Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


LEITURA: FONTE DE INTERAÇÃO ENTRE SUJEITOS E CONSTRUÇÃO SOCIAL

Autores e infomación del artículo

Maria Elena Pires Santos *

Elisângela Nunes dos Santos Peletti **

UNIOESTE, Brasil

mel.pires@hotmail.com


Resumen: El presente artículo relata la ejecución de un proyecto de lectura fruición del texto, desarrollado en una clase de noveno año de la enseñanza fundamental de la red pública estatal. El tema abordado fue el preconcepto racial silencioso en Brasil. El trabajo se hizo necesario a partir de la percepción, en el discurso de los alumnos, de que en Brasil no hay más discriminación o segregación racial. En cuanto a la importancia de la planificación para el desarrollo de actividades pedagógicas exitosas, inicialmente el tema fue abordado y discutido a partir de opiniones divulgadas en videos seleccionados en YouTube para que posteriormente se leía el cuento "La Ciega y la Negra - una Fábula", de la autora Miriam Alves. Esta planificación tuvo como finalidad que los alumnos establecieran intertextualidades entre los vídeos asistidos, sus experiencias cotidianas con el prejuicio racial y el cuento. De esta forma, ancladas en las teorías sobre lectura de Bortoni-Ricardo & Machado (2013), Geraldi (2011), Kleiman (2005), Orlandi (2000) entre otros, planificamos actividades secuenciales que preparasen la recepción del texto en un segundo momento. Muchas fueron las discusiones y actividades realizadas con la clase y el resultado final del trabajo evidenció la importancia de una planificación y de la realización de prácticas escolares ancladas en la práctica social de los alumnos.

Palabras Clave: Lectura; Prejuicio racial; Práctica social.

Abstract: This article reports the execution of a text fruition reading project, developed in a ninth-grade class of elementary school of state public network. The approached subject was the silent racial prejudice in Brazil. The work became necessary through the perception, in many speeches of the students, that there is no more any way of discrimination or racial segregation. Understanding the planning importance to the development of successful pedagogical activities, initially the subject was approached and discussed through the opinions discloses in videos selected from Youtube to, after, read the tale “A Cega e a Negra - uma Fábula”, from Miriam Alves. This planning had as purpose that students stablished intertextualities between the videos they watched, their everyday experiences, with the racial prejudice and the tale. This way, anchored in the theory about reading from Bortoni-Ricardo & Machado (2013), Geraldi (2011), Kleiman (2005), Orlandi (2000), among others, we planned sequential activities that prepared the reception of the text in a posterior moment. Many was the discussions and activities realized with the class and the final result evidenced the importance of a planning and the achievement of scholar practices anchored in students’ social practice.

Keywords: Reading; Racial prejudice; Social practice.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Maria Elena Pires Santos y Elisângela Nunes dos Santos Peletti (2019): “Leitura: fonte de interação entre sujeitos e construção social”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (febrero 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/02/leitura-interacao-sujeitos.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1902leitura-interacao-sujeitos


1 INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea, sob muitos aspectos, estabeleceu uma estreita relação com a leitura. Vivemos em ambientes permeados de material escrito. Cotidianamente, em qualquer esfera social pela qual transitamos, somos bombardeados por uma enorme gama de material escrito. São fachadas comerciais, placas de sinalizações, nomes de ruas, pichações, propagandas, panfletos, etc. Muitas vezes, nos orientamos em nosso trajeto diário, mesmo sem perceber, por meio da leitura.
Dessa forma, é importante que estejamos capacitados para entender tais sinais de comunicação, bem como outras formas de escrita de diferentes esferas sociais, pois de outra forma, poderíamos ficar à margem dos acontecimentos sociais, sofrer estigmatizações e até mesmo não alcançar os postos profissionais ou sociais almejados.
No entanto, não se pode conceber a imagem unívoca de que todos nós temos acesso global a essas formas de comunicação, especialmente no sentido de interpretação e compreensão de leituras de textos da esfera literária, pois o acesso a oportunidades de contato com a leitura varia muito de acordo com diversos fatores, inclusive de ordem econômica. Terzi (1995, p. 53) a esse respeito analisa que “numa sociedade letrada, é praticamente impossível não entrar em contato com a escrita, mas a quantidade e a qualidade desse contato dependem das condições de vida e das características da comunidade em que as pessoas vivem”.
A autora segue, em seu livro, descrevendo a rotina de uma criança oriunda de uma comunidade carente. Segundo a autora, essa criança poderá receber menos incentivo letrado por conta das dificuldades financeiras e sociais enfrentadas pela família e ter menos oportunidades de contato com o material escrito.
Assim, um sujeito que receber menos incentivo no quesito leitura e escrita, quando se envolver em atividades escolares poderá encontrar obstáculos para adaptar-se a toda essa cultura letrada e tão valorada nas instituições educacionais. Aglutinam-se ainda a esse fator aspectos culturais, qualificação profissional docente, condições de trabalho, valoração da leitura no cotidiano desses sujeitos, etc.
Se por um lado o aluno se mostra disponível para as amplas e diversificadas leituras realizadas nas redes sociais, pela familiaridade que tem com esse espaço, por outro é comum ouvir de professores a queixa de que este pouco se interessa pelas aulas quando se trata da leitura de textos literários. No entanto, o progresso das tecnologias e o acesso cada vez mais amplo a esses recursos podem ser explorados para que passem a oferecer novos campos para o desenvolvimento de competências leitoras fundamentais para os alunos.
Considerando a centralidade de práticas de leitura em que o aluno tenha um papel ativo para buscar conhecimentos e ser protagonista dessas práticas, o objetivo desse artigo é relatar uma experiência leitora realizada em sala de aula. Nas práticas planejadas, a leitura do texto literário foi precedida de atividades de discussões realizadas a partir de vídeos disponíveis no YouTube, cuja temática – preconceito racial – coincidia com aquela do texto literário a ser posteriormente lido, para que os alunos pudessem tecer intertextualidades entre o texto literário e os textos de mídias.
Para cumprir o objetivo proposto, o artigo está organizado em três seções. Na primeira, discutimos alguns conceitos sobre leitura e letramento a partir de teóricos como Bortoni-Ricardo e Machado (2013), Solé (1998), Orlandi (2000) entre outros. Em seguida, fazemos uma reflexão a respeito das práticas de leitura realizadas em sala de aula, bem como seu direcionamento de acordo com as necessidades dos alunos. Na seção seguinte, trazemos uma análise a respeito de uma intervenção didática realizada em uma turma de nono ano do ensino fundamental da rede pública. Ao final, apresentamos as reflexões sobre o resultado das atividades planejadas, que serviram como escopo para esse trabalho.

2 PRÁTICAS LETRADAS
Quando se fala em leitura, estamos falando de uma das várias linguagens humanas. Por meio desta, os sujeitos participam de atividades tanto pessoais como sociais, interagem, produzem sentidos e até mesmo se encaixam em padrões sociais preexistentes e/ou futuros.
A leitura quase sempre está atrelada à escrita, nas atividades escolares. Nesse ambiente, os estudantes precisam tanto da leitura, quanto da escrita. Elas estão atreladas quase que em tempo integral em grande parte das atividades desenvolvidas nos processos educativos. Porém, o que precisamos questionar é o quanto as atividades de leitura e escrita desenvolvidas em âmbito escolar têm feito parte de suas práticas sociais. Acreditamos que os alunos precisam ter a possibilidade de construir uma ponte entre o aprendido na escola e as ações realizadas em sua vida social por meio da linguagem.
Nesse contexto entra o conceito de Letramento, pois é certo que  as atividades escolares precisam servir como mola propulsora na vida desses alunos em todas as esferas sociais pelas quais transitam. A leitura e a escrita não podem somente compreender a decodificação de palavras; deve ir muito além para fazer parte das práticas sociais dos alunos.
A respeito do conceito de letramento, Soares (2004, p. 43), enfatiza que “letramento é usar a escrita para se orientar no mundo (o atlas), nas ruas, (os sinais de trânsito) para receber instruções (para encontrar um tesouro... para consertar um aparelho... para tomar um remédio) enfim, é usar a escrita para não ficar perdido”. Ou seja, o aluno precisa encontrar consonância de sentidos nas atividades escolares, para aliá-las às suas práticas sociais cotidianas.
Kleiman (2005), ampliando o conceito de letramento para incluir textos multissemióticos dos quais fazem parte também as imagens, a música, as cores, a língua falada, etc. chama nossa atenção para sua característica de prática situada devido ao entrosamento entre a prática social e a situação que a gerou, pois faz parte da capacidade humana contextualizar os saberes e as experiências. As atividades aqui propostas, por exemplo, buscam justamente atender a essa ampliação do conceito de letramento, ao associar o texto da esfera literária com os textos multissemióticos do YouTube e as práticas cotidianas dos alunos.
Segundo a autora, as práticas de letramento correspondem a um “conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada situação, associadas aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias para a sua realização” (KELIMAN, 2005, p. 12). Assim, se consideramos que as diferentes formas de práticas da escrita na instituição escolar também fazem parte do conjunto de práticas sociais, o termo letramento recobre o conceito de alfabetização, embora um não possa ser reduzido ao outro.
Cabe aqui, então, acrescentar uma breve explicação dos termos letramento e alfabetização conforme definidos por Marcuschi e Dionísio (2007, p. 33):
[...] usado aqui como tradução da palavra inglesa literacy, lembra, essencialmente, as habilidades de ler e escrever enquanto práticas sociais [...] Distingue-se de alfabetização, tida como processo de letramento em contextos formais de ensino, ou seja, na escola, enquanto letramento seria o aprendizado informal ou formal da leitura e escrita, sem que haja necessariamente um aprendizado institucional.
A escola, embora não seja a única agência de letramento, representa um importante espaço para esse fim. A partir da inserção das praticas de letramento nas escolas brasileiras, a responsabilidade dos educadores, bem como dos alunos, foram ampliados. Segundo Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 66):
A partir da chegada do termo “letramento” às escolas brasileiras, o ambiente escolar passou a demandar mais de seus alunos, pois já não basta a habilidade de decodificar sons. A competência de compreensão e interpretação de textos torna-se uma exigência.
Dessa forma, a compreensão e interpretação textual precisam estar ancoradas em um processo bem planejado e executado, se entendermos que ler não é apenas decodificar códigos linguísticos, ou seja, se compreendermos que ler é também construir inferências sobre o conteúdo da interação. Solé (1998, p. 27) expõe que “[...] a leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação”.
É preciso também observar que, muitas vezes, o conteúdo a ser atingido em um momento de leitura não estará na superfície textual, mas precisará ser apreendido a partir das intertextualidades possíveis, ou seja, a partir das relações com o texto lido e outros textos, com outras culturas.  Solé (1998, p. 24), a esse respeito, explica que “assim, o leitor utiliza seu conhecimento de mundo e seu conhecimento do texto para construir uma interpretação sobre ele”
Lidar com o conteúdo de um texto nem sempre é algo rápido ou fácil. Orlandi (2000, p. 11) observa que “[...] a leitura é um processo bastante complexo e que envolve muito mais do que habilidades que se desenvolvam no imediatismo da ação de ler”.
Salientamos ainda que, pelo fato de o processo de interação entre “leitor e autor via texto” (conf. KOCH; ELIAS, 2007) nem sempre ser simples, esse descompasso pode, muitas vezes, causar desconforto e afastamento da leitura por parte de alguns alunos. Encontra-se no discurso de muitos professores o depoimento de que os alunos têm muita dificuldade de perceber os sentidos entranhados nas tramas de um bom texto, ficando a leitura, muitas vezes, numa breve operação de decodificação do código escrito.
Grande número de alunos ainda diz abertamente não gostar de aulas que envolvam leitura e interpretação textual, pois têm muita dificuldade de entender os sentidos mais profundos da leitura, principalmente aqueles da esfera literária. Kleiman (2008, p. 16) aponta que:
Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque ela não faz sentido.
É incumbência do professor propiciar atividades que gradativamente auxiliem os alunos nas dificuldades de compreensão e interpretação textual. A escola, em seu cotidiano, deve buscar o aprimoramento da prática social da leitura no sentido de oportunizar o desenvolvimento de uma competência leitora mais acurada, de forma que o aluno que participa dessa atividade possa gradualmente ir aprendendo a interpretar os diversos sentidos possíveis, em sua leitura, explícita ou implicitamente, passando estas a fazer parte de sua vida.
A próxima seção trata da necessidade de planejamento das atividades de leitura para que estas possam se constituir como propulsoras do gosto pela leitura.

3 O PLANEJAMENTO DAS PRÁTICAS DE LEITURA
É fato que hoje crianças e jovens são encaminhados às escolas, para neste ambiente entrar em contato com atividades de leitura e escrita, pois esses conhecimentos pragmáticos são cultuados como indispensáveis nos tempos atuais.
Assim, nesse espaço, se encontram alunos oriundos das mais diversas formações familiares e culturais e à escola caberá o delicado papel de acolhimento e valorização destes, além de oferecer trabalhos de qualidade tendo como finalidade comum a formação de sujeitos aptos a viver, conviver, resistir e agir em uma sociedade competitiva como a nossa. Concomitante a isso, não se pode perder de vista as diferenças, pois somos todos seres individuais com nossos próprios comportamentos respondentes.
Todavia, sabemos que o resultado do processo de ensino/aprendizagem nem sempre é satisfatório, pois contamos com inúmeras pessoas que, apesar de frequentarem as instituições escolares, ainda encontram-se aquém do esperado no tocante a sua formação leitora. Esse fato preocupa os profissionais da educação, pois, afinal a escola é muitas vezes a único canal que liga esses sujeitos aos conteúdos sistematizados, com o intuito de atingir uma formação humana ampliada.
No tocante à formação leitora, Orlandi (2000) diz que o leitor passa em seu histórico de desenvolvimento por três níveis de leitura que a autora intitula de (1) O Inteligível, (2) o Interpretável e (3) o Compreensível. Esses níveis podem ser complementares ou estagnarem-se em meio ao processo. Segundo Orlandi (2000, p. 116), o nível inteligível pode ser definido como aquele “a que se atribui sentido atomizadamente (codificação). Nesse nível, o sujeito apenas se preocupa em descobrir a mensagem escrita, ficando seus sentidos em segundo plano”. O leitor não recria o que lê, não estabelecendo articulação alguma com a sua realidade: nesse caso o sujeito é passivo quanto ao que está escrito. No tocante ao nível interpretável, a autora explica que este é o nível “a que se atribui sentido levando-se em conta o contexto linguístico (coesão)”. 
Por fim, quanto ao último dos níveis aqui listados, Orlandi (2000) diz que o “nível compreensível” implica na significação de sentidos considerando esse processo de significação no contexto da prática social, colocando-se em relação enunciado/enunciação. Nesse nível, o resultado da leitura é amalgamar o conteúdo histórico e o saber daquele que leu. É a produção do saber do leitor a partir da análise da leitura realizada, e não apenas o recebimento de uma mensagem escrita. Espera-se que o sujeito aprendiz alcance em sua trajetória de leitura o nível da compreensão. Contudo, essa conquista muito depende do planejamento a que esse sujeito será exposto. Nas atividades aqui narradas, por exemplo, o planejamento antecipado das discussões realizadas a partir dos vídeos que tratam do preconceito racial para posterior leitura e apreciação do texto literário, foram propostas com a finalidade de trazer o aluno para o protagonismo de suas práticas de leitura. Nesse sentido, concordamos com Orlandi (2000, p. 117) quando a escritora afirma que:
No seu trato usual com a linguagem, o sujeito apreende o inteligível, e se constitui em intérprete. A compreensão, no entanto, supõe uma relação com a cultura, com a história, com o social e com a linguagem que é atravessada pela reflexão e pela crítica.
Quanto à escola cabe, então, a oferta de possibilidades para que o aluno alcance o nível da compreensão e passe a produzir sentidos a partir de suas leituras. Para tanto, é importante que as atividades desenvolvidas estejam relacionadas às práticas sociais dos alunos, podendo ainda abranger momentos históricos vividos pela sociedade em geral, tanto anteriores, como aquele momento do qual ele participa.
Com foco na teoria de Orlandi (2000) e pensando sobre as atividades de leitura, centro desse estudo, conclui-se que esta se tornou um desafio para os profissionais da educação, uma vez que se prima para que a leitura aconteça na vida estudantil aliada a uma prática social que possibilite ao sujeito apropriar-se do que foi exposto pelo autor do texto, bem como interagir em sua vida utilizando o que apreendeu no decorrer desse processo e ainda criar sentidos próprios, estabelecendo relações com outros textos, com sua cultura e com sua história.
Quanto a esse processo é preciso ter em mente que, muitas vezes, apenas o ato da leitura, especialmente no que tange aos leitores menos experientes, não será suficiente para garantir uma compreensão do texto. Muitas vezes torna-se necessário, como uma estratégia de leitura, a definição de tarefas pré e pós-leitura, que venham a auxiliar o leitor nessa interação e produção de sentidos. Kleiman (2008, p. 09), a esse respeito acredita que:
A compreensão, nessas etapas iniciais, não se dá necessariamente durante o ato de ler da criança, mas durante a realização da tarefa, na interação com o professor, ao propor este, atividades que criam condições para o leitor em formação retomar o texto e, na retomada, compreendê-lo.
Muitas são as possibilidades de utilização de atividades que funcionarão como uma proposta planejada e reflexiva para a leitura do texto literário, como aquelas aqui propostas. Os alunos, quando iniciarem essas atividades, devem ser estimulados a buscar uma reflexão mais abrangente sobre o tema. É importante o planejamento de atividades que estejam a serviço do desenvolvimento do aluno e não meramente para registro documental. Torna-se central pensar nas práticas de sala de aula focando o processo como um todo, sempre primando pela interação do educando com o texto lido. Esse sujeito não deve somente adquirir a novas ideias, mas aliar estas também àquelas oriundas de seus conhecimentos e produzir um saber mais bem elaborado, que lhe sirva para a própria vida.

4 O PLANEJAMENTO DA LEITURA COM FOCO NA NECESSIDADE DO ALUNO E NA MEDIAÇÃO DO PROFESSOR
No contexto escolar, espera-se que todas as disciplinas priorizem, em seus processos didáticos, as questões da leitura do texto em sala de aula. Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 64) discutem esse tema e afirmam que “[...] a escola é o espaço onde a leitura deve acontecer a todo o momento, não somente em aulas de Língua Portuguesa, mas também nas demais disciplinas. E essa leitura não pode ser realizada de qualquer forma”.
Contudo, sabemos que a incumbência quase que exclusiva ainda é atribuída à disciplina de Língua Portuguesa. Analisando as aulas de língua, é notável observar que os materiais geralmente disponíveis aos alunos, nesse momento, são leituras muitas vezes confusas, fragmentadas e quase sempre como pretexto para atividades gramaticais aplicadas após sua leitura. Quanto a esse panorama, Geraldi (2011, p. 93) pontua que;
Observando textos colocados à disposição dos estudantes por grande parte dos livros didáticos de “comunicação e expressão”, pode-se constatar que tais textos não respondem a qualquer “para quê”, consequentemente, o único motivo “para que lê-lo” que o estudante descobre de imediato é responder às questões formuladas a título de interpretação: eis a simulação de leitura.
Assim, o aluno tem acesso a momentos de leitura, porém muitas vezes desvinculados da sua realidade e dos seus interesses. O autor ainda aponta que, nesse sentido, as disciplinas como História, Geografia e etc., promovem leituras mais próximas da realidade, pois existe um motivo bem claro para que aquela atividade leitora esteja sendo realizada.
É importante que as atividades planejadas pelo professor tragam claramente seu objetivo final, ou seja, o aluno precisa reconhecer para qual caminho está sendo dirigido e o que se espera dele a partir disso.
Cabe ao professor planejar como vai realizar as atividades de leitura em sala de aula e encaminhar de acordo com a postura escolhida. Nesse sentido, Geraldi (2011) expõe quatro posturas que podem ser adotadas pelo leitor frente a uma leitura, sendo elas: a leitura – busca de informações; a leitura – estudo de texto; a leitura do texto – pretexto; a leitura – fruição do texto.
Ainda seguindo a teoria do autor, a leitura – busca de informações - compreende processos dinâmicos de extração de informações. Para tanto, é preciso que as leituras sejam encaminhadas pelos docentes com um objetivo bem claro, sendo que esse objetivo é o que pode definir a interlocução que será estabelecida nessa atividade.  Geraldi (2011, p. 93-94) diz que:
Duas formas podem orientar, em termos metodológicos, esse tipo de leitura: a busca de informações com roteiro previamente elaborado (pelo próprio leitor ou por outro) e a busca de informações sem roteiro previamente elaborado.
A diferença dessas possibilidades de leitura é que, quando há um roteiro previamente estabelecido, o leitor possui predefinições do que se pretende apreender; quando não há esse roteiro, ele deverá procurar por informações ainda não definidas.
Geraldi (2011) ainda frisa que a leitura – busca de informação - não precisa ser necessariamente praticada em veículos mais formais de leitura como jornais, artigos, materiais científicos, mas também em leituras literárias, pois leituras como essas podem fornecer informações culturais, locais ou de hábitos e costumes.
Quanto à leitura – estudo de texto - segundo o autor, corresponde às diferentes formas que a interlocução leitor/texto/autor pode ocorrer num texto. Todos esses esforços devem ir ao encontro de um bom entendimento do texto, na percepção das estratégias das escritas e na elaboração dos sentidos apreendidos pelo sujeito que se inteirou do material.
No tocante à leitura do texto como pretexto, literário ou não, o texto seria trabalhado como um pretexto para a realização de atividades escolares. Dessa forma, o educando, ao terminar sua leitura, realiza tarefas propostas a partir do texto. Muito hoje se questiona sobre essa prática em relação ao texto literário.  Sobre esta prática, Geraldi (2011, p. 97) argumenta que:
Tiradas as farpas, entre aspas, que vão mais em razão  dos efeitos do que das propostas, o que se quer salientar é que a leitura do texto como pretexto para outra atividade define a própria interlocução que se estabelece. Não vejo por que um texto não possa ser pretexto (para dramatizações, ilustrações, desenhos, produção de outros textos, etc.) Antes pelo contrário: é preciso retirar os textos dos sacrários, dessacralizando-os com nossas leituras, ainda que venham marcadas por pretextos.
Atividades realizadas a partir da leitura de textos em salas de aula podem, assim, aproximar a tríade leitor/texto/autor. O texto literário carece de circulação entre os alunos, o que deve ser pensado é a forma como as atividades que serão realizadas após essa leitura serão planejadas e encaminhadas.
Por fim, para falar da leitura de fruição, esta seria a leitura não vinculada a atividades avaliativas com propósito de preencher resultados. Segundo Geraldi (2011), essa modalidade está ligada ao prazer do texto. Em uma sociedade capitalista, como a nossa, atividades que não visam a uma cobrança de nota podem ser vistas como ineficientes nas práticas escolares. Contudo, ainda segundo Geraldi (2011, p. 98) é necessário “recuperar na escola e trazer para dentro dela o que dela se exclui por princípio – o prazer – o que me parece o ponto básico para o sucesso de qualquer esforço honesto de ‘incentivo à leitura’”.
Dessa forma, torna-se importante que o professor saiba reconhecer, aceitar e respeitar a caminhada leitora de seu aluno, sujeito do processo em questão. Ainda de acordo com Geraldi (2011, p. 109), “esse respeito se manifesta em duas direções: na seleção dos títulos adotados; na aceitação natural do fato de um aluno iniciar a leitura de um livro e abandoná-la.” Nesse momento, vale até mesmo aceitar leituras que o educando queira trazer de sua casa.
Hoje se busca encaminhar o educando de modo a atingir a compreensão da obra que esteja lendo, independente de sua complexidade. O professor precisa se reconhecer como mediador desse processo e acenar para um caminho. Segundo Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 76) “o professor deve comportar-se como um promotor de leitura [...]”.
É importante que as leituras trazidas para o contexto escolar façam sentido para o aluno. O professor precisa saber o que pretende atingir com a leitura do texto e, principalmente, desvencilhar-se dos velhos hábitos de usar textos apenas como pretextos para atividades gramaticais. Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 76) argumentam que:
A leitura deve ser um processo contínuo de formulação e verificação de hipóteses e previsões sobre o que se sucede no texto. Daí a necessidade de se estabelecer previsões antes da leitura. As previsões sobre o conteúdo do texto podem ser estabelecidas partindo-se de aspectos textuais como a superestrutura, o título, as ilustrações e também por meio das próprias experiências e conhecimentos do leitor.
Outro aspecto relevante é que a leitura precisa trazer temas que suscitem o interesse do leitor; assim, é interessante que o professor traga leituras que estejam ligadas ao universo dos alunos. Contudo, sabemos que em uma sala que recebe por volta de 35 (trinta e cinco) a 40 (quarenta) alunos é quase impossível agradar a todos com um único texto. Assim, torna-se necessário uma flexibilidade e variedade na escolha do material oferecido. E ainda precisamos atentar para o fato de que o interesse também pode ser estimulado. Segundo Solé (1998, p. 43)
[...] não devemos esquecer que o interesse também se cria, se suscita e se educa e que em diversas ocasiões ele depende do entusiasmo e da apresentação que o professor faz de uma determinada leitura e das possibilidades que seja capaz de explorar.
Podem-se apontar também as experiências leitoras que o professor tem, pois se ele é o agente norteador das atividades, espera-se que o mesmo tenha o hábito da leitura e que conheça o material que apresenta a sua turma. Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 76) apontam que “a experiência leitora do professor reflete-se diretamente no desenvolvimento do seu trabalho em sala de aula, considerando que ele tenha como finalidade a formação de novos leitores”.
A leitura planejada deve ocupar espaço central em todas as disciplinas escolares, sempre com foco na formação de leitores capazes de produzir sentidos, aliando seu conhecimento prévio ao alcançado em novas leituras. Para tanto, as atividades precisam ser programadas e embasadas em observação por parte dos docentes, pois as experiências leitoras que ocorrerem em sala de aula poderão servir de mola propulsora para uma reformulação das práticas escolares quanto ao desenvolvimento do gosto pela leitura, como mostraremos na seção seguinte, quando apresentamos o cenário de aplicação e os participantes; relatamos, também, as atividades desenvolvidas.

5 DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES
O trabalho em questão foi desenvolvido em uma escola estadual, pertencente à rede pública, localizada na periferia do município de Cascavel – Paraná. A turma pertence ao nono ano, compreendendo a faixa etária de 13 a 17 anos, sendo um total de 35 alunos - 16 meninas e 19 meninos. Todos esses alunos moram nas proximidades da escola ou bairros interligados.
Esses alunos dizem-se oriundos de famílias que basicamente trabalham com atividades de cunho manual, tendo apenas algumas famílias que realizam atividades exclusivamente intelectuais em seus postos de trabalho. Segundo os próprios alunos, não existem muitos momentos de leitura em suas casas, nem mesmo por necessidades de trabalhos e a principal fonte de lazer e informação eram a televisão e a internet.
Essa turma, de um modo geral, sempre que surgia o tema “preconceito racial”, agia com desinteresse e, muitas vezes, surgiam discursos que apregoavam o desparecimento desse sentimento em nossa sociedade. Assim, nas proximidades do dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – buscamos desenvolver, conjuntamente, um trabalho que abordasse as formas de preconceito velado e silencioso que o brasileiro afrodescendente ainda sofre em nossa sociedade.
O texto escolhido para o trabalho com os alunos foi o da autora Miriam Alves, intitulado “A cega e a negra – uma fábula”. Abrimos aqui um parêntese, para apresentar um resumo do texto. Nesse enredo, duas personagens têm suas vidas cruzadas por um incidente em uma porta giratória de um banco. Uma das personagens, Cecília, negra e pobre, sentia a discriminação diariamente em simples tarefas como entrar em um banco. A outra personagem, Flora, era uma advogada rica e deficiente visual. Naquele dia, por meio de um incidente à porta de um banco, as personagens se encontram e constroem uma forte amizade. Flora proporcionava a Cecília passagem livre nos ambientes sociais e Cecília tornou-se os olhos da amiga, dando-lhe liberdade. Uma trama de superação e vitória na qual as duas personagens veem seu mundo melhorar em função da união de forças.
Fechando o parêntese, na seção seguinte damos sequência à apresentação do planejamento e desenvolvimento das atividades.

5.1 Práticas leitoras: planejamento e desenvolvimento colaborativo

1º. Momento: Seguindo o planejamento proposto, em um primeiro momento o texto foi distribuído aos alunos para que lessem. Contudo, eles não demonstraram interesse pelo enredo e muitos alegaram que no Brasil não existe mais preconceito racial e que todos são tratados de forma igualitária em nosso país. Todavia, como sabemos, o preconceito racial existe; porém é anestesiado pela imagem de um país que respeita a diversidade, fato que muitas vezes inibe uma discussão mais profunda. De acordo com publicação da revista Galileu (CUSTÓDIO, 2015, s. p.), “o fato de o racismo velado ter força na sociedade brasileira torna difícil conseguir evidenciar alguns processos que impactam concretamente as vítimas do racismo”. 
Assim, com o intuito de instigar os alunos para a discussão do tema de forma mais abrangente e confrontando o que os alunos alegaram a respeito da não existência do preconceito, decidimos mudar a estratégia e nos utilizamos das redes sociais para buscar vídeos que tratassem da temática sobre o racismo para que eles pudessem ouvir outras opiniões e fossem tecendo intertextualidades com suas práticas cotidianas, para só depois desse trabalho planejado, reintroduzir o texto literário. Concordamos com as autoras Bortoni-Ricardo e Machado (2013) quando argumentam em favor de um planejamento para que as atividades de leitura façam sentido para os alunos.
Assim, antes da leitura do conto, os alunos assistiram a um vídeo alocado no YouTube (2016), denominado “Como você enxerga o racismo?” O vídeo traz uma entrevista na qual são apresentadas imagens de pessoas realizando determinadas atividades cotidianas. Os entrevistados estão divididos em dois grupos. O primeiro grupo analisa fotos de pessoas brancas. Quando inquiridos a respeito das possíveis ações que estariam sendo desenvolvidas pelas pessoas das fotos, eles sugeriram profissões ou atitudes socialmente bem conceituadas, como empresários, executivos, ou pessoas cuidando de suas propriedades, ou em atividades de lazer. Já no segundo grupo, os modelos eram negros, trajavam as mesmas roupas e realizavam as mesmas ações do grupo anterior, contudo as respostas dos entrevistados indicavam profissões não reconhecidas como de prestígio em nossa sociedade, ou até mesmo atitudes criminosas.
Vale aqui ressaltar o espanto da turma ao assistir ao vídeo, pois no início das discussões, a turma dizia não existir mais racismo no Brasil. A partir das discussões, aos poucos os alunos foram realizando depoimentos e histórias ouvidas e começaram a perceber que o preconceito existe em nossa sociedade, e que muitas vezes é apenas silencioso, mas extremante violento com suas vítimas.
Após a exposição do vídeo foram dispostas no quadro as seguintes questões para discussão:
- Quais os critérios usados para definir os participantes da primeira parte do vídeo?
- Quais os critérios usados para definir os participantes da segunda parte do vídeo?
Os alunos foram unânimes, durante a discussão, que o critério utilizado foi a cor da pele. Os depoimentos registrados em sala são apresentados e discutidos a seguir.

“A sociedade enxerga os negros como inferiores e educam seus filhos assim e essa educação não tem sido discutida pela escola.”

Está claro nesse depoimento que esse aluno concluiu que o silenciamento em sua formação escolar prejudica um avanço entre as relações humanas. Percebe-se também que ele sentiu a necessidade de que essas discussões sejam realizadas na escola.  Nesse sentido, Dantas, Mattos e Abreu (2012, p. 111) pontuam: “É importante frisar que não é mais possível pensar o Brasil sem uma discussão sobre a questão racial. E a escola é o espaço privilegiado para isso”. Nesse mesmo viés, Fonseca, Silva e Fernandes (2011, p. 41) afirmam que “[...] a escola é uma das instituições sociais responsáveis pela construção de representações positivas dos afro-brasileiros e por uma educação que tenha respeito à diversidade como parte de uma formação cidadã”.
Outros comentários foram sendo feitos pelos alunos, conforme registros a seguir:

 “A mídia nos faz ver os negros como inferiores.”
“Percebi que no Brasil há muito preconceito e as pessoas não se respeitam.”

No tocante a esses comentários, eles podem estar relacionados às discussões ocorridas a respeito dos papeis que são direcionados aos atores negros nas novelas ou filmes assistidos, pois foi bastante discutido o fato de esses profissionais estarem quase sempre representando profissões de baixa renda ou sem prestígio social.
Em meio a essas discussões, alguns alunos começaram a relacionar trechos do conto “A cega e a negra – uma fábula”, com o conteúdo do vídeo. Dessa forma, a preparação para o retorno ao conto foi tornando-se mais consistente, pois havia outras significações embutidas no trabalho de leitura. A esse respeito Geraldi (2011, p. 109) expõe:

A multiplicidade de leitura que um mesmo texto pode ter não nos parece resultado do próprio texto em si, produzido em condições específicas, mas sim resultado dos múltiplos sentidos que se produzem nas diferentes condições de produção de leitura.

Percebemos, nesse ponto do trabalho, que ouve um amadurecimento dos alunos no tocante ao tema e à leitura propriamente dita.
2º. Momento: Agora, os alunos assistiram a um conhecido vídeo, também disponível no YouTube (2017), a respeito da filha negra e adotiva de um casal de atores brasileiros, que mostra uma história de preconceito racial vivida por essa família. Os insultos dirigidos à filha do casal apareceram nas redes sociais e causaram repúdio nas pessoas. A discussão aumentou e foi parar em um programa da rede aberta muito assistido pela população brasileira. O mais interessante é que nenhum aluno havia assistido ou pelo menos tinha conhecimento daquele caso. Logo, percebemos que esse assunto não havia sido muito discutido no meio social desses alunos. Após o vídeo, propusemos a seguinte reflexão:
- A situação exposta pelo vídeo pode ser relacionada com fatos do seu cotidiano?
Foram anotadas as repostas a seguir:

“Sim. No Colégio os negros ficam ‘excluídos’ e no trabalho estão sempre em cargos inferiores.”
“Sim, nas novelas a maioria dos personagens negros são humilhados.”
“Sim. Na minha sala de aula não tem negros. Outro dia fui a uma empresa e não havia nenhuma secretária negra.”
“Sim. Nas faculdades percebi que há um número muito baixo de negros.”
“Sim. Em bairros muito pobres há bastante negros.”
“Sim. Em faculdades e sala de aula.”

Percebemos, por meio dos comentários, que os alunos já haviam presenciado cenas de exclusão social, contudo, esse panorama estava naturalizado em suas interpretações, fazendo parecer que tudo era normal. Essa é uma faceta do preconceito silencioso, pois segundo Fonseca, Silva e Fernandes (2011, p. 26), “O ocultamento da diversidade no Brasil produz a imagem do brasileiro cordial, que trata todos com igualdade, ignorando deliberadamente as suas nítidas e contundentes diferenças”.
As discussões se tornaram mais intensas, uma vez que os alunos já haviam ampliado seu conhecimento sobre preconceito racial e colaboravam trazendo também experiências de suas vivências e opiniões. Aos poucos fomos percebendo a indignação que eles sentiam ao debater os temas apresentados nos vídeos.
3º. Momento: Após todo o trabalho para situar o aluno no tema do texto, levando os alunos a perceberem a intertextualidade entre as atividades, distribuímos novamente o texto “A cega e negra – uma fábula”, para a realização da leitura. Desta vez, a recepção do texto foi evidentemente diferente por parte dos alunos. Houve um longo silêncio na sala e, quando todos terminaram, começamos a conversar sobre o texto e colocamos o seguinte questionamento, no quadro negro, para discussão:
O incidente na cantina italiana, onde as amigas jantavam, esconde qual tipo de “conduta social”? Entre as respostas dos alunos estavam as seguintes:
- “Preconceito Racial.”
- “Racismo.”
- “Ignorância”
Aos poucos, fomos abrindo a discussão até chegar ao ponto chave do trabalho. Chegamos conjuntamente à conclusão de que o Brasil apresenta o preconceito racial silencioso, porém tão esmagador e castrador de respeito e oportunidades do que aquele visível. Nesse ponto da discussão, uma aluna fez a seguinte colocação:

“Professora, deve ser por causa desse preconceito silencioso que eu achava que no Brasil não havia preconceito racial”

Após a finalização dessa discussão, os alunos foram divididos em 03 grupos. Todos foram encaminhados à biblioteca e tinham a seguinte incumbência: o grupo 01 deveria recortar, em jornais e revistas, publicidades com pessoas brancas; o grupo 02, com afrodescendentes e o grupo 03, com pessoas com deficiência. Pedimos que trouxessem o máximo de figuras que encontrassem.
Ao término desse trabalho, os alunos retornaram para a sala, com uma diferença gritante no número de figuras. O grupo 02, que deveria trazer publicidades com pessoas negras, não tinha nem um terço das figuras que o grupo 01 havia encontrado, ou seja, aquelas com pessoas brancas. Quando questionados, os alunos responderam que não haviam encontrado muitas propagandas encenadas por profissionais negros. Quanto ao grupo 03, referente a pessoas com deficiência, não havia figuras.
Nesse ponto, os alunos, por meio das reflexões realizadas, emitiram opiniões a respeito do preconceito e da segregação social vividos por vários grupos sociais. Alguns comentaram ainda sobre a dificuldade de acesso de pessoas com necessidades especiais em locais de convivência e interação.
As discussões após as atividades foram relevantes para o objetivo desse trabalho, pois concordamos com Bortoni-Ricardo e Machado (2013, p. 78) quando afirmam que “o momento pós-leitura, em que se conversa sobre o que se leu, é muito importante e deve sempre acontecer, independentemente de sua maneira de manifestação”.
Ao final das atividades planejadas foi interessante perceber que, se inicialmente os alunos diziam não existir racismo no Brasil e que todos viviam harmoniosamente, com as discussões em sala e o surgimento de fatos vivenciados por eles, além dos depoimentos de suas vivências, aos poucos começaram a perceber a presença forte do preconceito racial em nosso meio e começaram a estabelecer relações entre essa temática e o texto lido.
Porém, observamos que muitos alunos pareciam ainda não entender exatamente a semelhança dos papeis das duas personagens, vendo apenas Cecília como a única a sofrer preconceito, exclusão e discriminação social por ser negra. O grande foco do entendimento dos alunos estava mesmo no papel da personagem Cecília. Quanto à Flora, eles não mencionaram nenhum fator de preconceito em relação a sua condição de cega na narrativa. Os alunos percebiam a personagem cega como alguém protegida socialmente pela sua condição financeira. A esse respeito, discutimos sobre as condições que a cidade ou mesmo aquele espaço escolar oferecia para receber uma pessoa com deficiência visual. Os estudantes chegaram à conclusão que sujeitos com alguma deficiência podem sofrer exclusão social mesmo tendo condições financeiras favoráveis.
Ao final das discussões, percebemos um olhar mais respeitoso quanto às diferenças entre os indivíduos e, principalmente, um olhar mais cuidadoso em nosso cotidiano escolar, entendendo que as diferenças também estão lá no meio social pertencente àquele colégio. Os alunos perceberam que ignorar uma situação é muito perto de estigmatizar e que é percebendo, refletindo e discutindo sobre todo o contexto do qual fazem parte, que as mudanças podem acontecer.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de relatar uma experiência leitora realizada em sala de aula, as atividades aqui relatadas foram planejadas e desenvolvidas com a finalidade de abordar o preconceito racial, tema de extrema importância no cotidiano escolar e extraescolar, a partir de práticas que pudessem provocar um posicionamento crítico dos alunos nesse processo.
Acreditamos que as atividades propiciaram a todos uma tomada de reflexão a respeito de uma situação social que os alunos compreendiam como algo já superado socialmente, ou seja, o silenciamento que se percebe quanto ao preconceito racial.
Quanto às práticas letradas, percebemos que mais da metade dos alunos conseguiu transitar entre a interpretação e compreensão do texto, posicionando-se de acordo com os sentidos construídos na interrelação entre as discussões suscitadas a partir dos vídeos, da leitura do texto da esfera literária, das discussões e relatos de vivências referentes à temática e da atividade de colagem que, em seu conjunto, buscou propiciar uma atividade de leitura significativa que, realizada no cenário escolar, propiciou uma aproximação com as práticas socais dos alunos.
No decorrer das atividades percebemos uma marcante mudança na postura e discurso dos alunos quanto ao preconceito racial e também quanto às práticas de leitura. Pode-se dizer que todos os alunos que diziam não perceber o preconceito social, perceberam outra realidade que cerca nossa sociedade.
Após a realização desse trabalho, podemos afirmar que a percepção dessas mudanças nos faz compreender, como professoras, a importância da escola na educação do entorno, pois estes alunos, fora dos muros da escola, certamente estarão mais comprometidos com o Outro e, consequentemente, com a responsabilidade social.

7 REFERÊNCIAS
BORTONI-RICARDO, Stella Maris; MACHADO, Veruska Ribeiro. Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013.

CUSTÓDIO, Túlio. Você é racista - só não sabe disso ainda. Revista Galileu. Out. 2015. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/10/voce-e-racista-so-nao-sabe-disso-ainda.html>. Acesso em: 03 out. de 2018.

DANTAS, Carolina Vianna; MATTOS, Hebe; ABREU, Martha. O negro no Brasil: trajetórias e lutas em dez aulas de história. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

FONSECA, Marcus Vinicius; SILVA, Carolina Mostaro Neves da; FERNANDES, Alexsandra Borges. (Org.). Relações étnico-raciais e educação no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.

GERALDI, João Wanderley, (Org.). O texto na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Ática, 2011.

KLEIMAN, Angela Bustamonte. Oficina de leitura: teoria e prática. 12. ed. Campinas, SP: Pontes, 2008.

KLEIMAN, Angela Bustamonte. Preciso ensinar letramento? Não basta saber ler e escrever? Campinas: Cefiel/MEC, 2005.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.

MARCUSCHI, Luiz Antônio; DIONÍSIO, Ângela Paiva. Fala e escrita. 1. ed. 1. reimp.  Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. 5. ed. Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2000.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

TERZI, Sylvia Bueno. A construção da leitura: uma experiência com crianças de meios iletrados. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.

YOUTUBE. Como você enxerga o racismo? Veja a campanha “Teste de imagem” no #ProgramaDiferente. 19 nov. 2016. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=5F_atkP3pqs>. Acesso em: 01 out. 2017.

_______. Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank choram ao falarem sobre racismo com a filha Titi – Fantástico. 3 ez. 2017. Disponível em:  <https://www.youtube.com/watch?v=uDhX0fD0vhU>. Acesso em: 04 dez. 2017.

*Professora da UNIOESTE, dos Cursos de Letras Português/Espanhol e Letras Português/Inglês, do PROFLETRAS, do Mestrado/Doutorado em Letras e do Mestrado/Doutorado em Sociedade, Cultura e Fronteiras. E: MAIL:mel.pires@hotmail.com
** Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS, na UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Cascavel. Professora do ensino fundamental e médio da rede pública do Estado do Paraná. EMAIL: elisangelanunespeletti@hotmail.com

Recibido: 12/02/2019 Aceptado: 20/02/2019 Publicado: Febrero de 2019


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