Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


ARTICULAÇÕES EM REDE E OUTROS FATORES FAVORÁVEIS À SUSTENTABILIDADE DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Autores e infomación del artículo

SILVA, Adriano Vilhena Lis*

MELLO, Ediméia Maria Ribeiro de**

Centro Universitário Una, Brasil

Correo: adriano.vilhena@yahoo.com


RESUMO
Este artigo propõe-se discutir a formação de uma organização de economia solidária por pequenos produtores e analisar os possíveis aspectos que mais contribuem para sua manutenção. Conceitos como “rede”, “economia solidária”, “agroecologia” e “slow food” são utilizados para fornecer alicerce para as discussões, juntamente com as informações coletadas durante a pesquisa de campo realizada junto a uma rede de economia solidária de Belo Horizonte, durante o período de agosto e setembro de 2017. Foi feita uma categorização de conceitos para facilitar a análise de conteúdo, sendo que as categorias definidas nesta pesquisa serviram de base para identificar pontos relevantes da discussão. Verificou-se que existe, de fato, um sistema de autogestão horizontalizado na Rede analisada, e sua formação se deu através da união de indivíduos sintonizados com as ideias da economia solidária e da produção de alimentos agroecológicos e orgânicos. A rede de relacioidnto e trabalho existente no coletivo pode ser a grande responsável por sua sustentação no mercado, no entanto, ela carece de maior participação de todo o coletivo de forma constante. A não participação de parte do coletivo de forma incisiva em determinados momentos pode gerar deficiências ou atrasar possíveis progressos da Rede e até a não permanência de algum produtor, exercendo sua atividade e impactando negativamente o desenvolvimento local.  

Palavras-Chave: Pequeno produtor, Economia solidária em rede, Movimento Slow Food, Desenvolvimento local, Gestão social.

Articulaciones en red y otros factores favorables a la sostenibilidad de la economía solidaria

RESUMEN: Este artículo se propone a discutir la formación de una organización de economía solidaria por pequeños productores y analizar los posibles aspectos que más contribuyen para su manutención. Conceptos como “red”, “economía solidaria”, “agroecología” y “slow food” son utilizados para proveer las bases para las discusiones, junto con las informaciones recolectadas durante la pesquisa de campo realizada con una red de economía solidaria de Belo Horizonte, en agosto y septiembre de 2017. Se hizo la categorización de conceptos para facilitar el análisis de contenido y las categorias definidas sirvieron como base para identificar puntos relevantes de la discusión. Se verificó que existe, de hecho, un sistema de autogestión horizontalizado en la Red analizada, y su formación se dio a través de la unión de indivíduos sintonizados con las ideas de la economía solidaria y de la producción de alimentos agroecológicos y orgánicos. La red de relaciones y trabajo existente en el colectivo puede ser la gran responsable por su sustentación en el mercado, sin embargo, carece de mayor participación de todo el colectivo de forma constante. La falta de participación de parte del colectivo de forma incisiva en determinados momentos puede generar deficiencias o atrasar posibles progresos de la Red e, incluso, la no permanencia de algún productor ejerciendo su actividad e impactando negativamente el desarrollo local.  

Palabras-clave: Pequeño productor. Economía solidaria en red. Movimiento Slow Food. Desarrollo local. Gestión social.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

SILVA, Adriano Vilhena Lis y MELLO, Ediméia Maria Ribeiro de (2019): “Articulações em rede e outros fatores favoráveis à sustentabilidade da economia solidária”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/05/articulacoes-rede-economia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1905articulacoes-rede-economia


1. INTRODUÇÃO

Ao estudar sistemas produtivos e de comercialização envolvendo economia solidária, muitas perguntas ficam carentes de respostas, algumas das quais pretende-se tentar responder neste artigo, a partir das pesquisas realizadas, principalmente da pesquisa empírica. A pergunta chave que mobilizou esse estudo foi: quais aspectos relevantes contribuem para a sobrevivência de longo prazo de um sistema de produção e comercialização pautado na economia solidária?
A reflexão dessa questão baseou-se nos conceitos de “slow food”, economia solidária, agroecologia e soberania alimentar. Além disso, foi indispensável o entendimento do funcioidnto das redes, modelo de relações entre produtoras fundamental para a sustentabilidade dos empreendimentos da economia solidária.
Com relação ao embasamento teórico, a teoria do pensamento complexo de Edgar Morin (2006), também conhecida como “paradigma da complexidade”, contribuiu para a orientação das análises levadas a cabo, em busca de maior proximidade da realidade, ao tentar abarcá-las com o maior grau de integralidade possível. Dentro de um sistema de rede, as transformações individuais, em cada nó que forma o sistema, estão sempre intrinsecamente ligadas aos acontecimentos e transformações coletivas, o que vai ao encontro do que é proposto pela teoria da complexidade e explica a diversidade de elementos que trazem mudanças e possíveis evoluções de pensamento quando analisamos o todo (MANCE, 2009).
A pesquisa empírica visou analisar a formação e o desenvolvimento de uma organização de economia solidária, composta por pequenos produtores agrícolas, e elencar os principais requisitos percebidos para a sua sustentabilidade, tendo em vista o desenvolvimento de um produto técnico com características de inovação social e potencializador do desenvolvimento local. Buscou-se, ainda, observar de que maneira a participação de cada integrante da rede pesquisada contribui para sua formação e manutenção.
Essas informações podem ser fundamentais para abrir caminhos e impactar no fortalecimento de pequenos produtores agrícolas, por resultarem da observação de uma experiência que se sustenta há mais de dez anos, com atenção aos fatores que favoreceram esse resultado. Pretende-se que essas percepções proporcionem a ampliação das capacidades de autonomia dos pequenos produtores agrícolas, sendo, portanto, peça chave para melhorar a qualidade de seus produtos perante um mercado específico, causando benefícios para a comunidade e consequentemente modificando realidades locais.
A metodologia adotada na pesquisa empírica, cujos resultados são apresentados nesse artigo, envolveu a realização de um estudo de caso em um empreendimento da economia solidaria e na abordagem às pessoas comprometidas com a sua organização e com seus clientes, por meio da realização de entrevistas semiestruturadas. A análise dos dados foi realizada com base na metodologia da análise de conteúdo de Bardin (1977).
Dessa forma, este artigo apresenta uma discussão que articula os conceitos teóricos aos resultados encontrados na pesquisa de campo, organizados nas categorias confirmadas pela pesquisa, ou em novas categorias percebidas. Por fim, algumas considerações finais acerca do tema são postas.

2. PARTICIPAÇÃO E AUTOGESTÃO COMO PRERROGATIVAS PARA A MANUNTENÇÃO DE UMA REDE DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

Ao perguntar como se estabelece e se sustenta uma rede de economia solidária, é preciso primeiramente analisar o fenômeno das redes seciais e as características de uma economia voltada para objetivos sociais e não exclusivamente para o capital, para só então refletirmos sobre as eventuais respostas que surgirão. 
Ultimamente a união de centenas de milhões de pessoas, por meio das redes sociais na internet, fez com que o fenômeno da informação evoluísse de forma assustadora. Milhões de canais de comunicação interligados num sistema de rede, crescente a cada dia, representam um incremento no poder de troca e de comunicação jamais visto ou vivenciado em outras épocas pela humanidade. Outro ponto a destacar é que, juntamente com o aumento do número de indivíduos nessas redes, aumenta a importância ou o impacto que tais redes causam na vida dos seus usuários (SANTOS & CYPRIANO, 2014).
Para o chefe de cozinha Alex Atala, em entrevista concedida ao jornal Metrópoles, “a maior rede social do mundo é o alimento” (RODRIGUES, 2016, s/p). Seus apontamentos vão além: ele acredita que “as cadeias do alimento reorganizadas têm e poderão ter um poder de impacto e mudança em nossas vidas maior até do que a internet” (RODRIGUES, 2016, s/p). O cozinheiro deixa claro, em sua fala, que se as cadeias do alimento estivessem tão conectadas como as pessoas nas redes sociais, e, ainda, se estivessem reorganizadas de forma a contemplar e beneficiar a todos, os impactos sociais desse enorme e complexo sistema de rede, seria avassalador para a humanidade.
Seguindo essa linha de raciocínio, o Movimento Slow Food talvez seja um dos grandes representantes dessa tentativa de reorganizar as cadeias alimentares, a começar por cada consumidor. O movimento surgiu no final da década de 1980, mais precisamente em 1986, e foi criado pelo jornalista italiano Carlo Petrini. Hoje é um dos mais importantes movimentos contra hegemônicos existentes no mundo e busca, além do combater aos preceitos do fast food, uma mudança nos padrões de produção e consumo alimentar atuais. Em 1989, o movimento já se tornara internacional e uma grande rede foi formada com objetivo de reeducação dos hábitos alimentares, valorização do produto, do produtor e do meio ambiente (FERREIRA, 2009).
A rede formada pelo Slow Food articula algumas centenas de sub-redes, que juntas, possuem mais de 100.000 membros em mais de 1.300 locais, espalhados por 160 países. Hoje, por meio dessa rede, é possível trocar informações sobre formas de plantio, manejo de terras, e qualquer outra questão afim com os objetivos do movimento, tais como: produção, produtos e formas de preparo de alimentos (IRVING & CERIANI, 2013). O fluxo de informações que transita nessa rede é um forte aliado na disseminação de uma cultura favorável aos pequenos produtores e abre espaço para a discussão de nova forma de gestão com objetivos sociais, assim como de sistemas econômicos contra hegemônicos.
Observando o exemplo do Movimento Slow Food, nota-se que os componentes de uma rede são representados, nas ciências sociais, por sujeitos sociais, ou seja, atores ou indivíduos, que compõem os “nós” ou “células”. Estes estão ligados por algum tipo de relação, as quais são chamadas “conexões” que transportam fluxos de informações (MARTELETO & SILVA, 2004). Ou seja, primeiramente identificamos quais células estão conectadas e, posteriormente, como são os fluxos de informação que transitam entre elas. Ao observarmos os fluxos, encontramos a possibilidade de três tipos diferentes de rede, apontadas por Paul Baran (1964), que são: rede centralizada, rede descentralizada e rede distribuída.
A eficácia de um sistema de rede, podendo ser essencialmente on-line ou não, está na força e na eficiência de cada conexão e, consequentemente, nos fluxos que transitam nela, ou seja, quanto mais intensa for a ligação entre dois “nós”, maior é a possibilidade das trocas serem mais efetivas para ambos os “nós”. Outros autores vão corroborar com esse pensamento, evocando outros argumentos. Há uma ideia comum às teorias do sistema de rede e da economia solidária, qual seja, quanto maior a participação dentro de um coletivo, mais controle e possibilidade de êxito existe na gestão (SANTOS & BORINELLI, 2010; RIBEIRO & MÜYLDER, 2014; PINHEIRO, 2016; SINGER, 2001; SIMON, 2013).
Podemos dizer, então, que a economia solidária é um conjunto de experiências coletivas de trabalho, onde existem princípios solidários (SINGER, 2001). Para Oliveira (2008), a economia solidária é definida como

um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles – essa é a característica central. E a autogestão, ou seja, os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente democrática, quer dizer, cada sócio, cada membro do empreendimento tem direito a um voto. Se são pequenas cooperativas, não há nenhuma distinção importante de funções, todo o mundo faz o que precisa. (p.289)

 

Ao pensarmos nos princípios da economia solidária, um conceito de extrema importância é o da autogestão. Acredita-se que dentro de um empreendimento onde existe a autogestão, as possibilidades de trocas são maiores, justamente pelo fato de haver um maior fluxo de informação entre os “nós” ou “células” que são, nesse caso, os integrantes desse empreendimento.
De acordo com Faria (2017), o conceito de autogestão deve ser entendido como a completa negação, ou de oposição à heterogestão, que segundo Baptista (2012), é o modo de gestão da sociedade de mercado, sob as bases do capitalismo. Nesse sentido, França Filho e Cunha (2009), assim como Pinheiro (2016), destacam a importância de participação dentro de um sistema autogestionário no sentido de facilitar o fluxo de informações, e dessa forma, contribuir com um processo mais aberto, transparente e rápido.
Num primeiro momento, os três conceitos de “rede”, “autogestão” e “participação”apresentados se conciliam numa trama que se funde e provoca, no patamar teórico, uma sequência previsível de possibilidades que indica um caminho de sucesso ou de melhores condições de gestão, por elevar, no processo, cada indivíduo a protagonista e com possibilidade de se tornar autônomo e modificar ao menos sua própria realidade. No entanto, quando alguns autores (FRANÇA FILHO & CUNHA, 2009; FRANÇA FILHO, 2004; FARIA, 2017) discorrem sobre a autogestão e o processo participativo, seja na economia solidária ou em outro sistema de economia colaborativa, se o objetivo é atenuar os impactos sociais, existem apontamentos sobre problemas possíveis de ocorrer no meio do processo, que impedem a efetividade ou limitam seus efeitos benéficos.
O exercício da autogestão requer participação efetiva. Esse é um dos pontos levantados no estudo de Faria (2017) intitulado Autogestão, economia solidária e organização coletivista de produção associada: em direção ao rigor conceitual. O autor discute a utilização indiscriminada do termo “autogestão” e questiona, por exemplo, que em alguns modelos o indivíduo tem grande participação no “ato” decisório, mas isso não é o mais importante, e sim a participação efetiva durante o “processo” decisório, pois esse implica em reflexão, conhecimento das implicações, escolha, negociação, que antecedem o “ato” decisório.
A autogestão por vezes é vista como um sistema utópico, quando pensada em toda a sua profundidade. No entanto, muitos empreendimentos que se dizem autogeridos são, na verdade, apenas superficialmente autogestionários, sem ameaçar o paradigma de gestão capitalista (FARIA, 2017).  Alguns apontamentos de Eid, Gallo e Pimentel (2001) levam a crer que o objetivo maior de sistemas sociais de autogestão, deveria ser a sustentabilidade das atividades e não a lucratividade do empreendimento. Esse mesmo apontamento está escrito no decreto 44.898 de 2008, que regulamenta a lei n° 15.028 de janeiro de 2004, ao instituir a Política Estadual de Fomento à Economia Popular Solidária no Estado de Minas Gerais (PEFEPS), enfatizando a sustentabilidade, ou seja, “[...] criar e consolidar uma cultura empreendedora, baseada nos valores da Economia Popular Solidária; e desenvolver e apoiar projetos de integração dos empreendimentos no mercado visando a auto sustentabilidade de suas atividades [...]” (MINAS GERAIS, 2004, p. 3).
A ênfase e a meta da autogestão devem ser, respectivamente, participação e autonomia, para gerar novas conexões sociais e relações que minimizem qualquer dificuldade no caminho de busca de um meio de trabalho mais justo e socialmente benéfico. As dificuldades e outros apontamentos nesse sentido, feitos por estudiosos e pesquisadores no assunto, serão úteis, nesse estudo, para fundar o alicerce de discussão dos resultados da pesquisa, analisados mais adiante.
Num estudo sobre o trabalho na economia solidária, ao focar mais especificamente a rotatividade dos associados nesse tipo de organização, Moisés (2009) investiga os principais motivos de associação e permanência de trabalhadores num empreendimento no setor de reciclagem de Belo Horizonte e ainda investiga as possíveis causas de desligamento/não permanência na empresa.
Entre os fatores que contribuíam para a permanência dos associados destacavam-se: a percepção de um trabalho com mais autonomia, com menos controle e cobranças por parte de superiores; ambiente agradável, repleto de relações afetivas e solidárias; honestidade no ambiente de trabalho e melhorias de condições gerais de trabalho em função do trabalho associado. Já, entre as causas de desligamento estavam: centralização das maiores decisões por parte da presidência da organização; baixa participação dos associados na gestão do empreendimento e os excessos de conflitos que surgiam em função de problemas organizacionais e ainda atrelados às questões colocadas anteriormente (MOISÉS, 2009).
O estudo teve o intuito de observar a participação de cada integrante do grupo e ver como isso impactava na gestão do empreendimento. Como recursos metodológicos, foram usados os métodos de observação e entrevista semiestruturada. As observações apontaram muitas questões que podem ser trabalhadas para o melhor entendimento sobre participação e o trabalho coletivo como base da economia solidária e as entrevistam comprovaram algumas delas.
Uma das questões que pode ser confrontada no estudo de Moisés (2009) e que vai ao encontro do trabalho de Faria (2017) é que alguns pontos observados, e por vezes confirmados com as entrevistas, vão num caminho contrário aos conceitos básicos de economia solidária. Na verdade, como argumenta Faria (2017), existem traços de um sistema de economia capitalista no empreendimento analisado que não garante que tal organização seja de fato pertencente a esse sistema econômico. A autora, ao observar seus sujeitos de pesquisa, viu que muitos deles se irritavam facilmente com novatos, por que esses não produziam na velocidade ideal, gerando assim uma lucratividade menor no final do processo. Esse fato contribuía para a não permanência de muitos dos novos membros da organização.
A existência de hierarquização dentro da organização também é outro fator que destoa dos princípios da economia solidária, no entanto, durante a pesquisa a autora observou na percepção dos participantes a diminuição de categorias hierárquicas, o que contribuía para um processo um pouco menos vertical. Em síntese, as conclusões dessas pesquisas (MOISÉS, 2009) levam a crer na existência de dificuldades e fragilidades dos sistemas de economia solidária, que, por vezes, esbarram na concretização de questões conceituais na formulação da organização, e, outras vezes, são os processos dificultosos em decorrência de problemas de não participação, de objetivos destoantes entre os participantes e da dificuldade de resolver conflitos, tão presentes nesse tipo de sistema econômico mais democrático.
No entanto, a ideia chave da economia solidária parte de princípios solidários, em contraposição ao individualismo competitivo (GAIGER, 2013; OLIVEIRA, 2008; SINGER, 2001). Como preceito básico, a economia solidária preza primeiro pela manutenção do negócio, privilegiando valores como o bem-estar dos associados e a possibilidade de evolução profissional em detrimento do resultado financeiro (EID, GALLO & PIMENTEL, 2001). Isso diz muito sobre participação e põe as claras as verdadeiras dificuldades para que sistemas autogestionários sejam realmente efetivos.
Em seu estudo intitulado Economia solidária e autogestão: um estudo de caso da criação, sustentabilidade e características de um novo negócio, Silva (2008) mostra o quão complexo são as dimensões da autogestão e como é difícil contemplar todas elas em suas totalidades. O autor aponta que um dos problemas que dificulta o trabalhador a implementar de fato a autogestão é o esclarecimento sobre tal conceito, em toda a sua amplitude. Muitas vezes não existe tempo suficiente para a conscientização dos trabalhadores sobre pontos fundamentais, essencialmente teóricos, num primeiro momento, causando certo distanciamento ou baixa participação desses atores fundamentais para que esse processo funcione (SILVA, 2008).
Nesse contexto percebe-se um cenário complexo, no qual o comportamento de cada integrante de organizações autogestionárias reproduz um perfil diferente e, consequentemente, uma forma de agir. Ademais, outros problemas são levantados e podem ter impactos importantes para a continuidade desses empreendimentos. A falta de conhecimento do coletivo para uma gestão mais horizontal, a dificuldade ao crédito, os conflitos frequentes entre os membros e a falta de liderança na gestão e resolução dos mesmos, a falta de verba ou de capital de giro para manter o negócio, a dificuldade de divulgação e escoamento/venda dos produtos e/ou conceitos da organização, a informalidade abundante no setor, a precária articulação entre novos grupos afins para possíveis formações de rede, são apontados como alguns dos pontos de dificuldade na manutenção de sistemas de economia solidária (SINGER, 2001; GAIGER, 2013; PINHEIRO, 2016; MASSARO, 2014; CEZAR, OLIVEIRA & FRANCO, 2016) 

Ainda que a Economia Solidária seja consolidada através das redes de apoiadores como a Cáritas Brasileira, as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP’s) e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), dentre outras, seu delineamento pragmático acontece a partir dos inúmeros empreendimentos econômicos solidários. Tais empreendimentos uma vez que promovem a articulação dos diferentes objetivos do movimento, tem como desafio, mostrar ao trabalhador que uma outra economia é possível à medida que se compreende a razão de pertencer a essa lógica. (CEZAR, OLIVEIRA & FRANCO, 2016, p. 1)

Em conformidade com as questões postas anteriormente, Guerra, (2014), em seu estudo intitulado Os valores da economia solidária e os valores do trabalho, aponta que a grande diversidade de valores e princípios ideológicos interfere na simbiose dos sistemas de economia solidária, no entanto, faz uma contextualização otimista sobre o cenário:

Além disso, a dificuldade encontrada é bastante compreensível, uma vez que a gestão pode ser entendida como um processo histórico, e compreendida dessa forma, a história da grande maioria dos membros dos empreendimentos é uma história proveniente de organizações heterogestionárias. Assim, romper com essa prática é muito difícil. Entretanto, a gestão também pode ser entendida como uma construção cotidiana, e é por essa razão que as práticas autogestionárias precisam ser reforçadas continuamente, para que se efetivem de fato. (p. 128)

Diante de fatores como os já citados, que geram dificuldades no processo de empreendimentos de economia solidária, a pergunta permanece: se existem pontos que de alguma forma podem contribuir para a não efetividade das organizações de economia solidária, como se sustentam as redes de economia solidária após sua formação? “Dentro do universo da economia solidária, a preocupação é com a sustentabilidade de suas iniciativas” (REIS, 2005, p. 16), pontuação pertinente quando boa parte dos estudos não detém esse tipo de preocupação.

3. METODOLOGIA

A pesquisa ora apresentada configurou-se como uma pesquisa exploratória cujo objetivo central foi verificar junto à rede analisada, o modo como se processam as relações em um sistema de economia solidária, considerando especialmente as articulações em rede e a contribuição para a sua sustentabilidade.
Considerando-se que “a opção por uma metodologia quantitativa ou qualitativa tem de estar de acordo tanto com os objetivos da pesquisa como com os atributos dos objetos em estudo” (AUGUSTO, 2014, p. 2), e tendo em vista o objetivo mencionado no parágrafo anterior, a pesquisa desenvolvida é uma pesquisa qualitativa, pois busca aprofundar a compreensão do modo de uma organização e do sistema de relacioidnto do grupo social analisado.
Como ponto de partida do levantamento de campo, recorreu-se à pesquisa bibliográfica, como forma de “mapear” os conceitos e teorias necessários para parametrizar a ida a campo, as entrevistas realizadas, a coleta de dados e sua correta análise. A pesquisa empírica foi realizada em Belo Horizonte, Minas Gerais, por meio de entrevistas com pequenos produtores de alimentos da rede em questão, bem como com alguns de seus clientes, a fim de entender as razões da formação de uma organização de economia solidária e dos requisitos para sua sustentabilidade no mercado.
A Rede analisada é um empreendimento de economia solidária na região centro-sul de Belo Horizonte e reúne produtores agrícolas de pequeno porte, rurais e urbanos, oriundos da agricultura familiar ou não, que busca uma aliança entre os produtores, os consumidores e os produtos que respeitem a saúde, o meio ambiente e as relações humanas.
A Rede surgiu em 2005 quando três consumidores que buscavam fornecedores de alimentos saudáveis para consumo próprio se organizaram. Após conseguir alguns fornecedores, seus familiares e amigos mais próximos começaram também a usufruir dos contatos e passaram a fazer parte dos interessados pelos produtos de boa qualidade. A ideia foi ganhando corpo até que em 2006 uma feira semanal foi montada para a venda das mercadorias com o objetivo de incentivar o pequeno produtor e sanar a demanda existente no mercado belo horizontino. Hoje, a rede conta com mais de vinte produtores diretos, além de parceiros espalhados pelo Brasil.
Além disso, a Rede busca promover encontros para trocas de conhecimentos sobre produção e comercialização dos produtos e incentiva ainda as trocas de sementes e mudas com o objetivo de preservar e difundir os conhecimentos sobre o meio ambiente e os produtos naturais. Para responder à questão de pesquisa, realizou-se uma pesquisa qualitativa de natureza descritiva sobre a formação de uma organização de economia solidária, que congrega pequenos produtores agrícolas comprometidos com os preceitos da agroecologia e/ou da produção orgânica, tendo em vista o desenvolvimento de um produto técnico com características de inovação social e potencializador do desenvolvimento local.
As entrevistas individuais com os sujeitos, apoiaram-se num roteiro de entrevista semiestruturada, conforme definido por Guerra (2014), com o intuito de obter informações qualitativas, dando ao entrevistado liberdade para discursar sobre os temas propostos pelo entrevistador.
A seleção dos participantes foi por proximidade e adesão voluntária. Ao final de cada entrevista, os sujeitos indicaram novos participantes de forma natural e voluntária, ou seja, sem que o entrevistador intervisse a esse favor. Foram realizadas 12 (doze) entrevistas, 6 (seis) com membros da rede (feirantes/organização1 ) e 6 (seis) com clientes frequentadores da feira. Para critérios de identificação e melhor entendimento nas discussões a seguir, os entrevistados foram classificados de duas maneiras distintas:  Membro da Rede, a partir de agora representado pela sigla “MR”, e Cliente da Feira, representado pela sigla “CF”. Portanto, as discussões que se seguem serão pautadas pelos entrevistados: MR1, MR3, MR4, MR5, MR6, CF1, CF2 e CF5.
A análise de dados foi guiada e fundamentada pela metodologia de análise de conteúdo de Bardin (2006). Essa é formada por um conjunto de técnicas para apresentar o teor das mensagens, e os indicadores, que possibilitem a organização e compreensão sistemática dos conhecimentos transmitidos. Sobre isso, o autor comenta:

A técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo pretendidos, tem que ser reinventada a cada momento, exceto para usos simples e generalizados, como é o caso do escrutínio próximo da decodificação e de respostas a perguntas abertas de questionários cujo conteúdo é avaliado rapidamente por temas. (BARDIN, 2006, s./p.)

            Para Bardin (2006), a análise de conteúdo está dividida em três fases, sendo a 1ª a pré-análise, a 2ª a exploração do material e a 3ª o tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A primeira fase refere-se à estruturação dos objetivos e hipóteses de pesquisa, do material de referência a ser utilizado, bem como a leitura flutuante do mesmo para sua futura análise. A segunda fase, consiste na definição das categorias a serem analisadas. Tais definições são sistemas de códigos que facilitam o processo de contagem frequencial das unidades de registro, ou seja, a contagem das palavras que se repetem ao longo do texto.
As categorias definidas para a presente análise foram as seguintes: (1) Entrada na feira / associação; (2) Organização; (3) Participação; (4) Rede; (5) Trocas; (6) Rendimentos; (7) Benefícios da participação; (7) Problemas; (8) Sugestões. Com a segunda fase bem organizada, facilitam-se os processos da terceira fase, ou seja, compreende-se melhor os resultados. 
Durante o tratamento dos resultados, posto por Bardin (2006) como a terceira e última fase do processo, espera-se ainda do pesquisador que se paute pela criticidade, pela percepção do contexto e do histórico local e pela intuição, para que os códigos sejam quebrados e revelados de maneira plena. Com o apoio de tais ferramentas, é possível, portanto, facilitar o processo de coleta, análise e estratificação dos resultados. 
Por fim, cumpre mencionar que esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNA e somente após sua aprovação foi iniciada. A implementação da pesquisa observou, assim, todas as prescrições do Conselho Nacional de Saúde, constantes nas Resoluções nº 466, de 12 de dezembro de 2012 e nº 510 de 2016.

4. ANÁLISE DE DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O método de análise de conteúdo de Bardin (1977) foi utilizado para o diagnóstico do conteúdo das entrevistas. A autora defende que seu método se refere a técnicas de análise da comunicação, sendo o mais importante durante o processo de verificação a busca de significados profundos nas falas dos sujeitos da pesquisa. Para isso, se faz necessário a utilização do que Bardin chamou de “códigos” ou “categorias”. As categorias são previamente pensadas e/ou, posteriormente, modificados em função das aquisições durante a pesquisa empírica, e facilitam a compreensão do conjunto de informações que foi coletado.
Partindo desses pressupostos, a análise de conteúdo possui duas funções de ordem prática, que podem estar associadas ou não. A primeira delas é a função heurística, ou seja, a função de fazer descobertas, de fazer ciência com o objetivo de descobrir novos fatos. A segunda é a função de administração de prova, ou seja, é usada para a análise de questões com o intuito de comprovar determinada hipótese ou não (BARDIN, 1977).
Durante a realização da pesquisa empírica, algumas categorias, entre as pré-definidas, eram naturalmente mais ou menos explorados nos depoimentos dos sujeitos, estabelecendo-se, assim, uma ordem de importância entre elas. A seguir, analisou-se as falas e buscou-se extrair significados, por vezes, encobertos.
De acordo com Bardin (1977), a luz de questões importantes da pesquisa pode se dar no confronto entre as falas e as leituras percebidas no campo de pesquisa, com as argumentações teóricas sobre o assunto estudado. Além disso, a interpretação, aliada às questões ditas e, por vezes, não ditas, pode ajudar a apontar possibilidades de interpretações que possam de alguma forma contribuir com a realidade do objeto analisado. O desafio que se apresenta nesse momento é conseguir extrair das falas a ligação com o objetivo da pesquisa para enfim tentar responder, ao menos de forma parcial, a questão aqui apresentada, qual seja: como se estabelece e se sustenta uma comunidade de pequenos produtores agrícolas da economia solidária de Belo Horizonte, cujo padrão de produção atende aos requisitos do Slow Food?
Analisando as entrevistas, percebe-se que existem falas que dão rumo e apontam hipóteses ou possibilidades de respostas para nossa questão. É importante ressaltar que as categorias foram criadas para tentar cercar ao máximo as possibilidades de respostas que poderiam guiar esse estudo em direção a um fim exitoso. Ao longo da pesquisa de campo, ficou evidente que algumas das categorias eram mais favoráveis para elucidar a questão de pesquisa do que outras. No entanto, apresenta-se na análise a seguir, as 9 (nove) categorias, bem como as possíveis considerações sobre cada uma delas.

4.1 CATEGORIA 1: ENTRADA NA REDE E NA ASSOCIAÇÃO

Ao analisar as formas de adesão à rede por parte dos associados, percebe-se que o acesso se deu, frequentemente, de modo informal, a partir do contato como cliente da feira ou com conhecidos da organização. Essas foram a chave de ligação para a participação dos novos membros. Fica evidente a questão da afinidade de filosofia que os participantes relatam, sendo esse um dos fatores que aproximam os novos participantes e parece que os mantem com laços mais fortes. Essa “filosofia” está relacionada às características do alimento, ou seja, forma de cultivo natural, não utilização de aditivos ou agrotóxicos e estilo alimentar saudável. Por outro lado, influenciam, também, o modelo de gestão autogestionário e a afinidade com o movimento da economia solidária. Nota-se, portanto, uma seleção natural por afinidade ideológica que converge na formação de um grupo com objetivos afins.
De acordo com França Filho (2008), os envolvidos em um sistema de economia solidária devem estar preparados e muito bem informados em relação ao funcioidnto desse tipo de gestão, afinada com a gestão social, sob o risco de praticarem inconscientemente comportamentos e atitudes tipicamente capitalistas, prejudicando a realização dos objetivos coletivos e solidários que se propõe. Essa pode ser uma das barreiras ao êxito ou atraso do processo de autonomia dos participantes rumo às melhorias profissionais. Como foi dito por um dos entrevistados, “por muitos anos tivemos uma gestão complicada, era difícil, agora está mais horizontalizada” (MR1).
Talvez o processo de aprendizagem do modelo autogestionário, presente nas redes de economia solidária, demande um tempo longo, para que os componentes da organização amadureçam e evoluam na direção de tornar efetivo esse tipo de gestão.

4.2 CATEGORIA 2: ORGANIZAÇÃO

Nessa categoria, os entrevistados descreveram um sistema de gestão coletiva que se aperfeiçoou, nos últimos anos, tornando possível o melhor andamento dos processos internos. Foi relatado que existe um encontro mensal para resolver os problemas e demandas mais urgentes. Nesse encontro são discutidas as pautas mais importantes e carentes de decisão. Fato comum é o coletivo não entrar em acordo. Nesses casos, abre-se uma votação na qual os membros presentes têm direito a um voto cada e a decisão é definida pela vontade da maioria.
Existem ainda contatos por telefone, e-mail e Whatsapp. Esses recursos, segundo os entrevistados, servem para a resolução de pequenos problemas, para as conversas que vão ajudar no planejamento semanal e para a apresentação de novas ideias e discussões sobre o melhor andamento da rede.
Todos os 6 entrevistados membros da rede foram unânimes em apontar a existência de frequentes conflitos e discussões durante os encontros mensais e em outros momentos de tomada de decisão do grupo. Segundo eles, o coletivo funciona dividido em setores relativos a diferentes frentes de trabalho para que cada participante possa atuar de maneira a ajudar todo o grupo. Dentro desses setores existe total autonomia para tomada de decisões, e inclusive, eventualmente é desnecessário consultar o restante do grupo. Dentro dos setores não existem liderança nem hierarquia e a relação entre os setores é pautada pela gestão horizontal. Quando perguntado a um dos entrevistados quem era o responsável pela feira, a resposta veio rápida e clara: “Todos que estão trabalhando aqui são os responsáveis” (MR1). O mesmo ocorre quando um dos entrevistados é perguntado sobre o líder ou o gerente a quem se poderia dirigir afim de sanar algumas dúvidas, e novamente foi reiterado: “Não existe um gerente, todos somos gerentes, todos nós somos donos, todos nós cuidamos da mesma forma, com o mesmo grau de responsabilidade, a feira é de todos nós” (MR4).
À primeira vista, pode parecer que a organização do grupo se dá de maneira fluida. No entanto, e a despeito dos depoimentos acima, os entrevistados também pontuam que, justamente por todos serem “donos”, ou “responsáveis”, existe grande dificuldade em, por vezes, se chegar a um consenso. Ainda sobre o sistema organizacional do grupo, houve apontamentos referentes às comissões que verificam a procedência e a qualidade dos produtos de novos parceiros e as regras para o bom andamento do coletivo. Uma das regras mencionadas indica não serem permitidas duas barracas vendendo produtos iguais, com o intuito de evitar a concorrência e a competitividade entre os membros. Entretanto, eventualmente, determinados produtos se repetem em algumas barracas. A explicação é que a diferenciação se dá na oferta de outros produtos, evitando a concorrência indesejada.

4.3 CATEGORIA 3: PARTICIPAÇÃO

A categoria 3 se refere às formas de participação dos envolvidos na rede. Como já indicado anteriormente, a participação se dá através de encontros periódicos e contatos por meios telefônicos e eletrônicos. No entanto, muitos apontamentos foram feitos enaltecendo o processo quando esse tem a efetiva participação de todos os integrantes, mas apontado alguns problemas quando não há o devido envolvimento com o coletivo.
Uma das condições para um produtor entrar na rede e se manter nela é a obrigatória participação em alguma comissão responsável por algum setor. Com relação a isso, o problema levantado pelos entrevistados é que nem sempre essa participação se dá de maneira efetiva. Existem conflitos dentro do coletivo que acabam por desgastar alguns integrantes que, por consequência, se afastam do grupo e não contribuem da forma que deveriam para o avançar da rede. Essa situação gera desconforto no restante dos produtores, por uma sobrecarga de trabalho em função da não realização das tarefas pelos menos participativos. Existe, dessa forma, uma sobrecarga classificada como “desnecessária” pelos entrevistados, o que gera, além das questões já colocadas, novos conflitos desfavorecendo a harmonia do grupo. Um dos entrevistados aponta uma percepção, de certa forma pessimista, sobre o assunto:

É difícil, hoje eu tô numa fase meio chata aqui, to achando tudo chato, porque eu tô vendo um monte de gente que não tá participando do coletivo e quer... sabe... quer ter os mesmos direitos, e não é assim. Acaba dando briga tem hora sabe?! E eu falo... nos encontros eu falo mesmo e ninguém gosta de ouvir umas verdades né! (MR3)

Outro apontamento interessante é colocado por outro entrevistado:

é difícil ter a participação de todo mundo, mas a gente tá tentando fazer o máximo possível de envolver e a gente... essa questão das comissões...de fazer os trabalhos, a gente sempre tenta pensar em coisas novas,  diferentes, como é que a gente vai fazer esse negócio da participação de todo mundo... querendo ou não... não só da gestão como um todo... mas de todas as funções, todas as coisas, quando se trabalha num coletivo e fazer um processo horizontal é muito complexo, nem todo mundo consegue entender essa forma de... se agir em sociedade assim e aí tem gente que as vezes tá acostumada a seguir ordens... então quando não chega nada pra ela, ela não faz nada... é uma pessoa extremamente participativa, mas se não chegar nada pra ela, ela não faz nada... e no processo horizontal  é difícil, porque não tem alguém pra mandar... então fica sempre complicado, então sempre alguém tem que se comportar como chefe pras coisas funcionarem... (MR1)

Os conflitos são apontados pelos membros como parte natural do processo, no entanto, comentam também, sobre a falta de maturidade e de senso de coletividade por alguns participantes, e isso pode colocar em cheque as progressões e avanços da rede. O depoimento anterior demostra esse risco quando se pensa que, às vezes, é necessário que um integrante aja como chefe. Isso abre campo para novos conflitos e não é positivo para o grupo.
Os depoimentos sobre falta de participação ou da equalização da participação para evitar sobrecargas ou o pouco envolvimento de alguns, durante as entrevistas, foram os que mais espaço ocuparam nas respostas dos participantes da pesquisa. Reações e expressões de angustia, descontentamento, desesperança e, por vezes, otimismo, foram percebidas durante as falas referentes à participação.
As dificuldades de participação, foram apontadas como as mais importantes por dois dos entrevistados com mais tempo de rede. Eles também demonstraram otimismo para o futuro com relação a essa temática.

4.4 CATEGORIA 4: REDE

Ao analisar a rede, sua abrangência, seus fluxos e elos, verificou-se uma interação grande entre o coletivo analisado e outros grupos de parceiros espalhados por Minas Gerais e pelo Brasil. Um dos participantes é responsável por buscar esse tipo de apoio e parceria, que ocorre como uma via de mão dupla. A Rede AMAU (Articulação Metropolitana de Articulação Urbana), o AUÊ (Estudos em Agricultura Urbana da UFMG), o REDE – Agroecologia no Campo e na Cidade, o Movimento MST, o Movimento Slow Food, dentre outros, são coletivos que buscam integrar conhecimentos e causar impacto social em seus participantes e, consequentemente, no local de atuação de cada um deles. A amplitude da rede proporciona um leque de possibilidades para promover a filosofia comum, e ainda beneficiar todos os envolvidos quando se abrem novas frentes de trabalho no Movimento da economia solidária, cujo principal objetivo é a manutenção das atividades com dignidade e não o acúmulo de receita. Os entrevistados explicitam o que acontece sobre o funcioidnto da rede:

... porque aqui surgiu como a rede, a feira como uma vertente da rede, ela promove a agroecologia de questão de envolvimento com a cidade cultural, social, então a gente tem projetos pra acontecer aqui de ampliar, de começar a trabalhar mais essa rede, essas articulações. Esse processo do mercado de Santa Teresa, de ocupação, tudo faz parte desse processo da rede, e agora a gente vai ter espaço pra promover oficina, palestra, falar sobre agroecologia, encontros, um espaço onde a gente pode trabalhar muito melhor o processo da rede e a feira é só uma parte dela. (MR1).

... temos muito contato com muitos parceiros, na verdade do Brasil inteiro. Sei que a rede mesmo é até internacional. Se você pegar o Slow Food, por exemplo, que a gente faz eventos de vez em quando com eles, eles são internacionais. Muitas informações que chegam pra gente por eles, vem de fora. A rede é bem grande, esses dias citaram a gente num evento lá no norte de economia solidária. Acaba que a proposta da gente é essa mesmo. (MR5)

Outro entrevistado comenta sobre os processos de parceria que a rede construiu ao longo do tempo:
... o “feirante” [o entrevistado MR6 refere-se aqui a um membro da rede que faz um trabalho mais focado para a divulgação e busca de apoios e novas parcerias para o grupo. Este membro não está entre os entrevistados] viaja muito pelo coletivo, e nessa aí, ele consegue muito parceiros. Já conseguimos apoio para eventos, parceiros para melhorar nossa infra e por aí vai. Temos muitos parceiros e apoiadores [...] O que existe é uma troca, não de favores nem de serviços... é muito mais uma troca de ideias que tem hora que ajuda a gente resolver muitos problemas... (MR6)

Existiram, no entanto, relatos que apontam o conhecimento sobre as parcerias e o apoio de outros grupos, mas dizem não participar efetivamente de encontros, trazendo a ideia de um contato, por vezes, mais restrito aos responsáveis por buscar e trabalhar com essas parcerias, membros do setor, que fazem a função de envolver o coletivo em novos projetos, com diversos parceiros. Essas ações mantem o grupo em contato com diversas outras redes, participando então, de uma grande rede.
A fala a seguir comprova isso, revelando que mesmo que todos não estejam envolvidos diretamente na comissão de rede, todos se beneficiam desses contatos mais amplos.

... na verdade a gente tem uma parceria com o Slow Food, mas tá um pouco afastado, aquele esquema, a gente tem a parceria, mas não tá tão ativa assim... na verdade, é bem suave, bem subjetivo, esse processo não é tão intenso esse diálogo, na verdade o que acontece muito com o movimento a gente tem mais uma... o “feirante” [o entrevistado MR1 refere-se aqui a um membro da rede que não está entre os entrevistados] é um cara que tem mais contato com o pessoal e ai ele tem muito esse contato, ai ele pega e traz pra feira... teve um dia que ele tava colocando m material sobre o milho... material do Slow Food. (MR1)

Ficou evidente que existem participantes, cuja principal função é a busca de contatos que gerem e multipliquem os conhecimentos sobre assuntos afins.  Foram apontadas as diversas possibilidades proporcionadas pela rede para capacitação e aperfeiçoamento sobre manejo e plantio de alimentos orgânicos e agroecológicos. Essa talvez seja uma das consequências da atuação da rede, qual seja, não ter limites em seus próprios muros, gerando novas perspectivas para muitos dos envolvidos.

4.5 CATEGORIA 5: TROCAS

Essa categoria refere-se às possibilidades de trocas que acontecem entre os integrantes da rede. Cumpre ressaltar a extrema importância das trocas nas redes de economia solidária, uma vez que um dos pressupostos – e pode-se aqui dizer de pressupostos éticos, inclusive – nestes sistemas de organização é justamente exercitar novas formas de circulação de mercadorias e serviços. Assim, no lugar do dinheiro como mediador das relações comerciais, ainda que presente como referência de valor, é cada vez mais utilizada a troca direta entre os integrantes da rede, seja de mercadorias, seja de serviços, e mesmo de mercadorias por serviços e vice-versa.    
Nesse sentido, todos os entrevistados relataram acontecerem, atualmente, trocas de bens, antes, durante e ao fim das feiras, duas vezes por semana. Essas trocas costumam ser combinadas, por Whatsapp, e realizadas na feira. A seguir, um relato bastante interessante de um membro da rede (MR5), que deu uma nova perspectiva ao seu produto ao compara-lo com o potencial do dinheiro, em função da feira ter muitas possibilidades de troca.

... eu troco todo fim de feira... praticamente todo. Eu gosto do final, quando o portão fecha, tem pouco tempo, claro, mas eu já faço um tanto de proposta. As vezes quero uma fruta, sei lá, mas consigo uma massa ou um bolo, prefiro do que voltar com minhas coisas... na verdade é como se fosse dinheiro né, eu uso o que restou pra fazer negócio aqui com a turma. (MR5)

Além das trocas frequentes de mercadorias, muitos relataram a existência de uma grande interação com os integrantes da rede. Dessa relação, surgem novas possibilidades de negócios até mesmo fora da feira, além de muitos aprimoramentos pessoais. Talvez, essa última seja a principal troca que acontece entre o grupo.

4.6 CATEGORIA 6: RENDIMENTOS

          Essa categoria, referente aos rendimentos dos participantes da feira, está de alguma forma ligada à anterior. Curiosamente, os entrevistados informam que não têm a feira como primeira fonte de renda e que não conseguiriam sobreviver digidnte se contassem apenas com os rendimentos dos dias de feira. Porém, relatos que comparam tempos anteriores, do início da feira há cerca de 10 anos atrás, com os dias atuais, declaram grande melhora na regularidade dos ganhos. A possível explicação, segundo um dos entrevistados, foi a mudança de gestão, ocorrida há alguns anos, o que permitiu a maior participação de todos nas decisões e possibilitou uma organização mais assertiva para o grupo todo.
Hoje o coletivo conta com uma casa alugada, podendo usufruir de todo seu espaço, por quantos dias da semana lhes convier. Anteriormente o grupo locava um espaço um dia por semana, para a realização da feira. Esse aluguel permanente foi conquistado por meio da mudança no planejamento e na forma de gestão, eliminando hierarquias e horizontalizando o processo.
De acordo com os entrevistados, existem outras formas de ganhar dinheiro que não só vendendo na feira, entretanto, relataram as possibilidades abertas pela participação no coletivo, justamente pelo fato dele ter um alcance tão vasto, em virtude dos muitos contatos e ramificações em muitos lugares do estado e do país.

A feira não tem muito impacto financeiro pra mim, já teve quando eu não tinha outras atividades. Hoje eu dou cursos, e é mais rentável eu dar curso do que vir aqui, mas por outro lado, fazer parte desse grupo é muito legal e também o nome fica muito bom, além de fazer parte de um grupo que quer fazer uma alimentação mais natural, um ensina pro outro, então a gente está sempre trocando muito informação e isso acaba impactando nos meus produtos, com certeza... meus produtos melhoraram muito e a gente faz um clube de compras. Junta os muitos produtores e compramos de forma coletiva e ganhamos muito com isso. Fazemos compras muito mais barato... o grupo ficou tão bacana que a gente se sente assim, e toda família tem problemas, mas é muito bacana... (MR4)

Percebe-se, dessa forma, que existem ganhos indiretos relacionados à participação do indivíduo na rede, por meio de convites e oportunidades de vendas em outros locais, além de novas frentes de trabalho, como o relato sobre a chance de realizar cursos para ensinar a cozinhar pratos vegetarianos com alimentos orgânicos e agroecológicos.
O exemplo do clube de compras, mencionado pelo entrevistado MR4 anteriormente, é bastante simbólico e representativo para o entendimento da possibilidade dos ganhos indiretos da participação do coletivo, que abarca uma série de possíveis vantagens interessantes para alguns produtores.

4.7 CATEGORIA 7: BENEFÍCIOS

Os itens anteriores já trataram de situações benéficas da participação no coletivo. Esses benefícios são potencializados quando os produtores cumprem a regra inicial básica de participação em alguma comissão da rede. Isso, por si só, já é uma tarefa árdua e muitas vezes desgastante. Ao confrontar a quantidade de trabalho com os ganhos, muitas vezes aquém do que os produtores imaginam, corre-se o risco de desestimular alguns produtores.
O que parece manter todos unidos e concentrados em torno dessa causa, talvez seja a crença na filosofia do grupo e as diversas possibilidades que podem se abrir simplesmente pelo fato de fazer parte da rede. As falas a seguir retratam isso: “...há possibilidade de viver da agricultura... aqui eu mantenho esse objetivo. Na verdade, estar aqui me ajudou a mudar de vida, mas no sentido filosófico mesmo, encontrei pessoas que acreditam nas mesmas coisas que eu” (MR1). E, também:

o que eu tenho por fora em função de participar aqui é muito bom. Tenho contatos que... olha só pra você ver, esses dias fiz essas embalagens aqui (referindo-se às embalagens novas de seus produtos), e eu não paguei, foi uma troca, mas isso é consequência das amizades e parcerias que a gente faz. A feira me dá isso. (MR6)

4.8 CATEGORIA 8: PROBLEMAS

Considerando-se a estrutura de apresentação desta pesquisa, muitos dos problemas aos quais o grupo se refere já foram em algum momento abordados anteriormente, tais como, conflitos constantes, rentabilidade com as vendas, por vezes a baixo do esperado e pouco envolvimento e participação, por parte de alguns, durante alguns momentos. A fala abaixo é de grande importância para refletir sobre uma situação importante, de grandeza histórica e cultural, que está de certa forma arraigada na sociedade em que vivemos.

É um desafio de como fazer essa gestão da nova casa... a casa é alugada e precisamos manter ela. É difícil de fazer o processo acontecer, é um desafio, mas o problema maior que eu vejo, apesar da evolução que temos, é o problema da participação, o comportamento das pessoas é cíclico, tem horas que ela tá bem envolvida e tem horas que dá uma afastada, e a gente conseguir essa continuidade é difícil, e a questão de trabalhar de forma horizontal... coletivo é complexo porque as vezes acontece uma coisinha e ela já afasta completamente e aí ela vai ficando distante, e quando você vê essa pessoa nem pertence naquele coletivo. É como um relacioidnto, e aí acho que é difícil, é difícil as pessoa conseguirem entender como funciona o mecanismo de um coletivo, de você se dedicar e não ver o retorno diretamente, a gente tá acostumado ao trabalho numa empresa e no final do mês tenho meu salário, e aqui as vezes você trabalha, trabalha, trabalha, e não vai ter seu dinheiro de imediato, mas você tem outras coisas, outros ganhos que não estão relacionadas ao dinheiro, o problema é que a gente tá acostumado nesse processo de ter dinheiro, nessa sociedade de querer o dinheiro pras coisas, esse é o grande problema. As pessoas dedicam e não conseguem ter esse retorno financeiro de imediato, a gente tá tentando trabalhar, se eu promovo a feira, vai ter mais gente... não significa que vou vender mais, mas vai ter mais gente. Participação efetiva de todo mundo, num mesmo momento é o maior problema, mas a gente melhorou muito. (MR1).

Os apontamentos acima são muito ricos e podem gerar numerosas análises. O problema da participação, que já foi explorado em um momento anterior, foi muito bem apontado pelo entrevistado do depoimento acima. No entanto, algo que ele não diz efetivamente parece ser o grande cerne da questão: parece que a formação histórico-cultural dos indivíduos, baseada numa sociedade capitalista, na qual se espera ganhos quase que imediatos pelos serviços prestados, marcada por grande competitividade e pouco pautada em questões sociais que privilegiem o bem comum e o coletivo, podem dificultar a simbiose entre todos os participantes e o pensar de forma mais coletiva e menos individual.
A presente categoria de análise se diferencia das demais por ser aqui possível observar as falas dos entrevistados que não são do coletivo, da rede. Nesse momento, agregam-se as falas dos clientes, que foram ouvidos para compreender melhor todo esse sistema. Um dos problemas que aparece é a falta de interação e troca de informação, dos clientes para com o coletivo e essa questão fica evidente ao observar as falas a seguir: “... podiam conversar com os clientes e pegar mais opiniões sobre tudo” e “... eu acho caro, mas nunca falei aqui. Gosto da feira, mas acho caro” (CF5). Esses apontamentos nos dizem que existem clientes que gostariam de participar de alguma forma, até mesmo para contribuir com melhorias que impactariam tanto os produtores quanto os demais clientes de forma positiva.

4.9 CATEGORIA 9: SUGESTÕES

As sugestões encaminhadas cooperaram para uma melhor compreensão dos sistemas de gestão e manutenção dessa rede de economia. De maneira geral, poucas sugestões de mudanças para possíveis melhorias do coletivo foram mencionadas. Muitos comentários enalteceram as melhorias recentes do coletivo. Ao que parece, existe um sentimento de satisfação com a atual gestão.  Apesar das colocações terem sido mais positivas do que negativas, houveram apontamentos importantes a serem analisados quando se pretende entender com se mantem uma organização como essa, de forma efetiva, verdadeira e produtiva, e que de fato contribua para a sociedade, por promover princípios de alimentação saudável, respeitando a terra, o produto e acima de tudo, quem o produz. O depoimento a seguir sugere pequenas modificações apesar de não direcionar como isso seria feito. O entrevistado sinaliza com um comentário bastante otimista.

... acho que quando não tem retorno financeiro fica desestimulante pra uns aqui sabe...” quando as meninas falam que não vão pagar no dia, aí você vê nego ficando louco, isso é ruim, as vezes isso é feito sem aviso. Acho que deveria ter uma forma de evitar isso... a gente perde tempo depois pra discutir isso, gera polêmica, mas acho que tamo no caminho, a feira tem tempo já, e nosso coletivo tá evoluindo muito. (MR5)  

Houve ainda alguns questioidntos, por parte de clientes entrevistados, sobre preços, considerados altos. Sobre isso, a entrevistada CF2 comenta: “... diversificar os produtos seria interessante. Eu gostei que agora tem almoço e é muito bom. Pra quem gosta do tipo de comida é muito bom. Só acho caro, mas também não é nada demais, dá pra pagar” (CF2). E ainda outro entrevistado comenta: “...seria bom se tivesse preços mais baixos... eu compro pouco, mais pelo preço [...] o preço as vezes é bom, tem hora que tá igual do supermercado e a qualidade é muito boa, mas tem coisas caras” (CF1)
Quando indagados sobre as sugestões para melhorias na rede e na feira, muitos foram os apontamentos enaltecendo o espaço, os produtos e os produtores, ou seja, a sensação de otimismo e satisfação fica clara. Pode-se perceber um amadurecimento dos processos de gestão e dos participantes de modo geral. Acredita-se que um movimento com mais de dez anos de existência já tenha argumentações e experiências suficientes para se manter trabalhando em prol da causa social, por entender e verificar na prática, seus frutos.

5. FREQUÊNCIA DE PALAVRAS-CHAVES NA IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

A contagem de palavras através da frequência com que elas aparecem na transcrição das entrevistas, é uma ferramenta imprescindível para verificar as principais ideias exteriorizadas acerca do tema durante a pesquisa de campo. Procurou-se identificar apenas as palavras que cabiam no contexto do presente estudo, evitando relacionar palavras que não trariam sentido para as reflexões. Continuou-se com a síntese de palavras para evitar um gráfico com um volume muito grande de informações e pouca objetividade. Algumas palavras que continham o mesmo sentido, ou que estavam conjugadas, aparecendo sob duas ou mais formas, foram somadas para essa contagem. A seguir, o quadro de frequência de palavras-chave, já sintetizado para posterior análise.

O sentido que fica evidenciado ao observar as palavras acima, é o de pertencimento a um grupo, a um coletivo. Talvez, as palavras citadas, possam ser trocadas por uma só, “nós”. Foi esse o significado observado a cada vez que elas eram proferidas. Se fosse para traçar um paralelo matemático sobre essa questão, observar-se-ia, que aproximadamente 38% das palavras citadas referem-se ao coletivo, às pessoas, ao grupo. É um número bastante expressivo e mostra como os participantes da rede analisada, trazem de forma arraigada a noção do todo em prol dos avanços e objetivos comuns.
Outra palavra bastante mencionada foi a “participação”, com 30 aparições. Confirma-se aqui a preocupação e os apontamentos com a questão do envolvimento efetivo de todo o coletivo. A palavra “processo”, que aparece 19 vezes, pode ainda ser associada às questões de participação e a outras questões como gestão social, que prioriza mais o processo que o produto.

As palavras “problema” e “briga”, citadas 17 e 7 vezes respectivamente, estão fortemente associadas a questão da participação, quando são narrados conflitos existentes no grupo durante os processos decisórios e nos sistemas de organização e gestão do grupo. Na sequência, aparecem 7 e 6 vezes respectivamente as palavras “diálogo” e “conversar/discutir”, mostrando que existe uma consciência sobre os problemas e conflitos, sempre atreladas ao diálogo para a melhor resolução das questões de cunho coletivo.
Restam ainda outras palavras, que podem ser vistas como assuntos ou tônicas emergentes de discussões da rede e nos dão um panorama do que, de certa forma, está no pensamento daquele coletivo. De modo geral, a contagem de palavras-chave serve para a melhor análise das questões expostas durante as entrevistas, e ainda, serve como uma espécie de confirmação da análise feita anteriormente de cada categoria separadamente. No Apêndice 2 encontra-se uma nuvem de palavras que mostra de uma outra forma a frequência com que cada palavra aparece.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas variáveis cercam essa pesquisa e ao confrontar as falas dos entrevistados com as discussões teóricas observa-se que existem grandes dificuldades em algumas comissões de trabalho da rede analisada. Um problema de maior gravidade é a questão da participação individual no coletivo ainda não ser pleidnte exercida e demandar frequentemente ajustes para a efetividade da rede. A baixa participação de alguns integrantes do grupo, em determinados momentos, em função de algum desentendimento ou da insatisfação devida a alguma decisão coletiva, pode provocar atrasos e prejudicar de alguma forma, as progressões do grupo.
Por outro lado, viu-se que o grupo pertencente à rede atualmente é o mesmo a tempo suficiente para já ter alcançado uma coesão que facilita os processos de gestão, apesar da persistência de conflitos sobre determinadas decisões. Houve uma progressão na gestão, da anterior para a atual, que promoveu a desestruturação de uma estrutura rigidamente hierárquica e favoreceu a gestão coletiva. Dessa forma, privilegiou-se a autogestão, horizontalizando o processo. Foram criadas as comissões, nas quais cada integrante assumiu um papel na gestão da rede. Segundo os integrantes do grupo, esse movimento melhorou a disposição da maioria, por haver um retorno de suas ações como administradores do coletivo.
Todos os integrantes da rede passaram a ter o mesmo direito a voto nas reuniões e a chance de participar das decisões, não apenas nos dias de assembleias, mas desde o princípio das discussões, trazendo argumentações que contribuíam para a evolução das conversas e melhora do entendimento de todos sobre cada uma das decisões a serem tomada.
Depoimentos sobre os rendimentos dos produtores surpreenderam, quase nenhum deles tem a rede como principal fonte de renda. Muitos se referiram a cifras baixas ao serem indagados sobre seus ganhos, no entanto fizeram considerações importantes sobre o fato de pertencerem à rede. Para a maioria deles, fazer parte propicia outros negócios e diversificadas possibilidades para a realização de sua produção. Além disso, abre portas para novos negócios fora da rede, em função da visibilidade que ela oferece, como, por exemplo, cursos, palestras e consultorias.
Ao que parece, existem, ainda, ganhos difíceis de mensurar, por serem indiretos, não financeiros, mas intrínsecos à participação no coletivo. Ficou claro que os produtores envolvidos na rede, são, de alguma forma, impulsionados pelo movimento, abrindo novas possibilidades, tanto de ganhos econômicos, mas, principalmente, de ganhos imateriais, relativos a trocas de saberes, por vezes, artesanais, tão importantes no universo dos pequenos produtores agrícolas.
Seguindo na linha das vantagens de se fazer parte do coletivo, a possibilidade de trocar serviços e produtos, foi apontada como sendo algo bastante estimulador para os participantes. As compras coletivas ou clube de compras que são realizados no local também caracterizam vantagem e acabam por minimizar as baixas vendas de alguns produtores.
Observou-se a existência de um sistema de autogestão, horizontalizado, na organização, e sua formação se deu através da união de indivíduos afins com as ideias da economia solidária e da produção de alimentos agroecológicos e orgânicos. Talvez, a rede de relacioidnto e trabalho do coletivo, por ser bastante ampla e permitir grande visibilidade a seus membros, possa ser a grande responsável por sua sustentação no mercado.
Indícios observados nas entrevistas, dão a entender que essa mesma rede que tem se sustentado há mais de dez anos no mercado, carece de maior e mais frequente participação de todos os membros do coletivo. A não participação de parte do coletivo de forma incisiva em determinados momentos, pode gerar deficiências ou atrasar possíveis progressos da rede e, até mesmo, contribuir para a saída de algum, impactando negativamente no desenvolvimento local.
Cabe ressaltar que a despeito dos problemas encontrados nos processos da rede pesquisada, ela continua a crescer. Talvez, os conflitos existentes, que em parte podem ser desgastantes, podem também ser a chave para o amadurecimento do coletivo e proporcionar maior solidez ao sistema de gestão atual, pautado na democracia e na autogestão. Na verdade, segundo Bauer & Carrion (2016), esses conflitos são componentes que comprovam a existência de um estilo democrático de gestão, sendo parte importante integrante do processo sinalizando um protagonismo importante exercido pelos participantes, que assumem papeis fundamentais para a mudança de sua própria realidade.
De maneira geral, percebe-se a evolução, e, acima de tudo, a manutenção dos pequenos produtores na rede, exercendo suas atividades e gerando importantes contributos para a sociedade, pelo fato de oferecerem alimentação de qualidade e por fazerem girar um sistema econômico mais justo e saudável para todos os envolvidos.

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*Coordenador e Professor da Faculdade de Gastronomia do Senac-BH e Professor da Faculdade de Gastronomia do Centro Universitário Una. Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário Una. E-mail: adriano.vilhena@yahoo.com
** Economista, Mestre em Desenvolvimento Econômico, Doutora em Geografia/Organização do Espaço, professora e pesquisadora no Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário Una.
1 Todos os membros da rede pesquisada, que expõem e vendem seus produtos como feirantes, fazem parte da sua organização, sendo essa uma das condições para que um membro possa fazer parte do grupo.
2 Vale ressaltar que existe uma Categoria somente referente aos problemas que os produtores visualizam na rede e a falta de participação será tratada outra vez na Categoria 8.

Recibido: 21/05/2019 Aceptado: 24/05/2019 Publicado: Mayo de 2019


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