Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


AS IMPLICAÇÕES DA VISIBILIDADE DO MOVIMENTO HOMOSSEXUAL BRASILEIRO. AÇÕES E REAÇÕES

Autores e infomación del artículo

Givaldo Moisés de Oliveira*

Luciano Marcos dos Santos**

Nelson Figueira Sobrinho***

Instituto Federal do Paraná, Brasil

givaldo.oliveira@ifpr.edu.br


RESUMO: O movimento homossexual brasileiro passou por várias fases até a sua consolidação. Este artigo traça um breve panorama de como os homossexuais brasileiros se organizaram e se visibilizaram em prol da luta por seus direitos. O período estudado compreende desde a década de 60 aos dias atuais, apresentando seus enfrentamentos diante do período da AIDS, os embates por reconhecimento por parte de setores políticos, religiosos e educacionais e a constate luta para a permanência dos direitos conquistados.

PALAVRAS-CHAVE: Movimento Homossexual, Direito, Visibilidade,Processo Histórico.

RESUMEN: El movimiento homosexual brasileño pasó por varias fases hasta su consolidación. Este artículo traza un breve panorama de cómo los homosexuales brasileños se organizaron y se hicieron visibles en favor de la lucha por sus derechos. El período estudiado comprende desde la década del 60 a los días actuales, presentando sus enfrentamientos ante el período del SIDA, los embates por reconocimiento por parte de sectores políticos, religiosos y educativos y la constate lucha por la permanencia de los derechos conquistados.
PALABRAS CLAVE: Movimiento Homosexual, Derecho, Visibilidad, Proceso Histórico.

KEY WORDS: The Brazilian homosexual movement passed by several phase until its consolidation. This article outlines a brief overview of how Brazilian homosexuals have organized themselves and become visible in the struggle for their rights. From the 60s to the present day, the period studied has been characterized by confrontations against of the AIDS period, the attacks by recognition by political, religious and educational sectors and the constant struggle for the permanence of the rights conquered.
KEY WORDS: Homosexual Movement, Rights, Visibility, Historical Process.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Givaldo Moisés de Oliveira, Luciano Marcos dos Santos y Nelson Figueira Sobrinho (2019): “As implicações da visibilidade do movimento homossexual brasileiro. Ações e reações”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (enero 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/01/movimento-homossexual-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1901movimento-homossexual-brasil


INTRODUÇÃO    
O presente artigo busca apresentar um panorama histórico do movimento LGBT brasileiro enquanto instrumento de luta política em prol do reconhecimento do homossexual como sujeito de direito.
Os anos 60 foram marcados pela instauração da ditadura militar no Brasil que, aos poucos, foi aprimorando as formas de controle e repressão dos direitos civis. No mesmo período, internacionalmente, surgiam grandes manifestações e contestações contra os valores até então estabelecidos. Entre eles, destacam-se  o movimento hippie e o movimento feminista e, de forma mais estruturadas as organizações homossexuais nos Estados Unidos e na Europa. O evento que se tornou um marco  do movimento homossexual moderno ocorreu no dia 28 de junho de1969, com o “Levante de Stonewall”, uma reação dos gays à repressão policial praticada nos “guetos” daquela cidade. O reflexo desses movimentos vão influenciar os primórdios do movimento homossexual no Brasil.
Segundo Ferreira (2003), em meio a essa conjuntura internacional, o Brasil vivia sob uma ditadura instaurada por meio do golpe militar de 1964. No entanto, no Rio de Janeiro, um grupo de homossexuais publicava o Jornal O Snob que, mesmo não sendo o primeiro, foi o mais influente e duradouro mecanismo de divulgação da subcultura homossexual deste período em nosso país1 . Todavia, mesmo com o fim do jornal O Snob, “as ideias do movimento gay internacional foram difundidas pela grande mídia nacional, o que viria visibilizar e influenciar os movimentos políticos e sociais e impulsionar a organização dos homossexuais brasileiros” (FERREIRA, 2003 p. 48-49).
No clima de efervescência dos movimentos sociais no Brasil, foi baixado pelo governo Artur da Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), causando  um recrudescimento da truculência do poder militar que comandava o país e, consequentemente, um crescente cerceamento às liberdades, aos direitos civis e políticos, não se limitando a neutralizar a oposição violenta ao governo, impuseram também pesadas regras de censura, ampliando o controle sobre a imprensa, o rádio, a televisão e as artes (GREEN,2000).
Apesar de ainda estar governado por um ditador, o país experimentava uma liberalização de costumes sem precedentes, impulsionada, principalmente, pelo “desbunde” da contracultura que havia ganhado força no final da década de 1960 (MACRAE, 1990; HEILBORN, 2004). Os efeitos das lutas civis, que geraram conquistas extraordinárias nos Estados Unidos, desde os anos sessenta, como o ato do sair do armário e assumir publicamente a identidade gay, foram decisivos. Todavia, lá, “tratava-se simplesmente de trazer à esfera pública uma verdade vivida e reconhecida na vida privada” (FERREIRA, 2003 p. 48).
O panorama nacional brasileiro, no ano de 1978, apresentava um arrefecimento da ditadura. Esse abrandamento permitiu o retorno ao Brasil de intelectuais que viveram fora do país no período do regime militar, e que tinham entrado em contato com novas tendências de manifestações populares, resultando numa vivência de um período de entusiasmo por parte dos homossexuais brasileiros.  Talvez se possa explicar esse boom pelo próprio contexto da década de 1970, em que a glorificação da marginalidade era um aspecto que atingia a cultura brasileira. O desdobramento dessas ações resultou numa crescente visibilidade das práticas homossexuais, a descoberta desse novo público pelos setores comerciais e o surgimento de uma moderna subcultura gay. Ou seja, o que estava em construção era uma alteração na relação entre homossexualidade e sociedade. Segundo Macrae (1990), a dupla alteração que motivava os grupos de militância gay eram a elaboração de “novas formas de representação do homossexual na sociedade, por meio de grupos de reflexão, e, também, difundir pelo resto da sociedade os novos valores criados” (MACRAE, 1990, p. 33-34).
Na esteira dessa maior abertura, surgem os preâmbulos do movimento homossexual no Rio de Janeiro, como o Jornal Lampião da Esquina (1978) e do grupo SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual (1979).  Contudo, cabe ressaltar que o movimento homossexual brasileiro vai sofrer uma forte influência do modelo estadunidense2 .
O Lampião da Esquina tratou de forma aberta a temática da homossexualidade em pleno período militar. Dessa forma, provocando a ala conservadora e se apresentando como porta-voz do movimento, sendo considerado por alguns pesquisadores e estudiosos como o marco zero do movimento homossexual (MACRAE, 1990; ALMEIDA NETO, 1999; GREEN, 2000; TREVISAN, 2000). O Lampião da Esquina vai iniciar um movimento que, diante das mudanças sociais, vai beneficiar a comunidade que até então não conseguia espaços para se expressar. “A consciência de que se é cidadão e de que a homossexualidade é uma identidade a ser encarada como uma alternativa legitima `a heterossexualidade” (RODRIGUES, 2007, p 75). O jornal surge com a proposta de criar “uma consciência homossexual, assumir-se e ser aceito” (RODRIGUES, 2007, p. 69). Segundo a tendência dos primeiros passos do movimento homossexual no mundo, que tinha por escopo incentivar os gays a assumirem sua identidade homossexual como um gesto político. Sair das sombras representava, naquele momento, uma rejeição à imagem depreciativa que se fazia do homossexual, insurgindo-se contra o “estigma da não reprodutividade numa sociedade petrificada na mitologia hebraico-cristã” (editorial do jornal Lampião de Esquina, apud MACRAE, 1990, p. 72). Nesse sentido, “o ato fundamental de liberação para os gays foi, e é, “aparecer’ expressar publicamente sua identidade e sexualidade para em seguida ressocializarem-se” (CASTELLS,1999,p. 249).
A irreverência do jornal ia contra às normas vigentes, uma forma de desobediência que não se limitava apenas à militância, mas também publicando roteiros de locais frequentados por gays, empregando uma linguagem até então “proibidas ao vocabulário bem-pensante, ou seja, empregava uma linguagem desmunhecada e desabusada do gueto homossexual” (TREVISAN, 2000, p. 339).
Em virtude dessa maior abertura, surgia, em São Paulo, o SOMOS, primeiro grupo organizado com vistas à reivindicação de visibilidade para o que na época era conhecido como “afirmação homossexual” (MACRAE, 1990; GREEN, 2000).
O Grupo SOMOS era constituído por intelectuais que, desapontados com a vivência do “gueto”, que subordinava os homossexuais, realizam a primeira manifestação durante um debate promovido pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de São Paulo. A importância deste debate vai marcar a crescente importância do movimento homossexual como interlocutor legítimo na discussão dos grandes assuntos nacionais 3.
A publicidade do debate reverberou positivamente para a causa homossexual. “Psiquiatras, sexólogos e acadêmicos começaram a publicar um material mais favorável sobre relações homoeróticas na imprensa e nas revistas especializadas (GREEN, 2000, p. 433)”. Porém, mesmo com a visibilidade e com o abrandamento da censura, “a repressão ainda era presente por meio de inquéritos policiais em nome da moral e dos bons costumes” (GREEN, 2000, p. 396).
Os anos 80 vão representar o momento de reorganização dos movimentos homossexuais, com o advento AIDS. Por um lado, a homossexualidade volta à cena cerceada pelo estigma da heteronormatividade, ou seja, o modelo de vivência apresentado com os papéis masculinos e femininos vão reforçar o preconceito e a exclusão em virtude da AIDS. Por outro lado, favoreceu o fortalecimento e reorganização do movimento homossexual.
Após a notificação da doença em Los Angeles e Nova Iorque, em 1981, e por sua manifestação em maior parte em homossexuais, a doença logo ficou conhecida como “câncer gay” ou simplesmente “peste gay”.  “Os setores conservadores da sociedade, aproveitando-se deste fato, passaram a considerar a doença como “vingança da natureza”, “castigo divino contra os sodomitas” (FERREIRA, 2003, p.56).
No Brasil, a reação não foi diferente, a AIDS também foi alardeada como “câncer gay”. A visibilidade da doença associada à homossexualidade gerou uma tensa reação de setores distintos: igrejas, mídia, médica, etc.4
Apesar disso, a epidemia da AIDS também trouxe à tona novas formas de organização social do movimento GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais) e uma maior visibilidade e discussão deste tema pela sociedade brasileira (PEREIRA, 2004). Cabe ressaltar que por um lado, no início dos anos 80, ocorreu uma redução dos grupos do movimento homossexual brasileiro em virtude da estigmatização advinda do surgimento da AIDS, que era considerada a peste gay, proporcionando assim uma desmobilização dos argumentos de libertação sexual e ainda, “pelo fato de muitas lideranças terem se voltado para a luta contra a AIDS, criando as primeiras respostas da sociedade civil à epidemia” (FACCHINI, 2005, p 102).
Por outro lado, a AIDS proporcionou uma visibilidade a respeito da homossexualidade como nunca havia acontecido antes. Os homossexuais haviam saído do limbo, foram revelados como parte da sociedade (TREVISAN, 2000). A produção cultural homossexual ganha visibilidade, por meio de livros e filmes e depoimentos de “sujeitos portadores do vírus ou de sintomas da doença que passaram a falar livremente de suas experiências sexuais e amorosas para o público ‘heterossexual’, sem constrangimento ou censura” (COSTA, 2002, p.167). Neste cenário, vão se destacar, alguns já em meados dos anos 70, personalidades como Ney Matogrosso, Clodovil. Nos anos 80, Roberta Close era destaque em programa de auditório e revistas. Nos programas humorísticos, mesmo que caricaturados, vão surgir o Capitão Gay, do humorista Jô Soares, e Painho, de Chico Anísio. Em um programa de auditório, o Clube do Bolinha, havia os concursos de dublagens com a presença de travestis. A exposição de soropositivos pela mídia, mostrando sua luta contra a doença, como Cazuza, ex-vocalista da banda Barão Vermelho, também promoveu a visibilidade dos homossexuais. A presença homossexual já havia se tornado uma instituição (TREVISAN, 2000). Até o fim dos anos 80, a produção cinematográfica de temática homossexual continuou carregada de estigmas, mesmo as produções que se imaginavam “quebrando tabus”5 apresentavam situações em que era impossível ser, ao mesmo tempo, homossexual e feliz.
Mesmo com dificuldades, o movimento homossexual se mobilizou em prol das políticas de assistência aos portadores do HIV e atingiu um panorama que se apresentou positivo à comunidade gay, mas a despeito dessa conquista o movimento não foi contemplado com a inclusão de um item que proibia a discriminação por orientação sexual, durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. A não inclusão foi motivada pela oposição feita pela aliança formada entre grupos protestantes e setores da Igreja Católica.
            No início da década de 1990, ocorre uma diminuição no número de homossexuais infectados com AIDS e a doença se “heterossexualizou”, atingido homens e mulheres heterossexuais, idosos e adolescentes. Em virtude da abrangência da epidemia, ocorreu a destinação de verba por parte do governo para os setores de saúde e campanhas de prevenção. Dessa forma, houve uma mudança na divulgação das campanhas, que antes usava o termo  “grupo de risco”, substituído por “comportamento de risco”. Esse contexto vai impulsionar o movimento LGBT que, na década anterior, havia vivenciado ações de preconceito e violência que causaram a desarticulação de vários grupos, restando poucos. No entanto, mesmo desarticulados e em menor número, esses grupos se organizaram para o enfrentamento da doença, proporcionando, assim, a visibilidade e o engajamento em prol das vítimas da AIDS.
A contribuição dos movimentos LGBT para a despatologização da homossexualidade foi de grande importância no Brasil, tendo como destaque o Grupo Gay da Bahia (GGB), que participou exaustivamente na campanha de exclusão da homossexualidade do rol de doenças. No Brasil, já em 1985, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já havia retirado a classificação da homossexualidade como doença. No entanto, somente em 17 de maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) a excluiu da Classificação Internacional de Doenças (CID). Na mesma esteira, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), que tem poder de vigilância ética em sua área profissional, promulgou a resolução nº 1 de 1999, “repudiando a discriminação de homossexuais, a partir de fatos denunciados pelo Grupo Gay da Bahia, sobre psicólogos que assessoravam igrejas pentecostais na ‘cura’ de homossexuais” (TREVISAN, 2000, p. 383).
Neste contexto, as Paradas Gays, como ato de visibilidade, vão se tornar sinônimo das expressões dos homossexuais. O objetivo delas é dar visibilidade aos LGBTs e fomentar a criação de políticas públicas para homossexuais. Sendo a principal estratégia “ocupar os espaços públicos para proporcionar uma troca efetiva entre todas as categorias sociais, elevar a autoestima dos homossexuais e sensibilizar a sociedade para o convívio com as diferenças” (PRATA, 2008, p.23).
Na década de 1990, ocorreu um verdadeiro “boom gay”, grande parte devido à ideologia de mercado que estava colocada, pelo crescimento e ampliação dos guetos homossexuais (boates, saunas, cinemas pornô, além de serviços especializados) ou seja, a explosão do Mercado GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes)6 .  Este movimento envolveu parte da mídia e do empresariado, que apostou na força do pink money (dinheiro rosa). No conceito de GLS, o fundamental foi a introdução da ideia de simpatizante, muito adequada ao convívio pluralista das sociedades democráticas modernas7 . Esse conceito “permitiu certa flexibilização das fronteiras e, na menor das hipóteses, uma expansão do gueto” (TREVISAN, 2000, p.376).
Com o fortalecimento, o movimento homossexual ganhou visibilidade, as ruas e a mídia 8, obtendo maior espaço e respeito mediante personagens representados na TV. Porém, ainda encontra resistência das igrejas Católica e evangélicas. Por outro lado, o movimento contou com as atitudes afirmativas de cantores renomados, como Renato Russo e Cássia Eller9 .
           Apesar de toda visibilidade, um fato começou a tomar notoriedade nos anos 90: o crescente índice de violência contra homossexuais.
Segundo Green (2000, p. 25-6):

Enquanto na década de 80 contabilizava-se a média de um assassinato de um gay, travesti ou lésbica a cada quatro dias, durante a década de 90 esta dramática violência subiu para um ‘Homocídio’ a cada três dias, em 1999 a matança de gays aumentou ainda mais: a cada dois dias um homossexual é barbaramente assassinado, vítima do ódio.

A virada do milênio trouxe com ela muitas das situações ainda vigentes, como o aumento da violência contra o homossexual, a batalha por direitos civis e as reações da igreja em relação à visibilidade do movimento. 
Em maio de 2002, foi lançada a segunda edição do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH), onde foram contempladas as medidas de proteção aos direitos humanos dos gays e lésbicas. Por outro lado, em abril de 2003, o Conselho Pontifício do Vaticano para a Família divulgou a obra Léxico de Termos Ambíguos e Coloquiais sobre a Família, Vida e Questões Éticas (Lexicon – Termini Ambigui eDiscussi su Famiglia, Vita e Questioni Etiche), onde   definia a homossexualidade como:

Conflito psicológico não resolvido que a sociedade não pode institucionalizar e acrescenta que aqueles que querem dar aos homossexuais os mesmos direitos legais na sociedade negam um problema psicológico que volta a homossexualidade contra o tecido social” (FERREIRA, 2003, p. 1).

Dessa forma, a Igreja Católica vai em desencontro com o que já havia sido conquistado pelo movimento: a resolução da Organização Mundial de Saúde que desconsiderava a homossexualidade como doença desde 1993 e, no Brasil, contra a resolução do Conselho Federal de Medicina de 1985.
Em 2004, o Governo Federal, por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), no âmbito do Programa Direitos Humanos, Direitos de todos, propõe o Programa Brasil Sem Homofobia (BSH), com o objetivo de “promover a cidadania GLBT, a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais” (CONSELHO, 2004, p. 11). No entanto, ainda encontrou dificuldades atingir níveis estaduais e municipais.
Contudo, na primeira década do século XXI, o que causou tensão entre religiosos, políticos, famílias, escolas e outros segmentos da sociedade foi a discussão sobre a União Civil entre pessoas do mesmo sexo – uma forma de garantir aos homossexuais “serem reconhecidos como parceiros e conquistarem os mesmos direitos que os heterossexuais possuem, seja no caso do falecimento de um dos cônjuges ou simplesmente a adesão a um plano de saúde” (PRATA 2008, p. 24).  Segundo este autor:

Uma vez que aos casais homossexuais eram restringidos os seguintes direitos, garantidos por lei a casais heterossexuais: usufruto dos bens do parceiro; não é permitido declarar, no imposto de renda, a dependência do parceiro; não recebem abono família; não têm direito à herança; não têm suas ações legais julgadas pela varas de famílias; não somam renda para alugar imóvel ou para obter financiamentos, dentre outros (2008, p. 25).

violência contra os LGBTs aumentou, de acordo com os dados dos relatórios do Grupo Gay da Bahia. Deve-se levar em consideração que esses dados são recolhidos mediante pesquisas do próprio grupo, pois muitos não são notificados ou muitas vezes ignorados10 .
Por outro lado, no âmbito cultural, multiplicam-se as produções de filmes, seriados, peças teatrais e programas televisivos onde a presença de homossexuais é constante e com uma nova perspectiva: a de mostrar as relações homossexuais mais próximas da realidade, ou seja, produções que mostram os conflitos e as possibilidades de ser e viver a homossexualidade.
A partir de 2011, há uma percepção do aumento entre a tensão das conquistadas mediante a visibilidade e o cerceamento advindo de diversos setores sociais.  Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar, ou seja, reconheceu o casamento entre indivíduos do mesmo sexo. Mas apesar de ser aprovado, este reconhecimento só terá peso e força de lei quando constar no Código Civil, caso contrário, a qualquer momento podem ser contestado (BRASIL, 2011). Entretanto, a aprovação gerou algumas mudanças como a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientava que cartórios de todo o País não poderão recusar a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo ou deixar de converter em casamento uniões estáveis homoafetivas (BRASIL, 2013).
Em 21 de dezembro de 2012, o papa Bento XVI fez um discurso sobre a questão da “filosofia de gênero”, alertando para o perigo que essa linha de pensamento poderia influenciar as novas gerações. O pronunciamento papal fez claramente uma crítica ao movimento Queer, que começou suas reflexões nos anos 80 e foi ganhando visibilidade e se tornando um movimento cada vez mais representativo. No entanto, o pronunciamento reverberou em vários setores da sociedade.
No Brasil, esse reflexo vai aparecer no Plano Nacional de Educação (2014), que suprimiu, em todo o texto, a flexão de gênero, adotando a forma genérica masculina. Segundo Reis (2017):

Percebe se  que se formou uma aliança composta por evangélicos e católicos mais ortodoxos, quando não fundamentalistas, bem como organizações conservadoras/reacionárias que defendem o que chamam de família e costumes tradicionais, unidas em divulgar e disseminar informações distorcidas para impedir que se alcance a equidade entre os gêneros e o respeito à diversidade sexual, conforme vem sendo ratificado internacional e nacionalmente há décadas com a intenção de diminuir as discriminações e as violências baseadas em gênero (REIS , 2017, p. 18).

Para Reis (2017), essa aliança entre setores geralmente não ligados entre si surtiu efeito11 . “À guisa de uma moral dita ‘cristã’, as mulheres feministas e as pessoas LGBT se transformaram, na visão de quem prega contra a “ideologia de gênero”, em uma força do mal, no inimigo, a ser combatido a qualquer custo” (REIS, 2017, p.18).
Em contrapartida, em 16 de junho de 2017, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o projeto de lei que altera o Código Civil, para reconhecer a união estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O projeto foi encaminhado para o Plenário do Senado Federal, para que de fato vire lei.
No cenário cultural12 , ocorre um aumento significante apresentando as variadas maneiras das relações LGBTs. As séries também se multiplicam, abordando todas as idades e particularidades. Nas novelas brasileiras continuam a explorar o tema, em Amor à Vida” (2013), novela da globo, o casal gay Felix e Nick protagonizou o tão esperado beijo gay masculino na televisão aberta. No entanto, foi na série “Liberdade, Liberdade” (2016) que ocorreu a primeira cena de uma relação homossexual, protagonizada por Caio Blat e Ricardo Pereira.
No panorama musical, a presença LGBT vai se destacar com Thiago Pethit, Lineker, Pabllo Vittar, Jaloo, entre outros.  Para Reis (2017), a presença de LGBT nos meios de comunicação é fundamental, pois dá visibilidade ao grupo e pode colaborar para inibir estigmas sociais. "É importante ver que os LGBT não são ‘de outro mundo’, mas fazem parte da nossa sociedade e são cidadãos como quaisquer outros” (REIS, 2017, p.20).
No entanto, alas como a Igreja Católica e as igrejas evangélicas e sua forte representação política vêm buscando de todas as formas pôr novamente o movimento para “dentro do armário”, causando uma tensão tanto política, quanto ideológica e cultural. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento homossexual no Brasil foi se consolidando com as tendências internacionais advindas dos movimentos modernos, principalmente dos Estados Unidos. Em pleno período militar começa a tomar corpo e visibilidade por meio dos jornais como o Snob e principalmente o Lampião da Esquina. O grupo SOMOS foi de grande importância para a organização do movimento como também a criação de demais grupos espalhados pelo território nacional. Essa visibilidade foi conquistada de forma gradativa até a formação da organização hoje conhecida como movimento LGBT+ que está em constante luta política de direito.
No Brasil, os reflexos em virtude da AIDS, por um lado, provocaram uma diminuição dos grupos existentes. Por outro lado, possibilitaram a visibilidade do movimento e seu envolvimento nos projetos de politicas públicas. No âmbito cultural, a visibilidade foi galgando espaços na mídia, literatura, cinema e demais produções artísticas. Passando da representação caricatural, num primeiro momento, a uma apresentação mais próxima possível dos dilemas vividos por esse grupo estigmatizado. No entanto, essa visibilidade também provocou reações das alas mais conservadoras, ocasionando, então, enfrentamentos entre as conquistas homossexuais e o moralismo heteronormativo ainda muito presente.
Embora a maneira de se tratar a homossexualidade no Brasil tenha passado por grandes modificações, o assunto ainda é visto com ressalvas pela sociedade. Ao que parece, a crescente visibilidade dos homossexuais e em virtude disso o crescimento dos movimentos sociais GLBTs desde então têm provocado uma mudança na forma como a sociedade vê a homossexualidade e contribuído também para o aumento da pressão por alas conservadoras, que buscam de todas as formas cercear as conquistas até então conseguidas advindas de lutas de muito tempo.

REFERÊNCIAS

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TREVISAN, J. S. (2000).  Devassos no paraíso. São Paulo: Max Limonad

*Professor do Instituto Federal do Paraná. Aluno regular do Mestrado Sociedade, Cultura e Fronteiras
** Professor do Instituto Federal do Paraná. Aluno regular do Doutorado Sociedade, Cultura e Fronteiras
*** Jornalista. Especialista em Docência do Ensino Superior. Aluno regular do Mestrado Sociedade, Cultura e Fronteiras
1                     O jornal não tinha pretensões de caráter político, limitava-se, meramente, como está escrito em seu primeiro número, em 1963, em divulgar “comentários das festas, fazer fofocas, os disse-me-disse”. Contudo, recebeu influências dos movimentos estudantis, de jovens e revolucionários que varreram o mundo em 1968, e o jornal refletia a mudança da atmosfera evidente no Brasil (FERREIRA, 2003 p. 48-49).
2                      No clima de rebelião imbuído nos movimentos da década de 60, quando a autoexpressão e o questioidnto da autoridade deram às pessoas a possibilidade de pensar o impensável e agir de acordo com as ideias que surgissem, consequentemente permitindo ‘sair do armário’ [...] a vontade utópica de libertar o desejo foi a grande força motivadora dos anos 60, o grito de guerra de toda uma geração que percebeu a possibilidade de ter uma vida diferente” (CASTELLS,1999, p. 240).
3                      Além disso, foi uma experiência catártica que aumentou a confiança dos participantes e deu impulso à formação de outros grupos similares em São Paulo e outras cidades como também em vários estados (MACRAE, 1983, p. 23).
4                      Em 1987 o médico Mineiro Aloísio Resende Neves, primo do famoso político Tancredo Neves, enviou às entidades profissionais o seu projeto de uma cirurgia peniana que impedisse a ereção e ejaculação em homens infectados pelo HIV, “para que não possa(m) contaminar outras pessoas”, pois seria um desrespeito aos direitos humanos, segundo ele permitir que “a ereção inflame AIDS e contamine a humanidade”. [...] o então é arcebispo de Porto Alegre D. Cláudio Colling manifestava revolta contra as campanhas de combate à AIDS - “coisas indecentes falando de coito anal e bucal” -  e dizia diante delas dava “vontade de sair com uma faquinha bem afiada”, certamente para resolver o problema do modo mais direto. E, sem se conter, ajuntou que às vezes tinha “vontade de ser Hitler, que capava os bichos esterilizava as mulheres”. [...] Num programa televisivo de Sílvia Popovic, Jece Valadão vociferava que “homossexualismo é sem-vergonhice”, e quem o pratica é porque não apanhou o suficiente quando pequeno. (TREVISAN, 2000, p. 451).
5                      O homossexual sendo apresentado como homossexual que é um travesti afetado e efeminado, Essa estranha atração (Torch song trilogy, 1988), de Paul Bogart; como assassino ou vítima de assassinato, Caravaggio (1986), de Derek Jarman; como complexado, que se estiola numa ciranda de ciumeiras e despeitos, O exército inútil (Streamers, 1983), de Robert Altman; como um neurótico enroscado em traumas de infância, Coronel Redl (1985), de István Szabó;  Autodestrutivo que mergulha numa espiral de degradação, Abaixo de zero (Less than zero, 1987), de Marek Kanievska; ou como um masoquista, impregnado de catolicismo doentio, Dear boys (1980), de Paul de Lussane; ou em O quarto homem (De Vierde Man, 1983), de Paul Verhoeven. No cinema nacional, o destaque vai para as produções onde já há uma preocupação maior em relação aos personagens homossexuais, Pixote, a lei do mais fraco (1981) e O beijo da Mulher Aranha (1985), ambos de Hector Babenco; Vera (1987), de Sérgio Toledo, e A menina do lado (1987), de Alberto Salvá (NAZÁRIO, 2018, p. 2).
6                      A sigla GLS significa gays, lésbicas e simpatizantes. Criada na primeira metade dos anos de 1990, é utilizada principalmente para qualificar o circuito de lazer da cidade, embora hoje também se aplique a outros serviços e até a um determinado “espírito GLS” (FACCHINI 2002, p. 125).
7                      […] Um/a simpatizante pode tranquilamente frequentar um local GLS sem se sentir agredido/a, desde que esteja disponível a aceitar as diferenças comportamentais presentes, em clima de mútua tolerância (TREVISAN, 2000, p. 376).
8                      Nos anos 90, ocorre um aumento significativo na produção de filmes de temática homossexual. O filme Filadélfia, com a direção de Jonathan Demme (EUA), de 1993, recebeu dois Oscar e visibilizou a relação da homossexualidade no auge da epidemia da AIDS. Entre outros, foram produzidos Priscilla, a Rainha do Deserto (Priscilla, 1994), de Stephen Elliott; Eclipse total (Total eclipse, 1995), de Agnieszka Holland; Entrevista com o vampiro (Interview with a vampire, 1995), de Neil Jordan; A cura (The Cure, 1995), de Peter Horton; Delicada Atração (Beautiful Thing, 1996), de Hettie Mcdonald; Será que ele é (In & Out, 1997), de Frank Oz; A Lei do Desejo (La Ley del Deseo, 1997), de Pedro Almodóvar.
9                      Quando da morte de Cássia Eller, cantora assumidamente lésbica, em dezembro de 2001, deu-se iniciou a um debate intenso na sociedade, que tomou grande parte da mídia brasileira, a respeito da guarda de seu filho. Numa atitude inédita na Justiça Brasileira, tomada pelo juiz Leonardo Castro Gomes, da 1ª Vara da Infância e Juventude, do Rio de Janeiro, decidiu-se que a criança deveria ficar com a ex-companheira da mãe (Ferreira, 2003 p. 63).
10     
11                   O autor cita o levantamento realizado em janeiro de 2016 pela iniciativa “De Olho nos Planos”, em relação aos 27 Planos Estaduais de Educação aprovados e sancionados na forma de lei, 9 não fazem qualquer referência à palavra “gênero” e 15 não explicitam o termo “gênero” nos Princípios ou Diretrizes do Plano ao citar o enfrentamento a toda forma de discriminação (REIS, 2017, p. 18).
12                    O cinema aproveita da visibilidade e do grande público conquistado com produções como: Carandiru (Hector Babenco – 2003); Cazuza, o Tempo Não Para (Sandra Werneck, Walter Carvalho – 2004);O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, Ang Lee, 2005); Transamérica(Transamerica, EUA, 2005), Milk: A Voz da Igualdade (Milk, Gus Van Sant , EUA, 2008). O programa Amor & Sexo se torna irreverente e visibiliza sem rodeios o universo LGBT.  A dramaturgia gay “sai do armário” para assumir seu lugar na cena, com peças como:  Vidas calientes, de Luque Daltrozo; As sereias de Rive Gauche,de Vange Leonel; Violeta Vita, de Luiz Cabral; Esta noite ouvirei Chopin, deAntônio Rogério Toscano; Deus sabia de tudo e não fez nada e Agreste, de Newton Morenoentre outras.

Recibido: 21/01/2019 Aceptado: 30/01/2019 Publicado: Enero de 2019


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