Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


REFLEXÕES SOBRE A NACIONALIDADE: INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DE PATRIOTISMO NOS DISCURSOS DO JORNAL CAMPINAS DE 1936

Autores e infomación del artículo

Marina da Silva Schneider*

Universidade do Extremo Sul Catarinense, Brasil

msshis@outlook.com


RESUMO
Esse artigo pensará e fará uma análise sobre os discursos produzidos sobre a independência do Brasil, as construções do sentimento de patriotismo e de civismo pautados nos acontecimentos do sete de setembro presentes nos discursos do Jornal Campinas de 1936 que circulou na região do grande Araranguá, Santa Catarina, Brasil em meados da década de 30. Nesse presente trabalho, se articulou conceitos tocantes ao tema e a mídia impressa como fonte possível na pesquisa histórica. Torna-se importante ressaltar a ideia de coletividade, de passado e imaginário comum que são fundamentados pelos discursos midiáticos. Nesse sentido, os discursos do Jornal Campinas construíam narrativas comuns para serem aceitas por todos aqueles que eram considerados “homens de conduta”.

Palavras-chave: Discursos-Independência do Brasil-Mídia Impressa-Nacionalidade-Patriotismo.

ABSTRACT
This article will analyze the speeches about the Independence of Brazil, the constructions of the feelings of patriotism and civility based on the events of the September seventh that were presented in 1936 newspaper Campinas, published in Araranguá and surroundings, Santa Catarina, Brazil in mid 1930’s.This paper articulates concepts regarding the subject and the print media as possible source for the historical research. It is important to emphasize the idea of collective, foretime and social imaginary that are substantiated by media speech. In this sense, the speeches in newspaper Campinas have built common narratives to be accepted by all those considered “men of conduct”.

Keywords: Speeches-Independence of Brazil-Print media-Nationality-Patriotism.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Marina da Silva Schneider (2019): “Reflexões sobre a nacionalidade: independência do Brasil e a construção de patriotismo nos discursos do Jornal Campinas de 1936”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (febrero 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/02/reflexoes-nacionalidade.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1902reflexoes-nacionalidade


1. A IMPRENSA ESCRITA E A ANÁLISE DOS DISCURSOS.
O uso dos jornais como objeto de pesquisa histórica e os estudos relativos à imprensa, são em grande medida, recentes. Os periódicos enquanto fonte suscitaram reflexões com os Annales que possibilitou o uso de novas fontes, estabelecendo uma nova relação contra o paradigma tradicional (BURKE, 1992: 5), incorporando novos olhares. Com uma gigantesca quantidade de periódicos impressos, se tornou possível para o campo historiográfico, novas abordagens, objetos de estudos e problemas para análise. Os jornais e seus discursos não devem ser analisados como um espelho da sociedade e da realidade vivida, mas como um local que está inserido em conflitos, interesses e por isso, aquilo que está nas entrelinhas e os não ditos são cruciais para a interpretação do/a historiador/a.
A imprensa escrita, e nesse caso, os discursos pautados na independência do Brasil presentes nas publicações do Jornal Campinas, representavam mais a sua própria época de 1936 do que aquele fato histórico que de fato estava sendo mencionado. Desse modo, analisar esses significados e subjetividades é peça imprescindível no trabalho historiográfico, compreendendo representações inseridas em seu contexto. Outros pontos tornam-se também fundamentais, como identificar o público leitor, as classes a que se destina e no caso desse estudo, perceber como esses discursos sobre o que significava ser patriota, ter amor ao civismo e ser um “homem de conduta” têm a ver com uma tentativa de homogeneidade dos sujeitos.
A análise do discurso, nesse sentido, pensará essas ideologias presentes, levando em conta que viver em sociedade exige a produção de muitos discursos (SILVA, 2012: 101). Analisar esses discursos que não são produzidos sozinhos e tampouco representam uma visão isolada, constitui uma metodologia que tem como objetivo explicar como o discurso funciona historicamente e como transmite sua ideologia (SILVA, 2012: 102). Segundo Rago, 1999, não é possível falar de totalidade histórica e de objetividade ou realidade. Para a autora, o historiador trabalha com produções de discursos o tempo inteiro, interpretando-os. O historiador precisa analisar e interpretar com máscaras sobre máscaras (RAGO, 1999: 79).

Para a análise do Discurso, o importante não é saber o que um texto quer dizer, mas como ele diz o que diz, ou seja, como os elementos linguísticos, históricos e sociais que o compõe fazem sentido juntos. Esse questioidnto vem do fato de que a língua não é autônoma, e tanto ela quanto os indivíduos são muito afetados pelas condições sociais e pelo imaginário que os cerca. (SILVA, 2012: 102)

A análise do discurso presente no Jornal Campinas, será uma metodologia para além daquilo que está posto nas linhas informativas do jornal. A análise é uma interpretação acima de tudo, histórica, uma análise nas entrelinhas, nos sentidos, nas subjetividades e sensibilidades. É uma interpretação além do dito, que interpreta como na história nacional foram criados os símbolos, os discursos, um passado comum, um sentimento comum entre os brasileiros que fora representado no Jornal Campinas.
Para tal empreitada, a análise do discurso se deu como um método na pesquisa que contribuiu para interpretar as construções narrativas e símbolos que produziram os significados presentes nas relações sociais, associando a compreensão do imaginário como peça importante nesse processo. Um dos principais componentes do discurso, como fala ou narrativa, são os significados históricos presentes no imaginário de quem o elabora e nesse sentido os jornais, representavam aspectos e particularidades de condições sociais vigentes no período (SILVA, 2012: 101). Assim, o princípio fundamental da análise do discurso é a interpretação que vai além do texto, sendo uma interpretação que objetiva compreender como os argumentos, e nesse caso, no Campinas, influenciaram a sociedade de uma época, impondo verdades predeterminadas (SILVA, 2012: 102). Diante da tentativa de imposição de discursos normativos, cabe à história demonstrar que esses discursos foram construídos sob condições que precisam a partir da análise, serem historicizadas.

2. A INFLUÊNCIA DA NARRATIVA HISTÓRICA E AS POSSIBILIDADES DE PASSADO.

Pensar qual ou quais as importâncias da narrativa histórica é de suma necessidade para se analisar os discursos e como estes são produzidos e disseminados nos meios jornalísticos. Essas fontes documentais fornecem informações que possibilitam complementar a reconstrução histórica (NICOLETE; ALMEIDA, 2017: 207) interpretando e reflexionando sobre seus contextos de formação, conflitos, interesses e disputas, que contribuíram na disseminação de ideias, valores, referências, memórias, ideologias, modos de pensar e agir (LEITE, 2015: 05).
Refletindo sobre o processo no pós-independência, o Brasil enquanto país independente e recém-constituído como tal, precisava de alguma maneira unir-se enquanto sua denominação de país e criar uma identidade própria 1. O território é vasto, o que, em primeiro momento, acabava não unindo os brasileiros por nenhum, ou quase nenhum sentimento comum. Os brasileiros não tinham empatia pelo outro que não conhecia, mesmo pertencendo à mesma nação. As regionalidades prevaleciam e o sentimento de patriotismo e de unidade no pós-independência não eram, de nenhuma forma, algo sentido pelo povo que estava espalhado por milhares de quilômetros, vivendo em diferentes condições.
A história, e nesse caso, a história nacional, representou um papel fundamental na construção do sentimento de patriotismo e no processo de nacionalização. A nacionalização sempre como um processo constituído na diferença, em se opor aos outros países, se contrapondo com o outro2 . A história brasileira vai unificar os estados, criando as possibilidades de passado para o Brasil.
Nessa historiografia, seria preciso reconhecer as particularidades dos brasileiros que os diferenciava de outros pertencentes a outras nações. Seria preciso, por exemplo, unir o catarinense a um amazonense ou a um paulista de igual forma, respeitando as regionalidades, mas buscando algo que não os diferenciasse, e nesse caso, seria a história nacional. Todos, em diferentes pontos do vasto território brasileiro teriam um passado comum a partir de uma história singular.
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) representou uma legitimidade no encaminhamento que definiu essa nacionalidade brasileira. Uma produção historiográfica capaz de contribuir para o desenho dos contornos que se quer definir para a nação brasileira. (GUIMARÃES, 1988: 07). Nessa perspectiva, a independência do Brasil viabilizava a fundação dessas narrativas do brasileiro patriota, nacionalista e, portanto, o país com certa individualidade, marcado de sinais específicos e particulares, historicamente datáveis (GUIMARÃES, 1988: 09). Assim, nessa significação, o processo de independência e suas amplas dimensões, a propriedade da historiografia e seu caráter fundamental que é a sua própria historicidade (MALERBA, 2005: 101) transfigura-se em um fato datado, trazendo à luz uma sociedade que se reconheça e se glorifique com o seu decurso.
Essa sociedade precisava se identificar com a centralização de uma cultura específica do brasileiro, se reconhecer na língua oficial, na homogeneidade, entendendo como natural esse processo união e território, Estado e nação.
O passado da independência é comum a todos desde as aprendizagens das disciplinas escolares. Os livros didáticos, em grande proporção, ilustram “O Grito do Ipiranga” em qualquer escola do Brasil. Os heróis nacionais amparam essa construção da identidade nacional. Tiradentes marca a historiografia brasileira da Independência do Brasil como um símbolo, presente no imaginário coletivo que é aceito por todos. A história tem um sentido teleológico nessa percepção e os heróis nacionais constituem exemplos às gerações vindouras (GUIMARÃES, 1988: 15). Partilhando essa concepção, o historiador daria a condução dos rumos deste fim último da história (GUIMARÃES, 1988: 15).

3. O JORNAL CAMPINAS DE 1936 E AS REPRESENTAÇÕES DE PATRIOTISMO PRESENTES NOS DISCURSOS.

A análise desses discursos e representações, assim como as tentativas de homogeneização de um caráter patriota brasileiro a partir dos processos de independência do Brasil, foi analisada a partir de recortes específicos do Jornal Campinas 3.
Em diversas páginas, ao longo do ano de 1936, é possível perceber discursos que se voltavam à independência do país, reconhecendo-a como um fato histórico de suma relevância para a construção de uma Nação, sendo essa, o fruto de uma mesma sociedade que se destinava a um futuro promissor e civilizado enquanto nação.
Nesses discursos, há representações de um caminhar linear enquanto sociedade que estavam em busca de um futuro próspero, futuro esse construído pelas gentes singulares, unidas por um passado heroico, uma história nacional exemplar, marchando para a missão do novo país enquanto nação. Nesse seguimento, o Campinas, inserido no contexto de sua época, vai consolidar essa idealização de sentimentos de amor à pátria, civilidade, coragem, gratidão ao trabalho, devoção, orgulho e outras convicções cívicas que corroboravam, quase que em uma pregação, o que em grande medida, justificava o compromisso dos brasileiros com sua pátria, o dever de empatia com seus compatriotas, dando assim, seguimento a história exemplar em seu sentido teleológico. ‘
Assim, se destaca esse recorte no qual se caracterizava as qualidades primordiais e os diferenciais do que seria um “verdadeiro patriota” para aquela sociedade:

O VERDADEIRO PATRIOTISMO: Não é patriota quem alardeia patriotismo. Patriota não é só esse amor da pátria que todos dizem sentir. Patriotismo é, antes de mais nada, um sentimento muito nobre e que poucos corações sentem-se por ele docemente impulsionados. (...) Patriota é o militar, que sein se mostrar cruel para o inimigo, não mede a extensão do sacrifício na defesa da causa que defende, ablegando para bem longe a idéa de vingança e não se esquecendo dos sãos princípios evangélicos. Patriota é o político que não abriga em seu coração rancor contra o inimigo, antes faz-lhe todo o bem possível e perdoa as ofensas que por ventura há recebido de adversários cegos pela paixão partidária. Patriota é o funcionário que sabe cumprir seus deveres com honestidade e probidade. O homem de conduta irrepreensível é verdadeiro patriota. No amor a pátria manifestamos amor aos nossos compatriotas, guardamos os princípios divinos baseados nos preceitos evangélicos que nos manda amar até o próprio inimigo. Procedendo de acordo com esses preceitos revelamo-nos verdadeiros patriotas. Procedendo de modo contrário seremos patrioteiros ou impatriotas. [sic] (CAMPINAS, 14/06/1936)

Analisando essa publicação do Campinas, intitulada “O Verdadeiro Patriotismo”, é possível constatar como se construía a imagem do brasileiro ideal para a nação naquele contexto. O discurso se assimila com um guia de como esse verdadeiro patriota deveria agir, sentir e pensar, construindo no imaginário coletivo esse estereótipo que precisava ser seguido. O patriotismo aqui retratado se mostrava como um sentimento nobre, que se assemelha às honrarias militares, que são aqueles homens que se sacrificam em prol da nação, da maioria. O bom patriota também seria aquele que trabalhava incansavelmente, cumprindo deveres, pois o trabalho e a negação do ócio estavam diretamente associados à construção e ao progresso da nação.
É concebível ponderar que esse discurso estava baseado em fundamentos religiosos cristãos e admissível dizer, em um tom bastante moralizador. Segundo o jornal que estava inserido em seu contexto, o verdadeiro patriota amava a todos os seus compatriotas, até mesmo os inimigos, se sacrificando se necessário. No entanto, amor ao próximo aqui colocado e amor a todos sem distinção não são sinônimos. Amar até o próprio inimigo não se estende aos demais países vizinhos. O discurso bíblico aqui tem limite territorial. Em outro ponto, é primordial refletir se tamanha solidariedade estaria incluindo de fato, todos os considerados brasileiros ou apenas grupos específicos. Estariam abrangidos as mulheres, os indígenas, os negros, os considerados desviantes e toda a população que estava às margens? Certamente que não. Os ideais nacionalistas, desde os processos da independência que lutavam por liberdade e igualdade, sempre estabeleceram limites que determinavam a quem se destinavam esses direitos. Em um modelo de unir o velho ao novo, não sendo um novo discurso, o discurso sempre esteve ali, em sua complexidade de interesses.
No processo de luta pela independência do Brasil, os líderes revolucionários eram, com poucas exceções, elitistas e racistas (COSTA, 2015: 14), o que concebe a reflexão de que o próprio sistema escravista, não estava em pauta nesse contexto de luta pela independência e liberdade.
Afastando-se do perigo de cair em anacronismos, é preciso “descascar” a história que construiu e forjou a nacionalidade para refletir sobre o quanto há de postura a-histórica nas permanências do discurso.
Esse modelo discursivo é também encontrado nas páginas do Campinas no mês de setembro em alusão a data comemorativa da independência do Brasil:

A NOSSA INDEPENDÊNCIA: A nossa emancipação política não foi obra de um só momento nem de um só homem. É ela atribuída ás instigações de José Bonifácio, eficazmente exercida no espírito de D. Pedro I que vibrou o ressoante grito que ecoou em todo o Brasil: <Independência ou morte> em uma das margens do Ipiranga. Muito antes de ecoar esse vibrante de coxilha em coxilha, já eminentes patriotas coloboravam de modo direto ou indireto na ingente obra da nossa emancipação política. O desenvolvimento do espírito de nacionalidade que preparou o movimento libertador fazendo a nossa inteira autonomia como nação soberana, havia, já muito tempo, surgido entre patriotas destemidos. (...) Foi o edificante exemplo do imortal Tiradentes que despertou a conciencia brasileira, apontando-lhe o caminho da liberdade. Gloria aos patriotas, que sacudindo o jugo que nos escravizavam, souberam embora com sacrificou da própria vida, fazer do Brasil uma nação livre e soberana. [sic] (CAMPINAS, 06/09/1936)

Nesse segundo recorte, é destacado um fato histórico e bastante demarcado na historiografia tradicional que seria “O grito do Ipiranga”, constantemente propagado no imaginário comum como fato isolado e responsável pelo rompimento de colônia e metrópole.
D. Pedro, considerado personagem fundamental desse fato histórico, é retratado também como um herói, sendo atribuído esse momento às suas instigações eficazmente exercidas. O autor dessa publicação não deixa de dar visibilidade aos que participaram nos movimentos que antecederam o sete de setembro, atribuindo essa vitória da nação ao espírito de nacionalidade, pontuando os patriotas destemidos e o espírito de liberdade que deu autonomia a essa nação soberana que seria o Brasil.
No entanto, reflexionando sobre essas possíveis características ilustres que se davam aos participantes da independência e a todo esse espírito de liberdade, é plausível assegurar como esse discurso invisibiliza o quanto esse espírito libertador e igualitário, era, com efeito, excludente e hierárquico.  A independência se tornou um símbolo de luta pela liberdade, todavia, continuou-se a escravidão no pós-independência. As lutas, sem dúvidas, não tinham os mesmos objetivos, tampouco as mesmas urgências. Aqueles que lutavam pela emancipação, não lutavam pela soberania de todos.  A própria liberdade, nessa significação, tinha em si seus escolhidos e merecedores.
Assim coloca a autora:

Quando lutavam por liberdade e igualdade, estavam na realidade lutando para acabar com monopólios e privilégios que beneficiavam a metrópole e liberar-se das restrições comerciais que obrigavam os brasileiros a comprar e vender produtos por intermédio de Portugal (...) As oligarquias, contudo, não estavam dispostas a abandonar seu tradicional controle sobre terras e mão de obra. (COSTA, 2015: 13)

Nessa perspectiva, os interesses prevaleciam. A autonomia não era para todos. A nação soberana encobria as demarcações de direitos entre os sujeitos que podiam ou não usufruir desse sentimento emancipatório.
Ainda nesse último recorte do jornal Campinas, a imagem do herói nacional aparecia de maneira incisiva. Os heróis nacionais são exemplos a serem seguidos, pois como bons patriotas, sacrificaram suas vidas em benefício da nação. Esses sujeitos audaciosos e destemidos são cristalizados no tempo tornando-se símbolos, acolhidos por todos e interpretados sobre como deve agir o homem de boa conduta pertencente à nação brasileira.
Corroborando com essa interpretação, o Campinas escrevia sobre a nacionalidade brasileira e as características dos pertencentes à mesma:

O BRASIL E OS BRASILEIROS: Fale-se muito mal do Brasil e dos brasileiros. Entretanto, somos um país grandioso e um povo feliz que ainda não foi atingido pelos descalabros da crise mundial. O Brasil é um paraíso do Universo e os brasileiros gente civilizada e progressista, os primeiros que marcham na vanguarda dos povos da geração atual. Nenhum outro país leva a deanteira do nosso, nenhum outro povo conquistou ainda uma coroa de tantos louros como o nosso. No brasil há calma todos trabalham pelo bem comum, não há essa praga de comunistas, ninguém se preocupa com revoluções e guerras. A bandeira da paz é hasteada em todos os arraias, a grandeza da Patria é carinhosamente encarada por todos os brasileiros que vivem unidos pelo amor a esta grande Nacionalidade. (...) Os brasileiros são hospitaleiros, cavalheiros, amigos de todo o mundo, prestimosos (...). [sic] (CAMPINAS, 18/10/1936)

O autor do recorte em seu contexto defendeu, dentro do seu contexto, que o Brasil seria um país grandioso e que seu povo seria feliz. A postura desprendida de historicidade encaixava o brasileiro em um perfil comportamental, se desprendendo de qualquer possibilidade de se levar em conta as individualidades e a formação de personalidades completamente heterogêneas que nada tem a ver com limites territoriais ou de pertencimento. Desse modo, não é humaidnte e historicamente possível á existência de perfis semelhantes, apenas devido ao território em que se nasce ou se vive, que tenham aspirações, desejos e sentimentos iguais ou ainda que tenham um mesmo caráter hospitaleiro, cavalheiro e que todos sejam e se sintam amigos de todo mundo.
Nesse cotidiano retratado, o brasileiro seria também progressista, civilizado, tornando o Brasil um paraíso. Todos trabalham pelo bem comum e segundo o autor, não havia aqui também comunistas. Essa última colocação descortina ainda mais sobre como toda produção diz muito sobre sua época. Com a mídia impressa não seria diferente. As publicações do Campinas remetiam ao seu próprio tempo e precisam ser analisadas nesse sentido, não descolado da década de 30.
Nessa publicação, fora traçado também atribuições naturalizadas ao brasileiro. Ele teria maior capacidade intelectual e braçal. O discurso do brasileiro homogêneo é aquele que não muda e está estático, não é histórico. Quando se delineia que esse perfil não é revolucionário e nem se preocupa com guerras, se contradiz no próprio discurso, denegando as concepções políticas dos sujeitos e a própria participação política popular e revolucionária no complexo processo de independência do país. Como coloca Costa (1982), todo o processo da Independência foi bastante conflituoso, com insistentes tensões e descontentamentos, criando na colônia um ambiente hostil à metrópole e receptivo à pregação revolucionária (COSTA, 1982: 72).
“A união pelo amor”, “a bandeira da paz” e o “bem comum” são desmedidamente questionáveis pela sua total falta de historicidade. A construção discursiva nega os múltiplos perfis e personalidades que não estão limitados à um estereótipo que encobre e torna invisível as dimensões de personalidades dos sujeitos, em seu caráter também violento, como foi no processo da independência.
Assim sendo, concerne a análise, refletir sobre o quanto esse bem comum não se estendia a toda a população, não se desdobrava aos sujeitos excluídos dos papéis sociais ou que estavam às margens dos direitos. O Brasil e os brasileiros se construíram, em grande medida, em cima de muita violência contra muitos sujeitos. Como exemplo, se destaca a violência contra os povos indígenas e contra as populações negras que foram escravizadas em grande parte da história do país.
A escravidão no Brasil marcou de modo extremamente negativo as memórias, o que se torna uma forte evidência que atribuir características generalizantes e imutáveis aos sujeitos, é um equívoco desmedido, que nega a história, rejeitando um passado manchado de sangue, não deixando de atribuir as violências também no presente e no contexto de 1936. Nessa perspectiva, o discurso do brasileiro homogêneo e do bom brasileiro, é artificial, forjado, um olhar estereotipado.
Ainda fazendo alusão a data comemorativa da independência do Brasil, o Campinas anunciava em suas páginas no mês de setembro:

A PATRIA
Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste!
Criança!  Não verás nenhum país como este!
Olha que céu! Que mar! Que rios! Que floresta!
A natureza aqui, perpetuamente em festa.
É um seio de mão a transbordar carinhos.
Vê que vida no chão! Vê que vida há nos ninhos.
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! Jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha
Quem com o seu suor a fecunda e humidece,
Ve pago o seu esforço e é feliz, enriquece!
Criança! Não veras nenhum país como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste. [sic]
(CAMPINAS, 06/09/1936)

O poema foi escrito por Olavo Bilac, segundo o Campinas, o mesmo teria nascido em 1865, foi jornalista, poeta e membro da Academia de Letras. A aposta em publicar o poema no jornal foi justificada logo abaixo, dizendo que uma “ilustre professora” de uma cidade do interior do Rio de Janeiro teria lido essa “bela poesia” para seus alunos no dia 7 de setembro de 1921.
Bilac – acrescentamos nós por nossa vez – foi também um grande patriota trabalhando eficazmente para levantar o civismo no Brasil. A sua inteligente propaganda devemos o entusiasmo com que a mocidade se dedica à obra do engrandecimento da Patria. [sic] (CAMPINAS, 06/09/1936)
A escolha do poema para relembrar o 7 de setembro, certamente demonstra mais uma vez um contorno do brasileiro ideal. Segundo o jornal, o próprio poeta era considerado patriota e trabalhava para levantar o civismo no Brasil. Além disso, essa seria uma obra de engrandecimento da pátria.
Seguramente é possível analisar que permeia no poema, um discurso bastante voltado à natureza não humana para afirmar o quanto os brasileiros seriam privilegiados, uma vez que, em seu país há variedade de fauna e flora, devendo os mesmos se orgulhar. Há uma comparação também com o outro, pois não haveria nenhum outro país que se comparasse ao Brasil em suas peculiaridades e qualidades.
Nessa significação, segundo a publicação, em um país com tantos atributos, seria impossível não ser feliz. Há também um discurso muito voltado a capacidade de trabalho dos sujeitos. Nas entrelinhas, aquele que não trabalha e não é feliz, é responsabilizado por isso, posto que, a terra, aquilo que seria natural, nunca teria negado nada a quem trabalha. Assim, o discurso é também pautado em meritocracias. Com o “suor” é possível enriquecer, basta aproveitar o que a natureza e as condições favoráveis já estão dando. “Imita na grandeza a terra em que nasceste”, reforça ainda, o caráter estonteante das terras brasileiras, sancionando como o brasileiro patriota deveria ser e honrar tanta sorte em ter nascido aqui.
Nesse discurso, essa grandeza da terra se convertia ao brasileiro em patriotismo, trabalho, ordem e civismo. Atribuir a característica de ilustre à professora que trabalhou esse poema em sala de aula com seus alunos, também remete ao que esses alunos deveriam estar aprendendo, que seria tudo o que engrandecesse o patriotismo e os sentimentos cívicos, traçando também uma concepção bastante específica e limitada de ensino e educação nos espaços das salas de aula.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mídia impressa, os jornais e essas publicações significam para a história nacional, uma possibilidade bastante rica de fonte historiográfica, que serve de análise aos/as historiadores/as para repensar os discursos construídos sobre o Brasil a partir da independência, onde inúmeros discursos precisaram dar sentido à criação dessa nação, construindo sentimentos de pertencimento e de coletividade em um território recém-emancipado. Torna-se importante analisar como a historiografia contribuiu nesse processo de construção da identidade nacional e do brasileiro enquanto sujeito pertencente a essa nação.
O que esta história pretende registrar e memorizar é uma dada imagem da Nação brasileira em todos os seus contornos (GUIMARÃES, 1988: 20). A nacionalidade foi arquitetada sob olhares específicos, usando fontes inerentes com interpretações que dessem conta de construir no imaginário coletivo e nacional, um reconhecimento.
Desses apontamentos, a invisibilidade de inúmeros grupos e, sobretudo as justificativas que levaram a uma civilização, como extermínios, violências e inúmeras formas de opressão recaem como necessárias em uma história nacional que exterioriza de onde viemos e o que foi preciso fazer para chegar ao ápice da civilização atual.
As permanências desses discursos são inegáveis na atual historiografia, principalmente nos materiais didáticos que chegam as escolas. É imprescindível problematizar espaços e discursos, dando historicidade a tudo que seja passível de análise histórica. No caso desse estudo, percebendo o papel da mídia impressa como construtora de narrativas legitimadoras das aspirações para o civismo, o nacionalismo e o patriotismo. Nessa tentativa de homogeneidade do brasileiro, se analisa as instâncias que produziram o discurso, desnaturalizando esse processo.

FONTE CONSULTADA

O Verdadeiro Patriotismo. Campinas, Araranguá, 14 jun. 1936.

A Nossa Independência. Campinas, Araranguá, 06 set. 1936.

O Brasil e os Brasileiros. Campinas, Araranguá, 18 out. 1936.

Y. A Patria. Campinas, Araranguá, 06 set. 1936.

REFERÊNCIAS

BURKE, Peter. A nova história, seu passado e seu futuro. In: Peter Burke (org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp,  p. 63-95, 1992.

COSTA, Emília Viotti da. A Política e a Sociedade na Independência do Brasil. IN__Brasil: história, textos e contextos. 1ªed. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In. Brasil em perspectiva. São Paula: Difel, 1982.

GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. “Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional”. In. Estudos Históricos, n. 1, 1988, pp. 5-27.

LEITE, Carlos Henrique Ferreira. Teoria, metodologia e possibilidades: os jornais como fonte e objeto de pesquisa histórica. In. Escritas. V..7. n.1.,. p.3-17, 2015.

MALERBA, Jurandir. As Independências do Brasil: ponderações teóricas em perspectiva historiográfica. São Paulo. 2005.

NICOLETE, J. N.; ALMEIDA, J.S.de. Professoras e rainhas do lar: o protagonismo feminino na imprensa periódica (1902 – 1940). In Educar em Revista. Curitiba, Brasil. v.33. especial 2, p. 203-220,  2017.

RAGO, Margareth. A Nova Historiografia brasileira. In. Revista Anos 90. Porto Alegre: UFRGS. 1999. p. 73-96.

SILVA, Kalina Vanderlei Dicionário de conceitos históricos / Kalina Vanderlei Silva, Maciel Henrique Silva. – 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2006.

*Graduada em História pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero
1 A identidade é sempre construída na diferença com o outro. No processo de criar o brasileiro, cria-se também aquilo que o brasileiro não é. No caso da América Latina, o discurso de identidade diferencia o brasileiro do argentino, do uruguaio, do colombiano ou do paraguaio por exemplo. Os países estão unidos por territórios e é necessário algo que não os seja comum. A história é peça fundamental, diferenciando os passados nacionais de cada país, construindo identidades.
2 Nesse sentido, se diferenciar do outro, implica afirmar que o outro é sempre o pior. O discurso sobre esse outro, é sempre depreciativo. A imagem construída é também excludente. O outro não deve ser comparado e por isso cria-se o discurso construído na diferença.
3 O Campinas foi um material midiático impresso que circulava em Araranguá em meados do século XX. Os recortes são do ano de 1936, de janeiro a dezembro. O jornal era de propriedade e direção de Durval Matos. Tais recortes foram pesquisados no Arquivo Histórico de Araranguá. A linguagem e a escrita dos recortes não sofreram alterações, sendo transcritas exatamente como estavam publicadas nos jornais.

Recibido: 12/02/2019 Aceptado: 20/02/2019 Publicado: Febrero de 2019


Nota Importante a Leer:
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.

URL: https://www.eumed.net/rev/caribe/index.html
Sitio editado y mantenido por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.
Dirección de contacto lisette@eumed.net