Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


FEMINISMO (S) RURAL (IS) EM TELA – CONTRIBUIÇÕES DO MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS DO ACRE PARA O EMPODERAMENTO FEMININO NOS PAS RURAIS ANTÔNIO DE HOLANDA E ESPINHARA II NO MUNICÍPIO DE BUJARI – ACRE

Autores e infomación del artículo

Rogério Nogueira de Mesquita*

Maria das Graças Silva Nascimento Silva**

Universidade Federal de Rondônia, Brasil

Correo: rogerio_vitorioso@yahoo.com.br


Summary
Women's empowerment involves various paths in society, as well as the search for knowledge of women's rights, for their social inclusion, education, professionalization and citizenship awareness. Thus, hand in hand, forming a network of women, the peasants gradually achieve historical advances in their trajectories, reaffirming their longing for equal rights and an end to violence, oppression and exploitation. Thus, in the course of this work, we sought to contribute to the discussions about women's struggles in the search for rights and visibility. In order to meet the objectives, we used the technique of bibliographical research, field activity in the PAs mentioned and assistance of Oral History. Thus, the contributions of the Peasant Women's Movement for female empowerment in the Rural Settlement Projects Antônio de Holanda and Espinhara II, in the municipality of Bujari, were portrayed. It was possible to identify that there is a relevant action of the MMC in the basic work and the struggle for the emancipation and autonomy of the women.

Keywords: MMC Acre. Feminisms. Rural Settlements.

Resumen
El empoderamiento femenino involucra varios caminos en la sociedad, así como la búsqueda por el conocimiento de los derechos de la mujer, por su inclusión social, instrucción, profesionalización y conciencia de ciudadanía. Así, de la mano, formando una red de mujeres, las campesinas, poco a poco, logran avances históricos en sus trayectorias, reafirmando el anhelo por la igualdad de derechos y el fin de la violencia, opresión y explotación. De este modo, en el transcurso de ese trabajo, se buscó contribuir con las discusiones sobre las luchas femeninas en la búsqueda de derechos y visibilidad. Para atender a los objetivos, se utilizó la técnica de investigación bibliográfica, actividad de campo en los PAs mencionados y ayuda de la Historia Oral. Así, fueron retratadas las contribuciones del Movimiento de Mujeres Campesinas para el empoderamiento femenino en los Proyectos de Asentamiento Rurales Antônio de Holanda y Espinhara II, en el municipio de Bujari. Fue posible identificar que hay una relevante actuación del MMC en el trabajo de base y en la lucha por la emancipación y autonomía de las mujeres.

Palabras claves: MMC Acre. Feminismos. Asentamientos Rurales.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Rogério Nogueira de Mesquita y Maria das Graças Silva Nascimento Silva (2019): “Feminismo (S) rural (IS) em Tela – contribuições do movimento de mulheres camponesas do ACRE para o empoderamento feminino nos pas rurais Antônio de Holanda e Espinhara II no município de Bujari – ACRE”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (junio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/06/feminismo-rural-tela.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1906feminismo-rural-tela


1. Introdução
            Os movimentos sociais em sua definição mais comum encontra-se atrelado a formas de organização popular que visa protestar contra direitos violados e também lutar pela conquista de novos direitos. São organizações voltadas ao combate às diferentes formas de discriminação ou desigualdade social, sendo indispensável para a manutenção da democracia ou a conquista desta.
Nesse contexto, as histórias de luta, organização e resistência de mulheres trabalhadoras rurais se propagam no tempo e no espaço da memória, contribuindo significativamente para seu fortalecimento junto à história da humanidade. Basta fazer uma leitura do atual cenário vivenciado pelas mulheres em comparação há quatro décadas para vislumbrar a dimensão das vitórias alcançadas. Mas se, por um lado, têm-se motivos para comemorar, por outro, deve-se continuar com os olhares bem atentos no combate à opressão que, ainda, incide sobre as mulheres.
Nessa perspectiva, faz-se necessário lembrar que no decorrer da história, a mulher sempre desempenhou papel relevante frente à sociedade, no entanto, seu trabalho foi invisibilizado através da desvalorização contínua de suas ações. Para superar essa condição de subalternidade, a mulher, enquanto sujeito social, teve mais que desempenhar as suas atividades cotidianas ditas “normais”, teve que ir além, buscando provar, para uma sociedade machista e patriarcal, que são tão capazes quanto o sexo oposto.
Nessa perspectiva, visando contribuir com as discussões sobre as lutas femininas por direitos e visibilidade nos ancoramos na técnica de pesquisa bibliográfica, atividade de campo nos PAs mencionados e auxílio da História Oral. Assim, busca-se no decorrer desse estudo, sublinhar as contribuições do Movimento de Mulheres Camponesas do Acre para o empoderamento feminino nos Projetos de Assentamento Rurais Antônio de Holanda e Espinhara II, no município de Bujari.
Trabalhos dessa natureza são de extrema relevância para os estudos feministas, uma vez que passa a dar voz a tais sujeitos sociais historicamente silenciados. Com isso, busca-se investigar se o desenvolvimento de uma autonomia financeira, por parte das mulheres rurais, contribui para a modificação de seu status de subalterna do marido, assim como a sua participação em encontros, reuniões e feiras locais e regionais. A hipótese que se tem é a de que esse empoderamento feminino efetiva-se quando essas mulheres passam a se mobilizar, mudando a sua realidade e passando a executar tarefas que não lhes eram permitidas antes.
Para Heffel et al (2016, p. 7), o empoderamento também envolve vários caminhos na sociedade, bem como a busca “pelo conhecimento dos direitos da mulher, por sua inclusão social, instrução, profissionalização e consciência de cidadania.” Assim, de mãos dadas, as mulheres camponesas, aos poucos, conseguem alguns avanços em sua trajetória, reafirmando o anseio pela igualdade de direitos e pelo fim da violência, opressão e exploração.
Deste modo, muitas iniciativas, envolvendo grupos de mulheres, passaram a se tornar mais evidentes na busca de quebrar preconceitos, e violências, tanto nos espaços públicos, quanto nos espaços privados. Muitas dessas lutas deram origem a alguns movimentos de grande alcance e relevância, passando a atuar de modo mais incisivo frente à defesa dos direitos femininos.
Um grande exemplo de tais ações encontra-se no Movimento de Mulheres Camponesas. Em sentido mais evidente, o MMC é uma categoria macro de alcance nacional e internacional, que atua diretamente com as subcategorias femininas. Por sua vez, contempla as mulheres: agricultoras, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, boias-frias, diaristas, parceiras, extrativistas, quebradeiras de coco, pescadoras artesanais, sem-terra, assentadas... mulheres indígenas e negras.
Mas para que essas mulheres pudessem adquirir uma certa autonomia e terem aberturas em espaços de falas, direito ao voto, poder de decisão em diferentes âmbitos familiares, acesso à terra e a créditos rurais, algumas ações tiveram que ser realizadas, a partir desse momento, podemos dizer que surge o embrião do movimento de mulheres que nos dias atuais atua com bastante força e rigor.
2. O embrião dos Movimentos feministas e o MMC no Acre
Algumas das primeiras ações mais importantes realizadas pelas mulheres foram denominadas de “Ondas Feministas”. Assim, a construção do legado feminista, na sociedade moderna, e suas reivindicações, destaca-se em diversas partes do mundo, especialmente no decorrer da Revolução Francesa entre os anos 1789 e 1799.
Nesse período, surge a primeira onda feminista, que diz respeito às atividades feministas que ocorreram entre o século XIX e o início do século XX no Reino Unido e Estados Unidos. Esse marco de ampliação da cultura feminina, interferindo nas histórias locais e globais, expressa a contribuição das mulheres nas mais distintas esferas do conhecimento ocidental, deixando rastros importantes para a reconstituição de sua voz abafada em face do projeto de modernidade de cunho machista. 
Em seguida, como espécie de continuidade do levante anterior, surge o movimento da Segunda Onda Feminista, que “compreende o período do século XX entre a década de 1960 e o fim de 1980. De acordo com estudiosas, esta segunda fase representaria uma continuação da primeira”, (SANTOS, 2014. p. 182).
Por último, a terceira onda, se inicia em meados dos anos de 1990, e produz diversas críticas à onda anterior. Tais considerações estarão centradas nas definições essencialistas da feminilidade. Segundo o ponto de vista de diferentes estudiosas esta onda é moderna e ainda se propaga até os dias atuais.   Sob essa ótica, podemos afirmar que a partir destes levantes, os movimentos de mulheres só tendeu a crescer envolvendo diversas outras iniciativas que deram origem a movimentos e entidades feministas de grande relevância para o avanço e emancipação das mulheres.
 
No Brasil, muitas mulheres participavam ativamente da luta contra a ditadura militar. O primeiro grupo de mulheres feministas no Brasil surgiu em São Paulo, no ano de 1972. De forma compassada, os temas relacionados ao feminismo passaram a fazer parte dos eventos e fóruns nacionais, como ocorreu na reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), em Belo Horizonte, no ano de 1975. Neste mesmo ano, aconteceram mais dois encontros, nos quais surgiram debates sobre as causas do movimento feminista, foram eles: o Encontro para o Diagnóstico da Mulher Paulista, realizado em São Paulo e o da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, o qual deu origem ao Centro da Mulher Brasileira (ALVES e ALVES, 2013, p. 115).

            Em contexto da Amazônia-acreana, faz-se necessário lembrar que na década de 1970, os seringais acreanos foram vendidos a preços irrisórios para os “paulistas” que tinham como objetivo instalar a agropecuária na região. “Logo entraram em choque com os povos da floresta que criaram os “empates” como forma de defender a floresta e os seus modos de vida tradicionais”, (CRUZ, 2012, p. 01). E, nessa labuta, as mulheres e crianças tiveram um papel fundamental, pois, elas é que tomavam à linha de frente para empatar os peões dos fazendeiros de destruir a floresta, arriscando as próprias vidas.
Meio a esse contexto:

a partir de 1988, como fruto da resistência histórica e cotidiana das mulheres e da atuação de voluntárias do Movimento Leigo para a América Latina (MLAL) e do Setor Mulher da Comissão Pastoral da Terra (CPT), começaram a surgir organizações específicas dessas mulheres como Grupos de Mulheres colonas na BR 317 (sentido Rio Branco - Boca do Acre) com o objetivo de conscientizar e valorizar as mulheres, desenvolver atividades produtivas (corte e costura, artesanato, pintura em guardanapos, plantios comunitários, criação comercial de galinha caipira) aumentando a renda familiar; incentivar a participação das mulheres nas lutas reivindicatórias juntamente com os homens e conquistar a cidadania, (CRUZ, 2012, p. 01).

Assim, os movimentos feministas através de sua assídua atuação vai aos poucos se fortalecendo e ganhando espaço, onde passam a escalar os degraus da liberdade e autonomia.
No estado do Acre, a invisibilidade feminina é histórica. No entanto, estudos mais recentes demonstram que sempre estiveram presentes desde o processo de ocupação dos seringais até o estabelecimento das colônias agrícolas. Apesar da figura feminina sempre ser atrelada à “rainha do lar”, elas tiveram que ir além dessa designação. “Nesse universo, as relações de gênero foram além dos modelos estabelecidos pela cultura ocidental, pois essas mulheres que viviam no seio da “selva” tiveram que improvisar novos papéis e estratégias de vida que expressavam suas resistências e lutas. (BEZERRA, 2006, p. 169). Assim, tiveram que cumprir uma dupla ou tripla jornada frente aos seus afazeres.
De tal modo, a trajetória dessas mulheres indígenas, nordestinas e de suas descentes vem sendo esculpidas no tempo e no espaço sob os moldes de uma realidade bastante peculiar: a Amazônia-acreana. Deste o processo de emancipação do estado do Acre até os dias atuais, as mulheres vem buscando conquistar o seu espaço no cotidiano. No entanto, ainda são vistas como pouco capazes, mesmo que no decorrer desse processo venham provando que sabem gerenciar muito bem a sua vida e a de sua família. Deste modo, ainda são muitas vezes discriminadas no trabalho cotidiano, e recebem metade do valor que seria pago aos homens, isso ocorre principalmente, em períodos de colheita manuais de arroz, milho, feijão, confecção de farinha e etc. E é na tentativa de combate de tais sistemas de opressão que o MMC Acre vem atuando hodieridnte nos assentamentos rurais através de formações sobre o direito da mulher, oferta de cursos profissionalizantes, organização de feiras locais e resgate de saberes tradicionais esquecidos no tempo e no espaço pelos homens.
3. Na trilha do empoderamento feminino – mapas do cotidiano de mulheres rurais
No decorrer das investigações realizadas nos anos de 2017 e 2018 nos PAs rurais Espinhara II e Antônio de Holanda, visando levantar dados para a construção de uma pesquisa de mestrado, conseguimos identificar que a bandeira central de luta das mulheres envolvidas no MMC, encontra-se ancorada no combate ao patriarcado, emancipação e libertação, na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. O patriarcado como elemento central da opressão feminina é definido por Silva (2009, p. 33) como um:

sistema de relações hierarquizadas no qual os seres humanos detêm poderes desiguais, com a supremacia da autoridade masculina sobre a feminina em diversos aspectos da vida social, abrangendo desde os sistemas econômicos e sistemas jurídico-institucionais até os regimes cotidianos do exercício da sexualidade.

            Nesse contexto, foram identificadas, nas histórias de vida das mulheres entrevistadas, enquanto eram coletadas informações para a pesquisa, as marcas latentes de algumas situações de violência vivenciadas por essas mulheres.
Em conversa com algumas trabalhadoras rurais do PA espinhara II, conseguimos alguns antecedentes da trajetória feminina no assentamento, desde a ocupação da área. Ficou nítida a participação feminina já a partir do processo de luta e ocupação dos assentamentos rurais, até os dias atuais, desenvolvendo diferentes atividades na propriedade.
Iniciamos as atividades com visita ao PA Espinhara II, este que é regulamentado pela Portaria nº 052 de março de 1997, estando localizado no município de Bujari, distante cerca de 62 km da capital acreana. Um grande diferencial encontrado nesse assentamento trata-se do fato de as suas terras estarem em mais da metade tituladas no nome de mulheres, o que constitui fator atípico para a época, uma vez que, no período de sua oficialização, ainda não existia a Portaria nº 981 da Instrução Normativa nº 38/2007, do INCRA que efetiva o direito das mulheres à terra e aos procedimentos para a sua inclusão na titulação do lote. O mapa a seguir orienta o leitor no que se refere ao espaço ocupado por essas mulheres neste assentamento rural na Amazônia-acreana.
A titulação da terra conjunta, ou preferencialmente no nome das mulheres, significa o nascimento de frutos dos embates constantes inclusos nas pautas dos movimentos sociais criados para defender o direito das mulheres.
Meio a diversidade de lutas e situações vividas e vivenciadas pelas mulheres rurais desse contexto, no assentamento retratado pelo mapa acima, foi possível aprender um pouco mais com parte da trajetória de vida da trabalhadora rural Neci, onde compartilha:

Eu, meus dois filhos pequenos e minhas duas netas, andamos muito por dentro dessa mata, tendo que sair de casa de madrugada, quando era o dia de ir pra cidade, porque era o período em que o sol ainda não estava de fora e era melhor pra andar com as criança. Quando era o dia de voltar pra colonha era a merma coisa, só que com mais peso, eu carregava era de cinquenta quilo de mercadoria na estopa para comer com meus filhos, as vezes o rio estava alagado e eu tinha que atravessar a nado, correndo o risco de ser carregada pela água ou ser comida por um bicho, (Neci Nogueira, PA Espinhara II, novembro de 2017).

Na entrevista fornecida pela assentada, fica nítida a quebra da noção do sexo frágil historicamente construída pelos alfas, durões e fortes. O deslocamento do corpo feminino suportando o peso, a matemática de um universo masculino, preenche os espaços até então cedidos ao discurso da hierarquia masculina sustentado por muito tempo, esboça-se aqui uma geografia da visibilidade feminina cuja experiência cotidiana extrapola o território do silêncio na densa floresta.
No mesmo assentamento, também tivemos a oportunidade de conversar com a senhora Antônia Lima (61 anos), que compartilha conosco um pouco de sua trajetória e violência sofrida pelo esposo.

Eu nunca estudei, quer dizer: comecei mais não terminei a primeira série. Tive que abandonar porque tive que ir trabalhar em fazendas, cozinhando para madeireiros, aí saí, não fui mais. O meu primeiro casamento foi com 15 anos, fugi de casa. Aí eu vivia uma vida triste, sabe, uma vida sofrida, eu não gostei e findei me separando. Aí me juntei de novo com o pai dos meus meninos que eu tenho, dos meus cinco filhos, passei treze anos com ele. Foi a vida mais triste que eu passei, eu nunca mais quero passar, ter meus filhos e não ter coragem de vir embora, eu não tinha coragem de deixar ele por causa dos meus filhos. Ele deixou marcas no meu corpo que eu tenho até hoje. Uma vez ele me jogou de cima de casa em baixo, em cima de um toco 1, fazem muitos anos. Cortou isso aqui, que a minha perna inchou até aqui... eu, para mim tinha quebrado. Isso aconteceu de noite, a menina doente, a filha dele mais velha doente, a bichinha, aí ele me jogou lá em baixo com o pé, tacou assim, nas minhas costas. Eu lavando a beira do vestido, que nem roupa para mim vestir eu tinha. Era fie, eu não tinha não, eu tinha dois vestidos, um vestido para sair e o outro para vestir em casa, os filhos eram do mesmo jeito. (Antônia Lima, 61 anos, PA Espinhara II).

No decorrer desta entrevista, podemos constatar um discurso de resistência, por parte da colonheira, pois através da fala esta acessa as redes temporais da memória, que resgatam angústias e dramas vivenciados no decorrer do seu progresso como pessoa humana. Assim, observamos que o feminismo encontra-se presente sempre que as mulheres, de modo individual ou coletivo, reclamam de seu injusto e amargo destino sob o patriarcado e reivindicam uma vida diferente, mais humana.
Ainda no contexto das violências sofridas pelas mulheres camponesas, ao percorremos um trecho não muito distante do assentamento rural, onde conversamos com dona Antônia Lima, fomos ao PA Antônio de Holanda, adquirido por intermédio de pressões dos movimentos sociais locais, como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Bujari (STTR), aliado ao MMC local e oficializado através da portaria número 40 de 23 de dezembro de 2009.  O PA comporta 106 famílias, que vivem do que conseguem produzir na localidade, bem como frutas, verduras, legumes, peixes, gado e animais de pequeno porte.

Nesse contexto, encontramos uma das mais importantes produtoras do assentamento: a senhora Valcineide (48 anos). Ela também se sentiu à vontade para partilhar um pouco de sua trajetória de vida, assim argumenta:

Eu morava na fazenda e eles me pagavam por mês eu era empregada, não era carteira assinada tinha vez que eles pagavam o salário e as vezes não, mais era assim. Na fazenda eu era peoa fazia tudo; mexia com o gado, brocava, roçava campo, derrubava, fazia tudo, cerca, serrava de motosserra, machado... era mais machado do que motosserra. Aí eu pedi pra Deus um local pra mim trabalhar, pra mim parar de passar por esse tipo de coisa, pra não ser preciso eu sair do local pra ir em busca do pão. Quando eu trabalhava de diarista as pessoas faziam raiva aos patrões e eles se vingavam em mim e muitas vezes pela cor a gente sofre muito preconceito. Eu fiz curso de auxiliar de enfermagem, técnico em enfermagem, por que meu sonho era trabalhar com medicina, eu fiz concurso passei com as melhores notas eu e outra colega mais tudo negra e como nós era negra até hoje nós não trabalha, e quem não era e que tirou menos pontos até hoje tá lá, aí tudo isso revolta a gente, aí a gente fica triste.

            Após essa sequência de histórias, vividas por essas trabalhadoras rurais no campo, não há como não se sensibilizar. Trata-se de uma série de violência sofrida por essas trabalhadoras, ao transitar entre espaços públicos e privados. Por tal direção, evidencia-se que, através de acordes dissonantes, as vozes dessas mulheres escalam os degraus da resistência com o empoderamento de seus tons e semitons, cuja desarmonia revela distintas percepções entre a conquista do livre-arbítrio e a prospecção de outros itinerários. Nesse ponto, a memória feminina destece transitivamente a plasticidade do ir além do resgate, imprimindo a marca do trauma, ou seja, as diferentes vozes que se aproximam e se distanciam.
Ao conhecermos esses itinerários, percorridos por essas trabalhadoras e sabendo da presença do MMC naqueles assentamentos, buscamos investigar seu modo de atuação junto às mulheres daquelas localidades. Assim, foi possível ampliarmos a compreensão sobre a importância do MMC Brasil e Acre dentro dos assentamentos estudados.
O MMC do estado do Acre, juntamente com o MMC nacional, vem desenvolvendo uma de suas maiores bandeiras de luta, que é a libertação das mulheres de todo e qualquer tipo de violência relacionado às práticas patriarcais, machistas, racistas e capitalistas. No Acre, apesar de existir uma intensa atuação do movimento de mulheres, coordenações e também da secretaria de Política para as Mulheres, ainda assim os índices de violência contra a mulher ainda são bastante acentuados.
Branco et al (2018, p. 169)enfatiza que:

A violência contra a mulher camponesa é difícil de combater, pois as casas ficam distantes umas das outras. Por mais que se grite por socorro é difícil de se ouvir. O homem do campo, por sua cultura de macho provedor da casa e da família, muitas vezes se torna violento por não aceitar que as camponesas tenham os seus direitos.

            Nesse sentido, na busca de combater esse tipo de opressão, o MMC do Acre inicia, no decorrer do ano de 2013, uma campanha de autonomia econômica dessas mulheres, com o fortalecimento de suas produções de hortaliças, frutas, legumes e com o incentivo do artesanato, com o intuito de comercializar a produção dessas mulheres nas feiras do movimento, e assim, pouco a pouco ir promovendo a sua autonomia financeira.
Em conversa com uma das líderes do MMC no estado do Acre, a senhora Maria Rosângela Saraiva de Queiroz, ela esclarece que as mulheres do movimento se organizam em coordenações. A entrevistada faz parte da coordenação nacional do movimento. Essa coordenação se dá por estado, onde cada um desses estados possui de duas a três coordenadoras. Desse modo, em cada município que abraça o movimento, têm-se uma coordenadora. Atualmente, o movimento faz-se presente em apenas seis municípios, dos vinte e dois existentes no Acre. Assim, a coordenação estadual passa a ser formada por representantes das coordenações municipais que se encontram articuladas com as lideranças de cada assentamento ou ramal (estrada de terra).
Visando compreender melhor como essas lideranças conseguem atingir a base, ou seja, como conseguem chegar até as mulheres rurais mais afastadas dos centros para as devidas mobilizações, Rosangela responde:

Ao nos reunirmos, traçamos as metas, as demandas, aí tem as lideranças, as duas coordenadoras trazem as informações para a base. Quando são marcadas as reuniões a coordenação vai e promove os debates e em seguida promove as ações. Nesse contexto, surgem as formações política para as mulheres ativistas do movimento e também outras formações profissionais. Geralmente em parceria com as associações. Nós juridicamente não existimos. Assim, geralmente precisamos de uma associação para podermosconseguir as coisas para o movimento de mulheres e para as mulheres, porque só vem na maioria das vezes através do CNPJ. Aí nos juntamos com essas associações, e através destas é que os cursos vêm para a comunidade onde residem essas mulheres. Geralmente conseguimos também em parceria com alguns órgãos como o SENAR em parceria com as associações. Tal vez por isso muitas vezes as mulheres não consigam enxergar que quem está promovendo as ações é o movimento de mulheres e não a associação.
Conseguimos notar, no decorrer da fala da líder, que o MMC encontra-se muito bem articulado a nível nacional e local, uma vez que conseguiu uma forma de organização que permite um diálogo escalar. Ou seja, trata-se de uma espécie de rede de mulheres devidamente estruturada em que as demandas são discutidas do local para o global. Em seguida, após sistematização e estudo do cenário, as lideranças maiores buscam promover ações para reverter contextos que descaracterizam o movimento ou situações vividas por suas companheiras.
Ao darmos continuidade à entrevista, investigando as ações do movimento de mulheres camponesas, de modo geral e dentro dos assentamentos, na base, perguntamos: o movimento é livre ou possui alguma filiação partidária? Rosangela responde:

O movimento é livre. Se discute o que é melhor para o momento e para o país. Cada estado age de acordo como está a conjuntura em seu estado. Nós discutimos e debatemos para decidir qual ação realizar. Nós enquanto movimento social temos um Projeto de Agricultura Camponesa Agroecológica para o país. Já enviamos cartas para alguns ex presidentes, mas não obtemos nenhuma resposta é muito difícil. Mas a gente insiste, achamos que devemos ter um projeto de Agricultura Camponesa Popular Agroecológica para o país. Afinal, quem sustenta a mesa dos brasileiros é a agricultura familiar, e agricultura camponesa e não tem um olhar para a agricultura camponesa que seja agroecológica. O olhar é do agronegócio, e a agricultura camponesa é em segundo plano. Nós daqui também defendemos um Projeto Camponês de Agricultura Agroecológica Amazônica. Sabemos que a Região Amazônica é muito diferente das outras regiões. Então não podemos pensar em um projeto de agricultura camponesa com um olhar do Sul. São realidades diferentes, situações diferenciadas e climas muito diferentes. Também são categorias diferentes.

            Como pode-se observar, a luta das mulheres camponesas vai muito além da individualidade, buscando melhorias para a humanidade. “A luta do MMC no Acre, em defesa da vida, é a sua marca maior desde a sua criação em 1988”, (Branco et al, 2018. p. 159). Assim, as suas bandeiras de luta estendem-se desde a defesa de uma agricultura pautada na agroecologia, perpassando a preservação e a troca de saberes tradicionais.

Nós estamos com um trabalho, que agora tem algumas mulheres que já vão para a feira. Temos também a situação de fazermos o resgate do adjunto, por meio do mutirão. Formamos alguns grupos para fazer o mutirão, buscando fazer o resgate. Já que os homens não fazem, vamos nós fazermos. São diversas as atividades, bem como, a construção de galinheiros, construção de hortas. Vamos construir as hortas e os galinheiros de modo coletivo, todas as mulheres juntas. (M.R. líder do MMC no PA Espinhara II, Bujari – Acre, 2018).

De maneira geral, o trabalho desenvolvido por essas mulheres apresenta grande relevância e, ao mesmo tempo, grandes desafios. Entre estes, encontra-se o fato de essas mulheres não possuírem um veículo que ajude no deslocamento para executarem as atividades de mutirão, e nem transportar os produtos cultivados. Por isso, muitas vezes, finda que algumas desistem e passam a acreditar no dito popular de que “santo de casa não é fazedor de milagres.”
Em conversa com a líder do movimento do assentamento, observa-se que o machismo ainda é muito predominante na localidade. Em tempos passados, discutiam os seus assuntos e os maridos não participavam. Então assim, chegaram ao consenso de que seria melhor envolvê-los em suas atividades e discussões. Desse modo, conseguiram uma maior aproximação no diálogo e participação e apoio dos maridos em suas atividades. Entre estas, encontram-se as feiras onde os esposos contribuem na colheita, embarque, desembarque de produtos, além da organização do espaço para a comercialização.
Para além da venda dos produtos, as feiras livres representam o diálogo dessas mulheres com a sociedade. Mais ainda, são encaradas como espaço de inclusão, resistência, participação, expressão cultural, lazer, encontro de mulheres e trocas de experiências.
As camponesas de Bujari iniciaram as suas lutas no movimento em 1997 através do Grupo de Mulheres do Assentamento Espinhara. No início, obteve apoio da Rede Acreana de Mulheres e Homens, na época. A participação dessas mulheres em fóruns, oficinas, seminários, palestras e também em outros grupos organizados, fez com que começassem a perceber que a luta era de todas as mulheres.
No decorrer da entrevista, Rosangela também é indagada se o MMC Acre também mantém diálogo com outros órgãos públicos, e responde que:

Sim. Temos apoio da Secretaria de Políticas públicas para as mulheres e a Universidade Federal do Acre – UFAC. Nós temos assessoria da professora Tereza Almeida Cruz a nível de estado. A nível nacional é ela que geralmente recebe os e-mails. Com alguns apoios nós temos feiras das camponesas em Rio Branco. As mulheres dos assentamentos aqui de Bujari vão para Rio Branco vender a sua produção. As meninas do PA Espinhara participavam, mas deixaram de participar porque o transporte não vinha, ou quando vinha chegava muito tarde, e elas findavam perdendo a produção e os fregueses. Infelizmente nós paramos no transporte. Mas as do PA Antônio de Holanda continuaram, ainda existe a feirinha, que é somente das camponesas mesmo. Tudo na base do orgânico.

No decorrer das visitas e entrevistas concedidas, foi possível identificar que, apesar da histórica desigualdade que atinge as mulheres rurais, provocando uma série de consequências no que se refere ao sofrimento, têm-se tecido no decorrer dos anos de luta uma rede de resistência e combate a opressão feminina, principalmente no que tange as mulheres camponesas. Suas trajetórias de luta frente ao movimento têm contribuído para o seu reconhecimento enquanto trabalhadoras produtivas, fato esse que se deu de modo tardio, e é por meio da auto-organização que estas veem conseguindo paulatiidnte conquistar sua autonomia financeira e política, rompendo com o anonimato, desvalorização e invisibilidade.
A trajetória dessas mulheres é longa e bem distante de se resumir por uma luta individualizada e unilateral. Assim, é importante que se evidencie a importância dos movimentos sociais e das organizações para o fortalecimento das mulheres rurais na busca de direitos. O MMC, em especial, configura-se um movimento de grande relevância para as mulheres rurais, uma vez que reconhece a agroecologia, a agricultura camponesa como parte da construção de seu feminismo, a prática histórica de resistência das mulheres, dos povos originários do Brasil, contra a tomada de seus territórios e a preservação de sua cultura.
Considerações finais
As lutas que defendem os direitos das mulheres devem ser constantes. Assim, as organizações de combate se dão de diferentes maneiras. Entre elas, encontra-se a articulação nacional do MMC Brasil (MMC Acre, MMC Bujari). As lutas são distintas, particulares, diferenciando-se de uma região para a outra, mas, ao mesmo tempo, que são tão peculiares, no final, terminam por se complementarem e formam uma rede de mulheres combatentes.
Portanto, no decorrer desse trabalho, buscaram-se retratar as contribuições do Movimento de Mulheres Camponesas para o empoderamento feminino nos Projetos de Assentamento Rurais Antônio de Holanda e Espinhara II, no município de Bujari no estado do Acre. Desse modo, verificaram-se que tais contribuições são múltiplas, sendo possível constatar que existe, de fato, um movimento atuante na luta pela construção de um feminismo com identidades próprias. Notamos ainda a sua atuação no trabalho de base, na luta pela emancipação e autonomia das mulheres e resgates históricos. Percebe-se, então, que o MMC é um importante trampolim na luta contra o machismo, atuando de modo direto na construção de um feminismo camponês.

Referências

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6. SILVA, J. M. Fazendo geografias: pluriversalidades sobre gênero e sexualidades. In: Geografias subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidades. Organizadora: SILVA, J. M. Ponta Grossa, PR. Editora: TODAPALAVRA, 2009.
7. HEFFEL, C. K. M; SILVA, V; LONDERO, J. C. A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA FEMININA: O empoderamento pelo capital social. Anais do XII Colóquio Nacional de Representações de Gênero. Campina Grande – PB, 2016.

*Mestre pela Universidade Federal de Rondônia E-mail: rogerio_vitorioso@yahoo.com.br
** Professora Associada do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia E-mail: gracinhageo@hotmail.com
1 Toco - parte do tronco de uma árvore que permanece presa ao solo depois de cortado o vegetal.

Recibido: 03/06/2019 Aceptado: 10/06/2019 Publicado: Junio de 2019


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