Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


CICLO DAS ÁGUAS E IMPLICAÇÕES NAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NO BECO SUBMARINO EM PARINTINS-AM

Autores e infomación del artículo

William Ferreira Brandão *

Alline da Silva Prestes**

Sandra Helena da Silva***

ICSEZ/UFAM, Brasil

Correo: william35ferreira@gmail.com


RESUMO: O presente artigo objetiva analisar as estratégias dos moradores do Beco Submarino em Parintins - AM, para sua manutenção nas áreas alagadiças, frente as implicações causadas pelo ciclo das águas característico da região amazônica. Morar em áreas alagadiças não é uma opção e sim resultado de problemas estruturais na elaboração e execução de políticas habitacionais, desde tempos imemoriais no Brasil. Para tanto foi utilizado como base teórico-metodológica dialética da complexidade sistêmica, segundo Morin (2010, p. 257), associada ao estudo de caso proposto por Yin (2005), com abordagem qualitativa. A pesquisa de campo ocorreu com 06 os moradores do Beco Submarino, buscando através da observação sistemática analisar a conjuntura em que vivem esses moradores. Os resultados apontaram para uma ineficaz ação do poder público no campo habitacional desenvolvendo ações paliativas e apaziguadoras para os moradores Beco Submarino, bem como a frágil organização social e política da população, limitando o acesso aos seus direitos sociais e a implementação de políticas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Habitação; Políticas Públicas; Ciclo das águas; Áreas alagadiças; Parintins.

RESUMEN: El presente artículo tiene como objetivo analizar las estrategias de los habitantes del Beco Submarino en Parintins - AM, para su mantenimiento en las áreas inundadas, frente a las implicaciones causadas por el ciclo de las aguas característico de la región amazónica. Morar en áreas inundadas no es una opción sino resultado de problemas estructurales en la elaboración y ejecución de políticas habitacionales, desde tiempos inmemoriales en Brasil. Para ello se utilizó como base teórico-metodológica dialéctica de la complejidad sistémica, según Morin (2010: 257), asociada al estudio de caso propuesto por Yin (2005), con abordaje cualitativo. La investigación de campo ocurrió con 06 los habitantes del Beco Submarino, buscando a través de la observación sistemática analizar la coyuntura en que viven esos moradores. Los resultados apuntaron a una ineficaz acción del poder público en el campo habitacional desarrollando acciones paliativas y apaciguadoras para los habitantes Beco Submarino, así como la frágil organización social y política de la población, limitando el acceso a sus derechos sociales y la implementación de políticas públicas.

PALABRAS-CLAVE: Vivienda; Políticas públicas; Ciclo de las aguas; Áreas de inundación; Parintins.

ABSTRACT: The present article aims to analyze the strategies of the residents of the Submarine Alley in Parintins - AM, for their maintenance in the floodplain areas, due to the implications caused by the water cycle characteristic of the Amazon region. Living in wetlands is not an option but rather the result of structural problems in the elaboration and execution of housing policies, since time immemorial in Brazil. For this, it was used as a dialectical theoretical-methodological basis of systemic complexity, according to Morin (2010, p.257), associated with the case study proposed by Yin (2005), with a qualitative approach. The field survey occurred with 06 the residents of Beco Submarino, seeking through systematic observation to analyze the conjuncture in which these residents live. The results pointed to an ineffective action of the public power in the housing field, developing palliative and appeasing actions for the residents of Beco Submarino, as well as the fragile social and political organization of the population, limiting the access to their social rights and the implementation of public policies.

KEYWORDS: Housing; Public policy; Water cycle; Flooded areas; Parintins.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

William Ferreira Brandão, Alline da Silva Prestes y Sandra Helena da Silva (2019): “Ciclo das águas e implicações nas estratégias de sobrevivência no beco submarino em Parintins-AM”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/07/estrategias-sobrevivencia-submarino.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1907estrategias-sobrevivencia-submarino


1. INTRODUÇÃO
            A questão habitacional no Brasil é resultado de políticas públicas inacabadas, desconexas com as diversas realidades do território brasileiros e não tendo dado conta de atender as demandas das populações de baixa renda. Todas as políticas habitacionais implantadas nos governos brasileiros são resultados das lutas dos movimentos sociais ligados ao direito à habitação, entre eles os denominados sem teto, sem moradia, sem-terra, movimentos de ocupação, “invasões”, dentre outras expressões de grupos sociais que buscam um direito fundamental - Morar.
            Frente à ineficiência das políticas públicas e programas habitacionais desenvolvidos pelo governo brasileiro, temos um cenário em que a carência por moradia ainda é presente na vida de milhares de pessoas. Cita-se ainda a crescente segregação espacial, com o desenvolvimento de áreas “nobres” direcionada aqueles que possuem condições de pagar, com infraestrutura e espaços privilegiados, e por detrás dos muros tem-se as áreas chamadas “periféricas”, a maioria resultante de ocupações da classe operária e com problemas estruturais de moradia e infraestrutura precarizadas.
Este tipo de segregação é um dos fatores para o desenvolvimento de ocupações desordenadas, que originam diversas problemáticas no que concerne à infraestrutura e qualidade de vida da população que lá habita. Frente a falta de alternativas sucessivas do onde e como morar, tem-se como únicas e últimas possibilidades a ocupação de terras nas cidades, geralmente essas ocupações ocorrem em bloco, movido por um certo número de famílias que unidas buscam estratégicas para sua sobrevivência. (RODRIGUES, 2014).
Para sobreviver é preciso morar, ter um teto, assim famílias, por meio dos movimentos, passam a habitar locais insalubres, precários, que não oferecem condições mínimas de vida, tais como: favelas, loteamentos irregulares, morros, palafitas, entre outros (COSTA, 2014). Em geral essas áreas ficam próximas as áreas alagadiças, encostas, morros, gerando uma série de problemas sociais e ambientais para os habitantes da região.
Em Parintins/AM é comum encontrar centenas de famílias morando em áreas alagadiças, próximos aos igarapés e lagos da cidade, visto que o município é um arquipélago, composto por inúmeras Ilhas, sendo a maior delas a cidade de Parintins. Dessa forma, está sujeito anualmente aos ciclos das águas, gerando períodos de cheias e secas na região.
O período das cheias dos rios é quando os moradores das áreas baixas – alagadiças - são
mais afetados, e como estratégia para sobreviverem a esse movimento das águas, constroem suas casas sobre as palafitas1. Esta realidade é encontrada no Beco Submarino, localizado no bairro da Francesa. No município de Parintins não existe uma política pública para atender as demandas dessa população.
O objetivo deste trabalho é analisar as estratégias dos moradores do Beco Submarino, para sua manutenção nas áreas alagadiças, frente as implicações causadas pelo ciclo das águas característico da região. Haja vista o olhar negligenciado da população e do poder público para o problema de quem mora em áreas alagadiças.
Para tanto foi utilizado como base teórico-metodológica dialética da complexidade sistêmica, segundo Morin (2010, p. 257), por esta oportunizar a apreensão de parcelas da complexidade da realidade com uma compreensão dos sujeitos e ambiente a partir dos conceitos de sistema, interações e organização do sistema; associada ao estudo de caso proposto por Yin (2005), com abordagem qualitativa. A pesquisa de Campo ocorreu com 06 os moradores do Beco Submarino, buscando através da observação sistemática analisar a conjuntura em que vivem esses moradores. Durante as análises dos dados, foram realizadas, observação, imagens fotográficas e entrevistas.

2. O ciclo das águas no Amazonas
A cidade de Parintins, é pertencente a bacia hidrográfica do rio Amazonas/ Solimões, cercado por lagos do Parananema, Aninga e Macurany. A cidade está localizada às margens do rio Amazonas, é circunscrita em um espaço hídrico, que expõe sua exuberância em ser banhada na totalidade por água doce. Lima (2016, p.30) salienta que a cidade em seu entorno tem uma perspectiva definida de micro bacia, sendo drenada pelo rio Amazonas bem como emaranhado de outros pequenos rios, igarapés e Paranás.
A falta de sincronização entre o regime fluvial e o regime pluvial (chuvas) faz com que existam quatro “estações climáticas” no ecossistema da várzea, que regulam o calendário dos ribeirinhos: a enchente (subida das águas), a cheia (nível máximo das águas), a vazante (descida das águas) e a seca (nível mais baixo das águas). Nesse Ambiente de constante e forte estresse, a biota e o homem amazônico desenvolvem e reproduzem técnicas continuamente para se adaptar a essa dinâmica (FRAXE et al.,2007, p.15).
Os meses de agosto, setembro e outubro formam o trimestre que corresponde à estação da seca. Esta estação se caracteriza por um menor nível das águas, mínimas mensais de precipitação, máximas de insolação. Conhecido localmente por “verão”, este trimestre é marcado pelo aumento da oferta de áreas cultiváveis e consequente intensificação das atividades produtivas terrestres, entre elas, as atividades de preparo do solo e as atividades pecuárias (FRAXE et al., 2007).
Durante esta fase, a redução da superfície dos corpos d’água permite também a intensificação das atividades produtivas aquáticas, entre elas a pesca lacustre e de canal. Além disso, a exposição do leito fertilizado dos lagos permite que nestes locais ocorra o crescimento acelerado de plantas herbáceas adaptadas à fase terrestre possibilitando a incorporação destes ambientes à paisagem agrária como áreas de pastagem naturais (STERNBERG, 1998).
Os meses de novembro, dezembro e janeiro formam o trimestre da estação mais amena, que corresponderia ao “outono” das regiões subtropicais e temperadas, com condições ideais para o desenvolvimento das espécies agrícolas. Em anos normais, com o fim da estação seca, ocorre a normalização da precipitação e a recuperação da umidade do solo. O trimestre fevereiro/março/abril corresponde à enchente (subida das águas) e ao período chuvoso.
Denominado localmente de “inverno”, esta estação é marcada por precipitações superiores a 250 mm mensais, baixa insolação e evapotranspiração. (FRAXE et al., 2007). O ciclo hidrológico constitui-se em um processo natural de evaporação, condensação, precipitação, detenção e escoamento superficial, infiltração, percolação da água no solo e nos aquíferos, escoamentos fluviais e interações entre esses componentes.
Lima (2016), ressalta que o clima representa fator preponderante e de massivo impacto na magnitude do ciclo hidrológico, há uma relação direta com o regime pluvial, especialmente as chuvas que caem em locais mais distantes da bacia amazônica. De acordo com Lima (2016, p.32), na bacia do rio amazonas existem características climáticas contrastantes. A precipitação varia em média 200 a 6.000 mm ano de acordo com a região, fazendo com que ocorra o adentramento massivo de água na bacia sob a forma de chuva.

            Em Parintins o clima é equatorial, precipitação pluviométrica anual de 2.327 mm, insolação anual de 2.282,51. Temperatura mínima ao longo do ano de 22,4º C, máxima de 35,5º C. Souza (2013, p.33), corrobora que o município apresenta duas estações diferenciadas, sendo: uma chuvosa chamada pela população de inverno, que se estende de dezembro a maio, e uma estação de estiagem chamada de verão que se prolonga de junho a novembro.
Silva et al.(2015) destaca que, os volumes de águas pluviométricas e/ou fluviométricas são influenciados pelas mudanças climáticas de todo planeta, não podendo deixar de negar as fortes pressões antrópicas ocorridas no desenvolvimento da sociedade “civilizada” capitalista, influenciadoras dessas mudanças climáticas.

            De acordo com Teixeira (2015, p.40), a lagoa é predominantemente urbana, com o perímetro estabelecido em 4.517,75 m e área geográfica de 228.500 m². O bairro da Francesa é um dos mais antigos da cidade, estimada em 1848. A autora (2015), afirma que não há um consenso sobre a origem do nome “Francesa”, mas a história viva salientada pelos moradores da localidade, diz respeito a um morador advindo da França que possuía uma filha formosa. A beleza estonteante da jovem atraía rapazes que proferiam a famosa frase “Vamos ver Francesa”, que mais tarde seria adaptado a “Vamos à Francesa” para fazer menção a ideia de se chegar ao porto da lagoa.
Sua localização estratégica na região central da cidade, faz com que se constitua em porto de embarque e desembarque de produtos e insumos agrícolas da zona rural do município e de estado do Pará. Nos arredores, há a presença de comércios de pequeno e médio porte, a Feira do Bagaço, além de várias residências. A sazonalidade das águas da Bacia Amazônica, implica em transformações na lagoa durante o período das cheias, servindo de porto para centenas de embarcações de pequeno e médio porte. No entanto, durante a seca, a mesma torna-se via de acesso terrestre ao bairro de Santa Clara.
De acordo com Teixeira (2015, p. 39), nos anos de 1980 e recente 2013, a lagoa foi aterrada em parte de sua cabeceira para a construção da escadaria e revitalização da orla da lagoa. Todavia essa medida afetou a paisagem e o curso da água que comprimida, teve que escoar para outras localidades. A região é um retrato histórico do abandono das administrações públicas, em relação a sua precária infraestrutura.
Autores como Marinho e Azevedo Filho(2009) corroboram com a afirmação que as ruas, não recebiam tratamento de esgoto sanitário, o que veio por poluir e assorear as margens da lagoa, que antes as águas límpidas eram de grande utilidade aos moradores, para lavagem de roupas e banhos refrescantes.
Hoje água poluída por dejetos oriundos do consumo humano sem controle, é a mesma que adentra a residência dos moradores nos períodos de cheia dos rios. Frisa-se que até hoje, a cheia atinge inúmeras famílias residentes no entorno da Lagoa da Francesa, levando a tomar medidas, como construções de casas elevadas que não sejam alcançadas pelas cheias do rio, ou a construírem marombas2 .
O plano diretor da cidade de Parintins, estabelece em seu artigo 65 correspondentes ao tópico de macrozoneamento do município, no inciso I, que há a restrição da ocupação em áreas de proteção ambiental existentes no âmbito municipal, preferencialmente às proximidades da Bacia hidrográfica da Francesa e de outras que circundam o território Parintinense. No entanto, como enfatiza Teixeira (2015), desde a implantação do referido plano, não se viu uma ação goveridntal que provesse de fato, a proteção a lagoa. O que se observa são ações pontuais da sociedade civil que buscam sensibilizar a comunidade acerca da problemática, porém nada de alcance concreto.

3. Cidade de Parintins: adaptabilidade sob o ritmo do sob e desce das águas
Os seres humanos além de utilizarem a água para suas funções vitais como todas as outras espécies, usam os recursos hídricos para um vasto conjunto de atividades: navegação, produção de alimentos, lazer, turismo, entre outras. De acordo com Sternberg (1998, p.14), “[...]a água constitui o elemento da paisagem através do qual mais agudamente se sentem as vinculações do homem com o meio”.
Uma das características mais notáveis das populações humanas é que elas são admiravelmente adaptáveis[...] e o estudo da adaptação humana está centrada em características funcionais e estruturais das populações humanas que as auxiliam a enfrentar alterações ambientais e condições de grande estresse” (MORAN, 2010, p.23).
Aos povos tradicionais da Amazônia o processo de adaptação está interligado ao intenso pulso das águas, deflagrada em duas estações (cheia e seca), que acarretam uma série de situações e emergências a essa população. Autores, como Junk (1980, p.775), utilizam a teoria do pulso de inundação quando o tema tratado é áreas inundáveis.  Segundo o teórico, o pulso de inundação constitui-se na principal força responsável pela existência, produtividade e interações da maior parte dos seres vivos em sistemas lóticos (rios e riachos) de planícies de inundação.
Para Junk (1980, p.783) pulsos curtos e geralmente não previsíveis ocorrem em riachos de pequena ordem ou em sistemas altamente modificados por atividades antrópicas. Devido aos pulsos em riachos de baixa ordem serem breves e não previsíveis, os organismos apresentam adaptações propícias ao aproveitamento desta transição entre o ambiente aquático e terrestre.
Por outro lado, um pulso previsível e de longa duração gera nos organismos adaptações e estratégias para usar de maneira eficiente os atributos desta zona de transição aquática/terrestre, variando temporalmente de acordo com a sazonalidade. A mudança periódica entre a fase terrestre e a fase aquática é o fator mais importante para a biota das áreas sujeitas à inundação. (LIMA, 2016, p.66).
Vários organismos são adaptados de diversas formas para a vida em ambas as fases. Geralmente, uma dessas fases é desfavorável ou até catastrófica para esses organismos. Por isso, eles devem recuperar, durante a fase favorável, as perdas sofridas pelas populações durante a fase desfavorável, além de garantir a sobrevivência de uma parte da população durante a próxima fase desfavorável. (JUNK, 1980, p. 783).
Segundo Morin (2011) o conceito de adaptação toma o sentido complexo, tornando-se integração de uma (auto)-organização numa (eco)-organização. Os seres vivos elaboram estratégias de adaptação para viver e vivem para adaptar-se. “[...] A aptidão para adaptar-se/adaptar faz intervir o que era invisível no âmbito da noção única de organismo: um ser auto organizador que elabora estratégias de vida, de inserção, de luta etc.” (MORIN, 2011, p.65).
Nesse sentido, a adaptação é entendida como estratégia de vida dos seres vivos, elaborada a partir de uma capacidade de viver em um universo organizado comportando riscos e incertezas e isso permite o desenvolvimento correlativo das estratégias cognitivas e das estratégias de comportamento.
A cidade de Parintins, é cercada por corpos hídricos e dessa forma está sujeito ao fenômeno da cheia. Os lagos de Macurany, Parananema e ainda a Lagoa da Francesa nos períodos de subida das águas, atingem os moradores que vivem às suas margens, de forma que as populações passam a desempenhar estratégias para driblar os efeitos das águas. (LIMA, 2016).
Os moradores usam como principal artificio a madeira, que serve para fazer elevações dos pisos(marombas 3), como também a manutenção dos esteios das casas construídas nos moldes das palafitas. As palafitas são estruturas construídas em madeira, que ficam suspensas a determinada altura do solo, com vistas a driblar o alcance da água à residência.
Esse modelo de casa está desde sua origem ligada ao processo de ocupação da Amazônia, pois foi a forma encontrada pelos povos tradicionais para adaptar-se ao ciclo das águas, com 6 meses de seca e 6 meses de cheia dos rios. Lima (2016, p.64), corrobora, que em locais onde as águas fluviais elevam em níveis nas cheias, a estrutura da palafita deixa as casas em uma altura mais elevada para o não alcance da água.
As palafitas possuem relação estrita com a cultura local, onde a população usa do meio hídrico para suprir suas necessidades e também seu lazer, no entanto o constante assoreamento e poluição, com o descarte indevido de resíduos sólidos, põe em xeque essa relação natural e harmoniosa. Para Souza (2013), a pressão antrópica sobre Parintins só aumenta, resultado de ocupações desordenadas, inclusive em área de preservação ambiental e permanente. Com elas, há mais produção de águas residuais lançadas a céu aberto no espaço público. Uma medida adotada durante o período colonial para se desfazer de um incômodo doméstico, que ainda hoje impacta significativamente na qualidade de vida das pessoas.
O crescimento das cidades implica em surgimento de problemas nas mais variadas ordens, dentre eles o saneamento básico. Archanjo (2016, p.94) enfatiza que, esse processo de urbanização desordenado tem provocado alterações negativas sobre o ambiente terrestre, em função dos resíduos sólidos lançados nesse ambiente. Além de impactar o ambiente aquático com o despejo de milhões de metros cúbicos de águas servidas diariamente.
Deste modo, cidades construídas sem um planejamento adequado fragilizam a natureza inserida na sua estrutura, assim, as águas como elemento constituinte da demarcação citadina se tornam, com o tempo, degradadas pela ação antrópica. Teixeira (2015, p.26) ainda afirma que, nos rios e igarapés que cortam as cidades, é constante ver objetos flutuando, alterando a paisagem, o que modifica, igualmente, o modo de uso dos indivíduos com as águas. Tal situação, infelizmente, parece estar se naturalizando como consequência da urbanização.

            O Registro fotográfico representa o descaso com relação aos despejos de maneira desordenada de resíduos sólidos, algo que interfere na dinâmica do viver da comunidade, pois estes resíduos atraem animais e insetos que são vetores de doenças. Ao analisar a relação com o ambiente em que vivem os moradores do Beco Submarino, há a presença de resíduos, no que diz respeito os resíduos sólidos (Lixo) e as águas residuais das residências. No dístico de um dos moradores é destacado a presença da problemática do lixo.

Na chuva muito forte vem uma agua horrível, desce agua aí, vem de lá da paraíba e desce tudo aí, é horrível a primeira vez que eu vi fiquei com medo, que desce tudo tanto aqui como dali... quando dá muito forte a chuva alaga tudo, ai vem tudo, tudo que você possa imaginar vem de lixo. Olha vocês veem que aqui tem muito lixo, mas dizer assim que é a gente que joga, não, vem tudo com a chuva. (Morador(a) Nº3, 37 anos, maio/2018).

            As narrativas acima deflagram a presença e convivência cotidiana dos moradores do Beco Submarino com o lixo, onde o quantitativo desses resíduos é oriundo das proximidades do Beco, por este se apresentar abaixo do nível da rua, ocorrendo de forma fácil o escoamento e deposito desses resíduos e das águas pluviais no solo daquela localidade, tornando o solo constantemente encharcado.
Observa-se o quanto essa população que vivem as margens da sociedade e também dos lagos e igarapés, são instrumentos para a reprodução do capital. Tonet (2009, p.3) em seus estudos afirma o quanto nos dias de hoje a humanidade teria a capacidade de produzir riqueza suficiente para atender as necessidades básicas de todos os habitantes deste planeta. Contudo, o capitalismo parece necessitar da escassez como um elemento vital para sua manutenção.
Assim evidencia-se a concentração da riqueza produzida nas mãos de poucos, e a impossibilidade da justa distribuição dessa riqueza é resultante falta de vontade política, dá má administração dos recursos públicos, e dos variados mecanismos de corrupção que massacra ainda mais os mais pobres. Todas essas variáveis impactam na vida daqueles que vivem do trabalho, pois é dificultado à eles o acesso há uma moradia digna e amparada pelos serviços básicos.
A necessidade gerada pelas mazelas do capital é implacável, e obriga o indivíduo a submissão e situações inconcebíveis e desumanas:

Aqui quando enche é ruim, pois a agua trazia o lixo e ficava uma porcaria, além de muito rato que aparecia, carapanã, embuá, caramujo, isso sem falar na cobra. Quando minhas neta ainda estavam pequena, ela estava dormindo na rede, quando meu marido viu tinha uma jiboia descendo pelo punho da rede dela, sorte que ele viu e matou a cobra[...](Morador(a) Nº2, 74 anos, maio/2018).

            Como pode ser observado no dístico do morador acima, os sujeitos são submetidos a condições extremas, a cheia dos rios por si só já altera a dinâmica de vida, e nas entrelinhas o indivíduo ainda tem que subsistir as problemáticas trazidas pelas cheias, como o aparecimento de animais peçonhentos e vetores de doenças que põem em risco a saúde de crianças e adultos dessas famílias.
Há também de se discutir os odores emanados neste local, haja vista que por ser considerado uma área baixa os esgotamentos de outras residências desembocam naquele local, sem levar em conta a água residual da própria casa dos moradores, fossas sépticas e fossas negras construídas como depósitos para as necessidades fisiológicas do ser humano.
Archanjo(2016) discorre sobre a forma como os odores estão associados a saúde dos indivíduos, já que os odores podem causar desconforto às áreas circunvizinhas e afetar a saúde das pessoas, o que torna imprescindíveis a prevenção das emissões e o tratamento dos gases.
Os odores ao estarem associados lixo, resíduos e materiais orgânicos em decomposição geram gases que apesar de aparecer inofensivo, podem causar de acordo com Rubim (2015, p.17), irritação atuando sobre o sistema nervoso, afetando olhos e vias respiratórias, que podem ser agravadas conforme a frequência e exposição do indivíduo.
O tratamento das águas residuais no sistema da rede e coleta de esgoto inexiste no Beco Submarino. Essa situação não é exclusiva ao município de Parintins, como indicado nos dados coletados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2014 (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados atestam que na região norte apenas 21,2% das residências estão conectadas a rede de coleta. Soma-se a isto o fato de que 39% do esgoto gerado no Brasil não é tratado, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.

            Outro aspecto a ser destacado, diz respeito ao odor característico do local, pois as águas servidas somadas ao lixo, tendem a produzir um intenso mal cheiro, que a qualquer visitante causa estranhamento, devido a não familiaridade com a situação, ou ao fato da insegurança a saúde que tal odor traz.
Para corroborar com a afirmação Archanjo (2016, p.145) indica que o odor do esgoto a céu aberto, além de trazer consigo o teor de “infectado por doenças”, cheiram também ao descaso, à irresponsabilidade do poder público em resolver ou diminuir o problema que repercute negativamente na vida das pessoas.
Archanjo (2016, p.93) enfatiza que, Parintins é uma das cidades brasileiras que padecem por falta de iniciativas para resolver definitivamente o problema da ausência de rede coletora e tratamento de esgoto, o que tem criado impactos negativos na saúde de seus moradores, e gerado níveis de poluição, ainda não devidamente estudados, no meio hídrico que circunda a ilha.
A Legislação Brasileira (Lei Nº 11.445/2007) proíbe o despejo dos esgotos domésticos em meio público ou em corpos hídricos. Mas o que ocorre na realidade é um a contravenção a normalidade, tornando corriqueira tal prática pelos municípios brasileiros, indicando a não observância da lei por parte do poder público dos municípios, incluindo a cidade de Parintins.

4. Estratégias de sobrevivência no Beco Submarino
As casas no Beco Submarino são em sua maioria simples, construídas em madeira, assoalho, cobertas com telhas de amianto e erguidas sob perna-mancas. Segundo Sombra (2012, p.23), as palafitas são erguidas a dois metros de altura em relação ao solo e distantes uma das outras em aproximadamente um metro. O tipo de moradias que esses sujeitos constroem está estritamente ligada as características do local e as condições financeiras particulares de cada um dos moradores.

            Mediante ao que foi proposto pela pesquisa, foi possível aferir entrevistas com (06) seis sujeitos moradores do Beco Submarino, na primazia de coletar dados acerca da história oral daquele ambiente citadino e formalizar as características sociais e econômicas daqueles moradores. Há uma variedade no quantitativo de pessoas que constituem cada família pesquisada, com laços consanguíneos: irmão, pai, mãe, tio, tia e etc.

            Segundo Sombra (2012, p.7) os moradores do Beco Submarino chegaram a cidade, em sua grande maioria advindos das comunidades rurais de Parintins ou até mesmo de outras cidades e Estados, sempre em busca de melhores condições de vida, educação, saúde e moradia. Isso se deve em parte à construção de uma imagem do município de Parintins como referência no Amazonas no que diz respeito à saúde e educação.
Ao analisar os dados fornecidos pelos moradores em consonância com a afirmativa acima, dos 6 entrevistados a naturalidade deles é bem distribuída territorialmente sendo um de cada uma dessas localidades: Paraná de Parintins, Itacoatiara, Parintins(urbano), Comunidade Ilha do Vale(Pará), Uaicurapá e Juruti(Pará). Essa diversidade pode ser explicada por meio da projeção que era dada ao município, como elenca Sombra (2012), havia o esforço do município em se projetar através de propagandas como um espaço de muitas possibilidades de melhoria de vida e bem estar.
O Beco Submarino foi constituído no final da década de 1970, na gestão do então Prefeito Benedito Azedo. O local está registrado em ata como Vila Submarina, assim batizada dada suas características físicas e o fato do local estar sempre úmido. Os sujeitos foram chegando e ocupando as margens da Lagoa da Francesa que faz frente à Rua Paraíba e Cap. Pedro Ferreira, adentrando e construindo pontes onde hoje está localizado o Beco Submarino.

            A figura acima retirada do mapa da cidade de Parintins feito em 1985, originado de um cadastramento de casas existentes na cidade para o controle da Fundação de Saúde do Município, ao analisar as legendas é possível observar as nomenclatura e representações para cada área. Sombra (2012, p.31), salienta que durante muitos anos tentou-se camuflar a existência de uma pequena vila dentro de um dos bairros mais “nobres” da cidade, que é o Bairro da Francesa.
Nela estão catalogadas as áreas alagadiças ou inundáveis do município. No entanto este censo representa o beco como área não alagada como qualquer outra parte da cidade em situação de terra firme. Ao analisar os dísticos dos moradores é possível elencar o vislumbre dos moradores em morar no Beco Submarino, devido a sua localização no centro e o alcance a serviços básicos e essenciais.
Ao questionar os moradores do Beco Submarino, sobre a percepção de se morar naquele local, foi possível observar uma certa dicotomia de opiniões:

Ruim ou não aqui fica perto de tudo, dá para comprar tudo, tem posto de saúde, hospital...tudo perto...então se for pensar assim aqui não é tão ruim...mas tem aquela questão né se tiver um lugar melhor claro que a gente vai[...](Morador(a) Nº5, 55 anos, maio/2018).

[...]Aqui fica ruim quando enche, mais aqui é bom fica perto de tudo, perto da ferragem, mercado, de feira, de hospital de tudo... aqui é bom é por isso que eu não me mudei daqui... meus filhos dizem para eu vender e comprar uma casa em outro lugar mais eu não quero não. (Morador(a) Nº4, 65 anos, maio/2018).

            Os moradores do Beco Submarino mesmo vivendo sem nenhuma infraestrutura e sobre palafitas, acreditam que morar no centro para eles é bem melhor do que morar em bairros mais distantes, há a relação do “status” de quem mora nas áreas centrais. Dessa forma morar em outros locais está fora de cogitação para alguns destes moradores.
O Beco é uma forma não só de apropriação, mas também de resistência, a qual os moradores tiveram que traçar estratégias para fazer valer seus direitos a cidade. Direito à saúde, educação e infraestrutura. A carência desses sujeitos está contida na ausência de políticas públicas mais eficientes no município de Parintins.
Por se tratar da segunda maior cidade do Estado do Amazonas, e dado seu potencial turístico, Parintins desde a década de 80 tem se tornado atrativa para esses sujeitos sociais que deixam seus lugares de origem em busca de melhores oportunidades e condições de vida.
Outro aspecto observado na narrativa diz respeito ao sentimento de “pertença”, em se reconhecer como parte do local/ambiente. Ao analisar esta afirmativa faz necessária a
apropriação do sentimento Topofilico, abordada por Tuan (1980, p.107), que define o termo topofilia, como o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. O autor não aborda a topofilia apenas do ponto de vista das percepções, mas também das atitudes e de valores envolvidos nas relações com o ambiente.
Os indivíduos investem parte de sua vida emocional em seu lar, incluindo seus laços afetivos. Portanto ter que “sair” daquele local representa uma ameaça a todas as relações que foram socialmente construídas, com corrobora Tuan (1980, p.114), é ser despido de um involucro, que devido à sua familiaridade protege o ser humano das perplexidades do mundo exterior.
Partindo desse pressuposto há a recusa e resistência por parte dos moradores de buscar outras opções de moradia, em virtude de toda história construída naquele ambiente. O sentimento de pertence ao local interfere na escolha, sendo necessário um trabalho que de forma alguma obrigue aquele morador a se mudar, mas que se faça entender que o ato de morar esta circunscrito em uma dinâmica maior onde o morador é detentor de todos os direitos e serviços envolvendo a política de habitação.
Ao analisar as relações dos moradores do Beco Submarino com o ambiente, faz-se necessário subsídios teóricos, para abordar as contradições acerca do saber ambiental e a racionalidade ambiental. Leff (2015, p.150) corrobora que o saber ambiental se inscreve na busca de novas matrizes de racionalidade que deem espaço aos sentidos não formalizáveis; ao incomensurável, ao diverso e ao heterogêneo: a categorias (racionalidade ambiental) abram o campo a uma multiplicação de experiências.
Leff(2015), afirma ainda que o saber ambiental transforma o campo do conhecimento gerando novos objetos interdisciplinares de conhecimento, novos campos de aplicação e novos processos sociais de objetivação onde se constrói a racionalidade ambiental.
A crise ambiental gerou questioidntos na ordem da racionalidade econômica dominante, assim como das ciências, do conhecimento e saberes que serviram de suporte para o processo civilizatório alicerçado no domínio do homem sobre a natureza. Essa dicotomia de acordo com Leff (2015), é gerada a partir do momento em que o homem enquanto ser predatório acaba sobrepujando o ambiente ao qual ele vive.

A racionalidade econômica exclui a valorização dos potenciais ecológicos e os serviços ambientais, os processos de degradação antrópica, os valores culturais, os direitos humanos, a qualidade de vida, os processos de longo prazo e as preferencias futuras dos consumidores. (LEFF, 2015, p.159).

            Isso ocorre devido ao desligamento ilusório do homem para com o ambiente, o homem dotado de saberes científicos e ambições econômicas, agride o ambiente em que ele está inscrito sem atentar as consequências de suas ações. O sistema capitalista empodera esse homem, cria uma lógica em que o homem está sempre no poder e acima das outras formas de vida.
Tal afirmativa está em consonância com os dísticos dos moradores, onde a ação do homem degrada esse ambiente ao ponto em que as forças naturais, através das inundações, trazem de volta tudo que de ruim foi despejado pelos indivíduos, como as águas residuais e o lixo:

Quando transborda vem lixo...vem tudo com a chuva, tem um pessoal que coloca na rua fora do horário e vem tudo pra cá, do outro lado do mesmo jeito[...] são três partes para jogar o lixo, mas mesmo assim continua complicado, falta consciência do pessoal(Morador(a) Nº3, 37 anos, maio/2018).

            Mediante isso é necessário analisar a educação ambiental dos moradores do Beco e das ruas próximas, tendo em vista o respeito à destinação e descarte correto dos resíduos sólidos. Haja visto que é um problema tão pouco casual, mas recorrente no município, como pode ser observado nos escritos de Archanjo(2016) ao analisar jornal datados de 1907 revelam que, foi proibido aos habitantes o ato de jogar imundícies nas ruas, revelando a dificuldade em manter a cidade limpa, já que a população possuía hábitos que em nada ajudavam a higienização urbana (JORNAL PARINTINS, p. 3, 1907).
O capital e suas estratégias de desenvolvimento têm contribuição direta para essas contradições, pois enquanto o mundo moderno e urbanizado produz cada vez mais resíduos, por outro lado “[...] formações sociais de autora representam ostensiva capacidade de assimilação pelas dinâmicas naturais” (WALDMAN, 2010, p. 50 apud ARCHANJO, 2016).
Ao capital não é vantajoso forjar cidadãos conscientes dos danos ao ambiente, pois o ecologicamente correto demanda dinheiro e tempo, e a maximização de giro de capital é lema no sistema. Contudo, nem mesmo o capital com sua magnitude é capaz de conter as forças adversas da natureza. Como afirma Rocha (2010, p.08), nessa produção histórica, mesmo nas sociedades atuais, verifica-se a predominância de efeitos não previstos; que as forças não controladas são muito mais poderosas do que as postas em movimento de acordo com o plano estabelecido.
Em contraposição a esta dicotomia, Leff (2015, p.157) discorre que na consciência ambiental são gerados novos princípios, valores e conceitos para uma nova racionalidade produtiva e social, e projetos alternativos de civilização, de vida, de desenvolvimento. Partindo desse pressuposto Leff aborda a “externalização” do ambiente, onde surge margem a racionalidade econômica que exclui a valorização dos potenciais ecológicos e os serviços ambientais, os processos de degradação antrópica, os valores culturais, os direitos humanos e a qualidade de vida.
Os moradores do Beco Submarino sofrem como reflexo das ações da cidade, em especial as áreas adjacentes a montante do beco que afetam este local, já que as águas e resíduos sólidos são escoados por meio da chuva e do sistema de esgotamento, afetando diretamente aquele local.
Ao confrontar-se com a adversidade do cotidiano, o fenômeno das cheias sazonais, os habitantes e o poder público passam a traçar estratégias para tornar “menos” sofrida a vida dos moradores de áreas alagadiças, em especial ao Beco Submarino. As estratégias dos moradores estão voltados ao aterro, mais especifico e viável a quem mora próximo as beiradas, a maromba e a construção de casa de dois andares.
É importante destacar que o tipo de moradia já representa uma estratégia para morar em áreas alagadiças, as palafitas, que segundo Lima (2016, p.64)” correspondem a um tipo de habitação de madeira construída sobre troncos e pilares também de madeira, os esteios sustentadores mantenedores das casa”.
Esse tipo de construção é comum em áreas alagadiças, locais onde as águas fluviais elevam em nível nas cheias, a estrutura da palafita deixa a casa em uma determinada altura visando o não alcance da água. O diferencial ao analisar o espaço do beco Submarino, é que este tipo de moradia evita também as águas pluviais em decorrência de chuvas torrenciais e o encharcamento do solo mediante o esgoto que deságua no local.
O uso da estratégia do aterro em preparação ao período das cheias, só é possível para quem mora na parte mais alta do Beco Submarino, tendo vista o nivelamento do terreno a certa altura que não seja passível do alcance da água. Sobre esta estratégia a Morador(a) Nº 4 destaca: “[...]Aqui ainda alagou nessas cheias grande, aí eu paguei para fazer um piso de cimento, que mesmo assim ainda alagou, aí a gente aumentou mais um pouco, vamos ver agora”.
Ao analisar o dístico é possível verificar o resistir dos moradores, além do custo gerado para se manterem nesse local. No caso acima foram necessários um dispêndio de energia, haja visto que em duas ocasiões mesmo com o aterro a água ainda alcançou a residência, onde os moradores aguardam a proximidade da água para avaliar se esta elevação foi suficiente.
As famílias que não podem efetuar o aterro recorrem a outra duas formas de estratégia em relação a preparação da casa para o período da cheia, a maromba e a construção de casa de dois andares. Quanto a maromba, caso a água inunde o assoalho da palafita é feito um segundo assoalho provisório de madeira sobre o original:

Em 2009 e 2012 foram nãos de cheia grande, alagou tudinho aqui em casa, agora a gente já suspendeu o assoalho e não chega mais[...]Durante a cheia aqui foi difícil, teve que fazer umas pontes e colocar maromba, só com algumas tabuas porque não teve condições, a gente teve que sair daqui e ir pro aluguel, aqui mesmo na francesa pois a gente queria ver se ninguém ia querer invadir a casa. (Morador(a) Nº3, 37 anos, maio/2018).

            Ao verificar o dístico do morador, nota-se a importância da madeira no processo de manutenção desses moradores no local, pois com ela realiza-se atividades primordiais, como a manutenção da ponte que os moradores usam para circular, são construídas as casas de palafita e as marombas. Lima (2016, p.66), corrobora que a madeira é viabilizadora da construção material das estratégias de adaptabilidade dessas famílias moradoras, pois a cada cheia nova será necessário madeira para manter a casa de pé.
No que concerne o poder público, como pode ser observado a partir dos dísticos dos moradores, as medidas nunca buscam resolver em definitivo o penar desses moradores:

Olha o que o prefeito mandou fazer pra nós que ajuda muito foi só a ponte, como esse ano parece que não vai ser grande(cheia), não veio nenhum tipo de ajuda, lá em 2012 eles ajudaram, deram tabuas, a gente recebeu 300 reais como ajuda, para quem não tem nada já ajudava né, pelo menos para fazer maromba e eles também davam rancho e só. (Morador(a) Nº1, 64 anos, maio/2018).

            O prefeito mandou dar madeira, só que teve ano que a gente ficou com raiva, porque ele deu uma madeira quase podre para a gente que não serviu pra nada, teve ano que ele deu uma ajuda em dinheiro que era pra gente sair daqui, mas a gente não saí pois tem gente só de olho querendo roubar nossas coisas, então o jeito é levantar o assoalho e morar assim mesmo. (Morador(a) Nº6, 50 anos, maio/2018).
Ao analisar as narrativas acima é possível elencar que as medidas tomadas pelo poder público servem no mínimo para a manutenção desses moradores no local. A principal “ajuda”, está no auxilio aluguel que essas famílias recebem no período da cheia, para que possam se mudar “temporariamente” do Beco. No entanto esse auxilio só é concedido caso seja comprovada tal “necessidade”, ou seja que a casa do morador esteja de forma comprovada alagada. Cabe destacar a concessão de Benefícios Eventuais, que de acordo com Bovolenta (2011, p.366), constituem um direito social legalmente assegurado aos cidadãos brasileiros no âmbito da proteção social básica, conforme preconiza o Sistema Único de Assistência Social(Suas).
De acordo com Pereira(2010), a Lei Orgânica, em seu artigo 22, prevê três tipos de benefícios eventuais: os compulsórios, sendo estes os auxílios natalidade e funeral destinados ás famílias com renda per capita de até um quarto de salário mínimo; os benefícios de caráter facultativo, instituídos conforme as necessidades oriundas das situações de vulnerabilidade social e calamidade pública; e os chamados benefícios subsidiários.
Ao analisar as narrativas dos moradores, é elencado a “ajuda concedida pela prefeitura no valor de 300 reais”, que é categorizada como um benefício eventual de caráter facultativo, que é garantido em lei comprovada seus critérios de concessão, como situações de vulnerabilidade e calamidade pública, ao qual o advento da cheia dos rios é classificada.
É notório através dos dísticos que o poder público desempenha medidas pontuais e paliativas, como construir pontes, doar madeira, rancho e auxilio em dinheiro, gerando um custo “desnecessário”. Pois a problemática habitacional que envolve o Beco Submarino é de simples resolução, haja vista que é dever do poder público e está disposto no plano diretor do município a democratização do acesso a moradia, com condições adequadas de habitabilidade, priorizando os segmentos sociais menos favorecidos, mediante instrumentos e de regulação urbanística e programas de habitação.
Mediante a superficial atuação do poder público local, outro artificio de sobrevivência que se materializa em uma estratégia de adaptabilidade é a construção de palafitas ou casa de dois andares como sinalizado na fala do Morador(a) Nº 2 “A nossa casa era de dois pisos, quando alagava a parte de baixo íamos para a parte de cima, pois a agua trazia o lixo e ficava uma porcaria, além dos bichos que aparecia. Durante não alagar a gente ficava aqui embaixo, ai depois subia e suspendia tudo, geladeira, fogão tudo”.
Como pode ser observado, durante a elevação das águas, os moradores usam o segundo andar para driblar os efeitos da cheia, já que isso representa segurança para a família e para os pertences de valor da família. O transtorno gerado é diminuído, os moradores não precisam sair de suas casas mesmo se a cheia for grande, haja visto que a casa de dois andares promove a estadia e despreocupação permitindo que as atividades cotidianas continuem sendo executadas.
Além de expressar privacidade, pois de acordo com Lima (2016, p.67), ter uma casa de dois andares não representa apenas a segurança em relação às cheias, mas representa também um nível maior de privacidade em relação às demais casas, haja vista proximidade das mesmas, além disso, oferece o prazer da vista e da ventilação.
Mediante as formas de estratégia, é importante destacar o trabalho de manutenção dos moradores no pós cheia, nos assoalho e pilares das casa. Em razão da submersão da água, ficam sujeitos ao apodrecimento de forma mais acelerada, então é preciso substitui-lo após cada nova cheia, gerando um trabalho árduo e continuo.

CONCLUSÃO
A situação dos moradores do beco Submarino representa uma simples parcela do problema, pois não se trata somente de “melhorar” as condições de vida de quem mora no Beco. O primeiro ponto a ser destacado revela que os moradores necessitam de uma organização política que os representa - A Associação de Moradores do Beco Submarino, resgatar essas organização significaria um grande avanço não só na melhoria de vida desses moradores, mas o combate do déficit habitacional no município de Parintins.
Há de ser discutido o acesso desses moradores a órgãos importantes no campo da Habitação, como é o caso do Conselho da Cidade (CONCIDADE), o acesso democrático e deliberativos dos moradores que moram em áreas alagadiças é de suma importância para fortalecer a luta em prol de uma Secretaria de Habitação desvinculada de quaisquer outras secretarias.
Outra questão apresentada está relacionada a interação entre os seres humanos e o ambiente ao qual faz parte, relação tomada como contraditória haja vista a dissociação entre ambos, indicada pelas ações de degradação e ocupação desse ambiente, sem vislumbrar os efeitos adversos que decorrem dessas ações antrópicas, como o forte odor, o lixo, e a infestação de animais peçonhentos.
É preciso resolver o problema sanitário do município como um todo, o tratamento das águas residuais para que não gerem transtornos à população ou seja despejada de forma indiscriminada aos corpos hídricos afetando o ambiente. Ademais é necessário que as políticas públicas sejam pensadas a partir dessa relação do ser humano com o ambiente, atuando na promoção da socialização do homem com a natureza.
Um fator preponderante para esse distanciamento diz respeito às necessidades do capital, que busca gerar mais valia sem precedente e à custa da exploração da classe trabalhadora, que em dois eixos resultara em degradação de um ambiente sem trabalhar a consciência ambiental e o caráter limitado do ecossistema. Em outro gerando desumanidades, limitando acesso as políticas públicas levando indivíduos a subsistirem a situações adversas.
Observou-se que os Órgãos Gestores de Políticas Públicas voltadas para o problema habitacional no Município de Parintins são ineficazes para atender o contingente populacional que vive em situações de vulnerabilidade em áreas alagadiças. As medidas tomadas pelo poder público são de cunho paliativo e tão pouco amenizam o sofrimento dos moradores, em especial ao Beco Submarino. Atualmente, verifica-se que os movimentos em prol de habitação pouco tem interferido no debate acerca das políticas públicas no município, haja a vista a barreira que é criada por forças políticas, que contribuem para que os canais de diálogo sejam restritos.
Considera-se valido a ampliação do debate acadêmico – científico em torno das questões envolvendo os movimentos em prol moradia e efetivação das políticas públicas, bem como o respeito aos sujeitos que integram essas áreas alagadiças, como é o caso dos moradores do Beco Submarino. Estes são sujeitos forte e de garra que ao perceber a ausência do poder público, passam a desenvolver estratégias por conta própria para subsistir a adversas situações com o período da cheia dos rios.

REFERÊNCIAS

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*Bacharel em Serviço Social pelo Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia - ICSEZ/UFAM
**Bacharela em Serviço Social pelo Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia - ICSEZ/UFAM
*** Doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia - PPGCASA/UFAM
1            Para Lima (2016) são estruturas construídas em madeira, que ficam suspensas a determinada altura do solo, com vistas a driblar o alcance da água à residência. Esse modelo de casa está desde o princípio ligada ao processo de ocupação da Amazônia, foi a forma encontrada pelo caboclo para adaptar-se ao ciclo das aguas, com 6 meses de seca e 6 meses de cheia dos rios, presentes principalmente em ambientes de várzea.
2 Assoalho de madeira colocado acima do piso original das casas.
3 Piso de Madeira colocado acima do piso original das casas (LIMA,2016, p.66).

Recibido: 21/05/2019 Aceptado: 30/07/2019 Publicado: Julio de 2019


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