Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


DE PARAURI A NOGUEIRA: O RESGATE DE UMA HISTÓRIA NO CORAÇÃO DO AMAZONAS

Autores e infomación del artículo

Arminda Rachel Botelho Mourão*

Iraci Carvalho Uchôa **

Universidade Federal do Amazonas, Brasil

Correo: irauchoa100@outlook.com


RESUMO

Este artigo é um dos resultados da pesquisa de mestrado que objetivou analisar a relação existente entre trabalho e educação do campo na comunidade de Nogueira- Médio Rio Solimões/Amazonas. Partiu do objetivo geral que é de evidenciar o contexto histórico da comunidade de Nogueira.  O método adotado foi o Materialismo Histórico Dialético e como técnica a Análise Textual Discursiva. Como instrumentos de coletas de dados utilizou-se questionários e caderno de campo. Os dados analisados revelaram que a comunidade de Nogueira, data do período da colonização do Território Amazônico e tem seus processos produtivos a partir da ação coletiva da família.

Palavras-chave:   Amazonas, Parauri, Comunidade de Nogueira, História, Trabalho.

RESUMEN
Este artículo es uno de los resultados de la investigación del máster que tenía como objetivo analizar la relación entre el trabajo y la educación de campo en la comunidad de Nogueira-Middle Río Solimáes/Amazonas. Se apartó del objetivo general de destacar el contexto histórico de la comunidad Nogueira.  El método adoptado fue el materialismo histórico dialéctico y la técnica de análisis textual discursiva. Se utilizaron cuestionarios y cuadernos de campo como instrumentos para la recopilación de datos. Los datos analizados revelaron que la comunidad Nogueira, data del período de colonización del territorio amazónico y tiene sus procesos productivos basados en la acción colectiva de la familia.
Palabras clave: Amazon, Señor Parauri, Comunidad Nogueira, Historia, Trabajo.

ABSTRACT

This article is one of the results of the masters research that aimed to analyze the relationship between work and education of the field in the Middle Solimões River Walnut/Amazon. The general objective is to highlight the historical context of the Hickory community.  The method adopted was the Dialectical and Historical Materialism as the Discursive Textual analysis technique. The data were collected, analyzed and revealed that the community of walnut, date from the period of colonization of the Amazon Territory and have their production processes from the collective action of the family.

Keywords:  Amazonas, Parauri, Nogueira community, history, work.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Arminda Rachel Botelho Mourão e Iraci Carvalho Uchôa (2019): “De Parauri a Nogueira: o resgate de uma história no coração do Amazonas”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (octubre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/10/historia-coracao-amazonas.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1910historia-coracao-amazonas


1.INTRODUÇÃO

A história é parte fundamental para conhecer a realidade pretérita e presente, segundo Marx e Engels (2008: 25), “[...] a premissa de toda história humana é a existência de indivíduos humanos viventes”. Conhecer a história das sociedades é relevante no contexto atual, já que permite aos indivíduos se reconhecerem como sujeitos históricos, segundo Lowe (2015: 22), “[...] tudo está em movimento, e o que existe na vida humana e social está em perpétua transformação, tudo é perceptível, tudo está sujeito ao percurso da história”.

Os teóricos acima corroboram no que tange ao entendimento de que a História tem ocupado um espaço relevante na sociedade, seja como tragédia de uma cultura, seja para analisar os processos históricos, personagens e fatos, ou para compreender um determinado período das civilizações. Nos impasses históricos existe uma categoria fundante, que é o Trabalho, para Marx (1983), “[...] o trabalho é a condição natural da existência humana, enquanto houver seres biológicos e sociais, esta categoria existirá” e é por meio do trabalho que o homem constrói sua existência e sua história. 

Conforme Marx (2014: 22), “[...] foi a partir da interação do homem com a natureza que o trabalho se tornou instrumento de socialização e de cooperação social”, e, ao modificar a natureza por meio do trabalho, o homem a transforma e se constrói socialmente.

O período colonial no Brasil é um marco de genocídio e tragédia cultural, ocorreu um interminável massacre das populações indígenas, e consubstancialmente suas crenças, tradições tornaram-se por muitos, esquecidas. Não obstante há o entendimento de que tais culturas, gestões e tradições precisam ser resgatadas, para que sejam relembradas e contadas às populações presentes e futuras.  Essa pesquisa se desdobrou no sentido de responder ao objetivo que era resgatar a história da comunidade de Nogueira, situada no Médio Rio Solimões Amazonas.

2.METODOLOGIA

Na tentativa de nos apropriarmos do objeto de estudo, foi realizado o recorte do campo da pesquisa, o objeto definido, a categoria central e subcategorias  estruturadas a partir do Materialismo Histórico e do enfoque dialético que considera as relações e as contradições que o problema apresenta, elegeram-se os sujeitos da pesquisa, pois são eles que dizem “[...] como o problema em estudo pelo pesquisador se apresenta, são os elementos das vivências dos sujeitos que fornecem dados para a análise e compreensão do problema” (Brito, 2016: 50).

Posterior à definição dos sujeitos, selecionou-se o instrumento da coleta de dados, que segundo Brito (2016), é a etapa da pesquisa que reúne informações indispensáveis para a solução do problema em estudo. Entre os procedimentos está a técnica da entrevista, para Ludke e André (1986), “[...] a vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada”, “[...] se classificam em estruturada ou fechada, semiestruturadas, entrevista livre ou aberta” (Triviños, 1987).

Conforme assevera Gatti (2007), “[...] um bom martelo, uma boa pá é absolutamente necessária para um trabalho de qualidade”.  A Resolução 466 de 2012 é exemplo dos instrumentos de trabalho sinalizado por Gatti, pois sobre a orientação da resolução, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética.

A pesquisa baseia-se numa concepção de homem enquanto ser histórico e social que se constrói por meio do trabalho, e que esse trabalho se modifica de acordo com a sociedade, e a sociedade vai se modificando de acordo com o percurso do Modo de Produção Capitalista. Portanto, a partir de uma abordagem Dialética do Método do Materialismo Histórico, encaminhamos nossos estudos e análises no intuito de nos apropriarmos de nosso objeto, em busca de respondermos às questões levantadas pela pesquisa.

2.1 Coletas de dados

No que se refere à coleta de dados, optamos por uma pesquisa de Campo e Documental. A pesquisa de Campo nos levou a reconstituição histórica da comunidade e percebemos que seu contexto se relaciona ao período da colonização da Amazônia. Constituíram-se como objetos de análises: as entrevistas, o caderno de campo, as imagens e os documentos que registraram a data da colonização do território da Comunidade de Nogueira.

O critério de escolha da comunidade ocorreu em virtude de que nela, funciona uma escola que tem os princípios norteadores da concepção de Educação do Campo, discutido pelo Programa Escola da Terra da Universidade Federal do Amazonas e que tem a ação, como princípio de pesquisa, caracterizando-se em uma pesquisa-ação.

A consolidação da pesquisa e da construção do texto foi marcada por estudos bibliográficos. Segundo Brito (2016), a pesquisa bibliográfica procura conhecer as teorias ou escritos sobre o tema nos livros e artigos.

Ao analisarmos os documentos nos embasamos no pressuposto de Chizzotti (2013), que define o conceito de documento como sendo qualquer informação visual, oral, sonora ou eletrônica. Com vistas à organização da coleta de dados, procedemos à construção das categorias e subcategorias que subsidiaram as análises e interpretação dos resultados, a partir da técnica da Análise Textual Discursiva.

2.2 Análises dos dados
No que se refere à análise dos dados, optamos em utilizar a Análise Textual Discursiva que no entendimento de Moraes e Galiazzi (2014), propõe-se a descrever e interpretar alguns dos sentidos que a leitura de um conjunto de textos pode suscitar.

As análises nos levaram às três leis da Dialética, haja vista que nos propusemos navegar pelo materialismo histórico. A categoria do artigo é a história, e para a entendermos utilizamos: a) Lei da Unidade e Luta dos Contrários; b) Lei da Transformação de mudanças Quantitativas em Qualitativas; c) Lei da Negação da Negação.

Borges (2015: 41), explica que:

A Lei da Unidade e Luta dos Contrários é quando os elementos estão em luta, negam-se, mas não se separam por haver uma dependência mútua. Para a Lei da Transformação da Quantidade e Qualidade e vice-versa quantidade expressa número que tem valor de qualidade e são interdependentes e estão interligados. A Lei da Negação da Negação (percebe-se) quando (as) relações entre o antigo e o novo no processo de desenvolvimento dos fenômenos, é resultado da luta dos contrários, passando do interior para superior.

Ao discutir o elo tratado na pesquisa, explana-se que a Lei da Luta dos Contrários, ocorre quando a História é estabelecida nos parâmetros curriculares nacionais, contudo, a história resgatada, é uma história genérica que não condiz com a realidade das populações, visto que culturas, gestos e tradições são estigmatizadas.

Para a Lei da Transformação da Quantidade em Qualidade, à medida que é instaurada uma nova concepção de História pautada na valorização do homem e do trabalho como princípio educativo, resgatando os saberes culturais, os sujeitos têm como ressignificar sua existência.  Para a Lei da Negação da Negação, necessita-se que os sujeitos reconheçam que as políticas dos livros didáticos existentes na atualidade, tendem a camuflar a verdadeira história dos povos e das nações históricas e concretas.

Neste pressuposto, nosso estudo se desenhou na perspectiva de resgatar a história da comunidade de Nogueira, a presença ou ausência dos elementos relativos ao tema proposto, tomando como base os objetivos específicos da pesquisa.  Ademais, serviu como categorias centrais: Trabalho e Educação do Campo que subsidiaram a interpretação dos dados que trata do tema: De Parauari a Nogueira: o resgate de uma história no coração da Amazônia.

3. RESULTADOS

3.1 Panorama Histórico de Parauari a Nogueira

A intenção neste tópico é discutir o panorama histórico do território da comunidade de Nogueira. O que o delineou foi o fruto de um questioidnto elaborado pela coordenação do Programa Escola da Terra, para as atividades de Pesquisa com os professores em formação das classes multisseriadas de Alvarães, referente ao Tempo Comunidade, ministrado no ano de 2016.

Aos cursistas em formação foram atribuídas questões norteadoras, cujo objetivo, era de levá-los à prática da pesquisa. É válido destacar que não se discute as ações pedagógicas do Tempo Comunidade, contudo é relevante elencar os meios percorridos que culminaram na elaboração deste tópico. A indagação referente ao surgimento da realidade da comunidade, possibilitou uma inquietação que passou a ser objeto de pesquisa dos professores de classes multisseriadas do campo de Alvarães. Conforme a explicação abaixo de um professor da escola da comunidade de Nogueira.

[...] A gente pesquisou como surgiu à comunidade, conversamos com os moradores mais antigos, nós fizemos uma atividade de pesquisa com os nossos alunos, que levaram para responder com os seus pais, a maioria não respondeu, porque disseram não saber. Os moradores mais antigos que são a dona Francisca que tem 80 anos, o senhor Pedro que tem 75 anos e dona Maria de 60, falaram que vieram para cá ainda muito criança, eles disseram, que aqui era uma aldeia indígena, não souberam qual, falaram que seus pais contavam que a comunidade sofreu uma maldição e que muitas pessoas morreram, eu sei que é muito antiga, pois tem informações sobre ela no seminário de Tefé. Mas não conseguimos chegar até lá. É ruim porque não sabemos muita coisa, na verdade é muito ruim, pois as pessoas vão esquecendo a história da comunidade, até ser desconhecida pelos próprios moradores. (Informação verbal).1

Esse relato levou a reconstituição histórica da comunidade e a perceber que seu contexto se relaciona ao período da colonização brasileira e da Amazônia. Está associada ao contexto da Educação escolar jesuítica promovida pela Companhia de Jesus que segundo Aranha (2006:164), “[...] o modelo de catequese dos índios alterava-se, com o confiidnto dos indígenas nas reduções ou missões [...] que incluía conversão religiosa, educação e trabalho escravo”. Na Amazônia, as missões dos carmelitas e dos franciscanos se instalaram à margem esquerda do Rio Amazonas, e à margem direita, acomodaram-se os jesuítas.

Os dados coletados no período da pesquisa de campo no município de Tefé (2016), sinalizam que sob o comando do Rei de Portugal, Pedro Teixeira no século XVII, em suas expedições de explorações e demarcações dos territórios amazônicos que estavam sob domínio espanhol, planta um marco delimitador na aldeia dos Aysuares próximo à aldeia de Parauari.  

Segundo Pinto (2006: 72), “Aysuares era uma tribo que [...] não está assinalada no mapa do padre Samuel Fritz”, contudo, o próprio padre sinaliza sua existência quando ressalta seus costumes e tradições culturais “[...] a gente [...] Aysuares andam completamente nus; apesar disso, pouco a pouco, vão admitindo vestes e as índias já aprendem a tecê-las” (Fritz, 2006:74).

É relevante destacar que para Caldart (2004: 47), “[...] os povos indígenas compõem a categoria dos sujeitos camponeses”, e, para Borges (2014), existe uma cultura do campo e da cidade, no entanto, uma não é mais relevante que a outra, logo, o que precisa ser compreendido é que todas as culturas necessitam ser respeitadas e valorizadas pelos sujeitos sociais.

Ao passo que para o padre Samuel Fritz (século XVIII), era um avanço a admissão de vestimentas, na verdade se configurava um retrocesso cultural, visto as perdas de identidades das populações tradicionais, uma vez que historicamente construíram sua cultura no trato com a natureza; desenvolvendo e aprimorando tecnologias milenares que passaram de geração a geração, mas que a tradição imperialista usurpa, degrada e exclui incansavelmente. “A conquista portuguesa havia passado por elas como uma praga; de trinta nações que existiam em meados do século XVIII, vinte e quatro haviam sucumbido aos efeitos dessa civilização corrupta” (Marcoy, 2001: 116).

Em 1686, Samuel Fritz inicia sua atividade a partir de Quito, em obediência ao Rei da Espanha. Funda aldeias missionárias entre os Omáguas no Alto Rio Solimões e Marañon.  O padre Samuel Fritz, descreve os Omáguas:

Por toda parte me receberam os Omáguas com muitos sinais de alegria, mas aqui foi onde mais se esmeraram, posto que muitos se tivessem retirado da aldeia, de modo que foi preciso outra vez recolhê-los e catequizá-los (Fritz, 2006: 78).

Em 1693-1695, o governo português resolve executar uma nova distribuição dos religiosos no território amazônico com vistas a uma ocupação efetiva. À ordem carmelita são confiados os vales do Rio Negro e do Solimões. Surgem conflitos entre os carmelitas e jesuítas que atuavam no Rio Solimões. E, em 1704, Fritz envia dez missionários de Quito, sob a direção do padre João Batista Sena, e se estabelecem em Parauari.

Segundo Aranha (2006: 191), “Portugal no século XVIII [...], achava-se em franco declínio e se submetia a tratados comerciais lesivos para si e para a colônia, em troca de proteção da Inglaterra”. Nesse período, as dissidências entre Portugal e Espanha recrudesceram, logo o governo de Portugal temia o poder econômico e político da Companhia de Jesus, uma vez que decorrente da “[...] taxa de 10% que a Coroa destinava aos jesuítas, além da doação de terras, a Companhia tornava-se rica, sem contar com a produção agrária das missões que eram altamente lucrativas” (Aranha, 2006: 190).

Os jesuítas foram expulsos, é válido ressaltar que para Aranha (2006), no ano da expulsão, só na Colônia, a Companhia tinha 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários. Em 1708, carmelitas portugueses, acompanhados por soldados, ocupam as missões dos jesuítas, sob o comando de Frei André da Costa. É interessante destacar que para Marcoy (2001: 103), “ os Omáguas na verdade são os antigos povos Umauas” que em 1709 um grupo de jesuítas que estavam raptando os nativos ao longo do rio para abastecer seus estabelecimentos, “fez uma incursão em Parauari, aprisionou todos os conversos e por fim mudou o nome deles de Umaua para Omáguas”. 

Segundo o Seminário São José, em 1753 ocorreu uma epidemia de varíola que se alastrou por Parauari. A epidemia resultou na transferência da aldeia da costa do Rio Solimões, próximo aos Aysuares para o lago de Tefé. Corroborando com os dados coletados do Seminário, Marcoy (2001: 105) evidencia que “ quando uma maligna epidemia de varíola destroçou a nova missão, o sítio que ela ocupava foi abandonado pelos missionários”.

Um dos objetivos da mudança, era “proteger” os índios da epidemia das “bexigas” – varíola – que naquele momento, afetava boa parte do território amazônico. O autor continua e evidencia que para povoar a missão desertada, os Carmelitas recorreram às tribos vizinhas. Parauari recebeu populações dos Rios: Içá, Juruá, Jutaí e de Tefé.

Por consequência das reformas ocorridas, as aldeias missionárias jesuítas foram exterminadas, para Aranha (2006: 191) “[...] os bens dos padres foram confiscados, muitos livros e manuscritos importantes destruídos”. As informações coletadas durante a pesquisa de campo, no Seminário São José, indicam que no lugar dos padres, foram nomeados “diretores” para dirigir as aldeias (1757-1759), todos os nomes deveriam ser aportuguesados, Parauari passou a ser Nogueira. A Coroa nomeou professores, estabeleceu planos de estudos e inspeção e modificou o curso de humanidade, típico do ensino jesuítico, para o sistema de aulas régias de disciplinas, como ocorria na metrópole (Aranha, 2006: 191).

É bom salientar que tal fato ocorreu em cenário de guerras e ocasionou prejuízos irreparáveis. Genocídio e escravidão dos povos tradicionais, cujo objetivo era usurpar as riquezas naturais e econômicas que no processo histórico foram construídas; a perspectiva de impor aos índios costumes da tradição portuguesa decorria de “[...] interesses e conflitos entre Portugal e Espanha, acarretando a necessidade do Rei de Portugal possuir contingente populacional, garantindo assim a permanência do seu domínio sobre a Colônia” (Garcia, 2007: 8).

Em virtude da ação do homem europeu, o território de Parauari passou a ser Vila de Nogueira que Paul Marcoy (2011), em viagem pelo território amazônico, em meados do ano de 1847, não hesita em demonstrar seu descontentamento quanto à extinção de Parauari, que além de sofrer naquele momento uma epidemia devastadora, sua cultura era vítima de interesses territoriais. “Nada sugere a antiga presença humana em Parauari. No sítio da missão floresce agora um palmeiral de pupunhas” (Marcoy, 2001: 110).

Não obstante, Marcoy (2001: 111), salienta que “[...] o viajante que vai para Ega - atualmente conhecida como cidade de Tefé - na margem direita do lago de Tefé, não pode deixar de visitar Nogueira, na margem oposta”. A travessia que mal leva uma hora é agradável quando o tempo é bom, “[...], mas um tanto perigosa quando um vento forte se levanta de repente [...] a Nogueira de hoje é constituída de nove casas [...] cobertas de folhas de palmeira, afastadas entre si o suficiente para impedir olhares curiosos que são habituais entre os vizinhos”.

Os europeus ao invadir o território dos povos tradicionais modificaram o ambiente na sua totalidade, as riquezas naturais foram e continuam sendo saqueadas pelo modo de produção capitalista, o que dificulta os sujeitos de hoje a conhecer a história de seus antepassados e compreender a relevância cultural da comunidade que ao longo dos séculos passou pela interferência humana.

3.2 A Nogueira na atualidade do ano de 2016

Atualmente a terra que de Parauari, passou a ser conhecida como Nogueira, possui águas negras, assim, a floresta, a areia, os igarapés, as terras de várzeas e terras firmes, a cheia, a seca são aspectos particulares que a caracterizam na região de Alvarães. A comunidade é para o camponês um território em que as relações se constituem, “[...] os aspectos culturais, as tradições se interligam, a economia, a religião, a política, diversos aspectos de uma cultura aparecem interligados e formam parte de um sistema geral de cultura, tais como o são na realidade” (Wagley, 1988: 44).

É o campo dos sujeitos que migraram de comunidades distintas, constituíram a base familiar, e hoje criaram laços com quem ali vive se relacionando com os modos e costumes que caracterizam a vida na comunidade.
Observe, como a mulher camponesa, mãe, agricultora e pescadora Elane Maria da Silva, 30 anos, descreve a vivência na comunidade:

A comunidade é um lugar onde as pessoas vivem livres, é bem verdade que às vezes as coisas são difíceis também, têm temporais, têm os piratas que se a gente se descuidar, eles levam as nossas canoas e as outras coisas, mesmo com tudo isso, aqui a gente consegue sentir a tranquilidade e a paz da natureza, ter o peixe fresco todos os dias para comer, não tem explicação. Trabalhar e viver aqui, por mais que seja difícil, chega a ser prazeroso, tudo que plantamos a gente ver crescer e dar frutos. Eu sou feliz por morar aqui, a gente vive bem sim, pois temos a nossa casa, quase todo mundo tem televisão, tem geladeira, antes, nós não tínhamos nada disso, agora que tem luz para todo mundo, eu nem consigo imaginar minha vida na cidade, Deus o livre. O que precisamos para viver tem aqui, tem o peixe, a farinha, a luz, a água de coco. Aqui na comunidade quase todo mundo tem em seu quintal, um pé de coco, tem o açaí, a melancia. Eu tenho três filhos, um de cinco, uma de quatro e a outra de dois, eles brincam, no quintal, são livres. (Informação verbal). 2

Esse é um recorte da imensidão do território amazônico, local que representa a existência de um povo, que tem a terra como matriz fundamental para existir e coexistir no Modo de Produção Capitalista. A comunidade de Nogueira apresenta as possibilidades de produções de existência de tantos, localiza-se ao norte do município de Alvarães – Rio Solimões – faz extremidade ao Sul com o Lago de Tefé, a Leste com o Igarapé do Grilo, a Oeste com o Igarapé do Minerva. A extensão territorial da comunidade é de aproximadamente 11.000km, o acesso para quem sai do Porto de Tefé é por via fluvial e de quem sai do Porto de Alvarães se faz por via terrestre ou fluvial. 

A Nogueira de hoje tem uma diversidade cultural que ao longo dos anos se construíram e reconstruíram-se. É uma comunidade camponesa de Terra Firme e Terra de Várzea, a seca evidencia a beleza e riqueza natural da praia, local de recreação para os sujeitos que utilizam aquele espaço como um dos meios de diversão que a dialética da natureza oferece.  

A praia, pode-se dizer que é um ponto turístico, pois reúne a população não só de Nogueira, mas das demais regiões como Alvarães e Tefé. Aos domingos e feriados, é cenário do lazer, contudo caracteriza-se também, por ser um local de passagem de viajantes comerciantes que utilizam os motos-taxistas e as catraias como transporte para percorrer as terras e navegar as águas do Lago de Tefé e Rio Solimões em direção aos municípios, como por exemplo, Uarini e Maraã.

Não houve interesse em aprofundar sobre a categoria dos trabalhadores catraieiros e moto-taxistas, no entanto, se evidencia por entender que são sujeitos que compõem o círculo da vivência no campo e nas águas. O porto da comunidade todos os dias, é palco da dinâmica de ida e vinda dos viajantes, que os utilizam como meios de transportes e conectam-se aos diversos labirintos que permeiam os territórios Nogueirenses.

A canoa é uma das formas de transporte mais utilizada pelos trabalhadores camponeses da comunidade, com destino aos rios, furos e igapós, locais onde retiram da natureza a sua existência. Para Silva (2016: 30), “[...] a canoa ou casco, é a arquibancada do tempo, cujo fundo está coberto por ramos de capim ou de folhas de árvores protegendo os peixes capturados”, nela o camponês vai à procura da dieta alimentar da família que é totalmente orgânica. O remo é um dos instrumentos usados pelos camponeses que prevalece como condutor a impulsionar a canoa a navegar as águas.

Para Triviños (1987: 55), “[...] as formas de conscientização dos conceitos dos modos universais da relação do homem com o mundo, que refletem as leis mais gerais e essenciais da natureza, a sociedade e o pensamento”, assim, podemos entender as categorias. O singular de uma comunidade camponesa amazônica se apresenta mediante aos costumes, crenças, tradições e instrumentos de trabalhos que são peculiares e apresentam os mais diversificados usos das terras das águas e das florestas de um determinado território, por aqueles que nele habitam, e que em dado momento, são particulares a cada região.

O movimento dos camponeses ao carregar em suas costas os rabetões até o porto da comunidade e acoplá-los na popa da canoa com a finalidade de dirigir-se aos locais em que se produzem suas culturas é perceptível na comunidade de Nogueira. Os instrumentos de trabalhos formados pela canoa, o remo, ou o rabetão são a realeza que agregam as particularidades das regiões amazônicas, visto que para Silva (2010: 119), “[...] o rabetão no Rio Solimões é a majestade. Ele leva e traz pessoas, vidas, saberes e narra com a dança das águas a vida daquele que vive num trânsito constante”; entre o campo e a cidade que permeia os territórios da Calha do Médio Solimões e consubstancialmente a comunidade de Nogueira.

Ao desvelar a comunidade na visão de quem avista pela primeira vez, se depara com o contraste da cultura do campo e da cidade.  Existem casas de alvenaria, de madeira e mistas, as mistas são caracterizadas pelas estruturas de alvenaria e as paredes de madeira.

 A comunidade possui (01) Associação Comunitária, (01) escola da rede municipal, (01) posto de saúde, (02) campos de futebol, (01) casa de reuniões comunitárias, (01) Igreja Católica fundada em meados do século XIX, (02) Igrejas Protestante-Assembleia de Deus-, (02) ruas que – cujos nomes são Rio Niterói e Rio de Janeiro – dividem aproximadamente 80 residências. Destaca-se que mesmo existindo na comunidade duas Igrejas protestantes, é perceptível o respeito que os moradores apresentam pelo catolicismo, que comemoram no dia 07 de outubro o aniversário da padroeira que é a Santa Nossa Senhora do Rosário.

As casas com arquiteturas cidade - campo, como já foi mencionado, possuem televisão, rádio, geladeira e antena parabólica.  As residências visitadas no decorrer da pesquisa de campo em 2016 são construídas em terrenos planos, e cercadas por árvores frutíferas. Existem nos quintais criações de animais e hortas ao fundo, local que se cultivam as hortaliças e plantas medicinais, tais como: capim–santo, alecrim, camomila, hortelã, anador, penicilina e cibalena. “As plantas medicinais fazem parte do cotidiano dos camponeses, que utilizam mais de 60 espécies cultivadas em canteiros residenciais” (Silva, 2011: 149).

Significa dizer que mediante aos cultivos de suas diversas culturas permeados em seu território, o camponês produz a sua existência. E utiliza a terra, as águas e as florestas como condutoras no processo de produzir e reproduzir os usos múltiplos dos recursos naturais. O potencial da agricultura familiar, para Fernandes e Molina (2004: 42) “[...] está na diversidade, no uso múltiplo dos recursos naturais”, contudo a visão que ainda prevalece na sociedade é o campo território inferior e arcaico.

O que na verdade é uma falsa imagem, pois coloca a cidade como o único território natural de desenvolvimento, desvalorizando os processos produtivos dos que residem no campo. O território camponês de Nogueira é caracterizado pelo plantio da mandioca, da macaxeira, da banana, do abacaxi, do cará, do açaí, do milho e da melancia, tais produtos formam a base alimentar dos sujeitos que ali residem.

A comunidade é atendia pelo Programa Luz Para Todos, o que significa um avanço na melhor qualidade de vida dos que residem no campo e produzem sua existência, facilita a conservação dos alimentos, meios de comunicação e entretenimentos, dona Maria Antônia 67 anos, agricultora da comunidade, destaca que: “[...] hoje aqui na comunidade, nós temos a opção de congelar os peixes, fazemos dindinho, e as crianças adoram, eu não perco a novela que passa todo dia, depois do almoço, estico o meu tupé, e só levanto depois que acaba aí vou para o roçado” (Caderno de Campo, 2016).

Embora a comunidade seja beneficiada com o Programa Luz Para Todos o que a torna particular é o saneamento básico, como serviços de coleta de lixo e água tratada, visto que os resíduos produzidos pelos moradores são queimados e a água que jorra da torneira a beira do girau, não é tratada.  O girau é na verdade a área de serviço doméstico do camponês de Nogueira. É ali, que os peixes são tratados, se armazenam água, ocorrem às higienizações dos utensílios, é o local do majestoso fogão a lenha, traços dos povos tradicionais que residiram na antiga Parauari.

Retomando a caracterização de Nogueira, destaca-se que a Associação Comunitária é formada pelo Presidente, Vice-Presidente, Secretário e Tesoureiro, coletivamente travam constante reivindicação para a melhoria da qualidade de vida dos que nela reside, uma das reivindicações se relaciona às políticas públicas, como por exemplo, escoamentos das produções que é inexistente fazem isto, por meio de reuniões, de acordo com a demanda apresentada.

O que a associação dos moradores reivindica também, é a valorização da identidade dos artigos que são destinados à comercialização, visto que, além de produzir para o consumo, produzem para a comercialização que abarca os camponeses adjacentes que lutam pelo registro dos produtos produzidos na comunidade, e, em articulação com as demais, cuja produtividade é oriunda da agricultura familiar camponesa e em parceria com o município, buscam identificar os produtos, como por exemplo, a farinha que a partir do registro, o consumidor saiba o local, a data e o nome do produtor que a produziu.
Para Caldart (2012: 10), “[...] a participação em uma organização coletiva cria traços fundamentais no perfil do ser humano que precisamos formar na atualidade: lutadores e construtores”. Significa dizer que embora as políticas públicas para Nogueira sejam insuficientes, à medida que se organizam em prol de reivindicar melhores condições de vida no campo, bem como a valorização das culturas locais constroem na comunidade a luta coletiva.

Ocorre que o indivíduo percebe que a forma como são comercializados seus produtos, bem como, ausência de registro, acabam por desvalorizar sua cultura, ao reconhecer a negação, ocorre um movimento que os possibilita se reconhecer como sujeitos de direitos, e decorrentes das lutas, surgem políticas públicas ancoradas à realidade do trabalho camponês, que, por exemplo, contrapõem-se a figura do atravessador, já que esse é um dos autores coadjuvantes do Modo de Produção Capitalista presente no campo.

Na comunidade, a família Araújo é considerada mais antiga, essas juntamente com a família dos Monteiro e Duarte constituem o núcleo dos trabalhadores e consubstancialmente a vida no campo, ali, se conheceram e estreitaram laços que culminaram em parentesco que passaram de geração a geração, os vínculos refletem nos modos de organizações. É típico o casamento entre primos, esses residem no mesmo teto que os pais e assim constitui as bases familiares, o que torna relevante no processo de produção de suas existências, isto porque, conseguem transformar uma quantidade maior de “[...] bens in natura, em produtos, resultados da ação coletiva coordenada da unidade familiar, o que acaba contribuindo, de maneira significativa, para a subsistência da unidade familiar” (Witkoski, 2007: 164).

Cada sujeito social tem a responsabilidade singular no processo produtivo. Se reconhecem como indígena, negro ou pardo é trabalhador camponês. Identificam-se como católicos ou protestante. Para a educação escolar sistematizada, uns são analfabetos, outros alfabetizados, uns concluíram o ensino fundamental, outros o ensino médio, mas todos possuem conhecimentos e saberes que foram passados de geração a geração, e mesmo com o advento da tecnologia, que sim, chega ao campo, se consideram trabalhadores camponeses, fato que os caracteriza como sujeitos com laços permanentes com a natureza.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse estudo foi evidenciar a história da comunidade de Nogueira, situada no Médio Rio Solimões, pertencente ao município de Alvarães Amazonas. Como foi possível observar, a história da constituição da comunidade, era desconhecida por boa parte da população, bem como seus aspectos sociais e culturais.

Nesse sentido, o estudo mostrou que sua colonização data do período da invasão do Brasil pelos europeus e que por um período significativo abrigou padres carmelitas e jesuítas, cujo objetivo era transplantar uma cultura sobre a outra. Os avanços históricos metodológicos da pesquisa instigaram os profissionais da educação buscar conhecimento sobre seu território e suas origens.

Os resultados da pesquisa indicam que os ancestrais da comunidade eram os povos indígenas que habitavam as margens do rio Solimões e que inicialmente era uma missão jesuíta pertencente ao território de Ega, atualmente conhecida com a cidade de Tefé. Salientamos que em 1753, ocorreu uma epidemia de varíola que se alastrou por Parauari, no qual atingiu boa parte da população. O resgate histórico da comunidade de Nogueira nos mostrou a necessidade de valorização dos sujeitos históricos e socialmente construídos.

REFERÊNCIAS

ARANHA, M. L. de A. (2006). História da Educação e da Pedagogia. 1.ed. Moderna, São Paulo.  

BORGES, H. da S. (2015). Formação continua de professores (as) da Educação do Campo no Amazonas. 2015. 206 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Educação.

BORGES, H. da S. (2014). Políticas da educação do campo: diretrizes e Resoluções da Educação básica na escola do campo. Manaus: Universidade Federal do Amazonas.  

BRITO, R. M. (2016). Elementos constitutivos dos processos de pesquisa e da construção do conhecimento. In: BRITO, R. M. de. Caminhos metodológicos do processo de pesquisa e de construção de conhecimento. EDUA: Manaus.

CALDART, R. S. C.; KOLLING, E. J. (2002). Educação do campo: identidade e políticas públicas. Articulação Por Uma Educação do Campo: Brasília Brasília, DF.

LOWY, M. (2015). Elementos para análise marxista. Cortez: São Paulo. 

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. (1986). Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. EPU: São Paulo.

MARCOY, P. (2001). Viagem pelo Rio Amazonas. EDUA: Manaus.

MARX, K. (2014). Crítica da economia política. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro.

MARX, K.; ENGELS, F.  (2008). A ideologia alemã. Martins Fontes: São Paulo.

SILVA, C. A. (2016). Área de interface ceramista pretérita: a coleção arqueológica José Alberto Neves. 2016. 211 f. Tese (Doutorado em Sociedade e Cultura) - Universidade Federal do Amazonas: Manaus.  

SILVA, O. B. As representações sociais de trabalho e educação em comunidades ribeirinhas. 2010. 194 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Amazonas: Manaus.  

*Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) em Educação: História, Política e Sociedade. Cursou Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (1990). É coordenadora do Grupo de Pesquisa: Gênero, Trabalho e Educação. Atualmente é professora Titular da Universidade Federal do Amazonas.
** Mestra em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (03/2018). Licenciatura em Pedagogia pela Laureate Internacional Universities (UNINORTE-2013). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas.
1Informação obtida no período da coleta de dados da pesquisa em 2016.
2 Informação obtida no período da coleta de dados da pesquisa em 2016.

Recibido: 16/10/2019 Aceptado: 22/10/2019 Publicado: Octubre de 2019


Nota Importante a Leer:
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.

URL: https://www.eumed.net/rev/caribe/index.html
Sitio editado y mantenido por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.
Dirección de contacto lisette@eumed.net