Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


AS REPRESENTAÇÕES DE MULHERES NA FAIXA DE FRONTEIRA ENTRE BRASIL E PARAGUAI

Autores e infomación del artículo

LIMA, Sancléya Evanessa de*

CARDIN, Eric Gustavo**

Unioeste, Brasil

Correo: lima.san@bol.com.br


RESUMO:
O artigo aborda as representações de mulheres na faixa de fronteira entre Brasil e Paraguai, especificamente na fronteira entre as cidades de Foz do Iguaçu e Ciudad Del Este. A pesquisa parte da análise de quatro perfis profissionais, sendo elas: a “laranja”, a empresária, a vendedora e a empregada doméstica. O objetivo do trabalho foi entender as histórias de vida dessas mulheres, assim como a dinâmica de trabalhar e viver na fronteira, levando em consideração as características individuais, aspectos sociais, econômicos e culturais inerentes a vida de cada mulher. A metodologia utilizada foi a história oral, por meio de entrevistas gravadas e em seguida transcritas, onde foram selecionadas algumas questões pontuais, envolvendo a origem dessas mulheres, grau de escolaridade, aspectos familiares, os deslocamentos e as peculiaridades que envolvem o trabalho feminino na região de fronteira. Como suporte de conteúdo foram utilizadas algumas referências bibliográficas que trazem elementos históricos e acontecimentos que buscam entender os movimentos feministas e o dia-a-dia de mulheres em que dialogam e fazem uma reflexão sobre o trabalho transfronteiriço. Como método de análise o estudo teve como preocupação tentar perceber a mulher na sua individualidade, sem generalizações.
    Palavras-chave: Representações, Mulheres, Fronteira, Brasil, Paraguai.

THE REPRESENTATIONS OF WOMEN IN THE BORDER BAND BETWEEN BRAZIL AND PARAGUAY

ABSTRACT:
The article discusses the representations of women in the border area between Brazil and Paraguay, mainly on the border between the cities of Foz do Iguaçu and Ciudad Del Este. The research is based on the analysis of four professional profiles, being: the orange, the businesswoman, the saleswoman and the domestic maid. The objective of the study was to understand the life histories of these women, thus the dynamics of working and living at the border, taking into account the individual characteristics, social, economic and cultural aspects within each woman’s life. The methodology used was the oral history, through the recorded interviews that were later transcribed, where some specific questions were selected, involving the origin of these women, educational level, familiar aspects, displacements and the peculiarities that involve the work in the region of border. As a content support, the study used some bibliographical references bringing historic elements and episodes that aim to understand feminist movements and the daily life of women, and providing a reflection on the reality of working on a border region. As an analysis method, the present study concerns understanding the woman in her own individuality, without generalizations.

Keywords: Representations, Women, Border, Brazil, Paraguay

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

LIMA, Sancléya Evanessa de y CARDIN, Eric Gustavo (2019): “As representações de mulheres na faixa de fronteira entre Brasil e Paraguai”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/05/representacoes-mulheres.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1905representacoes-mulheres


1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa permite situar algumas mulheres com perfis distintos no que diz respeito à função de trabalho e às condições sociais e econômicas, num contexto fronteiriço, entre Brasil (Foz do Iguaçu) e Paraguai (Ciudad Del Este). Três delas tem nacionalidade brasileira (a “laranja”, a empresária, a vendedora) e apenas uma tem nacionalidade paraguaia (a empregada doméstica) e todas moram hoje na sua cidade de origem (de sua nacionalidade) e apenas uma, reside e trabalha na mesma cidade (a vendedora), porém, já teve a experiência de morar num país (Brasil) e trabalhar do outro lado da fronteira (Paraguai).
As entrevistadas foram selecionadas em função da busca de compreender os fatos que tangem o dia-a-dia de mulheres com histórias de vida peculiares e a diversidade dos problemas enfrentados pelo sexo feminino. Dessa maneira o estudo permitiu entender um pouco da percepção de cada mulher, enquanto indivíduo, frente à mobilidade na fronteira, a relação com a família, o olhar da sociedade em relação a elas, as peculiaridades do trabalho de cada uma, e todos esses olhares no discurso da “laranja”, da empresária, da vendedora e da empregada doméstica. As histórias relatadas por elas se passam numa realidade transfronteiriça em que há predomínio das tradições latina, árabe e chinesa, em que não costuma haver protagonismo no papel das mulheres.
Um estudo com perfis distintos de mulheres que cruzam diariamente a fronteira em sua realidade de trabalho permite que um vasto conteúdo seja explorado. Dessa forma, foi possível perceber a riqueza de fatos que podem contribuir para desmistificar assuntos pertinentes a algumas questões femininas, com ênfase nos assuntos que envolvem a rotina dessas mulheres na dinâmica com o seu trabalho, num contexto transfronteiriço em que estão relacionados também aspectos culturais.
Para a melhor compreensão desse estudo, é importante entender algumas variáveis históricas quanto ao papel das mulheres na sociedade. Na atualidade, ela exerce um papel mais efetivo nas várias formas de trabalho, na família, na política e demais setores da vida social. Mesmo exercendo um papel significativo em vários segmentos, em muitos aspectos, ainda vive o processo de empoderamento que provavelmente terá uma longa jornada para o seu amplo reconhecimento, pois exige a apropriação de representações femininas que favoreçam a construção de uma identidade que valorize as mulheres efetivamente, pois as mulheres, em muitos momentos, foram representadas a partir de um olhar eminentemente masculino.  
O movimento feminista brasileiro iniciou no final da primeira guerra mundial, marcado por uma ideologia de importação, por grupos que se propunham a representar as mulheres, mas se depararam com a dificuldade de organização. Devido ao baixo nível de consciência naquele momento, o movimento não trazia perspectiva significativa de uma ação coletiva para mudar a realidade das operárias e trabalhadoras de modo geral. O movimento feminista foi dirigido por mulheres com nível intelectual e econômico mais favorecido, que viajaram para outros países com leis mais justas que proporcionavam dignidade para as mulheres e na sequência puderam se organizar e conquistaram alguns direitos importantes, como o direito ao voto, o plano de legislação trabalhista e a abertura de novas áreas de trabalho feminino (TOSCANO, 1975).
Para Bandeira e Melo (2010), nas lutas pela cidadania e igualdade das mulheres, alguns acontecimentos ficaram marcados no desenvolvimento político do movimento feminista, como a I Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917, que contribuíram para definir a data de 8 de março como dia histórico da luta das mulheres como referência ao incêndio da fábrica têxtil Tringle Shirtwaist Company em 1911, em Nova York, em que morreram 125 operárias e em homenagem à greve das trabalhadoras russas de 8 de março de 1917.
No Brasil, o período considerado como Estado Novo, entre os anos de 1937 a 1945, foi marcado pelo cerceamento político dos movimentos sociais. Com esse cenário as mulheres tiveram um papel importante nos movimentos de redemocratização do país, até a restauração democrática em 1945 (BANDEIRA e MELO, 2010).
Mesmo em períodos anteriores, houve intelectuais e movimentos importantes sobre o feminismo, mas essa discussão se estabeleceu efetivamente pós segunda guerra mundial, pois segundo Thébaud (1995), em função da I e II guerra mundial, foi redefinido o papel feminino. As mulheres ocuparam funções sociais, que antes eram destinadas aos homens, e esse acontecimento foi devido ao afastamento dos mesmos para os serviços da guerra. Essas redefinições ocorreram em primeiro lugar pela necessidade do trabalho feminino. A mulher se insere no mercado de trabalho na França, sobretudo durante e após as guerras, porque elas não foram para o campo de batalha, mas ficaram com a função de dar continuidade à vida, prover os filhos, num cenário onde os maridos quase nunca voltaram. Dessa forma, após as duas grandes guerras, essas mudanças geraram uma certa instabilidade, em que se alteraram as relações entre os sexos e com isso se estabeleceram efetivamente as discussões do feminismo. Portanto as mulheres são consideradas atores históricos às quais se deve atribuir pleno direito.
Em vários momentos da história, o oriente e o ocidente, principalmente, construíram uma visão de corpo pautada no dualismo cartesiano que cria fronteiras de significados no papel do homem e da mulher nas suas relações sociais e na visão que o indivíduo estabelece sobre a figura feminina e masculina. No âmbito do aspecto cultural em que o indivíduo está inserido, são estabelecidos parâmetros de entendimento que podem variar e trazer conflitos e injustiças sociais. Lembrando que o conflito nem sempre é negativo, muitas vezes necessário para levantar determinadas discussões e reflexões para a resolução de problemas.
Em relação aos aspectos sociais e culturais ligados ao corpo, num determinado momento o cristianismo faz o papel de cobrir o corpo, reprimindo-o, ao mesmo tempo em que valoriza o corpo sofredor de cristo. Saber lidar com a dor do corpo seria mais importante que saber lidar com os prazeres. E nesse período é evidenciada a separação do corpo e da alma e a busca constante de valorizar o espiritual e renunciar ao material (TUCHERMAN, 1999).
Na idade média, com a inquisição, o corpo passou a ser interpretado como flagelo, as torturas e mortes eram encaradas como um pagamento do mal que o corpo fazia para a alma. Um exemplo, é a representação do corpo da mulher para a figura masculina, sendo a figura do mal, ligada à tentação (BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p. 27).
A moralidade quanto ao corpo e ao sexo não tinha tanta rigidez, eram estabelecidas normas de conduta para se evitar os excessos, então o controle do indivíduo sobre si mesmo era muito importante. Essa moralidade não se estendia para as mulheres e escravos. O corpo feminino não tinha atribuição de perfeição, era incompleto. Para elas se exigia total fidelidade e obediência a seus pais e maridos, já para os homens livres, eram permitidas a bigamia e a homossexualidade como práticas naturais (ROSÁRIO, 2016 apud BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011, p. 25).
Numa visão dualista e utilitarista, construída ao longo da história, o corpo das mulheres segue a mesma perspectiva, na forma de transporte de drogas e aliciadas ao tráfico das mais variadas formas. Longe de serem as mandantes desses crimes, atuam como instrumentos, “peças” descartáveis do sistema de tráfico de drogas. Essas são situações que expõem a vida das mulheres e são contadas em interrogatórios que demostram a deplorável situação de transformar o corpo em objeto, nas mais variadas formas (OLIVEIRA e LINJARDI, 2013).
Ainda que as mulheres em suas histórias mais genuínas tiveram um papel “secundário” em boa parte de sua existência. Em diferentes culturas e religiões elas também foram protagonistas de revoluções e acontecimentos que de alguma forma tiveram “voz” e colaboraram para as mudanças ocorridas nas sociedades em que elas estavam inseridas.
Sobre os aspectos culturais na formação da identidade feminina, APPADURAI (2008) faz uma outra reflexão sobre a forma utilitarista de se relacionar com o corpo feminino, onde afirma que a mulher estabelece relações mercantis, colocando como moeda de troca o seu próprio corpo. Um exemplo é quando a mesma empresta a sua barriga para a gestação e dá a luz a uma criança que legalmente é de outra mulher, outra família. O que chama a atenção é que tal atitude pode ser aceita ou não, dependendo da cultura em que a pessoa está inserida.
A fronteira simbólica viabiliza variadas experiências sociais e culturais, é um local de pacificidade e de conflito nas relações. Dessa forma, para diferentes perfis de mulheres, a fronteira entre Brasil e Paraguai permite experiências diversas no âmbito do exercício do trabalho e dos deslocamentos. E as representações femininas podem ser distintas de acordo com a realidade de cada mulher, seus vínculos familiares, nível econômico, de escolaridade e maneiras de “viver a fronteira”.
A fronteira que liga Ciudad Del Este e Foz do Iguaçu traz um recorte metodológico rico que possibilita inúmeras análises e interpretações, pois Ciudad Del Este é considerada detentora de um dos maiores centros comerciais do mundo e inserida numa região cosmopolita com várias simbologias, onde participa de uma política neoliberal produzida por um sistema capitalista vigente, que produzem dinâmicas próprias desse sistema que refletem no cotidiano das pessoas.
Com intuito de problematizar o cotidiano de diferentes perfis de mulheres que vivem e trabalham na fronteira entre Brasil e Paraguai, especificamente nas cidades de Foz do Iguaçu e Ciudad Del Este e compreender um pouco da dinâmica envolvida nas diversas funções de trabalho e as peculiaridades do dia-a-dia dessas mulheres, foiexplorado o conteúdo de quatro entrevistas qualitativas, em que será utilizado o máximo das informações para entender um pouco da dinâmica e dos problemas enfrentados pelo público feminino daquelas que residem e “vivem a fronteira”. Elas assinaram um documento de cessão e assentimento de publicação do que foi transcrito, pois as mesmas tiveram acesso à leitura da sua própria entrevista antes dos procedimentos para a publicação do artigo. Para a segurança das mulheres, teve-se o cuidado de preservar o anonimato das mesmas, utilizando nomes fictícios para identificá-las.
2 DESENVOLVIMENTO

A fronteira é um espaço de muitas interpretações que vão além de uma análise espacial. Estas interpenetrações e interdependências transitam pelas singularidades das múltiplas ações que, segundo Bordieau (1982), são observadas em variáveis políticas, econômicas e simbólicas.

De acordo com o IMF (International Monetary Fund) a economia e o PIB do Paraguai, têm crescido consideravelmente nos últimos anos e com isso tem aumentado os investidores estrangeiros, trazendo o aquecimento no comércio. A facilidade de acesso pela Ponte da Amizade e a existência de um mercado consumidor no Brasil fazem com que haja um intenso comércio de fronteira, principalmente de bens de consumo, inclusive produtos ilícitos.

Nesse aspecto, esta fronteira tem suas especificidades e as mulheres inserem-se muitas vezes na dinâmica do trabalho informal, auxiliando nas atividades ilegais como o tráfico de drogas, contrabando, etc. Ocorre também nesse mercado obscuro, o tráfico de mulheres, em que a mesma acaba sendo tratada como mercadoria. A fronteira da Venezuela com o Brasil, entre os estados de Roraima e Bolívar é identificada como uma das rotas para o tráfico de mulheres e adolescentes e segundo o relatório sobre o tráfico de mulheres (Pestraf), a Venezuela é considerada lugar de passagem para outros lugares, como República Dominicana e Europa (RODRIGUES, 2006).

O número de presas no Brasil aumentou muito nos últimos anos, devido às políticas combate as drogas e também do papel das mulheres nestes circuitos. Esse alto índice de encarceramento está atrelado a um pensamento filosófico e social da sociedade e, por extensão, dos políticos, que em sua maioria, tendem a confundir justiça com punição e punição com privação de liberdade, gerando variados problemas de ordem social. E isso acaba sendo uma espécie de controle social sobre as classes mais baixas (DELMANTO, 2010). O levantamento nacional de informações penitenciárias (INFOPEN), elaborado pelo Ministério da Justiça oferece mais indicativos desta realidade:

Segundo dados do World Female Imprisonment List, relatório produzido pelo Institute for Criminal Policy Research da Birkbeck, University of London, existem mais de 700.000 mulheres presas em estabelecimentos penais ao redor do mundo. Em números absolutos, o Brasil tinha em 2014 a quinta maior população de mulheres encarceradas do mundo, ficando atrás dos Estados Unidos (205.400 mulheres presas), China (103.766), Rússia (53.304) e Tailândia (44.751) (SANTOS e VITTO, 2014, p. 8).

Cabrera (2015, p. 82) discute as obras de bell hooks e Cherrie Moraga que mostram que a realidade transfronteiriça está ligada ao corpo das mulheres, especialmente as mestiças e chicanas que são discutidas nos estudos da autora, entendidas como uma fronteira difícil de decifrar e transitada por múltiplas diferenças.

            No que diz respeito ao amplo entendimento sobre as questões que permeiam as fronteiras ainda há muito o que se desenvolver, e para isso é preciso uma abordagem teórica-metodológica mais reflexiva, pois as fronteiras não são apenas um lugar geográfico fixo, elas se apropriam de uma dinâmica que é peculiar, com aspectos políticos, sociais e legais que a difere de outros espaços, nessa perspectiva:        
A fronteira pode, portanto, ser interpretada como um conjunto de relações sociais simétricas e assimétricas permeadas por práticas, representações e marcadores espaciais e temporais. A fronteira é processo, relação e posição social e pode ser pensada a partir de diferentes dimensões interligadas: as ações e vivências (inter) subjetivas dos sujeitos fronteiriços; as práticas sociais e trocas materiais e simbólicas; as hierarquias de poder e as diferenças das instituições políticas, sociais e militares entre territórios; as normas e legislações jurídicas diferenciadas e as representações sociais na produção da fronteira etc. (GARCÍA, 2006 apud CARDIN e ALBUQUERQUE, 2018, p. 124).
A pesquisa qualitativa em ciências sociais, quando utiliza-se de interlocutores para dialogar temas diversos que ainda necessitam de aprofundamento, torna-se significativa e enriquece o trabalho, pois traz sutilezas e características próprias da realidade que se busca compreender que talvez, de outra forma, não fosse possível perceber. Nessa pesquisa, a entrevista auxiliou para entender peculiaridades da dinâmica de algumas mulheres que trabalham em situações diversas na fronteira, e para isso foram feitas basicamente algumas perguntas relacionadas a nacionalidade, idade, grau de escolaridade, trabalho, família, mobilidade, questões de gênero voltadas à dinâmica transfronteiriça. Todas as entrevistas foram realizadas na cidade de Foz do Iguaçu – Pr, sendo que, com a “laranja” e a empresária, nas suas próprias residências e as demais entrevistadas nos seus próprios locais de trabalho, em ambiente separado das demais pessoas, ficando somente a entrevistada e a entrevistadora.
Inicialmente foram identificadas mulheres que pudessem ser potencial para informações a respeito do estudo que estava sendo proposto. Em seguida, houve uma conversa explicativa sobre o objetivo da pesquisa e, no momento seguinte, ao encontrá-las novamente, foi realizada a entrevista propriamente dita.
A primeira mulher entrevistada foi Ana, de 38 anos, pessoa extrovertida, que gosta de se comunicar, e nota-se que sofreu o processo de hibridização da língua, pois acaba misturando um pouco as expressões, ficando por vezes confusa entre o português e o espanhol, possivelmente devido à forte convivência e dependência que se criou com os dois países ao longo dos anos. Traremos parte do que ela discorre sobre as experiências de vida na fronteira na transcrição abaixo:
Nasci aqui mesmo em Foz do Iguaçu, trabalho de segunda a sábado como “laranja” no Paraguai há mais de 20 anos, vou e volta sempre de ônibus. Só tive um trabalho além desse, que foi na lar, fiquei 4 meses lá, mas tinha que acordar muito cedo, começava trabalhar às cinco da manhã e sentia muito frio, muito frio mesmo! O ruim do Paraguai é só ter que ficar trabalhando no tempo, ainda mais quando é muito frio ou muito calor, aí cansa demais, aff, mas é divertido trabalhar lá, o dia que não quero, não vou. Estudei até a sexta série. Casei com um paraguaio, morei 20 anos lá e a 2 anos voltei para o Brasil, depois da separação. Eu sei falar o guarani e as vezes as pessoas acham que sou paraguaia, aí quando eu quero eu falo que sou paraguaia, pra não ficarem me enchendo o saco, eu brinco com eles também (risos). Quando morei lá não tirei a documentação paraguaia, para não deixar de receber os benefícios do meu país, a saúde aqui é bem melhor que lá, mesmo morando no Paraguai tive meus quatro filhos no Brasil pelo SUS. Sempre que fiquei doente quis sempre ser tratada no meu país, eu falava sempre: lá eu confio aqui não! Eu estou separada do pai dos meus filhos e continuo trabalhando de “laranja” e fico mais lá dentro de Ciudad Del Este. Eu tenho fixo, dois patrões, os dois de São Paulo, mas trabalho também para outras pessoas. Pra mulher é mais fácil, as pessoas preferem mais a gente para esse trabalho, pois eles falam que as mulheres tem todo um jeitinho de falar com os guardinhas, sabe, que convence. Mas as mulheres que se vestem com roupas mais curtas recebem muitos assédios e tratamentos agressivos por parte dos homens, fazem piadas, assobiam, xingam. Eu sempre fiz tudo sozinha, meu marido nunca me ajudou, ele foi embora de casa, largou as crianças e não ajuda mais a gente em nada, sempre consertei tudo em casa e era mais eu que trazia dinheiro pra casa, agora é só eu mesmo que sustento meus filhos e de vez em quando recebo ajuda de algumas pessoas. Quando vou trabalhar, meus filhos ficam com minha mãe, pago 15 reais por dia pra ela ficar com eles, mas ela reclama, já está velha e doente. Difícil conseguir ir na escola dos meus filhos, fico o dia todo lá. Meu marido arrumou uma vagabunda e hoje vive com ela, mas eu não posso namorar, todas as vezes que tento namorar, ele me ameaça e tenta dificultar o meu trabalho na ponte, ele inventa mentiras pra me denunciar na aduana. No Paraguai tem uma regra que se o carro tiver furado, tem uma penalidade, pois é uma forma de esconder mercadorias, aí a Van do meu último namorado foi apreendida e eu estava junto, perdemos todas as compras que estavam e o carro também, por denúncia dele, pensa no prejuízo, eu falei que se ele quiser terminar o namoro eu vou entender, porque ele não está conseguindo mais trabalhar. Lá no Paraguai tem uma associação dos motoristas de van e um dos responsáveis por essa associação fica falando mal de mim pra todo mundo, meu ex fica fazendo fofoca de mim e todo mundo fica me xingando (06 de julho de 2018).
Quando Ana fala sobre os serviços de saúde, ela demonstra que no Brasil esses serviços são melhores e junto com essa constatação ela deixa transparecer um certo nacionalismo identitário, mas ao mesmo tempo utiliza a identidade que lhe é conveniente, como “o ser paraguaia” em certos momentos, ou “o ser brasileira” em outros. Por isso, a identidade é sempre uma construção e manifestada em função das contingências apresentadas. A identidade cultural, como qualquer identidade, é construída na interação das práticas sociais e culturais. (HALL, 2006; SILVA, 2000).
A dialética da memória e identidade, interagem simultaneamente, se apoiam uma na outra para produzir uma trajetória de vida, uma história, um mito, uma narrativa. Memória e identidade estão indissoluvelmente ligadas. Nessa lógica a memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada (CANDAU, 2014).
Ana demonstra na sua fala o papel dela enquanto mulher, na família, no trabalho e na sociedade e como os homens percebem e agem em relação às mulheres com determinados estereótipos, como a forma de vestir, de se relacionar amorosamente, pistas deixadas por ela quando indaga as restrições encontradas depois da separação, sendo que para o conjugue a facilidade foi bem maior. Assim, Muraro (1996) diz que o corpo pode ser considerado como base da percepção e organização da vida humana, no sentido biológico e social. Dessa forma, andar, olhar, falar, são maneiras socialmente determinadas de sentir e pensar e obter uma visão de mundo. Esta visão passa pela divisão social do trabalho que formula gestos e posturas, e também modos de ser e agir, considerados masculinos e femininos, bem como a visão cultural do homem e da mulher. Nesse sentido qualquer gesto envolve o reconhecimento de uma ordem política, que distingue uma ordem hierárquica do homem e da mulher, das idades, dentre outras classificações.
Assim, também, se produzem os corpos economicamente úteis, mas para que eles sejam economicamente úteis é preciso que sejam submissos. Que se tornem seus próprios vigias. Para tanto são adestrados e lhes são inculcados hábitos primários desde a infância. E quanto mais simples esses gestos e hábitos, mais fundamentais, mais determinantes. E as classes se delimitam e se soldam por esses hábitos que, ao mesmo tempo, as articulam entre si (MURARO, 1996, p. 23).
As preferências de quem depende das mulheres para o trabalho como “laranja” implica, além de outros fatores, na facilidade das negociações que trazem estereótipos que reduzem a figura feminina, e a coloca de uma forma utilitarista reforçando a cultura heteronormativa que inferioriza a mulher e, por vezes, a considera um não sujeito (BUTLER, 2003).
De acordo com Oliveira e Linjardi (2013), nos trabalhos ilícitos as mulheres sempre estiveram mais vulneráveis a serem atrizes e mulas do processo de tráfico pela sua condição social de ser mulher, condição socioeconômica, de escolaridade e os modus operandi de transporte de substâncias entorpecentes. O sistema de combate que opera contra o trafego de entorpecentes é estigmatizante, e faz com que determinados perfis fiquem mais vulneráveis ao processo seletivo de abordagem. A situação de baixa escolaridade apontada pela mulher no tráfico na fronteira entre Brasil e Bolívia, não destoa da situação das demais fronteiras como é o caso da fronteira do Chile com a Bolívia.
Ana demonstrou algumas restrições pelo fato de ter baixa escolaridade, como por exemplo, a escolha de um trabalho menos seguro, com baixa remuneração, mas que permite mais flexibilidade, e isso reflete a realidade de muitas mulheres. Mesmo a situação de Ana não sendo exatamente a mesma das mulheres privadas de liberdade, orienta para uma análise dos padrões de escolaridade apontados em ambos os casos, nas situações vividas pelas mulheres em situação de vulnerabilidade. Segundo Tapia y Tagle (2013) apud Oliveira e Linjardi (2013, p. 84), “na região de Taparacá não mais do que 5% das encarceradas possuem o ensino básico completo, fato visível de utilização de pessoas com baixo grau de escolaridade para trabalhar como mulas”.
A pouca perspectiva que o Brasil oferece, em termos de trabalho, na ótica de Ana, acabou deixando claro que exerce a função de “laranja” como uma oportunidade de vida, para poder sustentar os seus filhos, mas o que foi possível verificar é a possibilidade de ter participado do contrabando, que além de outros comentários sutis não relatados, deixa nas entrelinhas a questão dos furos na van do namorado, em que ela estava presente. A respeito da possibilidade de participação de Ana em alguma atividade ilícita na fronteira, Oliveira e Linjardi (2013) analisam e discutem sobre a questão do transporte e entrega de drogas, que as mulheres normalmente estão mais vulneráveis a serem pegas pelo fato de serem mulheres e os principais motivos que elas se sujeitam a realizarem tal trabalho, parte de uma situação precária de vida, como o sustento de seus filhos, das necessidades básicas de sobrevivência.
Esse panorama de exclusão remete à análise de que esse perfil visibilizado das mulheres para o tráfico de drogas, possa induzir a números apontados de mulheres encarceradas que não são precisos, pois se somente determinados perfis estão mais vulneráveis a serem abordados, os demais ficam inviabilizados e dessa forma os perfis apontados de mulheres que atuam nesse mercado nebuloso não é confiável. O que se verifica é uma forma estigmatizada de colaborar para a situação de marginalização de algumas mulheres em situação de vulnerabilidade (OLIVEIRA E LINJARDI, 2013).
Há uma variedade de situações culturais, onde a mulher acaba ficando mais exposta. Algumas unidades culturais auxiliam na sua mercantilização. Em determinadas sociedades, as transações matrimoniais colocam a mulher como valor de troca. Assim, são estabelecidos relacionamentos mercantis entre indivíduos e coisas. Dessa forma, as fronteiras culturais são demonstradas circunstancialmente em detrimento a valores sociais que são distintos. A própria mulher estabelece transações mercantilizadas que podem ser legítimas, dependendo do contexto e da circunstância em que ela está inserida (APPADURAI, 2008).
A fronteira é um espaço político e social com dinâmicas próprias, distinta de outros locais, que precisam ser levadas em consideração. O fato de Ana ter nascido no Brasil e se reconhecer brasileira, morar no Paraguai e utilizar os serviços de saúde do Brasil e ainda por conta disso, não ter a documentação como cidadã paraguaia, o forte nacionalismo quando repetiu algumas vezes: “quero ser atendida no meu país” e o fato de falar o castelhano quando lhe é conveniente, aponta para uma diversidade de interpretações sobre os estudos culturais discutidos por Weber (2004), que ultrapassa a perspectiva de encontrar um conceito para definir a região de fronteira, mas entender a complexidade que permeia essas simbologias.
A segunda mulher entrevistada foi Ângela, de 41 anos, pessoa acessível, demonstrou segurança nas informações solicitadas e em alguns momentos utilizou da fala como quase um desabafo. Abaixo será mostrado parte das suas indagações:
Sou brasileira, casada, tenho 2 filhos, sou pós-graduada, há 8 anos empresária no ramo de prestação de serviços no Paraguai. Trabalho diariamente em horário comercial, as vezes deixo de ir no sábado, tenho um pouco de flexibilidade de horário por ser nossa a empresa, minha e do meu marido. Vou trabalhar com o meu carro, mas sabe, trabalhar no Paraguai é cansativo, mas só pela questão do deslocamento, o ir e voltar, perde muito tempo, é muito cansativo atravessar a ponte todos os dias, mas quando estou lá é tudo maravilha! No início não foi nada fácil o Paraguai, já fui vítima de preconceito, principalmente na hora de vender, a credibilidade não é a mesma que a do homem, principalmente para alguns grupos étnicos, como árabes e chineses, eles discriminam ainda mais, o que eles deixam transparecer é que o homem tem mais conhecimento sobre o assunto, durante as conversas de negociação, os clientes acabavam dirigindo o diálogo, o olhar a outro funcionário do sexo masculino de menor cargo. Senti dificuldades com os próprios funcionários paraguaios, mesmo eu tratando-os com igualdade e respeito, são muito machistas, quando eu dirigia o diálogo ao funcionário, mesmo eu sendo a empresária, não me escutava, eles iam se certificar com um outro funcionário do sexo masculino, parecia que não acreditavam em mim, que não admitiam receber ordens de uma mulher. Eles usavam um termo pejorativo quando mencionavam a minha pessoa, “a patroinha”. Chegou ao ponto de eu ter que fazer uma reunião geral, para discutir o relacionamento interno e a forma que eles me tratavam. No início do trabalho no Paraguai, senti um certo distanciamento por parte dos paraguaios, tanto pelos homens quanto pelas mulheres, clientes, funcionários, percebi uma certa discriminação pelo fato de ser brasileira, porém em uma conversa com uma funcionária paraguaia, onde reclamei o tratamento, a funcionária argumentou: “os paraguaios gostam dos brasileiros, porém sentem intimidados, eles acham os brasileiros mais capazes, mais inteligentes, se expressam melhor que nós, se destacam mais e eles gostam de ouvir os brasileiros falar, mas sentem intimidados pelo jeito de vocês e eles acabam se fechando”. Tento ser justa, pago homens e mulheres da mesma forma, o que acontece é que em algumas funções na empresa, a remuneração é diferente, e a seleção para contratar não é por sexo, mas sim por afinidade com o trabalho, experiência. Eu ajudo no orçamento da família, tenho bastante responsabilidade na empresa, mas posso tirar atestado, ah hoje dói aqui, dói ali risos... e o meu marido não, então de certa forma a responsabilidade maior no orçamento da nossa família fica a cargo do meu marido que exerce a mesma função que eu. Vou dizer uma coisa que as vezes fica atravessada, meu papel é bem importante na empresa, sou peça chave pra empresa ter crescido, porém é meu marido que leva o mérito, o nome dele que se destaca, eu sou vista como a mulher do fulano...  Meus filhos ficam um período na escola e o outro em casa com a empregada e o fato de trabalhar no Paraguai dificulta muito na educação deles, no acompanhamento no dia-a-dia, a logística é bem complexa, a gente perde muito tempo, no Brasil é possível aproveitar o horário de almoço, tomar café em casa, ir buscar os filhos na escola, ir nas reuniões de escola, e não tenho isso e quando é feriado no Brasil, no Paraguai não é, aí vira uma bagunça, então a minha interação com meus filhos, é só a noite. Já participei do descaminho, pois a cota é muito baixa, com um celular apenas, já ultrapassa o valor, então já deixei de declarar muita coisa, já cometi o crime de evasão de divisas, pois pela lei é possível transportar na fronteira, até dez mil reais, mas as vezes o cliente quer pagar e não tem outra forma de fazer, aí acabo recebendo e passando na aduana com dinheiro acima do valor estipulado. Como temos muitos negócios comerciais no Brasil e Paraguai, essa cota dificulta (07 de julho de 2018)
Ângela reclama sobre a sua importância na empresa, a posição social que ocupa em relação à ascensão do marido e a sua invisibilidade e o tratamento que recebeu dos clientes e funcionários, principalmente, quando começou a trabalhar no Paraguai. Em relação aos argumentos da empresária, é possível fazer um paralelo com as reflexões de Rosaldo (1979), numa organização social em que os homens tem posições institucionais e definem a ordem pública, as mulheres são simplesmente mulheres e o oposto do homem. Dessa forma encontra-se um antagonismo no entendimento, em que o homem significa cultura e a mulher natureza, pois os homens participam das decisões e das conquistas nas instituições sociais elaboradas, nas experiências feitas por eles e a mulher é definida por símbolos que salientam suas funções sexuais e biológicas, com as suas idiossincrasias.
Sobre a prática do descaminho e a evasão de divisas que a entrevistada declara ter participado, mostra que foi impulsionada por uma cota que ela entende como indevida e talvez a política adotada entre o legal e o ilegal nas cidades fronteiriças não seja condizente com as necessidades e peculiaridades de quem “vive a fronteira”, nas várias situações do ir e vir nas relações de trabalho, no lazer, nas atividades sociais. Devido à proximidade dos dois países, a empresária presta serviços e utiliza de serviços nos dois lados da fronteira, diferente da realidade de outras cidades que não vivenciam a dinâmica transfronteiriça. De acordo com Foucault (2014, p. 274),
[...] a existência de uma proibição legal cria em torno dela um campo de práticas ilegais, sobre a qual se chega a exercer controle e a tirar um lucro ilícito por meio de elementos ilegais, mas tornados manejáveis por sua organização em delinquência. Esta é um instrumento para gerir e explorar as ilegalidades. (FOUCAULT, 2014, p. 274).
Outro ponto que chama a atenção nas indagações da empresária, é sobre a relação de inferioridade que foi criada na cultura de algumas pessoas de nacionalidade paraguaia, que é possível ter sido construída historicamente pela dominação sofrida por eles na construção de hierarquias de poder, nas tomadas de territórios geográficos e pelo esforço de colocar em evidência uma identidade cultural que marginaliza a cultura do outro.
Sobre essas fronteiras simbólicas construídas e solidificadas é possível traçar um paralelo com as discussões de Albuquerque (2010, p. 51), que diz: “Os espaços de intercâmbio cultural não significam espaços de integração social. Hibridismo não é sinônimo de integração”. Por meio dos movimentos migratórios, as nações modernas acabam por modificar padrões políticos e culturais, dessa forma, redefinindo as fronteiras nacionais. Essas fronteiras, de acordo com alguns pesquisadores, podem ser espaços híbridos de saber e poder (ALBUQUERQUE, 2010, p. 51).
Outro aspecto importante da fala da mesma entrevistada é sobre os grupos étnicos que demonstraram colocar a mulher numa posição inferior à posição do homem, reforçando o panorama complexo das dificuldades de gênero, encontradas pela mulher em algumas situações, e por outro lado, Ângela utiliza os termos: “os chineses”, “os árabes”, “os paraguaios”, incorrendo em hábitos de generalizações, rotulando identidades culturais pré-definidas, e essas generalizações podem limitar uma análise mais ampla sobre o comportamento humano nas diferentes relações.
A terceira mulher entrevistada foi Jéssica, de 33 anos, um pouco tímida no início, mas, ao longo da conversa foi se soltando e conseguiu relatar um pouco da dinâmica de “viver a fronteira” e em seguida teremos parte da sua fala:
Sou brasileira, casada, tenho 1 filho, possuo graduação completa, trabalhei 3 anos no Paraguai como vendedora na área de prestação de serviços, ia para o trabalho de carro próprio, há 4 anos voltei a trabalhar no Brasil e agora vou pra Ciudad Del Este, de vez em quando, fazer algum serviço, esporadicamente, mas pela empresa que estou agora, mas detesto ter que ir pra lá. Trabalhava diariamente em horário comercial, só no sábado que entrava as 8h00 e saia às 14h00. Era muito cansativa aquela vida, de trabalhar no Paraguai e morar em Foz, enfrentava filas enormes, e não tinha a opção de ir pra casa descansar no horário de almoço, aí a jornada diária acabava se tornando mais pesada. Quando estava trabalhando no Paraguai, não percebi preconceito pelo fato de ser mulher, acredito que por ter recebido um bom suporte da loja que eu trabalhava, isso facilitou, mas no trânsito sim, sabe, a mulher é mais lenta, lá o trânsito é complicado e eles olham e veem que é mulher no volante, aí já viu! O relacionamento com os clientes paraguaios foi bem difícil, a cultura de lá não valoriza o nosso trabalho, não estão nem aí para o que você está fazendo, uma falta de respeito tremenda, aqui no Brasil o cliente dá uma satisfação e lá não, faz o orçamento e não volta, não respeita horário, não respeita o seu espaço, o seu atendimento, quer ser atendido na hora. Não adianta marcar horário, eles não cumprem, todos reclamam deles, não cumprem, não respeitam. Na época esse foi um dos motivos que eu desisti de trabalhar lá. Nessa empresa que eu trabalhava, homens e mulheres tinham a mesma remuneração, a comissão era a mesma nas vendas e o fixo também. O sustento da minha família esteve sempre na responsabilidade de nós dois, meu e do meu marido. Na época o trabalho no Paraguai atrapalhou muito as finanças, o custo de deslocamento, de pagar alguém para cuidar do meu filho mais tempo, ficou mais caro. Meu filho ficava o dia todo na escola e no final do dia com a babá e dificultou muito, eu chegava mais tarde, o tempo de ficar com ele era mais curto e o acompanhamento na escola era raro, tinha menos contato e sempre tinha que ficar dependendo dos outros pra buscar, pra isso e pra aquilo (07 de julho de 2018).
Tanto na fala de Ângela quanto de Jéssica, ambas sentiram o drama de ser mulher, em sociedades que vivem em constante ambiguidade sobre a identidade masculina e feminina. E mesmo homens e mulheres compartilharem espaços e funções comuns, sejam no trabalho, na família, ou até mesmo no trânsito, observa-se uma forte necessidade de autoafirmação da mulher, na tentativa de uma posição social equivalente ao seu merecimento. Quando Jéssica coloca a questão de não ter recebido preconceito nas relações de trabalho que acredita que a empresa tenha dado suporte para isso, ela deixa subliminarmente a possibilidade de ter sofrido preconceito no trabalho também. Ainda sobre a questão das diferenças sociais e culturais, foi possível perceber nas indagações das duas mulheres, afirmações que expressam o “nós” e o “eles”, ou, “eles são assim”, “a cultura de lá” é assim. Nesse contexto elas reforçam uma identidade cultural homogeneizada e essencialista, arraigada no modo de perceber e pensar o ser social que foi construída em função de uma memória coletiva.
A quarta mulher entrevistada foi Ramona, de 30 anos de idade, pessoa de personalidade calma, acessível e demonstrou interesse em auxiliar na pesquisa, porém, suas frases eram curtas, com respostas objetivas, deixando às vezes dúvidas, onde houve a necessidade de retornar em boa parte da sua fala. Se comunica em espanhol. A seguir a demonstração da transcrição de parte dos argumentos da entrevistada:
"Nací en Paraguay, en Caaguazu, pero viví después hasta los 22 años en Colonia Yguazu y luego vine a vivir en Ciudad Del Este y estoy hasta hoy, soy madre soltera, ahora estoy embarazada de mi segundo hijo, y el otro vive con mi madre, allá lejos en Paraguay. En el caso de Paraguay, no he conseguido empleo allí, pero sigo estudiando, hago postgrado allí, para mejorar y ver si consigo una colocación en el área. Después de cómo no conseguí trabajo en mi país, venía a trabajar en Brasil, como doméstica en una casa de familia, en la ciudad de Foz do Iguaçu. Mientras la gestación, es muy sufrido el desplazamiento entre Brasil y Paraguay. En Brasil las patronas me tratan como se fuera de su familia, mientras en Paraguay no es asi, y creo que más por ser paraguaya también. Mi patrona brasileña ya quiso arreglar a otra persona para trabajar en su casa, pues ya estoy en el sexto mes, pero quiero ir hasta el final de la gestación, porque hasta mi madre dice: en Brasil por lo menos usted consigue alimentarse bien. "Yo utilizo los servicios de salud de mi país, incluso hago el prenatal allí y muchos brasileños utilizan los servicios de salud de allí también, en algunas cosas es bueno y en otras malas, a veces los propios brasileños prefieren ser tratados allí” (08 de julho de 2018).
Ramona transitou por vários lugares na fronteira entre Brasil e Paraguai, provavelmente pela facilidade dos deslocamentos gerados pela vida moderna e postula a identidade das “patroas”, no seu país, com base em experiências próprias que não foram positivas. Ela reclama da forma hierarquizada do tratamento entre elas, sentindo-se inferiorizada. Esses perfis de relacionamentos demostram uma visão capitalista de perceber a outra pessoa com menos “poder”, que é uma visão histórica, gerada desde a colonização, principalmente em alguns países subalternos. Dessa maneira, as várias possibilidades vividas pela entrevistada constituíram sua memória e identidade e, assim, a maneira de perceber o mundo e o indivíduo.
Por isso, a identidade, como sentido de pertencimento e de localização no tempo e no espaço, não é necessariamente algo palpável, fixo e objetivo. Sobre essa ideia, Bauman (2001) coloca que vivemos numa modernidade líquida, que não é possível uma identidade estável dentro de uma comunidade segura. Isso ocorre por conta da velocidade das transformações, dos excessos de deslocamentos dos indivíduos, das fragilidades dos laços humanos, da vulnerabilidade das relações sociais e dos estilos de vida que são comercializados e consumidos aceleradamente.
As dificuldades encontradas por Ramona para trabalhar na área de sua formação superior não difere dos problemas enfrentados por muitos jovens no Brasil que acabam indo para o emprego informal, ou até mesmo ao subemprego, com menos expectativas. Ela coloca a questão da necessidade básica de alimentação que ela consegue suprir trabalhando no Brasil, mas sem outras perspectivas além dessa. Esse caso mostrou um pouco das experiências vividas por muitas mulheres que vêm para o Brasil à procura de um emprego e se deparam com a exploração e acabam muitas vezes se acomodando devido ao mínimo que o seu país oferece e, por conta disso, submetendo-se às péssimas condições de trabalho oferecidas pelo país vizinho.
Ana percebe que o trabalho como “laranja” traz algumas vantagens comparada com a experiência de trabalho vivida no Brasil e não coloca em evidência as dificuldades nos deslocamentos e mobilidade na fronteira, mas as demais mulheres sim, reclamam do congestionamento na ponte que liga o Brasil (Foz do Iguaçu) com o Paraguai (Ciudad Del Este) e as três mulheres, inclusive Ana, que moram com seus filhos no Brasil relataram as dificuldades para acompanhá-los na escola, já que a mulher normalmente exerce o papel de provedora dos cuidados básicos familiares e muitas vezes realiza a dupla jornada de trabalho, principalmente as mulheres de baixa renda que não podem pagar uma pessoa para os cuidados da casa.
O papel da mulher pode estar fundamentado numa identidade essencialista, que de acordo com Silva (2000, p. 15), os padrões estabelecidos nessa identidade são definidos da seguinte maneira:
O corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos, servindo de fundamento para a identidade – por exemplo, para a identidade sexual. É necessário, entretanto, reivindicar uma base biológica para a identidade sexual? A maternidade é outro exemplo no qual a identidade parece estar biologicamente fundamentada. (SILVA, 2000, p. 15).
Tomando como base a entrevistada que exerce a função de empregada doméstica no Brasil (Foz do Iguaçu), as condições biológicas, de natureza do ser, definiram que é ela que deve carregar no ventre o seu filho, e na visão de COLLING (2014), esse fato não pode justificar carregá-lo a vida inteira sozinha e deixar de dividir tarefas com o companheiro, ou pessoas que estão a sua volta, principalmente no período gestacional que ela se encontra. Então verifica-se uma identidade da mulher que foi construída historicamente, por conta de definições que o próprio ser humano constituiu, de certa forma, involuntariamente.
Para Colling (2014) verifica-se uma identidade da mulher que foi construída historicamente, por conta de definições que o próprio ser humano constituiu, na perspectiva do olhar masculino. A mulher era sempre o outro. A referência, o sujeito, era o homem.
Percebeu-se também que as mulheres entrevistadas de classe social e econômica menos favorecida têm mais dificuldade quanto à mobilidade na fronteira, por não possuir um meio de locomoção próprio, já que culturalmente e talvez equivocadamente, pensando no meio ambiente, os países do Mercosul têm uma forte dependência de possuir o seu próprio veículo e marginalizar o transporte coletivo, que muitas vezes, não funciona como nos países desenvolvidos. Nessa perspectiva, o poder econômico se encarrega de amenizar o cotidiano de mulheres que trabalham na fronteira, devido as melhores condições de locomoção.
Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas no acompanhamento dos filhos, a empresária, demonstrou mais segurança em deixá-los no Brasil (Foz do Iguaçu) e ir trabalhar no Paraguai (Ciudad Del Este), pois eles ficam em lugares seguros e sem cobranças de terceiros e ainda ela conta com um pouco mais de flexibilidade no trabalho por ter empresa própria e já estabelecida no Paraguai (Ciudad Del Este), e além da flexibilidade de horário, conta com uma carga horária de trabalho reduzida também, comparada com a carga horária de Ana e Jéssica.
Sobre as dificuldades de mobilidade e deslocamento na fronteira do Brasil (Foz do Iguaçu) com o Paraguai (Ciudad Del Este), Ramona intensifica a sua fala sobre a questão do sofrimento enfrentado no trajeto de ir e vir do trabalho, pois agora gera uma criança e acabaram ficando ainda mais desconfortáveis esses deslocamentos. As suas reclamações demonstraram a fragilidade do corpo ou a própria força deste, que a impulsiona para lutar, que é submetido a demandas econômicas, sem permitir-lhe outra opção.
As entrevistadas relataram alguns problemas transfronteiriços que são similares entre elas. A representação do trabalho no Paraguai (Ciudad Del Este) para Ana teve um perfil diferente, comparado com a percepção de Jéssica. Mesmo com as adversidades da condição de vida de Ana ela percebe o Paraguai (Ciudad Del Este) como um lugar divertido, de oportunidade, ela trata as condições de vida na fronteira com mais naturalidade e encara o seu trabalho como todos os demais trabalhos, e que lhe permite trazer o sustento para seus filhos. Jéssica demonstrou uma certa antipatia com o país vizinho, que deixa claro que foi devido às dificuldades que julga ter vivenciado e pelo fato de não ter se identificado com a dinâmica da fronteira e possíveis aspectos culturais solidificados no entendimento dela que não lhes agradaram.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
          A fronteira do Brasil (Foz do Iguaçu) e Paraguai (Ciudad Del Este), como qualquer outra fronteira, têm suas implicações e particularidades, próprias de sua espacialidade. Essa é uma fronteira que participa de um forte mercado informal, com práticas comerciais lícitas e ilícitas e, dependendo da economia nacional e internacional, bem como dos aspectos da política local, esse fluxo se intensifica.
O comércio em Ciudad Del Leste caracteriza-se como um dos mais intensos da América Latina e reconhecido como um dos maiores centros comerciais do mundo, justificando o trabalho dos “laranjas” nas condições da fronteira política. De acordo com o IMF (International Monetary Fund) (2018) a economia e o PIB do Paraguai, têm crescido consideravelmente nos últimos anos e esse é um dos fatores que chamam a atenção de investidores estrangeiros. Dessa forma, muitos brasileiros se estabeleceram economicamente no Paraguai, abrindo empresas em vários ramos do mercado, trazendo outras formas de estabelecer relacionamentos. Junto com essas mudanças, também surgiram o emprego e o subemprego e as mais variadas formas de exploração do trabalho humano.
Assim como as mulheres que participaram dessa pesquisa, a “laranja”, a empresária, a vendedora e a empregada doméstica, mapearam realidades em vários aspectos que foram similares, opostas e divergentes, outras mulheres estão inseridas em contextos diversos, com histórias similares e antagônicas, trazendo outras formas de representações, mas, certamente com muita riqueza para os estudos da fronteira política e simbólica. Dessa forma, houve um esforço dos pesquisadores para entender as mulheres como indivíduos independentes, com suas próprias representações, no trabalho, na família e nas demais formas de interação social e cultural.
Da mesma forma que o conceito de fronteira fixa e simplista não é possível, a compreensão das múltiplas representações das mulheres na fronteira também não é algo fácil, pois traz influências de uma memória e identidade que se configuram em inúmeras facetas de interpretações construídas historicamente e que precisa de mais estudos que auxiliem na compreensão dos fenômenos ligados ao contexto transfronteiriço, que muitas vezes está ligado ao corpo das mulheres, onde o ser humano é o “ator” principal desse processo.
Mais que transitar entre dois países numa dinâmica de trabalho fronteiriço, as mulheres inseridas na pesquisa se transportam entre variados papeis. Vivenciam a experiência profissional, a maternidade e seus vínculos afetivos em realidades distintas. Se posicionam perante olhares preconceituosos e críticos, e assumem condutas que lhes permitem ganhar seu sustento e buscar seus objetivos. Suas histórias permitem um breve relato de situações de conflito entre seus anseios e necessidades frente às imposições que a sociedade lhes cobra na vivência de seus papeis pré-determinados construídos culturalmente ao longo do tempo.

BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, José Lindomar Coelho (2010): “A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai”. São Paulo: Annablume.
APPADURAI, Arjun (2008): “A vida social das coisas: As mercadorias sob uma perspectiva cultural”. Tradução de Ágatha Bacelar. Niterói: Universidade Federal Fluminense.
BANDEIRA, Lourdes; MELLO, Hildete Pereira De (2010): Tempos e memórias: movimento feminista no Brasil. Brasília (DF): SPM. Disponível em: www.spm.gov.br/sobre/publicacoes/ publicacoes/2010/titulo-e-memorias. Acesso em: 11/11/18 às 20h:35m.
BARBOSA, Maria Raquel; MATOS, Paula Mena; COSTA, Maria Emília (2011): Um olhar sobre o corpo: o corpo ontem e hoje. Na revista Psicologia & Sociedade, v. 23, n.1, Pp. 24-34. Disponível em: www.scielo.br/pdf/psoc/v23n1/a04v23n1.pdf. Acesso em: 10/03/18 às 19h:50m.
BAUMAN, Zygmunt (2001): “Modernidade líquida”. Rio de Janeiro: Zahar.
BUTLER, Judith (2003). “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade”. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
CABRERA, Isabel, G. Gamero (2015). Los límites del concepto de frontera em distintas teorias antropológicas posmodernas: the limits of the concept frontier in different postmodern anthropological theories. Cinta Moebio 52: P. 79‐90. Disponível em: www.moebio.uchile.cl/52/gamero.html. Acesso em: 13/05/18 às 14h:12m.
CANDAU, Joel (2014): “Memória e identidade”. São Paulo: contexto.
CARDIN, Eric Gustavo; ALBUQUERQUE, José Lindomar Coelho (2018): “Fronteiras e deslocamentos”. Revista brasileira de sociologia. Vol. 06, n 12, jan-abr/2018, p. 115-131.
COLLING, Ana Maria (2014). “Tempos diferentes, discursos iguais: a construção histórica do corpo feminino”. MS: UFGD.
DELMANTO, Julio. “A guerra às drogas é uma guerra contra pessoas: com o fracasso da estratégia penal, abre-se o debate sobre alternativas para a questão das drogas no Brasil”. Caros Amigos, São Paulo, ano 14, n. 158, p. 34–36, maio 2010.
FOUCAULT, Michel (2014): “Vigiar e punir: nascimento da prisão”. Petrópolis, RJ: Vozes.
HALL, Stuart (2006): “A identidade cultural na pós-modernidade”. 11. ed. Rio de Janeiro: DP & A.
IMF International Monetary Fund (2018). World Economic Outlook Record. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2018/02/weodata/index.aspx. Acesso em: 15/08/19 às 21h:05m.
MURARO, Rose Marie (1996): “Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil”. 5 ed. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos.
OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de; LINJARDI, Luciane Grego Soares (2013): “Carga pesada das mulas: sobre mulheres traficantes na fronteira Brasil-Bolívia”. Revista do centro de educação, letras e saúde da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu, v. 2, número 2, p. 70-95.
RODRIGUES, Francilene (2006): “Migração transfronteiriça na Venezuela”. Estudos avançados 20 (57).
ROSALDO, Michelle Zimbalist; LAMPHERE, Louise (1979): “A mulher, a cultura, a sociedade”. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
SANTOS, Thandara; VITTO, Renato Campos Pinto De (2014). Departamento Penitenciário Nacional: Ministério da Justiça. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf. Acesso em: 23/05/19 às 17h: 05m.
SILVA, Tomaz Tadeu da (2000): “Identidade e diferenças: a perspectiva dos Estudos Culturais”. Petrópolis: Vozes.
THÉBAUD, Françoise. A Grande Guerra: o triunfo da divisão sexual. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle (Org.) (1995): “História das Mulheres no Ocidente: o século XX. Porto: Afrontamento”, p. 31-94.
TOSCANO, Moema (1975): “Mulher: trabalho e política: Caminhos cruzados do feminismo”. Rio de Janeiro: PUC (tese de livre docência).
TUCHERMAN, Ieda (1999): “Breve história do corpo e de seus monstros”. Lisboa: Veja.
WEBER, Max (2004): “Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”, vol. 2, 2 ed. Brasília: UnB.

*Mestranda do Programa de Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, Foz do Iguaçu, PR, docente no Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu (CESUFOZ)
** Professor Dr. do Programa de Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, Foz do Iguaçu, PR, docente na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)

Recibido: 24/05/2019 Aceptado: 29/05/2019 Publicado: Mayo de 2019


Nota Importante a Leer:
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.

URL: https://www.eumed.net/rev/caribe/index.html
Sitio editado y mantenido por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.
Dirección de contacto lisette@eumed.net