Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


AVANÇO DA SOJA NA AMAZÔNIA DE MATO GROSSO

Autores e infomación del artículo

Wilson Chitto de Souza Pinto *

Alexandre Magno de Melo Faria **

Índio Campos ***

UFMT, Brasil

wilsoncsp@gmail.com.

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Resumo
Este artigo analisa a expansão da soja sobre áreas de floresta amazônica em Mato Grosso com base em dados de produção do IBGE e de bioma fornecidos pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso. O suporte teórico da sustentabilidade espacial indica que nas áreas de elevada biodiversidade como a Amazônia deve-se planejar a ocupação produtiva com base na prudência ecológica, evitando a simplificação do ambiente via implantação de monocultivos com espécies exóticas como a soja. Os resultados indicam que a taxa de expansão das lavouras de soja em municípios mato-grossenses com bioma exclusivamente amazônico está muito acima da média de expansão de Mato Grosso e do Brasil no período 1988-2016, demonstrando um perfil singular de avanço de fronteira de ocupação. Dada a importância da biodiversidade amazônica, tal exige o emprego de instrumentos de comando e controle, visando criar barreiras institucionais de avanço da soja na Amazônia mato-grossense.
Palavras-chave: soja, Mato Grosso, sustentabilidade, barreiras institucionais.

Abstract
This paper addresses the soy cropping advance over the rainforest in Mato Grosso taking into account production, and biome data released by IBGE, and the Mato Grosso environment secretariat. The theoretical fundaments of space sustainability indicate that in high biodiversity areas such as the Amazonian rainforest the productive occupation must endeavor to obey ecological prudence, avoiding the cultivation of a single, exotic crop such as soy. The results indicate that the soy cropping expansion rate in northeastern Mato Grosso’ amazon biome is higher than the average rates of Mato Grosso and Brazil from 1988 to 2016, showing a singular pattern of expansion frontier. Given the importance of Amazon biodiversity, it demands the use of command and control instruments, seeking on barriers to stop soy cropping advance in the Mato Grosso´s Amazon.
Key-words: soy, Mato Grosso, sustainability, institutional barriers


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Wilson Chitto de Souza Pinto, Alexandre Magno de Melo Faria e Índio Campos (2018): "Avanço da soja na Amazônia de mato grosso", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (febrero 2018). En línea:
//www.eumed.net/2/rev/oel/2018/02/avanco-soja-amazonia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1802avanco-soja-amazonia


1. Introdução
A soja cultivada atualmente difere bastante da soja original, planta rasteira que se desenvolveu no longo do rio Yangtzé, China. Seu cultivo iniciou há cerca de 5000 anos com o cruzamento de duas espécies selvagens domesticadas pelos chineses. Somente no século XX a soja passou a ser produzida comercialmente nos Estados Unidos, tendo prontamente despertado   o interesse da indústria em função de seu elevado teor de proteína e óleo (EMBRAPA, 2016). No Brasil, seu cultivo se expandiu incialmente no Rio Grande do Sul, Estado que dispõe de condições climáticas semelhantes àquelas de sua região de origem (EMBRAPA, 2005).
Em fins da década de 1970, graças às novas variedades adaptadas a baixas latitudes desenvolvidas pela Embrapa, o cultivo da soja passa a se expandir em direção ao cerrado do Centro-Oeste, com solos planos e estação chuvosa regular e bem definida. A produção da soja no Cerrado de Mato Grosso enfrentou inicialmente uma série de problemas ligados à instabilidade dos preços e à precária infraestrutura de transporte (MARTA e FIGUEIREDO, 2006).
A década de 1990 foi de especial importância para o avanço da soja no Centro-Oeste. A expansão da demanda global por grãos, em especial no mercado asiático, assegurou bons preços impulsionou a produção de soja rumo a novas áreas de cultivo em Mato Grosso. Por outro lado, a Lei Kandir, editada em 1996, facilitou as exportações de bens primários e semielaborados pela redução de impostos, reforçado o processo de ampliação das áreas de produção de soja (FARIA, 2014; FARIA et al., 2015).
Assim, o Brasil se tornou o segundo maior produtor mundial de soja, atrás apenas dos Estados Unidos. Dados da USDA (EMBRAPA, 2017) para 2017 apontam uma produção mundial de soja de 351,311 milhões de toneladas em 120,958 milhões de hectares cultivados, com uma produtividade de 2.904 kg/ha. Os EUA produziram 117,208 milhões de toneladas, em 33,482 milhões de hectares, com produtividade média de 3.501 kg/ha. Já o Brasil produziu 113,923 milhões de toneladas em 33,890 milhões de hectares, com produtividade média de 3.362 kg/ha.  Os EUA respondem por de 33,4% da produção mundial, o Brasil de 32,4%
Mato Grosso tornou-se o maior produtor nacional de soja desde a safra 2000/01, suplantando os estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Na safra 2016/17, Mato Grosso produziu 30,514 milhões de toneladas de soja em 9,323 milhões de hectares, com uma produtividade de 3.273 kg/ha. No Paraná a produção foi de 19,534 milhões de toneladas em 5,250 milhões de hectares, com uma produtividade de 3.721 kg/ha. No Rio Grande do Sul, a produção foi de 18,714 milhões de toneladas em 5,570 milhões de hectares, com produtividade de 3.360 kg/ha. Mato Grosso responde por 26,8% da produção nacional, seguido pelo Paraná, com 17,1%, e Rio Grande do Sul, com 16,4% (EMBRAPA, 2017).
Das 113,923 milhões de toneladas de soja produzidas nesta safra, estima-se que 41,5%, ou seja, 47,281 milhões de toneladas serão consumidas no Brasil. Outras 51,600 milhões de toneladas serão exportadas in natura (45,3% do total). As demais 15,042 milhões de toneladas serão destinadas à exportação como óleo ou farelo processado, ou ainda armazenadas para futura destinação (EMBRAPA, 2017).
Segundo Hirakuri e Lazzarotto (2014) entre 2000 e 2014 a oferta mundial de soja cresceu a uma taxa geométrica de 3,41% ao ano. Já o consumo se expandiu a 3,38% ao ano, impulsionado pela China, cuja taxa de crescimento atinge 8,84% anuais. A Índia liderou a taxa de expansão anual da produção com 7,55%1 , seguida do Brasil com 5,33% e da Argentina com 4,23%. A China importa 65,13% da soja comercializada no mundo. A União Europeia 11,61%. O Brasil é o maior exportador mundial de soja, seguido dos EUA, Argentina e Paraguai.
Nos últimos anos um novo cenário vem preocupando os estudiosos da Floresta Amazônica: a cultura da soja tem expandido suas fronteiras em direção à floresta. Segundo o INPE o crescente desmatamento na região da Floresta Amazônica estaria diretamente associado à expansão das atividades agropecuárias. Por outro lado, a expansão do cultivo da soja estaria empurrando a pecuária para cada vez mais próximo da floresta. A atividade pecuária é considerada a principal responsável pelo desmatamento amazônico (INPE, 2008).
Para Richards, Walker e Arima (2014), o cultivo da soja trouxe desenvolvimento econômico para algumas regiões da América do Sul2 , entretanto, tem ensejado preocupações ambientais. A expectativa de que a expansão da produtividade possa dissociar a elevação da produção agrícola do desmatamento na região amazônica brasileira ainda não se confirmou. As principais preocupações remetem aos potenciais efeitos indiretos do cultivo da soja sobre a floresta amazônica. Para os autores, 32% do desmatamento de floresta amazônica entre 2002 a 2011 podem ser atribuídos indiretamente à expansão da soja, porém com arrefecimento acentuado a partir de 2006.
Barreto (2004) destaca que grandes monoculturas como a soja excluem os produtores familiares do processo, valorizam o investimento do capital e da tecnologia, reduzem a oferta de alimentos e aumentam tamanho das propriedades. No campo ambiental, provocam a erosão dos solos, a contaminação da água e do solo por insumos químicos, a destruição da flora e fauna originais, o assoreamento de rios e reservatórios, além do surgimento de novas pragas e o incremento daquelas já conhecidas.
Este trabalho tem por objetivo determinar se o cultivo da soja está se expandindo sobre áreas de floresta amazônica em Mato Grosso, analisando dados dos municípios mato-grossenses que pertencem exclusivamente ao bioma amazônico. Questiona-se também se esta expansão contribui para que a pecuária continue adentrando na Floresta Amazônica.

 

2. Sustentabilidade
O debate sobre sustentabilidade é relativamente recente, ainda apresenta inúmeras lacunas conceituais e está longe de ser consensual. Entre as distintas abordagens, duas se destacam. Na ortodoxia econômica, o meio ambiente é visto ora como fonte de recursos, ora como local de despejo de dejetos. Esta abordagem parte da substitutibilidade perfeita entre capital natural e capital produtivo-tecnológico. Já para as abordagens heterodoxas, mesmo holísticas, o meio ambiente é tido como parcela indissociável dos processos humanos, sejam eles econômicos, sociais, políticos ou culturais. Não aceitam a substituição do capital natural pelo capital produtivo-tecnológico. Assim, ações antrópicas devem respeitar os limites da natureza, seja na oferta de serviços ecossistêmicos, seja na capacidade de absorção de dejetos e resíduos do metabolismo social (VEIGA, 2008).
Dentre as vertentes heterodoxas, uma das mais complexas foi desenvolvida por Ignacy Sachs, que propõe oito dimensões a serem construídas para que a sociedade do século XXI possa interagir com a natureza de forma harmônica, a saber: econômica, social, cultural, ecológica, espacial, psicológica, política nacional e internacional. Dentre essas dimensões, uma das menos observadas com trabalhos empíricos é a sustentabilidade espacial.
A sustentabilidade espacial é a que melhor se adequa a uma avaliação crítica da expansão de monocultivos sobre áreas de floresta.  Sachs (2002) a define a como uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial de assentamentos urbanos e atividades econômicas, destacando as seguintes necessidades:

  1. Reduzir a concentração excessiva nas áreas metropolitanas;
  2. Frear a destruição de ecossistemas frágeis, mas de importância vital, através de processos de colonização sem controle;
  3. Promover a agricultura e a exploração agrícola das florestas através de técnicas modernas, regenerativas, por pequenos agricultores, notadamente através do uso de pacotes tecnológicos adequados, do crédito e do acesso a mercados;
  4. Explorar o potencial da industrialização descentralizada, acoplada à nova geração de tecnologias, com referência especial às indústrias de biomassa e do seu papel na criação de oportunidades de emprego não-agrícolas nas áreas rurais: nas palavras de M. S. Swaminatha “uma nova forma de civilização baseada no uso sustentável de recursos não é apenas possível, mas essencial” (McNeely et al. 1990, p.10); e
  5. Criar uma rede de reservas naturais e de biosfera, para proteger a biodiversidade.

Para que haja uma utilização racional do espaço, Sachs (2002) indica que não se pode converter qualquer área de vegetação, principalmente as frágeis, através de colonização sem controle. Isso implica que a produção agropecuária, vista como a colonização de uma nova racionalidade sobre as estruturas de vegetação pré-existentes, não pode ocorrer sem antes avaliar os impactos, perdas e externalidades negativas advindas deste processo.
Além disso, o uso do solo por sistemas agropecuários deve ser baseado em técnicas adequadas e regenerativas das condições edafoclimáticas locais. A conversão de áreas de floresta em agroecossistemas deve ser precedido de uma avaliação econômico-ecológica e não apenas de cálculo racional econômico de curto prazo.
Em complemento a essa dimensão destacada por Sachs (2002), um instrumento legal que promove o uso racional do espaço são os zoneamentos socioeconômicos e ecológicos (ZSEE), uma obrigação legal no Brasil. Este instrumento de planejamento visa adequar as condições ecológicas e edáficas de cada região ao potencial de uso racional pelo sistema produtivo. Muitas vezes, o uso racional implica exatamente em não usar de forma produtiva direta, mas como reserva natural que gera efeitos externos positivos através de serviços ecossistêmicos. As áreas frágeis e vulneráveis recebem atenção especial, com registro das atividades permitidas. Uma vez estabelecido o zoneamento socioeconômico e ecológico de uma determinada região, os agentes produtivos necessitam se orientar pelo planejamento das atividades permitidas, o que implica na adoção de práticas que promovem a sustentabilidade espacial definida por Sachs (2002).

3. Metodologia
Os dados sobre a expansão da área de soja nos municípios exclusivamente amazônicos de Mato Grosso foram obtidos junto ao IBGE, especificamente no SIDRA (Sistema de Recuperação Automática de Dados). Os dados de área dos municípios, biomas e áreas de Unidade de Conservação) foram obtidos na SEMA/MT (Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso). Para estimar a taxa geométrica de crescimento do cultivo da soja nos municípios classificados como tendo 100% de seu território no bioma amazônico, foram utilizados dados estatísticos de 1997 até 2015.

4. Resultados e discussão
O zoneamento socioeconômico e ecológico de Mato Grosso (ZSEE/MT) ainda não foi implementado por razões técnicas e políticas. Mesmo após sanção legislativa, o Ministério Público Estadual e Federal ajuizou uma ação civil pública, alegando que o ZSEE/MT é uma lei de efeito concreto, que carece de uma base de dados e políticas públicas, não cabendo, portanto, à Assembleia Legislativa fazê-lo. Assim, uma liminar suspendeu os efeitos da Lei, que nunca entrou em vigor. O Estado de Mato Grosso criou uma comissão multidisciplinar para elaborar novo zoneamento até o final de 2017 com o objetivo de cumprir o determinado pelo Código Florestal Brasileiro de 2012 (MATO GROSSO, 2016).
Tal zoneamento é de extrema importância, uma vez que sua inaplicabilidade abre a possibilidade de agentes econômicos investir em sistemas de produção desalinhados com a especificidade da região que atua. Ou seja, não considera as condições edafoclimáticas para definir qual uso do solo seria mais adequado.
Os 141 municípios de Mato Grosso ocupam 90 milhões de hectares (ha), distribuídos entre o bioma Cerrado, Amazônico e Pantaneiro. Destes, 30 municípios estão localizados em áreas eminentemente do bioma amazônico, que somados perfazem 17,1 milhões de hectares.  Nos demais 111 municípios a formação vegetal não é exclusivamente amazônica, podendo ser exclusivamente pantaneira ou savânica (Cerrado), ou até um ecótono com dois ou os três tipos de biomas em um mesmo município. A produção de soja ocupa predominantemente as áreas de Cerrado desde a sua introdução ao final da década de 1970 (FARIA, 2014).
A série histórica disponível no IBGE (2017) contempla as safras de 1988 a 2016. Neste período, as áreas de lavouras de soja expandiram a uma taxa geométrica de +4,59% ao ano no Brasil (conforme Tabela 1). Em Mato Grosso, a taxa de crescimento foi de +7,73% ao ano no período. Já em seus 30 municípios com bioma estritamente amazônico a taxa de crescimento alcançou +25,57% ao ano, mais que dobrando o tamanho da área a cada quatro anos.

 

Os municípios mato-grossenses em bioma amazônico foram listados na Tabela 2, juntamente seus dados de área e de suas safras de soja. Evidencia-se que dos 30 municípios em análise, no ano de 1988, somente três (10% do universo) tinham áreas com o cultivo de soja, sendo Sinop com 12.000 hectares, Porto dos Gaúchos com 60 hectares e Nova Olímpia com 40 hectares. O somatório dessas áreas representava 0,91% das lavouras mato-grossenses de soja.
Até a safra de 1992 a participação das lavouras amazônicas permaneceu abaixo de 1% do total de Mato Grosso. De 1993 a 2000 houve um período de discreta expansão, com as áreas de soja nestes municípios flutuando acima de 1%, mas sempre abaixo dos 2% das lavouras mato-grossenses. A partir da safra de 2001 a participação supera os 2% e passa a crescer exponencialmente, alcançando 9,93% em 2010 e 15,44% em 2016.
Na safra de 2016 apenas seis municípios não registraram a presença de lavoras de soja em seu território, ou seja, em 80% dos municípios esta cultura já estava introduzida. Apenas em Castanheira, Indiavaí, Juruena, Nova Bandeirantes, Nova Olímpia e Rio Branco a sojicultora estava ausente. Em contraponto, a sojicultora se destaca em Querência, município que foi identificado por De Melo Faria, Azevedo Junior e Dassow (2015) como polo econômico emergente na mesorregião Nordeste de Mato Grosso. Outro município identificado como polo econômico emergente foi Tabaporã, que tem apresentado crescentes lavouras de soja. Sinop, Porto dos Gaúchos e Cláudia também se destacam com registros de lavouras acima de 100 mil hectares.
Considerando que a área total dos municípios em análise é de 17,1 milhões/hectares e a área de conservação nestes territórios é de 1,986 milhões/hectares, resta como área disponível para cultivo o espaço de 15,154 milhões/hectares (sem descontar as áreas de reserva legal e proteção permanentes nas áreas externas às unidades de conservação). Conforme observado na Tabela 2, tem-se que 1,412 milhões/ha já são utilizados no cultivo de soja, o que significa dizer que de toda a área disponível nos municípios amazônicos de Mato Grosso, 9,32% esteve ocupada com soja em 2016, enquanto em 1988 esse percentual era de apenas 0,08%. Esses dados permitem concluir que está havendo grande expansão no cultivo de soja nos municípios mato-grossenses com bioma exclusivamente amazônico.
De acordo com Ferreira et al. (2005), o bioma amazônico estende-se do oceano Atlântico às encostas orientais da Cordilheira dos Andes; envolve nove países da América do Sul e 69% dessa área pertencente ao Brasil, englobando os estados do Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, num total de 4,871 milhões/Km2. Seu modelo de ocupação tem gerado significativo desmatamento da Floresta Amazônica, sendo esse fenômeno bastante complexo, e que não pode ser atribuído a um único fator.
Domingues e Bermann (2012) apontam que, ilustrada conforme resultados de Mato Grosso, observa-se expansão da área plantada com soja no Brasil, especialmente no sentido Norte, a partir da região central brasileira, atingindo diretamente o bioma da Floresta Amazônica, que é um ecossistema frágil. Essa expansão da cultura da soja sobre a região amazônica tem gerado impactos sociais e ambientais, uma vez que a monocultura do grão está substituindo um bioma de grande diversidade e importância ambiental.
Socialmente pode-se observar que monocultura da soja tende a excluir produtores familiares em função das escalas técnicas mínimas, concentra a posse de terras e aumenta o tamanho das propriedades. É uma cultura que valoriza a tecnologia em detrimento da mão-de-obra, exigindo grande modernização do processo produtivo e a formação de latifúndios. Os antigos produtores, com poucas opções, acabam sendo deslocados para fora do mercado. Todos esses fatores são variáveis que marcam conflitos, violência e incrementa a urbanização que trouxe consigo problemas de desemprego, subemprego e miséria (BARRETO, 2004).
Os problemas ambientais estão relacionados ao fato de que um bioma rico e diverso está sendo substituído pela monocultura da soja, com todos os prejuízos que essa atividade oferece à região. Destacam-se a compactação e impermeabilização dos solos pelo uso intensivo de máquinas agrícolas; degradação, erosão e empobrecimento do solo; contaminação por agrotóxicos nas águas; assoreamento de rios e reservatórios e destruição das matas ciliares; risco à sobrevivência de espécies vegetais e animais com a perda de habitat natural devido à expansão agrícola (SAKAMOTO, 2010; DOMINGUES; BERMAN, 2012).

Além desses fatores, Amaral e Smeraldi (2005) discutem que a rentabilidade proporcionada pela soja vem movimentando o uso da terra nessa região, num processo cíclico e expansivista. O desmatamento geralmente acontece para abrigar a pecuária. Entretanto, o uso intensivo das pastagens provoca desgaste e empobrecimento no solo e, como solução, tem-se ocupado essas áreas com o plantio de soja. A pecuária, para se adaptar, está buscando novas áreas e, por consequência, gerando novos desmatamentos, adentrando cada vez mais a Floresta Amazônica, num ciclo contínuo de expansão da fronteira agrícola.
Visando ainda ocupar mais áreas com o plantio de soja, tem-se observado um movimento de invasão das terras indígenas em Mato Grosso, condição que é fortalecida uma vez que na região privilegia-se o uso da terra como direito, ao invés do título de posse. Essa invasão gera vários impactos sobre as unidades que se insere, como a degradação, erosão e empobrecimento do solo, destruição de matas ciliares, contaminação das águas, queimadas, pulverização de agrotóxicos sobre populações e plantações indígenas, e o aprofundamento do preconceito e do racismo conta os indígenas (Sakamoto, 2010).
Em contraponto a essa análise do efeito-arrasto (Vieira, 2004: 86; Fearnside, 2006: 284-293) realizada pela pecuária, onde primeiro desmatamento seria seguido pelas pastagens e logo depois pela cultura da soja, Campos e Faria (2016: 290) argumentam que esse processo não seria automático e linear como parece sugerir a literatura. Ao contrário das previsões, a expansão da cultura da soja tem passado ao largo da região de floresta e se concentra nas áreas planas e de clima regular do Cerrado, tanto no Centro-Oeste quanto no Nordeste brasileiro, a região denominada MAPITOBA3 . Historicamente, a grilagem de terras devolutas para exploração de madeira e posterior formação de pastos tem sido a grande responsável pelo desmatamento, que tem sido reduzido em função de ações de i) comando, controle e fiscalização pelo Estado, ii) a intensificação da pecuária e iii) do “acordo de desmatamento zero” entre frigoríficos, pecuaristas, Ministério Público e movimentos sociais.
Nesta abordagem de Campos e Faria (2016: 281-283), a soja não estaria sendo introduzida em ambientes florestais de elevada pluviosidade, pois estas condições inviabilizam tecnicamente a sojicultora. O excesso de chuva no período da colheita, além de dificultar a operação de máquinas no campo, induz a germinação dos grãos e facilita a proliferação de doenças, podendo causar sérios prejuízos. Na pós-colheita, relevos acidentados e chuvas irregulares ao longo do ano constituem uma ótima combinação para à erosão, bastante adversa ao cultivo da soja. Desta forma, baseado nestes autores, poder-se-ia indagar que a expansão da soja nos municípios amazônicos de Mato Grosso não estaria ocorrendo nos ambientes mais úmidos e de floresta, mas provavelmente em áreas com características similares aos Cerrado.
O fato de que as “barreiras naturais” não estão impedindo o avanço da soja áreas de floresta nestes municípios gera efeitos deletérios na floresta adjacente e na bacia hídrica, em função do uso de tecnologias agressivas como os agrotóxicos e sementes transgênicas. Neste caso, as instituições públicas deveriam fomentar barreiras institucionais e impedir a substituição de floresta pelo monocultivo, pois sempre pode ocorrer um “efeito de borda” pela proximidade do cultivo em relação à floresta.
Novos instrumentos de comando e controle envolvem inclusive o uso de satélite e o zoneamento. A soja não tem sido objeto de zoneamento agrícola. Esta questão deveria ser debatida à luz do ZAE - Cana (o zoneamento agroecológico da cana), que tem como objetivo geral fornecer subsídios técnicos para formulação de políticas públicas visando a expansão e produção sustentável de cana-de-açúcar no território brasileiro, considerando indicadores como: vulnerabilidade das terras, o risco climático, o potencial de produção agrícola sustentável e a legislação ambiental vigente (BRASIL, 2009).
Por outro lado, os instrumentos de mercado podem evoluir com os acordos de moratória da soja. Esse tipo de comportamento pode ser entendido como um reflexo racional onde as corporações reorientam a produção baseadas nas demandas do mercado. Como a sustentabilidade tem cada vez mais se tornado uma especificação de produto, modelos produtivos ambientalmente sustentáveis no mundo empresarial poderiam incorporar processos que ultrapassam leis e regulamentações vigentes, podendo até gerar maiores lucros com tais ações (CARDOSO, 2008).
Dado que o cultivo da soja já se estruturou na região, torna-se difícil coibir esta atividade no bioma amazônico. Poder-se-ia refletir na possibilidade de criação de inovações e sistemas de gestão capazes de alterar a cultura de potencialmente poluidora a potencialmente aliada em questões socioambientais. A limitação da expansão de novas áreas e a obrigatoriedade de cultivar soja orgânica poderiam criar um produto diferenciado na região.

5. Conclusões
A expansão do cultivo de soja em municípios pertencentes exclusivamente ao bioma amazônico acende um alerta sobre uma face singular da expansão da soja em Mato Grosso, já que as condições edafoclimáticas das áreas de floresta tropical constituem uma barreira natural a este avanço. Avanços técnicos e preços elevados estão enfraquecendo as barreiras naturais, permitindo a entrada da soja em ambiente de selva úmida.  Este processo poder gerar efeitos deletérios na floresta adjacente e na bacia hídrica, em função do uso agrotóxicos e adubação química.
Em 1988, a região amazônica de Mato Grosso respondia por apenas 0,91% das lavouras de soja daquele estado em 2016, este percentual pulou para 15,44%. Conclui-se que tano as barreiras naturais, quanto os instrumentos de comando e controle, bem como os mecanismos de mercado têm sido insuficientes para aplacar o avanço da monocultura sobre áreas da floresta amazônica com elevada biodiversidade. Deve-se refletir nas possibilidades de inovação e gestão que criariam “barreiras institucionais” à soja.

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Sakamoto, L. Impactos da soja sobre Terras Indígenas no Estado de Mato Grosso. Repórter Brasil – Organização de Comunicação e Projetos Sociais, 2010.

* Graduado em Ciências Econômicas (UFMT). E-mail: wilsoncsp@gmail.com.
** Economista (UFMT), Mestre e Doutor em Desenvolvimento Socioambiental (NAEA/UFPA), Pós-doutor em Gestão e Economia (UBI/Portugal). E-mail: dr.melofaria@gmail.com.
*** Doutor em Economia (Freie Universitat/Berlim). E-mail: indiocmps@gmail.com.
1 Apesar da elevada taxa de crescimento, a Índia representa apenas 3,87% da produção mundial de soja.
2 Partes de Brasil, Argentina e Paraguai.
3 Referem-se à região de Cerrado dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.

Recibido: 16/02/2018 Aceptado: 23/02/2018 Publicado: Febrero de 2018

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