponto observamos as conferências nacionais para discussão entre os interesses do empresariado e a forma como o Estado iria atender à essas reivindicações. Não se formou neste período, apesar de se ter considerado a ideia, uma empresa aérea estatal, mas consolidam-se as posições de oligopólio das empresas privadas existentes.
A quinta seção levanta o império que se tornaria a VARIG, mostrando como suas ligações com a Ditadura Militar Brasileira possibilitaram sua posição de principal empresa do setor, dominando os voos internacionais e com participação em 35% nos voos domésticos.
Apesar dessa formação oligopolista fortalecida pela posição atuante do Estado, não se observa que uma concorrência mais livre, como a estabelecida anteriormente, pudesse evitar a formação de oligopólios, pelo contrário, essa formação ainda existe e impede o acesso desse serviço à áreas menores que seriam pouco rentáveis ao capital.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E ATUAÇÃO DO ESTADO NA AVIAÇÃO COMERCIAL

As relações entre aviação e desenvolvimento econômico relaciona mobilidade de pessoas e mercadorias com suprimento de necessidades regionais. A agilidade possibilitada pelo avião reduz barreiras geográficas e intensifica integrações nacionais e internacionais. Países com dimensões continentais, como o Brasil, esse processo é ainda mais visível, afinal permitiu agilidade para atingir regiões mais remotas, agilidade no transporte a longas distâncias e até melhor proteção das fronteiras.
Anderson (1979) aponta o interior do Brasil, por exemplo, como uma economia rudimentar cuja falta de transporte impedia um projeto de desenvolvimento mais audacioso. A expansão da fronteira agrícola só se torna possível mediante melhoramento dos transportes. Nesse sentido, a aviação cumpre, no pós-guerra, o mesmo papel que a ferrovia, outrora cumpriu na economia dos Estados Unidos, isto é, revolucionando os mercados e a forma de interagir com eles.
Importante ressaltar que não se trata apenas de transporte de mercadorias, mas também de cultura e capital intelectual. Jornais, filmes, remédios entre outras mercadorias necessárias à reprodução do capital, ideológicas ou físicas indispensáveis à reprodução da cada vez mais ampliada da força de trabalho. O tripulante era responsável por transportar consigo (além de cargas para cidades menos acessíveis) ideologia, as leis, a literatura. Os recados das metrópoles poderiam ser transportados ao interior. (ANDERSON, 1979)
A aviação comercial só obteve avanços significativos após inovações tecnológicas necessárias. Para isso, os investimentos da indústria bélica, realizados ao longo da primeira guerra mundial, foram fundamentais para transformação das aeronaves mais simples em poderosos meios de transporte.

O transporte aéreo começou com o término da primeira guerra mundial. Redes de rotas domésticas se espalharam pela Europa e Estados Unidos para aproveitar o desenvolvimento da tecnologia aeronáutica e as facilidades da fabricação de aeronaves que tinha ocorrido durante a primeira guerra. (Anderson, 1979: 39).

Hobsbawm (1988: 36) sugere a mesma conclusão ao apontar as primeiras utilidades das aeronaves, o seu uso militar:

Ambos os lados usaram os novos e ainda frágeis aeroplanos (...), fazendo experiências de bombardeio aéreo, por sorte sem grande eficiência. A guerra aérea (...) atingiu a maioridade na Segunda Guerra Mundial, notadamente como um meio de aterrorizar civis.

A contradição no modo de produção capitalista de desenvolvimento da indústria de destruição massiva de capital e força de trabalho como motor da inovação tecnológica não é inédita para a aviação. A história do torno, por exemplo, como ferramenta e como organização produtiva um remonta e se liga ao desenvolvimento de Máquina Ferramentas com Controle Numérico (MFCN), considerada pela Comissão Nacional de Tecnologia, Automação e Progresso Econômico dos Estados Unidos o mais significativo aperfeiçoamento tecnológico fabril desde o conceito de linha de montagem. Sobre isso, Vieira (1989: 177) aponta:

Basicamente a MFCN é a máquina-ferramenta convencional em que o comando das operações é realizado por um computador a ela acoplado. [...] Este sistema foi primeiramente tentando por John Parsons para usinar hélices para helicópteros da Força Aérea Norte-Americana. Parsons usava a computadores para situar os furos, quando teve a ideia de usá-los para posicionar a furadeira. Tomando conhecimento da iniciativa, a Força Aérea contratou o Instituto de tecnologia de Massachussets para desenvolver a ideia de Parsons. Ao fim da década seguinte, em 1958, as primeiras Máquinas Ferramentas com Controle Numérico foram apresentadas a técnicos e empresários do setor de máquinas-ferramentas.

Nesse sentido, o foco no empresário inovador schumpeteriano dá lugar fundamentalmente ao Estado como promotor da inovação. A importância dos investimentos Estatais sob a ótica militar auxiliam nas contra-tendências dos ciclos econômicos além de exercerem, sob outras nações, poder político de influência capaz de expandir os mercados nacionais.

A época do imperialismo não se caracteriza pela falta de capital, mas por um relativo excedente de capital. O investimento militar, agora, exerce o papel extremamente útil e cada vez mais essencial de “mercado alternativo” [...] A época imperialista esta caracterizada pela produção de armas e pela corrida armamentista. Esta é a época do militarismo generalizado e de ideologias que justificam e glorificam o militarismo. É a época do “Estado forte”. (MANDEL, 1995: 39)

Mandel (1995: 39) prossegue ainda sua argumentação do que é o desenvolvimento armamentista refinando seu papel central:

Mas a corrida armamentista e o militarismo não são fins em si. Eles têm uma função sócio-política precisa na sociedade capitalista. O “Estado forte” é um instrumento nas mãos de cada potência imperialista, através do qual cada uma busca consolidar e estender a sua fatia do mercado mundial. Ele é, em última instância, um instrumento para resolver à força conflitos interimperialistas. Torna possível a conquista e manutenção de colônias. Possibilita a divisão do mundo entre Estados imperialistas por um lado, e colônias e semicolônias pelo outro. Possibilita que o capital monopolista, em uma época de radicais e crescentes conflitos de classe empregue a força bruta para quebrar a unidade do movimento operário organizado. [...] A crescente suscetibilidade do imperialismo/capitalismo monopolista à crise, força o capital monopolista a buscar uma saída para a crise através da contra-revolução e da guerra.

Isso não foi diferente na aviação comercial, os avanços tecnológicos promovidos pela corrida armamentista em seus primeiros anos proporcionaram a válvula para a sua expansão pelo mundo. Avanços por exemplo na aerodinâmica, com a mudança na disposição das hélices (passaram a ser localizadas na frente da aeronave), aviões se tornaram mais rápidos, manobráveis e sua produção aumentou para larga escala. Ferreira (2017) aponta que esses desenvolvimentos tecnológicos proporcionaram construções de aeronaves mais seguras e confortáveis, uma vez que em fase anterior a guerra acidentes eram comuns e os custos tornavam aviação comercial inviável ou pouco rentável.
Para além dos equipamentos e tecnologias desenvolvidos e impulsionados pela indústria bélica, as instituições e os investimentos realizados pelo Estado vão mais adiante. O Estado brasileiro, por exemplo, participou desde isenções fiscais a empresas até controle acionário de algumas delas.
Não apenas em países periféricos a atuação Estatal é fundamental para a manutenção do setor. Por motivos estratégicos desenvolvimentistas ou necessidades de independência econômica, alguns dos países centrais também adotam o Estado como força motriz impulsionando o setor através de empresas públicas ou de forma mista.
A proposta de que somente o empresariado brasileiro seria dependente do Estado para o mercado da aviação não se sustenta. Todo setor aéreo mundial, em maior ou menor grau, é dependente do Estado, seja por proteção tarifária ou formação de empresas públicas.

Em países desenvolvidos, governos encaram o setor aéreo como estratégico e não hesitam em ter grandes companhias estatais.
Air France: Fundada em 1933 e estatizada pelo governo da França em 1946. Em 1999, parte da Air France foi privatizada, mas o Estado manteve 62% das ações. Em 2003, comprou a holandesa KLM por US$ 914 milhões e tornou-se a segunda maior empresa aérea do mundo.
British Airways: Nasceu em 1935. Antes da Segunda Guerra Mundial, o governo britânico a fundiu com a Imperial Airways e as estatizou. Em 1987, a empresa foi privatizada novamente e adquiriu as concorrentes British Caledonian e Dan Air.
Iberia: Fundada em 1927. Em 1928, fundiu-se com a Ceta e a Unión Aérea Española e formou a Classe. Em 1946, tornou-se a primeira companhia aérea da região a ligar o continente europeu à América do Sul. No início de 2000, parte da empresa foi privatizada. [era 51% pertencente ao Estado Espanhol e em 2001 foi totalmente privatizada].
[...] Alitalia: Criada em 1946 como uma empresa do governo italiano, da inglesa BEA e de investidores privados. A aliança com a KLM/Northwest, a partir de 1998, deveria resultar na criação de uma empresa nova e unificada (Wings), mas foi abandonada em 2000. (GOMEZ & STUDART, 2006).

Anderson (1979: 22) destaca, ainda, a influência reguladora do Estado sobre o transporte aéreo presente em todos os países. Nenhuma companhia pode negociar sem apoio do governo, tratando-se de rotas, direitos de tráfego e frequências. Nem mesmo nos Estados Unidos, onde a aviação assumiu caráter particular, essa situação se mostrou diversa:

Talvez não exista nenhuma indústria nos Estados Unidos de semelhante tamanho e importância cujo desenvolvimento seja tão minuciosamente moldado pelas forças do governo como a aviação comercial. A partir do seu verdadeiro inicio, a indústria tem sido alimentada pela dádiva do governo e sobrecarregada por regulamentação do governo. [...] O governo tem fornecido à indústria apoio e proteção paternais enquanto põe em atividade, por sua vez, uma forte medida de controle paternal.

O empresário capitalista é avesso aos riscos de um investimento deste porte (KEYNES, 1996). O mercado de aviação civil requer grandes investimentos iniciais e o retorno pode ser lento. Dessa forma, o governo deve-se fazer presente se se pretende desenvolver o setor.
A margem de lucro da empresa aérea gira em torno de apenas 3% devido a “sua mão de obra é especializada e, portanto cara, e os custos com peças e aeronaves são bastante elevados” (HELMS, 2010: 37). A aviação é um negócio pouco rentável e, portanto, não havendo interferência direta do governo o setor aéreo seria extremamente debilitado com baixa oferta de serviços e a concentração monopolística se mantém.
Além disso, Helms (2010: 36) destaca que, o setor aéreo comercial, seria: ”[...] altamente especifico e tem características muito particulares em relação aos outros setores da economia, pois está sujeito às mudanças político-econômicas internas do país, assim como é suscetível a diversos fatores externos.”.
Fay (2003) destaca ainda: “Percebemos que as mudanças na ordem mundial também provocam mudanças na política aeronáutica do mundo.” (FAY, 2003: 193). O Estado não pode contar somente com a fortuna ou a benevolência de empresários num setor que tão estratégico e que sofre com diversas influências tanto com relação às politicas nacionais quanto as internacionais. As crises do petróleo, políticas de congelamento de preços, tragédias como o 11 de setembro influenciam diretamente as empresas aéreas, por exemplo.
Portanto, o papel do Estado dentro do setor aéreo é mais que uma função de deixar que as forças de mercado atuem por uma “mão invisível”. Para que se desenvolva uma atividade civil aérea coerente o Estado tem de intervir com vigor. O Estado deve assumir o controle do setor aéreo como um setor estratégico para o desenvolvimento econômico, estatizando as empresas. Apesar disso, o Estado capitalista, enquanto função de submeter à classe trabalhadora aos interesses da burguesia, não o faz.

PRIMEIROS PASSOS DA AVIAÇÃO BRASILEIRA (1927-1949)

A aviação comercial brasileira tem início quase uma década após o término da primeira guerra mundial. Em 1927 decola do Rio de Janeiro, com destino a Florianópolis, o voo que daria o pontapé às operações da aviação comercial no Brasil. A empresa Alemã, Condor Syndikat, que conduziu este voo, tinha por objetivo expandir as vendas de aviões e material alemão no exterior estudando a possibilidade de tráfego aéreo civil na América do Sul e Central. (ANDERSON, 1979).
O interesse de expansão comercial Alemão para América começa em 1919 quando um dos fundadores da Condor Syndikat, Peter Paul von Bauer, funda a empresa colombiana Sociedad Colombo-Alemana de Transportes Aéreos (SCADTA), segunda empresa civil aérea a ser fundada no mundo e a primeira do continente americano.
Através da SCADTA, a Alemanha tentou expandir seu controle sobre o trafego aéreo americano com uma rota para os Estados Unidos, sendo impedida por falta de autorização do governo. Esse fato motivou as empresas a buscar novas alternativas, então, a solução encontrada fora buscar os mercados latino-americanos para sustentar o nascente setor.
No Brasil, menos de um mês após o voo inaugural, o então ministro da viação e obras públicas, Vitor Konder, muito impressionado com a alta tecnologia do bimotor alemão, assina a autorização para que a empresa desenvolva suas atividades em solo brasileiro. A Condor Syndikat passaria a atuar no mercado com a linha Porto Alegre – Rio de Janeiro com extensão, ainda, de 160 milhas para o Rio Grande (RS), que mais tarde seriam transferidos a Varig. (ANDERSON, 1979).
A expansão do setor na América Latina e no Brasil, pelo capital alemão, está relacionado às restrições que a Alemanha sofria na Europa em virtude da derrota na primeira guerra:

Restritos pelos Aliados nas suas atividades aeronáuticas na Europa, a Alemanha patrocinou operações locais organizadas como companhias nacionais na América Latina, o que assegurou um tratamento mais simpático dos países latinos. (ANDERSON, 1979: 39).

A Alemanha, para recuperar-se da crise pós-guerra, precisou usar-se do imperialismo e expandir seu mercado no exterior. A ideia era realizar a venda de suas mercadorias e serviços adquirindo um superlucro no processo. Schumpeter (1984) destaca que isso é possível pelas próprias condições da concorrência, a busca empresarial é por atingir situações de monopólio para garantir lucro extraordinário.
A expansão desses mercados está além das posições de Schumpeter, pois não representaram apenas um caráter de decisão do empresarial, mas fizeram parte de um projeto estratégico de combater o colapso econômico. Marx (1974) aponta que a busca desse superlucro está relacionada à tomar medidas anticíclicas e romper com a crise. Tratava-se, então, de entrar em competições com empresas estruturadas, com custos viáveis e onde a concorrência seria muito baixa ou inexistente durante período de tempo prolongado.
Ribeiro (2008) apresenta ainda como argumento a migração Alemã como fonte de uma formação cultural que levou as primeiras empresas brasileiras (ambas de capital Alemão) a se instalarem na região sul, na qual a migração ocorreu de forma mais intensa.

Em meados do século XIX a América do Sul recebeu um grande contingente de imigrantes alemães, que formaram uma minoria importante e de grande atuação no cenário econômico americano, atuando como comerciantes, industriais e principalmente, agricultores. Estes imigrantes formaram colônias etnicamente homogêneas, mantendo escolas e instituições próprias, além de grande intercâmbio com a Alemanha, mantinham-se integrado com a sociedade. (RIBEIRO, 2008: 32)

Este elemento pode ter sido de fato um meio facilitador, mas o determinante, ainda, era a necessidade material de expansão econômica Alemã, que não poderia ser feita pela Europa. O fato de imigrantes Alemães se instalarem no Brasil no século XIX formou instituições que facilitaram a entrada de capital Alemão tanto pela questão ideológica nacionalista quanto pela questão de conhecimento maior de mercado.
Dadas as condições e o capital para atuação setorial, em 1927 a empresa Sindicato Condor, nome que ganhou a Condor Syndikat no Brasil. Pouco tempo depois, o empresário Alemão Otto Ernest Meyer que observara a grande oportunidade de investimento que se abria no mercado brasileiro para a aviação e, com apoio da Condor Syndikat (BIELSCHOWSKY e CUSTÓDIO, 2011), começa a atuar no setor aéreo brasileiro em 1927 com a linha Porto Alegre – Rio Grande (RS), com escala em Pelotas. Apenas em 7 de maio de 1927 a companhia seria oficializada a com o nome de Viação Aérea Rio Grandense (VARIG).
A consolidação do setor começa a partir da década de 1930, quando as primeiras regulamentações do Estado e o surgimento de novas companhias disputando o setor, que ainda se manteve altamente concentrado. Com destaques para Panair, originada da americana Pan American:

[...] a NYRBA [New York-Rio-Buenos Aires Line] fundada em 1929 por um empresário americano, enfrentou dificuldades de financiamento após o Crash da Bolsa e não obteve auxílio do governo americano, sendo então absorvida pela Pan American Airways (Pan Am). Já sob o controle da Pan Am, a NYRBA teve sua razão social alterada para Panair do Brasil, e ao longo do tempo a empresa recebeu concessão para diversas rotas domésticas e internacionais. (FERREIRA, 2017: 05).

E para a VASP:

A Viação Aérea São Paulo (VASP), criada por um grupo de empresários nacionais, começou a voar em 1933, operando as linhas entre São Paulo, Ribeirão Preto, Uberaba, São Carlos e Rio Preto. Após dificuldades financeiras, a VASP foi absorvida pelo estado de São Paulo ainda em 1934. Na década de 1930, a empresa ampliou sua operação no interior de São Paulo. Em 1933 foi fundada a Aerolloyd Iguassú, que operou as ligações entre São Paulo, Coritiba, Joinville e Florianópolis, até ser vendida para a Vasp em 1939. (BIELSCHOWSKY e CUSTÓDIO, 2011: 74-75)

A concentração em monopólios e oligopólios é característica do setor dadas as barreiras a entrada dos montantes de capital a serem investidos e o baixo rendimento.  Essas barreiras, destacam Bielschowsky e Custódio (2011), são marcadas pelas inovações tecnológicas acessíveis apenas às subsidiárias de empresas estrangeiras.
Em 1931, surge o serviço da Linha Postal Militar Brasileira Rio-São Paulo. Que inicia o processo de ligação entre a aviação e os militares brasileiros, a Linha Postal Militar Brasileira torna-se uma importante companhia no cenário nacional. No mesmo ano é criado pelo governo de Getúlio Vargas o Departamento de Aeronáutica Civil criado dentro do Ministério de Transporte e Obras Públicas para estudar e resolver problemas da Aviação Civil.
Em 1932, surgem os primeiros traços da regulamentação aeronáutica. O Decreto nº 20.914, de 6 de Janeiro de 1932 é a primeira legislação para regular os serviços aeronáuticos civis. Dentre outras medidas o decreto disserta em especial acerca da soberania nacional com relação ao espaço aéreo brasileiro dando plenos poderes para que apenas o Governo Federal, por intermédio do Departamento de Aeronáutica Civil, pudesse regular a aeronáutica civil. (BRASIL, 1932).
A própria regulamentação do espaço aéreo ganha corpo jurídico em 1932, no art. 3º do mesmo decreto: “O espaço aéreo nacional é franqueado à circulação das aeronaves, com as limitações estabelecidas neste decreto e na forma dos regulamentos expedidos” (BRASIL, 1932).
Em 20 de janeiro de 1941 um dos fatos mais importantes na apreciação da aviação civil nacional é protagonizado pelo presidente Getúlio Vargas, a criação do Ministério da Aeronáutica. Procurando por apoio politico-militar e com a recente aliança com a aeronáutica americana, Vargas assina o Decreto 2961, criando tal ministério que determina o controle aéreo, agora não mais pelo governo federal, mas pelo poder militar. (RIBEIRO, 2008)

O novo ministério estabeleceu a fusão das aviações da Marinha e do Exército numa só corporação, denominada Forças Aéreas Nacionais, e que teria seu nome mudado para Força Aérea Brasileira pelo Decreto-Lei 3302, de maio de 1941, bem como incorporava as funções civis do extinto Departamento de Aeronáutica Civil do Ministério de Viação e Obras Públicas. (RIBEIRO, 2008: 48).

O que o Brasil teria, neste período, era um Estado que controlava o setor, via militares que regulamentavam o espaço aéreo. Sheller (2007) aponta que essa submissão aos militares gerava problemas, pois as próprias chefias do controle aéreo, que são escolhidas segundo a patente militar, não seguindo nenhum critério técnico.
A década de 1940 foi marcada por dois fatos que merecem destaque. Primeiro a criação do Sindicato Nacional dos Aeronautas. A Associação Profissional dos Aeronautas do Distrito Federal, constituída em 1942, deu origem ao Sindicato dos Aeronautas do Rio de Janeiro, em 1946, transformado em Sindicato Nacional dos Aeronautas, em 1947. Bem como o Sindicato Nacional dos Aeroviários (FENTAC, 201-?).
O segundo fato, também em 1942, foi a Sindicato Condor foi nacionalizada e tornou-se a companhia Cruzeiro do Sul. O desenrolar da segunda guerra e a proximidade brasileira com os EUA, inimigos da Alemanha, explicam tal ato. A empresa passaria a atuar no país e chegaria a ser a terceira maior companhia e posteriormente viraria subsidiária da VARIG na metade da década de 1970 (FERREIRA, 2017).
A composição do capital das empresas, Tabela I, mostra que o Brasil dispunha de empresas estrangeiras que controlam o mercado e os equipamentos utilizados no setor. Até a década de 1940 temos, então, os capitais americano e alemão controlando a aviação comercial brasileira.

OS ANOS 1950 E 1960: REGULAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DO SETOR E INÍCIO DOS ANOS DOURADOS

Se até a década de 1940 havia ensaios e criação de instituições para regular o setor aéreo, a década de 1950 e 1960 marca uma regulação e atuação mais direta do Estado. Conferências entre empresários e o Estado para discutir essa inserção apontam a tentativa de concretizar e consolidar o setor aéreo como importante motor ao desenvolvimento nacional.
Importante contextualizar que o período, marcado pelo fim da segunda guerra, aponta a tentativa de empresas estrangeiras, que estiveram ligadas ao conflito, tentarem realizar a venda de mercadorias bélicas adaptadas às necessidades do setor. O avião Douglas DC-3, avião bimotor cujo emprego militar, através do DC-3 Skytrain, apresentava-se muito mais rentável. Com o fim da guerra, os equipamentos e projetos foram adaptados à aviação comercial e utilizados em larga escala no Brasil. A Varig tem no DC-3 o segundo avião com mais unidades adquiridas de sua história, com 48 unidades que atuaram entre 1946-1971 (BARTOLOTTI, 2012).
Apesar do advento da segunda guerra, a VARIG manteve relações comerciais com empresas alemãs que serviram a Alemanha Nazista e da Itália com técnica e com armamentos durante a segunda guerra. A Varig adquire durante todo o período aviões de empresas alemãs como a Junkers, a Focke-Wulf, Fiat G.2 (italiana) (BARTOLOTTI, 2012).
Em 1946, elaborando a regulamentação do mercado, o governo estabelece normas para gerar critérios de concessão do transporte aéreo. O decreto 9793/46, dentre outras medidas, aponta: “As concessões de linhas regulares de transporte aéreo, ainda que não subvencionadas, serão sempre objeto de contrato com o Ministério da Aeronáutica, no qual se definam as obrigações recíprocas.” (BRASIL, 1946).
As concessões do setor ficam a cargo dos militares. Outro ponto importante do decreto encontra-se no art. 2º: “não estabelecer competição ruinosa com outra empresa;” (BRASIL, 1946). O que também irá marcar a competição no setor.
A nova regulamentação impunha critérios para as concessões das empresas aéreas considerando que de 31, em 1947, somente 17 estavam atuando. Isso gerou grande impacto no setor, uma vez que a regulação de 1932 só afirmava a responsabilidade do governo federal sobre as concessões. Isso leva em 1949 a uma nova regulamentação que estabelece:

[...] condições mínimas para criação de novas companhias de transporte aéreo proibindo o aumento do capital por subscrição pública. Exigiu-se que os organizadores arquivassem no DAC seus planos operacionais, inclusive rotas que desejavam servir em seus dois primeiros anos de existência, aeronaves a serem adquiridas e como seriam financiadas, planos de manutenção, facilidades e pessoal a ser contratado. (ANDERSON, 1979: 46).

A Tabela II explicita esse impacto dessas regulamentações no número de companhias:

Em 1958 há uma revisão das regulamentações com outras bases e critérios diferentes de 1946. Anderson (1979) destaca a abstenção da concorrência ruinosa baseado no critério de que concessões são outorgadas sem monopólio ou exclusividade, um sistema de competição que assegurasse a estabilidade econômica das concessionárias.
A dificuldade enfrentada pelo setor tornou-se mais clara no final dos anos 1950 e início dos anos 1960. A relação entre monopólio de rotas e estabelecimento de um mercado rentável na aviação foi campo de disputa e debate. Como encontrar o ponto entre abastecimento de transportes locais, ou dias e horários, com lucro pouco interessante, mas que sejam de interesse nacional ou supram necessidades relevantes?
Nenhuma empresa tem interesse em realizar rotas se os custos superarem os lucros ou se os lucros forem insuficientemente atrativos. Para garantir esse abastecimento de rotas, era preciso a intervenção direta do Estado, negociando as rotas e os horários que as empresas deverão cumprir, garantindo, em troca, que outras empresas não tenham a mesma logística, a mesma rota. A empresa teria então o monopólio sobre suas rotas.
Malagutti (2001: 4) destaca nos anos 1940 até 1960 a criação de novas 20 empresas que concentravam suas linhas em especial no litoral e ressalta: “O excesso de oferta que se estabeleceu, em relação à demanda então existente, culminou por tornar antieconômicos os vôos por elas realizados.” O objetivo seria reduzir o número à no máximo duas para exploração do transporte internacional e três no nacional.
Como então garantir rotas lucrativas e, ao mesmo tempo, impedir a formação de monopólio? Para resolver tal situação em que se encontrava a aviação brasileira nos anos 1950 e começo dos anos 1960, foram convocadas três Conferências Nacionais de Aviação Comercial (CONAC) para discutir o tema do regulamento e o papel do Estado na aviação civil. Foram organizados da seguinte forma:

 I CONAC (Conferência de Petrópolis)

A primeira conferência foi realizada em Petrópolis – RJ em 1961. O objetivo era chegar a um acordo sobre a regulamentação civil entre o Estado e os empresários do setor. A proposta básica mantida nas conferências futuras era o repúdio ao monopólio, tanto para o Estatal, quanto para o privado (ANDERSON, 1979).
Na prática o combate ao monopólio privado foi irrisório, uma vez que, ao longo dos anos 1960 e posteriormente, a concentração de mercado foi de monopólio nas décadas de 1960 até a década de 1990; e posteriormente se dividiu entre pouquíssimas empresas. Essas situações normalmente apontaram empresas que concentraram 80-95% do mercado.
A segunda proposta da conferência foi o incentivo às fusões para reduzir o número de empresas. Isso denota com mais explicitamente que o combate ao monopólio significou apenas o combate à atuação estatal. Em 1961 (apenas 3 meses antes da I CONAC) a Real, maior companhia aérea, havia sido absorvida pela VARIG, segunda maior. Do ponto de vista dos trabalhadores esta fusão criou um monopólio de fato (não de forma legal, mas de forma econômica ou administrativa) (ANDERSON, 1979).
Por fim, a I CONAC relatou ainda a necessidade de subsídios ao setor.

As necessidades financeiras da indústria foram o objetivo de uma lei de subsidio especial aprovada em 1962 e que forneceu Cr$ 4 bilhões de “ajuda de emergência”, Cr$ 4,5 bilhões para reequipamento de frota, Cr$ 1,5 bilhões para subsidiar linhas internacionais e quase Cr$ 2 bilhões para uma rede de integração nacional. (ANDERSON, 1979: 51).

II CONAC (Conferência da Glória)

Na II conferência realizada na Glória – RJ em 1963, os representantes do governo estavam apenas como observadores. Nesse momento, há uma divisão entre empresas das fatias do mercado nas quais cada empresa teria interesse de atuar e como seria feita a negociação.
Enquanto na I CONAC o foco havia sido na injeção maciça de subsídios do governo federal, esta enfatizava o aumento das tarifas para eliminar a diferença entre custos e receitas. Em outras palavras, os empresários do setor discutiam o aumento coletivo das tarifas aéreas.
Apesar de dois aumentos terem sido realizados nas tarifas em 1962, ambos de 20%, e mais cinco ajustes terem sido realizados em 1963 (25%,20%,4%,8%,24%). Isso não havia sido suficiente para resolver problemas nos lucros do setor nos anos 1960. A proposta dos empresários era um aumento imediato de 58% na tarifa e imediata implantação da tarifa móvel, a ser reajustada de 2 em 2 anos, ou com maior frequência caso as políticas do governo assim exigissem. (ANDERSON, 1979).

III CONAC

A crise financeira, pela qual a economia brasileira vinha passando, começa a apresentar recuperações em 1968 (apesar do setor aéreo só se recuperar em 1972). A nova concentração industrial apresentava a falência da Panair e a concessão de linhas europeias a VARIG.
Desde a II CONAC projetos de inserção Estatal foram mais acentuadamente rechaçados. A Aerobrás, projeto de uma companhia nacional, havia sido impedido pelos empresários.
Na III CONAC, o reforço à esse rechaço foi claro à medida que empresários exigiram que o governo federal não só proibisse que empresas estatais fossem formadas, mas também que transferisse as públicas ao capital privado. Em 1975 o governo autorizou que a VASP negociasse fusão com a Cruzeiro do Sul e a Transbrasil, com a condição que o Estado de São Paulo gerisse apenas 40% do capital da empresa. A DAC deu preferencia a VASP na aquisição da Cruzeiro, mas a VARIG rapidamente comprou a maioria das ações da empresa e tomou seu controle. Bielschowsky e Custódio (2011) chamam o período de “Regulamentação Estrita”, por marcar barreiras legais à entrada e regulamentação de preços, período que se alongaria até a década 1970.

O elevado grau de intervenção governamental na aviação civil brasileira esteve ligado, por um longo período, às necessidades estratégicas de indução do desenvolvimento nacional e da ocupação territorial, por ser considerada atividade pioneira. A grande proliferação de empresas aéreas nas décadas de 1950 e 1960 gerou um ambiente de competição predatória, cujas graves consequências foram penosamente corrigidas à custa de um grau ainda maior de intervencionismo. Estas tendências cristalizaram, nas autoridades aeronáuticas brasileiras, um compreensível receio pela liberdade mais ampla dos mecanismos de mercado (IPEA, 2010, 15).

Então, ao final dos anos 1960 temos a configuração de empresas apresentada na Tabela III:

A década de 1970 em diante nos remete a uma nova organização industrial no que tange o setor de aviação civil no Brasil. A VARIG que vinha de uma grande ascensão culmina nesta década a dominar o mercado tornando-se hegemonia, apesar de disputar o mercado nacional de forma mais concorrencial, o mercado internacional era plenamente monopolizado pela empresa dado os acordos com o governo que garantiam o monopólio das rotas internacionais.

VARIG E OS ANOS 1970

A Varig merece atenção especial na formação da aviação nacional, trata-se não apenas da primeira companhia a voar (absorveu a Condor, sob o nome de Cruzeiro do Sul em 1975) como também se torna ao final dos anos 1960 a maior companhia aérea brasileira e detém, até final da década de 1990 e início de 2000, vantagens monopolísticas sobre o setor aéreo nacional, especialmente em serviços internacionais.
Como abordado na Tabela III, até 1948 a Varig ocupava a quarta colocação no mercado com apenas 8% do mercado nacional. Isso muda a partir de 1955 quando a empresa expande seus serviços internacionalmente, com a linha Nova Iorque. Com a grande oferta de equipamentos no pós-guerra, a Varig começa o que se denominou de os anos de ouro da empresa (HELMS, 2010; BARTOLOTTI, 2012),
Os anos 1960 foram de grande crescimento da empresa. Em 1961, a Varig incorpora o consórcio Real Aerovias Nacional. Segundo Anderson (1979), a Real chegou a ser a maior companhia aérea brasileira. Ribeiro (2008: 99) afirma que a companhia contou com uma frota de 117 aeronaves divididas em: “86 DC-3/C-47, 12 C-46, 6 Convair CV-340, 6 Convair CV-440, 3 DC-4 e 4 Super Constellation.”
Em 1961 a Real voava para 160 cidades do Brasil e 9 cidades do exterior. Porém, a empresa vinha acumulando uma fragilidade financeira e em 13 de agosto de 1961 foi absorvida pela Varig com transferência de 90% das ações. (RIBEIRO, 2008).
Houve uma grande dificuldade inicial ao absorver uma companhia quase duas vezes maior, a Varig teve que reformular seu modelo administrativo para atender o novo mercado. Desacordos com relação a essa absorção com a alegação de que se tornaria um monopólio de fato (ANDERSON, 1979).
Com seu crescimento consolidado desde o inicio das rotas internacionais para Nova Iorque e, posteriormente a absorção da Real, com linhas até Chicago, Los Angeles, Bogotá, Cidade do México, Honolulu e Tóquio (BARTOLOTTI, 2012) e com sua renovação de frota, a Varig assume o rumo de crescimento que a leva a liderança do mercado e a uma ligação muito forte com os militares.
Até o período do Regime Militar Brasileiro (1964-1985), o mercado atuara de forma mais livre, com certa liberdade de escolha de rotas, de entrada e saída do mercado e liberdade tarifária; manifestou-se, neste quadro, a formação de oligopólio, cujas quatro maiores empresas (VARIG, Vasp, Cruzeiro e Transbrasil) começaram a reduzir o número de cidades atendidas. Isto ocorre principalmente devido à baixa rentabilidade das rotas e inadequação de aeroportos para os novos modelos de avião (FERREIRA, 2017).
Uma mudança se instala durante o período Militar marcada por forte regulação no mercado aéreo com interesse de manter a integração do território nacional, o governo cria então duas novas instituições: “Rede de Integração Nacional (RIN) e o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR), subsidiando as empresas aéreas que se dispusessem a realizar voos para áreas remotas do país, em especial na região Centro-Oeste e na Amazônia.” (FERREIRA, 2017: 10).
Bielschowsky e Custódio (2011: 80) apontam que:

O regime de competição controlada foi ratificado por meio do Decreto 72.898, de 9 de outubro de 1973, que estabeleceu um arcabouço oficial de “4 companhias nacionais e 5 regionais”, no qual às quatro grandes companhias aéreas de âmbito nacional atuantes no período (Varig, Vasp, Cruzeiro do Sul e Transbrasil) foi explicitamente atribuída toda a operação do sistema.

E assim prossegue ao apontar que SITAR visava política industrial para o setor:

Tal estrutura foi completamente implementada em 1975-76 – com o estabelecimento do Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR) – criado pelo Decreto n.º 76.590 de 12 de novembro de 1975, que visava a estabelecer uma Política Industrial para o setor de Transporte Aéreo Regional. (Ibid., 2011: 80)

Ainda em 1964 a Panair, subsidiária da Pan American Airways, vem acumulando déficits que totalizam 1,5 bilhões de cruzeiros. Segundo Ribeiro (2008) esse déficit chega aos 38,5 milhões em 1965. Esses balanços negativos chegavam a comprometer a segurança de voo com falta de manutenção. Em 9 de fevereiro de 1965 o Ministério da Aeronáutica retira a concessão que permitia a empresa a voar, pela incapacidade econômica. Relata Ribeiro (2008) que cerca de 6 mil aeronautas perderam seus empregos.
A Varig teve grande rentabilidade ao deste período e apresentou fortes ligações com o Estado Militar. Oito horas após o comunicado oficial, no dia 10 de fevereiro, a Varig estava operando as linhas da Panair, recebendo 2 aeronaves Douglas DC-8 e passou a operar linhas ao continente Europeu. Fay (2002 apud RIBEIRO, 2008) relata que em 1966 foi cancelado o decreto de falência da Panair, porém a companhia não recebeu de volta a concessão das rotas que estavam sendo operadas pela Varig e pela Cruzeiro.
Em 1974 a configuração muda e a Varig passa a deter 32% do mercado configurando-se como a maior empresa seguida pela Cruzeiro do Sul com 22%, a Transbrasil com 13%, e a Vasp com 3%. A Transbrasil que por sua vez acumulara dívidas e teve atividades encerradas em 2001, sobrevivera apenas de ajudas do governo: “encerrando uma existência de 50 anos sem lucro, sobrevivendo graças a duas grandes ajudas dadas pelo governo” (MELLO, 2007: 124).
Os acumulados déficits da Transbrasil e, também, da Cruzeiro do Sul culminaram em um plano de fusão apresentado pelas empresas, tal projeto fora negado pelo governo. A saída encontrada pelos militares foi a absorção da Transbrasil pela Varig e da Cruzeiro pela Vasp, porém isso geraria uma situação de concorrência desleal com a Varig dominando o mercado doméstico e internacional.
Em 6 de maio de 1975, o Ministro da Aeronáutica autoriza a Vasp a absorver a Transbrasil e a Cruzeiro do Sul. O governo federal impôs uma série de dificuldades na negociação e o governo de São Paulo assume que pretendia ficar com controle de 40% da nova empresa, 69% das linhas nacionais e 10% das linhas internacionais (RIBEIRO, 2008).
A Varig ao perceber que a Vasp se tornaria majoritária no mercado doméstico e, ainda, disputaria as rotas internacionais, se empenha em impedir a transação. Numa manobra estratégica, a Fundação Ruben Berta adquire as ações da Cruzeiro do Sul comprando 64% do controle acionário. Assim a Cruzeiro do Sul passa a pertencer a Fundação Ruben Berta e a ser controlada pela Varig, mas não deixando de existir.

A VARIG, depois de ter absorvido a Real Aerovias Nacional em 1961, herdou as rotas para Europa da Panair do Brasil em 1965 e, em 1975, através da Fundação Ruben Berta, adquiriu a Cruzeiro do Sul, passando a ser a única empresa a voar para o exterior (FAY, 2003: 228)

Assim, a VARIG passaria em 1975 a controlar a totalidade do mercado de voos internacionais e deter participação de 35% do mercado de transporte aéreo doméstico (BIELSCHOWSKY e CUSTÓDIO, 2011). Assim, até a década de 1990, quando se inicia a crise e o declínio da Varig, a história da aviação brasileira passa, necessariamente pela ação e o controle da empresa.

CONCLUSÃO

A formação do setor de aviação comercial depende de duas funcionalidades chave: em primeiro lugar a relação com os países economicamente dominantes, cuja tecnologia de ponta possibilita a expansão do setor aéreo, isto é, se não houver difusão tecnológica desses países, dificilmente as economias atrasadas poderiam desenvolver sua aviação comercial. Em segundo lugar um Estado atuante que fomente essa formação, uma vez que o setor aéreo apresenta múltiplas falhas quando regido sob leis de livre concorrência e tende a apresentar oligopólios que não suprem necessidades nacionais, em especial de abastecimento de cidades pouco rentáveis.
A análise sugere que o papel do Estado na formação de um mercado como o de transporte aéreo comercial é condição necessária, em especial se tratamos de economias dependentes ou periféricas. Não se trata apenas de um papel regulador, mas um condutor. Sem haver essa atuação do Estado as empresa e “empresários inovadores” não tendem a tomar riscos de investimento e o setor não atinge resultados econômicos viáveis. Não é concebível, como sugere a teoria tradicional, o funcionamento de pequenas empresas tomadoras de preços para este setor.
A história da formação da aviação no Brasil apontou, pelo contrário, massiva atuação Estatal não apenas na regulação do setor, mas também na tentativa de induzir a atender as necessidades estratégicas nacionais, por suposto, aliados as necessidades das burguesias nacional e, principalmente, estrangeira.
Partindo desta observação esclarece-se como o funcionamento e a constituição aconteceram em seu nascimento no mercado brasileiro. A ligação entre Estado Nacional - Estados Imperialistas Externos – Empresas Privadas (Nacionais e Estrangeiras) resume as formas de poder atuantes e os centros gravitacionais. De um lado, temos a necessidade de expansão do mercado alemão no pós-guerra e sua consequente realização dos lucros (através da venda de mercadorias) com alta tecnologia prestando um serviço, que posteriormente seria realizado, nos mesmos moldes, por outras economias dominantes. Por outro, a concentração econômica na forma de oligopólios que garante a inserção do capital estrangeiro com atuação e defesa da apropriação e da constituição de mercado por parte do Estado Nacional.
Não é possível conceber uma forma diferente nessa formação e não tendeu a acontecer de maneira diferente nas aviações comerciais em outros países. O Estado Nacional precisa intervir para constituir o setor estratégico para o desenvolvimento, dada a baixa rentabilidade do setor, empresários não tem interesses de competir nesse mercado. Nesse sentido, a formação dos oligopólios foi importante para obtenção de ganhos de escala e garantir rotas e abastecimentos locais. De outro lado, a necessidade tecnológica para equipar o setor precisaria ser importada.
Isso gera grande poder monopolista para o setor privado, forçado pela atuação do próprio Estado. Não se sugere, no entanto, a abertura comercial do setor, tal como ocorrera nos anos 1990, pois isso não muda a característica oligopolista do setor e acarreta em entrada de empresas estrangeiras com melhores padrões de concorrência e estabelecido seus próprios moldes de poder de monopólio no setor, aumentando a dependência econômica brasileira. Em um setor estratégico, como a aviação, a saída seria a concepção de uma empresa aérea estatal, que pudesse conter o poder de monopólio das empresas privadas sem abrir mão ao mercado externo e, mantendo um projeto estratégico de desenvolvimento.

Referências
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Recibido: 29/01/2018 Aceptado: 06/03/2018 Publicado: Marzo de 2018

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