Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


TEMPO HISTÓRICO, CAPITALISMO DEPENDENTE E HEGEMONIA: A ANÁLISE DA MILITÂNCIA POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Autores e infomación del artículo

Camila Faria Pançardes *

Lucí Faria Pinheiro **

Universidade Estadual de Montes Claros e Unirio. Brasil

Correo: camifariavr@gmail.com


Resumo:
O presente artigo tem como objetivo a análise o Movimento Nacional de Fé e Política que nasce nos anos 1990 no cerne da primeira crise da democracia nascente, que sob a hegemonia da ideologia neoliberal, impulsiona também respostas na classe trabalhadora organizada pela garantia dos direitos conquistados em principio, mas que tendem à regressão com a flexibilização das leis trabalhistas e precarização das condições de trabalho. A abordagem crítica marxiana foi elencada através da pesquisa bibliográfica e análise de documentos públicos referentes ao Movimento Nacional de Fé e Política que nos possibilitam o estudo da construção da hegemonia da formação da militância política que culminou com a base do movimento por democracia no Brasil, no período de decadência da ditadura militar (1964-1985). Concluímos que o projeto neoliberal e uma cultura pragmática hegemônica, nos anos 90, enfraqueceram a militância política e os movimentos sociais e impactaram as lutas sociais.

Palavras – chave : Classe trabalhadora; democracia ; hegemonia ; ideologia ; militância.
Abstract :
The purpose of this article is to analyze the National Movement of Faith and Politics that emerged in the 1990s at the heart of the first crisis of nascent democracy, which under the hegemony of neoliberal ideology also fostered responses in the working class organized by the guarantee of the rights won in principle, but that tend to regress with the flexibilization of labor laws and precariousness of working conditions. The Marxian critical approach was highlighted through the bibliographical research and analysis of public documents referring to the National Movement of Faith and Politics that enable us to study the construction of the hegemony of the formation of political militancy that culminated with the basis of the democracy movement in Brazil, period of decadence of the military dictatorship (1964-1985). We conclude that the neoliberal project and a hegemonic pragmatic culture in the 1990s weakened political militancy and social movements and impacted social struggles.
Keywords: Democracy; hegemony; ideology.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Camila Faria Pançardes y Lucí Faria Pinheiro (2019): “Tempo histórico, capitalismo dependente e hegemonia: a análise da militância política no Brasil contemporâneo”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/05/militancia-politica-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1905militancia-politica-brasil


Introdução :

A constituição de uma esquerda ampla no Brasil, que culmina no Partido dos Trabalhadores, unindo intelectuais, movimentos de base e sindicatos, no final da década de 70  está  na base do movimento por democracia no Brasil, no período de decadência da ditadura militar exercida no pais no período 1962-1986. A Constituição Federal de 1988 significa um marco a partir do qual se instaura oficialmente, a democracia representativa que estrutura o Estado e os poderes que o constitui, ou seja, a estrutura legal-formal para o exercício da liberdade e da concorrência individual, assim como, os direitos sociais como critério de um Estado moderno voltado para o bem comum.
O presente artigo tem como foco uma das forças sociais que constituiu o maior partido de esquerda na América Latina até então, o setor cristão, adotando como base de analise o Movimento Nacional de Fé e Política que nasce nos anos 1990 no cerne da primeira crise da democracia nascente, que sob a hegemonia da ideologia neoliberal, impulsiona também respostas na classe trabalhadora organizada pela garantia dos direitos conquistados em principio, mas que tendem à regressão com a flexibilização das leis trabalhistas e precarização das condições de trabalho, determinadas pela restruturação produtiva e a informatização dos meios de produção. Na construção dessa hegemonia, é fundamental uma cultura pragmática e funcional aos detentores do Capital. A ética utilitária orienta a política e forma um mercado eleitoral logo após os primeiros anos de liberdade democrática. Essas características se ampliam tornando as esquerdas um modelo de relação com o eleitor, configurando governos participativos em diferentes partes do pais, formando um parlamento e trazendo para o cotidiano o desafio do poder frente a uma massa de eleitores fieis ao seu partido, conscientes e oriundos muitas vezes dos movimentos sociais. Dentre as organizações da sociedade civil a Igreja Católica através da CNBB lidera um movimento pela ética na política e seus quadros de intelectuais leigos, unidos pelos princípios e as bases da Teologia da Libertação, gera os pronunciamentos, alimenta um debate e acompanha os acontecimentos, as manchetes no pais e no mundo. Eleger como objeto de estudo o movimento de Fé e Política, em especial seus encontros nacionais, significa compreender as formas de enfrentamento do cenário de crise das esquerdas conduzindo ao poder o Partido dos Trabalhadores, o que se fará mostrando a lógica de sustentação de um movimento leigo que se entende independente de partidos e do poder, mas que se torna um palco de debate e consenso em torno da pauta de reformas dos Governos Lula e da dialética  utilizada para garantir direitos sociais mínimos, criando a política nacional de assistência social-PNAS, tendo como ponto de partida o Programa Fome Zero-PFZ. A forma como a ética é reivindicada na política passa pela difícil estratégia de participação dessa tendência libertadora no poder, assim como, no controle social por meio da crítica  e exigência de ética buscando o apoio das massas organizadas em movimentos sociais. 
O objetivo principal da pesquisa é apresentar elementos das lutas dos cristãos da libertação, por meio da mobilização desenvolvida pelos intelectuais e lideranças leigas petistas e apoiadores do governo Lula, para entender o processo de resistência em face do cenário politico de profunda crise dos princípios democráticos socialistas, determinados pela lógica cultural e política da classe dominante e o Estado capitalista, no Brasil, tendo a Constituição de 1988 como limiar de um projeto fracassado de democracia.

 Tempo histórico, imperialismo e Brasil como economia dependente.

Segundo Lênin (1979, p.56) o imperialismo apareceu como desenvolvimento e continuação das características essenciais do capitalismo, entretanto só se metamorfoseou quando alcançou um grau específico, de elevado desenvolvimento, levando-o para uma complexa estrutura econômica e social. A característica principal desse estágio do capitalismo são os monopólios capitalistas. Até então a livre concorrência capitalista era a característica fundamental e foi se transformando em monopólio com a grande produção, que logo em seguida se agigantou em algo maior, deixando para trás a pequena, surgindo os cartéis, os sindicatos, os trusts e conjugando se a estes, os bancos.

[...] o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido (LÊNIN, 1979. Pag. 641).

Ainda que não tenha formulado o conceito de imperialismo, Marx (1998) demonstrou incansavelmente a permanente e ampliada dinâmica do capital. O que segundo Fontes (2010) determina sua condição socialmente trágica de reprodução, principalmente no Livro III de O Capital, onde Marx desenvolveu uma sofisticada argumentação sobre o processo de concentração de capitais já e analisou como atua a tendência capitalista à concentração da propriedade.

a necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares. (MARX, 1998, p. 11).

Lênin (1979, p. 640) apontou “cinco aspectos fundamentais que são determinantes para caracterizarmos o imperialismo que são”: a concentração da produção e do capital; a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação do capital financeiro; a exportação de capitais; a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas que dividem o mundo entre eles e por fim, a partilha territorial do mundo entre potências capitalistas mundiais. Com esses aspectos essenciais o imperialismo toma uma importante forma, mas não só devem ser levados em conta elementos econômicos, mas também “o lugar histórico” que esse estágio do capitalismo ocupou.  Para Lênin (1979, p. 645) “esse estágio foi uma fase particular do desenvolvimento capitalista”.

O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda terra entre os países capitalistas mais importantes (LÊNIN, 1979, pag. 642).

A fase do capitalismo onde haviam a propriedade privada baseada no trabalho do pequeno patrão, a livre concorrência e a democracia já não configuram mais e deram lugar à um sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro por parte de poucos países avançados que dominam a grande parte do globo. Deu uma situação privilegiada à poucos países que fazem a outra grande parte depender deles.
Para entendermos melhor essa fase é necessária entender as particularidades dos cinco aspectos (já abordado acima) que fundamentam o imperialismo. O primeiro deles – a concentração da produção e os monopólios é notadamente uma das principais características e demarca o incremento da indústria e a concentração em empresas cada vez maiores. Segundo Lênin (1979, p. 584), “a obra de Marx foi silenciada pela ciência oficial afim de anular a análise teórica” e histórica em que demonstra que a livre concorrência gera a concentração da produção e que a partir de um determinado nível, esta leva ao monopólio.

O verdadeiro começo dos monopólios contemporâneos encontramo-lo, no máximo, na década de 1860. O primeiro grande período de desenvolvimento dos monopólios começa com a depressão internacional da indústria na década de 1870 e prolonga-se até princípios da última década do século (LÊNIN, 1979, pág. 590).

Nesse novo estágio a produção passou a ser totalmente socializada, o que levou todos à um novo regime social, que levou da absoluta liberdade de concorrência a uma socialização completa. Lênin (1979, p. 593) “coloca que a produção passou a ser social, entretanto a apropriação se mantém privada, mantendo os meios sociais de produção nas mãos de poucos indivíduos”. Formalmente, a livre concorrência se mantém reconhecida, entretanto os monopólios se colocam cada vez mais enrijecidos sobre a população.

Traduzindo em linguagem comum, isto significa: o desenvolvimento do capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção mercantil continue reinando como antes, e seja considerada a base de toda a economia, na realidade encontra-se já minada e os lucros principais vão parar aos gênios das maquinações financeiras (LÊNIN, 1979, pág. 595).

Para efetuar as transações financeiras e fortalecer os monopólios é preciso analisar o papel dos bancos que inicialmente realiza a intermediação de pagamentos, onde convertem o capital-dinheiro em capital ativo, que rende lucro e que se colocam à vista dos capitalistas. De intermediários à monopolistas constituem transformação importante para análise do capitalismo imperialista.
Os bancos criam para Lênin (1979, 88) a forma de uma contabilidade geral e de uma distribuição geral dos meios de produção, recolhendo os rendimentos em dinheiro, não tão somente dos capitalistas, mas também dos pequenos patrões, dos empregados e de uma pequena camada de operários. Já pelo conteúdo, a distribuição é geral, mas privada conforme os interesses do grande capital, de maneira que a massa da população passa fome e o desenvolvimento agrícola se atrasa em relação à indústria. Lênin coloca que os cientistas burgueses possuíam receio de responder sobre o que resultou do capitalismo com a livre concorrência combinado com os monopólios. Com os bancos uniram-se as indústrias numa relação estreita que complexificou o processo e trouxe a dominação do capital financeiro.
[...] é a fase monopolista do capitalismo. Esta definição englobaria o essencial, porque, por um lado, o capital financeiro é o resultado da fusão do capital de alguns grandes bancos monopolistas com o capital de grupos monopolistas [...] (LÊNIN, 1979, p. 87-88).

O capital financeiro não deve ser definido como capital que se encontra à disposição dos bancos e que os industriais utilizam, pois, sua completude se faz entendendo o aumento da concentração da produção e do capital em grau elevado que conduz ao monopólio. O predomínio da oligarquia financeira é resultado da sobre pungência do capital financeiro sobre todas as outras formas de capital.

A tendência histórica do capitalismo é a de concentrar e centralizar o capital e a força de trabalho, do que se origina a grande indústria. A concorrência intercapitalista possibilita o surgimento da grande indústria ao concentrar e centralizar capitais. Paralelamente à concentração e centralização do capital industrial ocorre também a concentração do capital dinheiro. Em busca da multiplicação do seu capital, os bancos investem na indústria e iniciam um processo de fusão do capital bancário com o capital industrial, do que se origina o capital financeiro. Com esse acúmulo de capital centralizado é possível implantar a grande indústria e a monopolizar a produção num determinado ramo ao mesmo tempo em que ocorre uma sensível concentração da força de trabalho. Os cartéis e os trustes são as principais formas pela qual se expressa o capitalismo de monopólios (DEL ROIO, 1998, pag. 121).

É importante destacar que se no formato anterior a exportação de mercadorias era a principal forma de exportação, já no imperialismo foram a exportação de capital através da partilha do globo entre associações de capitalistas que partilharam o mercado interno e consequentemente o mercado externo. Para Lênin surge um novo grau da concentração mundial do capital e da produção criando um “supermonopólio”. A partir desse “supermonopólio”, o mundo se divide entre grandes potências reforçando uma peculiar política colonial mundial, relacionando-se com o capital financeiro. Aqui as associações alcançam total solidez e possuem toda matéria-prima, impedindo a concorrência. Cabe ressaltar que quanto mais esse esquema se desenvolveu, mais insuficiente foram as matérias-primas, a livre concorrência ficou mais difícil e a guerra pelas colônias se acirram. O importante para o capital financeiro não é a liberdade e sim a dominação.

Os interesses da exportação de capitais levam do mesmo modo à conquista de colônias, pois no mercado colonial é mais fácil (e por vezes só nele é possível), utilizando meios monopolistas, suprimir o concorrente, garantir encomendas, consolidar as relações necessárias, etc (LÊNIN, 1979, pág. 638).

Como visto anteriormente, a dominação é premissa no imperialismo, que gera uma contradição constante, mas além disso, não satisfeito com o caos que gera, ele tende à estagnação e à decomposição. Os monopólios dos preços fixados desestimulam o avanço do processo técnico. Lênin (1979, p.652) coloca que estas são inerentes ao imperialismo e conseguem se impor em determinados períodos.  A posse das colônias, também monopolizadas passam também por esse processo de estagnação e decomposição. O parasitismo se acentua á medida que a classe de rentiers se afasta ainda mais da produção e ainda sim rende muito mais que o seu comércio externo.

O imperialismo é uma enorme acumulação num pequeno número de países de um capital-dinheiro que, como vimos, atinge a soma de 100 a 150 milhões de francos em valores. Daí o incremento extraordinário da classe ou, melhor dizendo, da camada dos rentiers, ou seja, de indivíduos que vivem do “corte de cupões”, que não participam em nada em nenhuma empresa, e cuja profissão é a ociosidade. A exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentua ainda mais este divórcio completo entre o setor dos rentiers e a produção, imprime uma marca de parasitismo a todo o país, que vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar (LÊNIN, 1979, pág. 650).

 Essa é o fundamento do que o autor chamou de “parasitismo imperialista” e que levou o mundo ser dividido em Estados que desfrutam desse sistema e os que devem a ele e que são a grande maioria. Uma das formas de investir o capital investido é fazer empréstimos aos países dependentes. Lênin (1979) assinala que esse esquema é a “base econômica de ascensão imperialista”.
Para Marx (1985) “depois do anseio de ganhar dinheiro, o mais imperioso é o de desembaraçar-se dele mediante qualquer aplicação que proporcione juro ou lucro; pois dinheiro de per si nada rende.”
O exemplo de pais com a culminância desse estágio do capitalismo é a Inglaterra que agrega um grande número de colônias e capital financeiro. Em países imperialistas como a Inglaterra, a conquista de colônias ocorreu com exércitos formados por homens oriundos dos países dependentes. O que se verificou ainda foi que muitos aristocratas ricos viviam de renda vinda das colônias como Ásia e África e abriram a possibilidade de uma nova aliança que ao invés de estimular o mundo, reforça esse parasitismo. 

O Estado-rentier é o Estado do capitalismo parasitário e em decomposição, e esta circunstância não pode deixar de se refletir, tanto em todas as condições políticas e sociais dos países respectivos em geral, como nas duas tendências fundamentais do movimento operário em particular. Para o mostrar da maneira mais palpável possível, demos a palavra a Hobson, a testemunha mais “segura”, já que não pode ser suspeito de parcialidade pela “ortodoxia marxista”; por outro lado, sendo inglês, conhece bem a situação do país mais rico em colônias, em capital financeiro e em experiência imperialista (LÊNIN, 1979, pag. 651).

Outra tendência do imperialismo foi criar uma diferença entre os operários, pois os separou nas chamadas camadas superiores que possuíam direitos que a grande parte do proletário não tinha. Estes eram esquecidos pela política oficial e atingidos em larga escala pelo desemprego. Relacionado a isto, tem o aumento da imigração de operários dos países dependentes, onde o nível dos salários eram menores.

É preciso notar que, na Inglaterra, a tendência do imperialismo para dividir os operários e para acentuar o oportunismo entre eles, para provocar uma decomposição temporária do movimento operário, se manifestou muito antes dos fins do século XIX e princípios do século XX. Isto explica-se porque desde meados do século passado existiam em Inglaterra dois importantes; traços distintivos do imperialismo: imensas possessões coloniais e situação de monopólio no mercado mundial. Durante dezenas de anos Marx e Engels estudaram sistematicamente essa relação entre o oportunismo no movimento operário e as particularidades imperialistas do capitalismo inglês (LÊNIN, 1979, pag. 655) .

Dentro do sistema capitalista de produção, nesse estágio avançado que Lênin designou como o imperialismo, nos interessa prosseguir estudando o modelo desigual e combinado para compreender melhor o modelo de desenvolvimento do Brasil sua a inserção como economia dependente.
Para entendermos o contexto social e econômico na década de 1970 no Brasil é necessário desvelar o processo da configuração do capitalismo na América Latina considerando a relação de dependência, de subordinação estabelecida entre os países latino-americanos e os países centrais.

A condição periférica e dependente das economias latino-americanas garantiu a reprodução ampliada do capital nos países centrais e a perpetuação das condições de dominação econômica e política no continente (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p.249).

Na segunda metade do século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos ascenderam ao status de primeira potência imperialista mundial, em disputa contra a expansão do socialismo na Europa Oriental e Ásia (União Soviética). A combinação desses processos através das duas potências originou a Guerra Fria, que iniciou em 1946 e teve fim em 1989 com a queda do Muro de Berlim. A Guerra Fria foi uma ofensiva ideológica, política, econômica, diplomática e militar comandada pelo Imperialismo norte-americano destinado a conter a expansão do comunismo.

A Guerra Fria constitui o principal instrumento do imperialismo norte-americano para ampliar e aprofundar sua dominação no continente seja pela ofensiva política e militar – destruição das organizações e partidos comunistas e socialistas -, seja pela expansão da penetração econômica monopolista no continente (Álvarez, 2006, p. 71).

Para Sader (1988, p. 150) “ao longo do século XX, a América Latina viveu três períodos diferentes”: o primeiro foi uma extensão do século XIX, com a predominância de um padrão de acumulação primário-exportador ao qual correspondiam regimes políticos oligárquicos; o segundo se desenvolveu nas décadas posteriores à crise de 1929, em que vários países desenvolveram políticas voltadas para a industrialização, ainda que de forma atrasada e dependente. O terceiro período foi caracterizado pelo esgotamento do modelo econômico de substituição de importações em meados dos anos 1960 e 1970, com a consolidação das corporações internacionais nos espaços nacionais.

O modelo de desenvolvimento emergente supunha um crescimento acelerado da capacidade produtiva do setor de bens de produção e do setor de bens duráveis de consumo e, notadamente, um financiamento que desbordava as disponibilidades do capital nacional (privado) e estrangeiro já investidos no país; Em suma, na entrada dos anos sessenta, a dinâmica endógena do capitalismo no Brasil, alçando-se a um padrão diferencial de acumulação, punha na ordem do dia a redefinição de esquemas de acumulação (e, logo, fontes alternativas de financiamentos) e a eminência de uma crise. Se esta não aparecia como tal aos olhos dos estratos industriais burgueses, a questão da acumulação mostrava-se óbvia (NETTO, 2005, p. 20).

 A dinâmica de acumulação deriva em um processo de insurgência, revoltas e revoluções. E por outro lado ocorre a repressão e um contexto de ditaduras militares como respostas imperialistas, exercendo o poder das armas como o único capaz de impor na região a reestruturação política, econômica, e social que o imperialismo norte-americano necessita para garantir sua dominação no continente.
Esta fase de expansão capitalista mundial e de Guerra Fria, marcada pela disputa entre o bloco socialista, em torno da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o bloco capitalista sob o imperialismo dos Estados Unidos, deflagrou na América Latina a Revolução Cubana. O que ocorreu em Cuba foi resultado da contestação diante do domínio exercido pelo imperialismo estadunidense. Com esta revolução, o novo governo separa a Igreja do Estado, nacionaliza e estatiza a propriedade privada, promove uma radical reforma agrária e investe forte na educação e na saúde públicas.
A revolução passa a se declarar marxista e se alinha ao bloco socialista, o que faz os Estados Unidos promoverem o bloqueio econômico à Cuba que permanece até os dias atuais. Segundo Sader (1988, p. 151) “a partir desse momento, o processo revolucionário cubano passa a ser peça-chave na “Guerra Fria”, particularmente na América Latina, onde influi e incentiva movimentos e lutas revolucionárias, na tentativa de “exportar” a revolução.

Como forma de conter a influência (ideológica-política, econômica e militar) desses processos revolucionários na América Latina, os Estados Unidos e a burguesia internacional vão desenvolver uma estratégia de inibição de tal interferência (SADER, 1988, p. 150).

Para coibir os processos revolucionários, a ofensiva dos Estados Unidos se deu tanto ideologicamente quanto militarmente. No campo ideológico, a primeira estratégia foi o “macarthismo”, que se cooptava o intelectual pela indução ao medo, pela repressão e perseguição política. Já após a Revolução Cubana, estimulou-se o Desenvolvimentismo que foi um processo de reformas para esfriar a tendência à revolução. A relação que se estabelecia entre o imperialismo estadunidense e a América Latina estava relacionado à forma como a América Latina era vista. Segundo Ianni (1976, p. 82) “as nações dependentes eram “arena” onde se exercitavam as políticas externas dos Estados Unidos e da União Soviética. Os continentes subdesenvolvidos proporcionavam vantagens comerciais, proteção de investimentos, poder e segurança.
No campo militar, o imperialismo e a hegemonia do grande capital inibiram as lutas sociais mediante as repressões e as ditaduras militares. A América Latina foi invadida por processos ditatoriais, orientados pela Doutrina de Segurança Nacional, que visava acabar com a chamada “subversão” e inibir as revoltas sociais.

A Doutrina Truman (inaugurada em 1947, na Grécia) é o símbolo e o marco fundamental da auto concepção dos Estados Unidos, relativamente aos papéis que deveriam desempenhar no campo capitalista, em face do campo socialista e no Terceiro Mundo (IANNI, 1976, p. 82).

No Brasil, o que se viu segundo Netto (2005, 28) “foi uma solução política através da força, inaugurando um pacto contrarrevolucionário” através de um padrão compósito e articulado de dominação burguesa. Esse processo histórico objetivou a derrota das forças democráticas nacionais e populares. De acordo com o autor, os setores da burguesia viram seu padrão de acumulação e dominação passarem por uma crise devido às demandas democráticas, nacionais e populares que emergiam. A escolha desses setores foi o conteúdo antidemocrática para não correrem o risco de competir com projetos societários alternativos.

Aos estratos burgueses mais dinâmicos abriram-se duas alternativas: um rearranjo para assegurar a continuidade daquele desenvolvimento, infletindo as bases da sua associação com o imperialismo, pela via da manutenção das liberdades políticas fundamentais ou um novo pacto com o capital monopolista internacional (nomeadamente o norte-americano), cujas exigências chocavam-se com posições tornadas possíveis exatamente pelo jogo democrático (NETTO, 2005, p. 26).

Ianni (1981, p. 192) afirma que “a ditadura militar foi uma clara expressão de ditadura burguesa e fascista com a realização de atividades militares, policiais, econômicas, políticas e culturais”. O autor ressalta que o bloco do poder constituído para arquitetar a ditadura que se consolidou como “militar-policial”, era a grande burguesia nacional e estrangeira. Exatamente a burguesia que deu forma e conteúdo ao regime, juntamente com o que Ianni (1981, p. 194) chamou de “governantes visíveis e invisíveis” para articular o poder. Para o conjunto da população, era o Estado que aparecia no cotidiano e que chamava a atenção, entretanto, o bloco do poder era direcionado pela grande burguesia financeira e monopolista.

Ocorre que essa burguesia não exerce nem precisa exercer diretamente o poder. No arranjo dos interesses dominantes – em seu sentido e direção, fisionomia e movimento -, ela prefere exercer o seu mando por intermédio de alguns representantes de classes e grupos sociais associados no bloco de poder que se constitui e reproduz com a ditadura: burocratas e tecnocratas, civis e militares, governando sob o lema “segurança e desenvolvimento”, contra “a subversão e a corrupção”, em busca da geopolítica da “pátria grande”, de modo a impor a pax brasiliensis sobre as nações da América do Sul e pela transformação do Atlântico Sul em mare nostrum (IANNI, 1981, p. 194).

Tanto Ianni (1981) quanto Netto (2005) falam sobre o caráter de contrarrevolução que o golpe de Estado configurou em 1964, executado pela grande burguesia financeira e monopolista. Tal golpe foi a resposta à importante organização dos trabalhadores urbanos e do campo, já aparente nas décadas anteriores, por terem avançado muito na organização política, conscientização, nas demandas reivindicadas e lutas. Além da visível crise que o Estado burguês operou devido às pressões do imperialismo para conter esse avanço do proletariado urbano e do campo. Após o golpe contrarrevolucionário de 1964, o Estado burguês se reconfigurou com a finalidade de garantir o “padrão desigual e combinado”, legitimando os monopólios imperialistas, em benefício do grande capital. Seu papel segundo Netto (2005, p. 30) “foi o de repassador de renda para os monopólios, e politicamente mediando os conflitos setoriais e intersetoriais em benefício estratégico das corporações transnacionais”. A ditadura militar atentou destruir a lenta formação política que estava em curso as classes operária e camponesa. Historicamente, esta ação teve consequências importantes para as lutas sociais.

Foi toda uma época de avanço político, organizatório, de conscientização e luta que se interrompeu com o golpe e a ditadura. Por outro lado, toda a reação burguesa e fascistóide havida desde 64 assinala também uma contrarrevolução burguesa contra a própria democracia burguesa. O assalto ao poder constitucional, representado pelo Governo do Presidente João Goulart, representou também, em termos jurídico-políticos e econômicos, em termos ideológicos e práticos, a destruição das prerrogativas da sociedade civil, da cidadania, da classe operária e outras, que haviam sido conquistadas, ainda que limitadamente, entre 1946 e 1964 (IANNI, 1981, p.197).

A contrarrevolução instaurou no Estado pós-64, com seu caráter duplo mudanças significativas que fragilizaram setores da burguesia que aplicaram o golpe. Foi designado ao Estado racionalizar a economia, criando possibilidades dentro do modelo desigual e combinado para a concentração e centralização do capital. Como sabemos, ao misturar elementos modernos com a arcaica estrutura que a sociedade brasileira precedia, o que se viu foi uma “modernização conservadora” 1 empreendida pelo Estado autocrático burguês 2.

Num primeiro momento (aquele ligado ao nome e à herança de Vargas), a intervenção do Estado na economia visou a favorecer sobretudo o capital nacional, garantindo as pré-condições para o seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, buscando controlar e mesmo restringir o ingresso do capital estrangeiro. A partir do governo Juscelino – e, ainda mais acentuadamente, ao longo da ditadura militar -, esta restrição desapareceu, criando-se em consequência o famoso tripé, onde o Estado funcionava como instrumento de acumulação a serviço tanto do capital nacional quanto, e talvez mesmo sobretudo, do capital internacional. É importante observar que essa abertura ao capital estrangeiro não significa uma atitude contrária aos interesses do capital nacional. Na verdade, a burguesia brasileira rapidamente se deu conta de que tinha muito a lucrar com sua associação ao capital internacional, ainda que como sócia menor (COUTINHO, 2008, p. 121).

Vale dizer que o conceito de “autocracia burguesa” foi denominado por Florestan Fernandes (1974, p. 89) e justificava a superacumulação de poder político pela burguesia para manter o modo de acumulação vigente e o bloco de poder. Além da manutenção de sua associação ao grande capital.

Para Netto (2005, p. Keywords: Democracy; hegemony; ideology.

 42) “o ciclo autocrático burguês que se deu de abril de 1964 à março de 1979”, com a entrada do General Figueiredo no poder teve seu fim, não determinou o fim do modelo de Estado que se desenhou durante a ditadura. O que pôde ser visto foi a impossibilidade de continuidade do regime devido à soma de forças democráticas e à grande vitalização do movimento popular.
Mas o bloco de poder instalado no aparelho estatal não conseguiu desenvolver e consolidar a sua hegemonia. Por algum tempo, em especial durante os anos de sucesso da política econômica, em 1968-73, houve razoável apoio político á ditadura, por parte de toda burguesia, militares, policiais, oligarquias regionais e setores de classe média. Ao lado do sucesso da política econômica, de alta concentração e centralização do capital, apoiada na superexploração de operários e camponeses, a indústria cultural do imperialismo criou a ilusão do “milagre econômico”, da “segurança” com “desenvolvimento”. Mas já durante esses anos desenvolveram-se e agravaram-se as contradições sociais, o que solapou e destruiu algumas das bases da hegemonia do bloco ditatorial (IANNI, 1981, p. 199).

Segundo Ianni (1981, p. 140) “os vários setores sociais se distanciaram da ditadura, por discordarem com a sua economia política”. A classe trabalhadora e camponeses obtiveram o apoio de outras classes sociais como o setor da Igreja Católica ligado à esquerda que fundamentada na teologia da libertação sustentou os trabalhadores urbanos e do campo nas lutas sociais. Cabe ressaltar que a contrarrevolução burguesa oriunda no golpe e na ditadura não expressou tão somente o desenvolvimento e fim da revolução burguesa no Brasil, mas a maneira como a burguesia nacional e imperialista atua sobre o povo, a sociedade civil e a classe trabalhadora. Comumente, o Estado, em períodos autoritários ou nos pequenos intervalos democráticos, é posto a serviço da burguesia estrangeira e nacional. Além disso, o autor assinala que a contrarrevolução se deu em dois sentidos, pois, foi contra as conquistas democrático-burguesas realizadas de 1946 à 1964 e também contra a ascensão política do proletário e do campesinato, entre 1961 e 1964.
Fica claro que na história do Brasil, esse traço dominante de um Estado elitista e autoritário, sempre a serviço da burguesia. A característica que pode ser vista também nos períodos democráticos. Para Ianni (apud Coutinho, 2008, p. 132) “as transformações políticas ocorridas no Brasil sempre foram efetuadas nos moldes da via prussiana”.
De acordo com Coutinho, o que se viu em 1974, denominado pelo autor, de “projeto de abertura” foi formulado “pelo alto” com o objetivo de retomar o processo democrático. Mesmo assim, se verificou a participação de setores populares e do proletário, o que viabilizou um processo de abertura “por baixo”.

De modo mais ou menos consciente, todos os sujeitos políticos efetivamente atuantes no final dos anos 70 e início dos 80 – mesmo aqueles que não compareceram ao Colégio Eleitoral – desenvolveram sua ação nos quadros dessa possibilidade, contribuindo assim para que ela se tornasse realidade. A atuação do novo sindicalismo e, em particular, do então recém-fundado Partido dos Trabalhadores foi decisiva na formação da massa crítica que viabilizou a vitória do que antes chamei de processo de abertura (COUTINHO, 2008, p. 132).

Ainda segundo Coutinho, o período de transição foi o resultado de elementos “pelo alto” e “de baixo” que demonstrou uma transição negociada, com uma clara ruptura com a ditadura, mas que deixou características autoritárias e de exclusão na maneira de fazer política no Brasil.
Foi neste contexto que emergiu o Partido dos Trabalhadores, que segundo Coutinho (2008) surgiu a partir dos movimentos sociais e propôs uma estratégia socialista, ainda que não muito clara para muitos. Para Iasi (2012, p. 347) “a constituição desse partido foi possível a partir do surgimento das lutas sociais, e juntamente com a luta sindical”. Outro ator importante na constituição do partido foi a esquerda católica que participou da composição do PT, uma dimensão significativa nas lutas sociais e de contrariedade à ditadura.

Neste sentido, a criação do PT em 1980 só pode ser explicada como um momento de emergência das lutas sociais que encontrou na retomada da luta sindical e operária um ponto de fusão de classe, cuja expressão política foi a formação de um partido que buscava representar os setores que naquele momento se levantavam em lutas específicas e que confluíram finalmente para uma questão maior ao se contraporem à ditadura, mudando, assim, o caráter da abertura restrita e sob controle que estava nas intenções iniciais dos militares (IASI, 2012, p. 375).

Num contexto de intensa movimentação contra a ditadura militar, culminando com as greves do ABC, e outras como da cidade de Volta Redonda envolvendo os trabalhadores siderúrgicos, se unem aos movimentos sociais, a esquerda católica, através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) animadas pela teologia da libertação num discurso anticapitalista que segundo Iasi (2012, p. 380) “também foi uma característica marcante dos documentos prévios à fundação do PT”. Para o segundo capítulo, trataremos da compreensão dos fundamentos dessa composição dos atores políticos que participaram de forma ativa do processo de abertura democrática.

 Golpe militar de 64 e desmonte dos direitos sociais.
Nas cinco últimas décadas, as CEBs ganharam força no cenário latino-americano, contribuindo para a afirmação dos setores progressistas da Igreja Católica no Brasil, que à partir dos anos 60 desenvolveram uma nova concepção cristã, denominada uma década mais tarde de Teologia da Libertação-TdL. Durante a ditadura militar, tais setores, os chamados por Lowy (2000, p.67) “cristãos da libertação”, tiveram uma ampla participação de fomentação das lutas sociais, ao engajarem nos movimentos sociais e se articularem a outras frentes políticas da esquerda no Brasil, a exemplo do Partido Comunista. A militância destes católicos construiu um legado valioso que se verificou junto ao Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e os conflitos de terra e muitos outras frentes de ação que conquistaram direitos sociais inéditos na Constituição de 1988. Ela se expressa ainda na atualidade como força fundamental na luta por reforma agrária e combatendo os conflitos no campo a partir dos anos 80, lutando pela preservação dos biomas, das comunidades de quilombos, na resistência de movimentos de barragens contra o projeto do grande capital, no apoio e lutas por moradia, entre outras demandas.
A escolha pelos “pobres” foi feita pela Igreja latino-americana e tinha uma relação particular com as transformações estruturais incitadas pela industrialização dos países da periferia, ocorrida no continente latino-americano que rompeu, segundo Sader (2007, p. 123) com o binômio países ricos/ industrializados x periferia / países agrários. Este processo iniciado pelos imperialistas fez com que as classes oprimidas lutassem contra as classes opressoras indicando revoluções e contra-revoluções, que marcaram as lutas sociais em toda a região.
No Brasil, a contrarrevolução culminou com o golpe de abril de 64, e a partir daí novos movimentos sociais emergiram no Brasil, com reinvindicações como saneamento básico, moradia, saúde, educação, transporte público que expressavam as demandas resultantes dos trabalhadores, naquele momento. Além dos movimentos de luta das esquerdas armadas contra a ditadura, que culminaram nas décadas de 60 e 70, originados de diversas concepções políticas, influências internacionais, e incorporações teóricas e divergentes, mas que tinham em comum, segundo Ridenti (2007, p.50) a opção pela ação armada e eram contra o “suposto imobilismo de partidos”.

Os grupos guerrilheiros compartilhavam a interpretação da economia brasileira como vivendo um processo irreversível de estagnação – o desenvolvimento das forças produtivas estaria bloqueado sob o capitalismo, que aliaria indissoluvelmente os interesses dos imperialistas, dos latifundiários e da burguesia brasileira, garantidos plas forças militares (RIDENTI, 2007, p. 131).

A edição do AI-5 (Ato Institucional 5)³ em 13 de dezembro de 1968 foi uma ação do Estado para reprimir toda ação contra a ditadura, e que prendeu, cassou, torturou e matou muitos estudantes, intelectuais, políticos e oposicionistas. Ao mesmo tempo, instituiu uma censura rígida a todos os meios de comunicação e exterminou a agitação política e cultural do período. Segundo Ridenti (2007, p. 47) era época do mote oficial “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nos “porões” da ditadura, o uso da tortura era a principal técnica de repressão, em nome da segurança nacional, considerada indispensável para o desenvolvimento da economia brasileira.
Nesse contexto, os militares desarmaram rapidamente as organizações armadas, perseguindo, torturando e eliminando os considerados inimigos do regime, além de ter colocado na ilegalidade e exílio muitos desses sujeitos. É nessa conjuntura que a esquerda católica ganha importância ao se aliar às lutas por democracia e contestação ao modelo de desenvolvimento econômico sob o padrão desigual e combinado, utilizando da autonomia e força internacional que alguns bispos tinham, como foi o caso de Dom Helder Camara, o chamado bispo comunista, que mesmo perseguido pelo regime e escanteado pela CNBB, continuava a denunciar pelo mundo a dominação dos países desenvolvidos sobre os pobres e as injustiças sociais decorrentes do modelo colonialista. Outra figura importante, entre os católicos, foi Paulo Freire, que difundiu durante o exílio na América Latina e na Africa, a força de seu método, politizado pela concepção de educação libertadora. Após 1974, abre-se um novo momento na ditadura civil militar, com o aprofundamento da crise do ‘‘milagre econômico’’, que irá contribuir para o enfraquecimento do regime ditatorial.
No âmbito internacional, vivenciou uma crise do capital na década de 70, que fez o capital responder duramente à queda de juros. A crise do petrólio trouxe consequências para os países subordinados ao capital como o Brasil.

Os processos de “reforma” do Estado, contidos nos planos de ajuste estrutural em curso nos vários países, sobretudo na década de 1990, apenas podem ser compreendidos no contexto de transformações mais profundas engendradas no mundo do capital, em especial a partir da década de 1970 (BEHRING, 2008, p. 31).

Diante do contexto, se apresentou já no ínicio da década de 1980, a chamada ‘reestruturação produtiva’, que ocorre sob a mundialização do capital. Essa reestruturação envolveu uma revolução tecnológica e organizacional na produção. Segundo Behring (2008, p.76), Ernest Mandel cunhou a esse processo como “corrida tecnológica em busca do diferencial de produtividade do trabalho, como fonte dos superlucros”.
De acordo com Coutinho (2008, p. 109), “esse processo trouxe transformações para o trabalhadores e consequentemente para as organizações dos operários, que passaram para a defensiva, recuando na correlações de forças”. O recuo mimou a solidariedade de classe e enfraqueceu a resistência à resstruturação produtiva. No Brasil, esse processo de contra-reformas se delineia em contexto contraditório, pois de um lado verificou se a abertura democrática, após décadas de regime civil militar, com a culminãncia da Carta Magna de 1988 e de outro lado, um conjunto de contra-reformas balizadas pela agenda neoliberal. É sobre esse tempo histórico que discorremos abaixo.
Contraditoriamente, vimos no Brasil, a conquista de direitos sociais inéditos promulgados na Constituição Federal de 1988, ao passo que a agenda neoliberal e a reestruturação produtiva vieram com força provocando transformações na sociedade brasileira, no início dos anos 90. Devemos destacar que nos anos 1980, diante da abertura política, novas regras para o jogo político foram estabelecidas, modificando as relações entre Estado e sociedade civil.

A participação passa a ser um direito garantido constitucionalmente e o controle social das ações estatais tem a possibilidade de se firmar como categoria sociopolítica, na perspectiva dos teóricos críticos de matriz gramsciana. Por essa linha de pensamento, o controle social pode ser exercido ora pelo aparato estatal, ora pela sociedade, dependendo da correlação de forças estabelecidas entre ambos (MATOS & FERREIRA, 2015, p.66).

 Neste contexto, novos sujeitos políticos emergem a partir da luta pela democracia como os movimentos sociais populares, novos partidos políticos como o PT – partido dos trabalhadores e setores da Igreja Católica, inpirados pela teologia da libertação. Esses sujeitos participaram das discussões de eixos que estariam na CF renovando as esperanças dos trabalhadores. Entretanto, o que se presenciou foi que o texto constitucional mostrou a disputa de hegemonia, num duro campo de avanços e retrocessos.
Os retrocessos puderam ser vistos a partir dos acordos estabelecidos, o que segundo Nogueira (1998, p. 159) “prolongou o governo Sarney por mais um ano”.  Ainda de acordo com Nogueira (1998, p. 160) “a Carta de 1988 não se tornou a Constituição ideal de nenhum grupo nacional expressando a tendência societal (e particularmente das elites políticas) de entrar no futuro com os olhos no passado ou, mais ainda, de fazer história de costas para o futuro”.
Diante dos sucessivos golpes políticos formulados com motivações econômicas, realizados pela burguesia nacional mas tendo o capital internacional como dirigente, faz-se necessário ressaltar que neste ano, no mês de outubro, a Constituição Federal de 1988, considerada a “constituição cidadã” completará 30 anos de sua promulgação, onde reconheceu direitos sociais no Brasil.
O campo da Seguridade Social cunhado sobre três pilares que são saúde (direito universal); previdência (contributivo) e assistência (quem dela necessitar) foram grandes avanços, ainda que delimitados num país capitalista subordinado aos interesses privados do capital.
As políticas de proteção social, nas quais se incluem a saúde, a previdência e a assistência social, são consideradas produto histórico das lutas do trabalho, na medida em que respondem pelo atendimento de necessidades inspiradas em princípios e valores socializados pelos trabalhadores e reconhecidos pelo Estado e pelo patronato. Quaisquer que sejam seus objetos específicos de intervenção, saúde, previdência ou assistência social, o escopo da seguridade depende tanto do nível de socialização da política conquistado pelas classes trabalhadoras, como das estratégias do capital na incorporação das necessidades do trabalho (MOTA, 2006, p. 1).

Diante do golpe em curso, não poderíamos deixar de escrever sobre a importância da participação popular no processo de abertura política pós golpe de 64 e na formação da Carta Magna. O resgate desse tempo histórico pode nos possibilitar novas mediações que legitimem a militância no tempo presente. Segundo Mota (2017, p.40) “o contexto histórico do golpe de 2016 era peculiar conforme demonstrado abaixo”:
O momento político muito singular no Brasil: o da aprovação pelo Senado Federal, em 31/8/2016, do impeachment da presidenta da República, Dilma Rousseff, materializando um golpe de Estado jurídico-parlamentar e midiático que destituiu a presidenta e empossou o então vice-presidente Michel Temer (MOTA, 2017, p. 40).

Após importante conquista, a entrada da década de 90, trouxe para o Brasil, a ofensiva neoliberal e a reestruturação produtiva, que trouxeram importantes impasses e retrocessos para as lutas sociais e para as políticas sociais, objetivando além da recuperação das taxas de lucro, um contra-ataque das forças de esquerda, como os movimentos sociais e da TdL.

Nos anos seguintes à publicação da Constituição, percebeu-se um movimento que teve como objetivo prorrogar a efetivação do capítulo da Seguridade Social, num contexto de alteração das diretrizes da política econômica, dentre elas a política fiscal. Desde a eleição de Fernando Collor de Mello em 1990, a política fiscal, que defendia a necessidade de contenção dos gastos a fim de atender os preceitos do programa de liberalização econômica, passou a restringir os avanços realizados pelas novas políticas sociais (MARQUES, 2009, p.39).

As transformações em curso na década de 1990, legitimaram o processo de contrarreforma do Estado brasileiro, reorganizando não somente as políticas sociais, mas impactando os movimentos sociais que começam a passar por um processo de criminalização. Novas formas de organização puderam ser vistas, como as ONGs (organizações não goveridntais) que contribuíram para a despolitização das lutas sociais. Nesse contexto, o conjunto das esquerdas e os setores progressistas da Igreja Católica perdem o protagonismo que tiveram nas lutas sociais, embora num quadro de pluralismo democrático, construído através do consenso pela mediação do diálogo com a sociedade civil.
Observamos que uma onda conservadora abala a cultura política e religiosa no país, de modo a manter a teologia da libertação como uma vocação periférica. O desafio principal desta teologia, da mesma forma que as demais forças de esquerda e com inspiração socialista é a denúncia e o combate das injustiças sociais produzidas pelo Capital que, devido a sua ofensiva neoliberal, multiplica a necessidade de resistências populares. É nesse contexto que verificamos a emergência do Movimento Nacional de Fé e Política, que será revisitado abaixo.

O Movimento Nacional de Fé e política (MNF&P) e os governos petistas.
A ala progressista da hierarquia católica no Brasil, conseguiu inscrever no âmbito da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) o debate sobre a ética na política. Isto se deu a partir dos anos 1990, justificada a necessidade de resgatar os valores modernos, onde a democracia é uma das esferas centrais, mediante o Estado que constitucionalmente é o garantidor de direitos e justiça social, zelando pelos bens públicos e pela transparência quanto aos orçamento da União. Instituiu-se a partir desse período uma política na Igreja voltada para a ética na política, abrindo uma brecha que legitima institucionalmente, um movimento mais amplo de pastorais sociais, das próprias CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e enfim, de todos aqueles que se orientam pela Teologia da Libertação - TdL.
Primeiramente, é preciso entender as determinações históricas, políticas e sócio-econômicas de emergência do movimento ética e política, que  alimenta dentre os quais os maciços Encontros Nacionais de Fé e Política - ENF&P. Estes tem caráter leigo, ecumênico e plural, são bianuais, recebem milhares de participantes de todo o Brasil, pautam-se numa agenda diversificada, relacionada com o debate interno do movimento de base, associando a conjuntura e o papel dos cristãos no engajamento politico em defesa dos trabalhadores pobres e excluídos do poder econômico. A política ganha relevância, não exclusivamente em relação às representações partidárias, mas à responsabilidade ética dos representantes dos valores cristãos. Estes valores se inscrevem e se identificam na defesa dos direitos e interesses sociais daqueles setores que sofrem a exclusão não apenas econômica, mas também política, moral, étnica, racial, sexual, religiosa, etc.
A conjuntura dos anos 1990 é no plano da economia mundial, de quase total hegemonia do projeto neoliberal. As consequências políticas se manifestam de diversas formas, causando impasses quanto ao futuro da sociedade, que inaugurou em 1988 no Brasil, a sua constituição democrática mais avançada. Os anos 1980 foram os mais ricos no aspecto de participação popular, em forma de manifestações organizadas da sociedade civil em luta por democracia, após mais de duas décadas de ditadura militar (1964-1986) e de privilégio da burguesia industrial e financeira. Os impactos da crise das esquerdas no mundo após a queda do muro de Berlim e a reincidência da política tradicional renovada pelo voto popular, geram a hegemonia de partidos populistas, demagógicos e não menos corruptos, nos primeiros anos de democratização. Esse período é marcado pela entrada no pais das reformas de caráter neoliberal, que corroem o ideário democrático conquistado pelas organizações sindicais e pelos movimentos sociais organizados, causando desemprego e trabalhos precarizados sem garantias sociais. Ao lado das reformas conservadoras o Estado atua como financiador das grandes obras que o pais necessitava para alimentar o dinamismo da economia e as inovações que o mercado requeria, além dos equipamentos que a estrutura do Estado exigia em suas novas atribuições constitucionais, de acordo com o crescimento populacional.
O adiantado grau de individualismo que juntos geram o desemprego, a sociedade de mercado e a terceirização da economia, produziu novas gerações sem formação política democrática e em um projeto cultural que elas podiam construir e beneficiar as gerações futuras. Estas se tornam vulneráveis ao discurso pragmático e esvaziado dos valores universais.
Nesse sentido, pode-se entender que a década de 1990 é um marco do ideário neoliberal e de uma cultura enraizada tradicionalmente nos valores da burguesia, elitista, egoísta e democrática em sua aparência. Depreende-se que esta cultura é formadora de inovadas formas de fazer política, baseadas na reprodução da ideologia do mercado, tornando o voto um produto com valor monetário e a publicidade como expressão da aparência que fundamenta as ações dos partidos políticos. O esvaziamento dos sindicatos e sua subordinação progressiva à mesma lógica, torna-os suscetíveis a esta engrenagem.
Baseado nesta realidade, donde as particularidades não cabem neste espaço, os movimentos de base da Igreja, assim como, a concorrência das religiões neopentecostais e neo-conservadoras, colocam desafios de sobrevivência não apenas a ala mais critica e aos  movimentos da teologia da libertação, como também aos conservadores. Essa realidade, acompanhada pelo Vaticano, exige políticas que resgatem o proselitismo e outras meios de arregimentar os cristãos, a exemplo da corrente carismática, representada pelo Papa João  Paulo II, que perdura por mais de duas décadas, formando outro perfil de cidadão, alheio à política.
Um tal contexto leva ao poder o Partido dos Trabalhadores, sua avaliação passa a ser superestimada pelos setores populares, mesmo que as políticas sociais do governo sejam tímidas e a econômica siga as regras do mercado lideradas pelos organismos internacionais. Afinal, a letargia não era atribuída somente à vontade dos indivíduos e movimentos sociais, mas a determinações mundiais, registrando esta avaliação certas particularidades no Brasil. Durante os quinze anos de governo, o país manteve-se apagado em relação às lutas populares, enquanto aprofundavam as contradições sociais. Porém, se de um lado havia uma crise política das bases de esquerda limitando seu âmbito de ação, por outro lado, o Partido tratava de calar os movimentos sociais que serviram-lhe de base de apoio, corrompendo-os com migalhas e atraindo suas lideranças para o poder. No final da era petista, o quadro foi de uma total subordinação às regras do mercado na política, tanto dos partidos aliados, em especial aquele com maior numero de votos e tradição mais antiga e perversa, que atraiu o PT para os seus métodos de competitividade eleitoral. Esse caminho é uma renovação da tradição eleitoral no Brasil, o que antes se chamava “política de cabresto”, agora a política mercadológica corrompe as ideologias, tornando-as uma mercadoria e atribuindo-lhes um valor particular, cuja variável é a capacidade de conquistar votos.
Os Encontros Nacionais de Fé e Política, quando avaliamos sua evolução a partir da pauta, propostas, participantes, convidados e suas avaliações sobre a conjuntura e o papel dos cristãos frente à necessidade de contribuir com a organização e os interesses dos movimentos sociais (PINHEIRO, 2010), é possível perceber que eles serviram de termômetro para se observar os dilemas vividos pelas organizações da sociedade civil e das minorias sociais, no contexto apresentado. Mas também, das deliberações democráticas dos movimentos sociais, lideranças e toda a frente de movimentos de base que participam desses grandes eventos em busca de uma solidariedade, espiritualidade política, apoio e uma perspectiva de futuro com vistas a uma democracia socialista. Este movimento, como outros, são importantes, mesmo que em esferas limitadas, por servirem de experiências de decisão coletiva, refletirem sobre o bem comum e as mediações necessárias à conquista de uma sociedade mais justa e menos desigual.
Se os pontos positivos dos ENF&P servem de referência democrática  das bases da Igreja e ao mesmo tempo, de apoio aos movimentos sociais, para o Governo eles representavam uma base importante, senão de apoio total, pelo menos de neutralização e legitimação política de um partido que se construiu e consolidou por meio de militantes cristãos em todo o território, de lideranças populares influentes junto aos setores mais pobres. A presença de membros do governo, oriundos dos movimentos de base da Igreja, era uma das estratégias políticas do governo, mas também de uma dialética onde é difícil identificar o ponto de cisão entre base, liderança e poder. Se os intelectuais que lideram os ENF&P são críticos em relação ao poder, o mesmo não se pode dizer em relação às temáticas que definem o objeto das dinâmicas dos Encontros.
Se o movimento em torno aos ENF&P tem autonomia para se colocar acima do governo, na verdade a agenda dos Encontros coincidiam com a agenda em disputa no governo, os projetos de lei que estavam no Congresso e as representações que participavam dos fóruns de representações estabelecidos em Brasilia. A Política Nacional de Assistência Social-PNAS, inaugurada em 2004, foi durante os anos precedentes pauta de um debate na sociedade até ser aprovada de forma parcial. Esta política que é um dos mais importantes legados dos governos petistas, é também residual.
Contudo, se há  um debate que não foi aprofundado pelos referidos governos e por isso, tampouco surtiram resultados consequentes, é aquele referente às questões ambientais e climáticas; à questão da reforma agrária e da educação, à demarcação das áreas indígenas, à habitação e à segurança pública, dentre outras. Essas questões sempre estiveram presentes nos debates dos ENF&P, não faltando fundamentos de base popular para alimentar as propostas e projetos que emanam ou ganham o apoio dos movimentos e lideranças sociais que gravitam em torno do mesmo.
Em síntese, os investimentos de recursos públicos nestas áreas acima mencionadas, se deram em estreito limite com os interesses do mercado, sempre apresentando características de dupla interpretação, atendendo às classes médias, ao agrobusiness, aos corruptores, às iniciativas privadas. Se o mérito do Programa Bolsa Família oriundo da PNAS foi a universalização da assistência social, reduzindo o índice de pobreza, o objetivo do mesmo era também gerar o consumo e aquecer o mercado nas classes populares. Outra característica é a centralidade da mulher no controle do beneficio familiar, essa política legitima o papel tradicional e submisso na relação familiar; reconhece a chefia da mulher e as famílias homo-parentais, mas não avança em relação aos vícios que a política social cria na origem.
Ao final pode-se concluir que a TdL vive um momento de fragmentação, se considerada a crise das esquerdas e os desafios que o mercado coloca no caminho dos movimentos sociais, que lutam pelo acesso aos direitos e serviços públicos de qualidade. No entanto, a interface entre políticas sociais e movimentos sociais, nos governos do período em destaque, não pode ser subestimada. Ao contrário, é este um momento privilegiado para esta teologia e seus movimentos constitutivos, se considerarmos que é preciso métodos que ultrapassem a práxis cristã dos movimentos sociais e consigam apreender o papel das mediações na relação entre teoria e realidade social, para que se elabore também o papel destes movimentos de base cristã, com particularidades importantes no campo das esquerdas no Brasil, para se pensar uma democracia socialista.
Considerações Finais.
Abordamos o Movimento Nacional de Fé e Política e sua emergência nos anos de 1990, década que a agenda neoliberal e a reestruturação produtiva entraram no Brasil com força, ameaçando os direitos sociais conquistados na Constituição Federal de 1988. Ainda que pautado por consenso e disputas ideológicas, a Carta Magna significou concreto avanço para os trabalhadores, dado o contexto de abertura democrática.
Os movimentos sociais, partidos políticos e as forças progressistas da Igreja Católica que antes lutaram por democracia, no advento do neoliberalismo no Brasil foram criminalizados e tiveram que reiventar sua forma de militância. O que nos chama a atenção, nesse contexto é a interlocução do MNF&P com os governos petistas e os movimentos sociais.
Verificou-se ainda uma relação das políticas sociais como “carro-chefe” do governo Lula e sua conexão entre superação e continuidade de elementos vitais da teologia da libertação. Tais políticas são predominantes a partir de programas de transferência de renda, que  fizeram parte da plataforma do PT e de sua relação com os movimentos sociais e politico-religiosos, mas que tratam de medidas contra as tensões oriundas de uma sociedade construída com base no conflito de classes. A funcionalidade destas políticas para o grande capital é incontestável, tanto no âmbito ideológico quanto no econômico. Neste ultimo aspecto, mencionamos que o MNF&P é um espaço de contradição, pois ao mesmo tempo que é um fórum de lideranças políticas e religiosas libertadoras, é também um espaço de conexão com o governo legitimado por suas bases sociais, onde a pauta em comum são os interesses que ele quer atender e os apoios que deseja conquistar, para reproduzir-se acima das classes. O que o movimento não questiona é a inconsistência teórica que perpassa seu engajamento profundo em defesa dos direitos sociais e de políticas sociais num amplo espectro de situações, de acordo com as necessidades sociais. A ênfase na ética e na política, mais do que na questão social, que funda as desigualdades sociais e as reproduzem mediante governos que metamorfoseiam as relações de consenso, não consegue formar os cidadãos numa perspectiva política que seja capaz de pensar uma nova sociedade sem luta de classes. A falta de definição nesse sentido torna o movimento vulnerável às lutas ideológicas do governo.

NOTAS:
3 - Segundo Netto (2007), a instituição do AI-5 abriu um momento genuíno para a burguesia nacional e internacional, uma vez que, com este ato de coerção abriu no campo ideológico, novas mediações para o padrão de acumulação vigente.

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*Doutoranda e mestre em política social pelo Programa de Estudos Pós-graduados em Política Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Assistente Social, Ex-professora da faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros e Unirio.
** Professora Drª titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense e vice coordenadora do Programa de Estudos Pós-graduados em Política Social da Universidade Federal Fluminense - UFF.
1 Conferir Coutinho (2008). O conceito de “modernização conservadora” foi elaborado pelo sociólogo norte-americano Barrington Moore Jr. no livro intitulado “As origens sociais da ditadura e da democracia”. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
2 Ver MAZZEO, A. C. Estado e Burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

Recibido: 04/02/2019 Aceptado: 16/05/2019 Publicado: Mayo de 2019


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