Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


FILHOS E INTERPRÉTES DOS PAIS SURDOS: Necessidade de serem mediadores

Autores e infomación del artículo

Adriano de Oliveira Gianotto*

Elisa Ferreira Paulino Borges**

João Paulo Romera Miranda***

UFMS, Brasil

adriatto@outlook.com.br


RESUMO: O objetivo desta pesquisa é reconhecer a importância dos CODAs (Child of Deaf Adults) como interpretes, pois se percebeu a necessidade de mais estudos neste grupo, que tem muito a contribuir, sendo ouvintes filhos de surdos, com sua condição bicultural e bilíngue. Por serem ouvintes, muitas vezes, precisaram ser interpretes de seus pais no mundo sonoro, assim, o objetivo deste artigo é ressaltar o papel dos CODAs no processo de inclusão de seus pais na sociedade. A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico de autores como Pereira (2013), Quadros (1997) e Fernandes (2012).  Além de uma breve pesquisa sobre a história dos surdos, também foi realizada uma sobre os CODAs contando com o apoio do relato de uma pessoa CODA. Enfim, percebeu-se que muito foi alcançado pela comunidade surda, principalmente o reconhecimento da Libras, mas ainda há necessidade de os filhos de surdos acompanharem seus pais, pois falta interpretes em locais públicos.
PALAVRAS-CHAVE: 1 Surdez. 2. Interprete. 3 Libras. 4 CODAs.
HIJOS E INTERPRETES DE LOS PADRES: Necesidad de ser mediadores
RESUMEN: El objetivo de esta investigación es reconocer la importancia de los CODA (Child of Deaf Adults) como interpretes, pues se percibió la necesidad de más estudios en este grupo, que tiene mucho que aportar, siendo oyentes hijos de sordos, con su condición bicultural y bilingüe. Por ser oyentes, muchas veces, necesitaban ser interpretes de sus padres en el mundo sonoro, así, el objetivo de este artículo es resaltar el papel de los CODA en el proceso de inclusión de sus padres en la sociedad. La metodología utilizada fue la investigación cualitativa de cuño bibliográfico de autores como Pereira (2013), Cuadros (1997) y Fernandes (2012). Además de una breve investigación sobre la historia de los sordos, también se realizó una sobre los CODA contando con el apoyo del relato de una persona CODA. En fin, se percibió que mucho fue alcanzado por la comunidad sorda, principalmente el reconocimiento de la Libras, pero aún hay necesidad de que los hijos de sordos acompañen a sus padres, pues falta interpretaciones en lugares públicos.
PALABRAS CLAVE: 1 Sordera. 2. Interprete. 3 Libras. 4 CODAS.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Adriano de Oliveira Gianotto, Elisa Ferreira Paulino Borges y João Paulo Romera Miranda (2018): “Filhos e interprétes dos pais surdos: Necessidade de serem mediadores”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (septiembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/09/filhos-interpretes-paissurdos.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1809filhos-interpretes-paissurdos


INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é reconhecer a importância dos CODAs (Child of Deaf Adults) como interpretes, a escolha do tema foi inspirada na convivência com um grupo bi cultural e bilíngue, pois são ouvintes e nasceram imersos em duas culturas, duas línguas estes são os CODA (Child of Deaf Adults), filhos de pais surdos ou que foram criados por pessoas surdas.
O fato de utilizarem as duas línguas a oral e a de sinais trouxe muitas responsabilidades, principalmente de serem interpretes de seus pais desde muito jovens, principalmente nos anos que antecederam o reconhecimento da Língua de Sinais no Brasil e de haver uma política de formação de interprete definida, e hoje pela carência de interprete em espaços públicos.
A Libras (Língua Brasileira de Sinais) foi reconhecida no ano de 2002 pela lei Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL  DE 2002, depois desta data os surdos passaram a ter mais direitos e a língua de sinais (LS) passou a ser mais divulgada, mas antes disso os surdos já existiam, alguns eram oralizados, mas muitos usavam sinais para se comunicar e muitas vezes apenas pessoas da família conseguiam entender e assim irmãos, filhos se tornavam interpretes sem uma formação específica, mas com o vínculo e a afinidade que tinham conseguiam entender o que as pessoas surdas estavam expressando.
Para compreender melhor este cenário em que os surdos contavam ou contam com seus filhos como interpretes foi realizada uma pesquisa bibliográfica de autores como Pereira (2013), Quadros (1997) e Fernandes (2012), tendo como apoio o relato de uma CODA nascida na década de 70, assim foi realizada uma revisão histórica dos surdos para entender a necessidade de interprete e a sua falta.

1 SURDOS AO LONGO DA HISTÓRIA

A surdez sempre existiu, mas o que variou foi o modo de como era vista, nos primeiros tempos foi vista como uma maldição ou como um dom.
De acordo com (SILVA, 2009) nas civilizações antigas como no Egito os surdos eram adorados, já na Grécia, Roma, China eles eram eliminados de formas diferentes lançados em rochedos, no mar ou abandonados em campos ou praças públicas, para o filósofo Aristóteles como não falavam não tinham linguagem muito menos pensamento, ou seja, incapazes de razão. Assim os surdos eram rejeitados, e só no fim da idade Média começa um caminho para a educação dos surdos.
O espanhol beneditino Ponce de León (1520 – 1584) começou a ensinar os surdos nobres utilizando os gestos que os monges usavam em mosteiros para realizar a comunicação e não quebrar os seus votos de silêncio, e com isto os surdos aprenderam a ler, escrever e a contar.
Já o Soldado e filósofo Juan Pablo Bonet em 1620 coloca que é importante o surdo aprender a falar, pois acreditava que o surdo não era incapaz de aprender a falar, mas quem foi considerado o fundador do Oralismo foi o Alemão Samuel Heinicke (1727-1790) em 1778 fundou a sua primeira escola para surdos na Alemanha, para ele os surdos não deveriam usar sinais ou gestos, pois assim a sua comunicação estaria restrita aos seu semelhantes, então não era permitido o uso de sinais, somente a fala para poderem se comunicar com todos (FERNANDES, 2012).
No entanto, o religioso Michel L’Epée traz os sinais como método de ensino de surdos, porque para ele a mímica era o meio natural dos surdos se comunicarem, em 1775 fundou o Instituto Nacional de surdos-mudos de Paris, teve muitos adeptos do método e foram criadas mais 20 escolas na França e Europa. O método de L’Epée foi muito importante, pois trouxe grande conquistas, Fernandes (2012) afirmou:

O trabalho de L’Epée fundamenta uma das maiores conquistas em relação a ampliação da concepção de linguagem para além da fala, demonstrando com seus procedimentos que o poder da linguagem sinalizada para a comunicação e a elaboração mental é o mesmo ainda que se concretize em uma língua tão particular como a língua de sinais (FERNANDES, 2012, p. 29-30).

O método gestual de L’Epée conquistou adeptos nos Estados Unidos onde o governo Americano autorizou a criação do Colégio Gaullaudet em 1864, e mais tarde se tornou Universidade Gaullaudet. De acordo com (FERNANDES, 2012).
No Brasil não foi diferente do restante do mundo até o séc. XV eram considerados incapazes, o Imperador D. Pedro II trouxe para o Brasil Eduard Huet (1822-1882), um professor surdo francês com mestrado em Paris, para ensinar os surdos e este começou ensinando o alfabeto manual para a comunicação (ALMEIDA, 2012).
E em setembro de 1857 foi criada no Rio de Janeiro a primeira escola de surdos do Brasil, O “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”, hoje, “Instituto Nacional de Educação de Surdos”, depois que Huet ensinou o alfabeto manual e alguns sinais, foi embora para o México e o diretor do instituto foi o Frei do Carmo (ALMEIDA, 2012).
Apesar dos avanços da gestualidade no mundo, o oralismo puro triunfou na Europa na oposição do gestualismo (francês) e a Oralidade (alemã)

No entanto, o oralismo fortaleceu suas bases em toda a Europa por meio da poderosa influência de representantes de prestígio, como o emergente líder Adolfo Ritler, na Alemanha e seu aliado Benito Mussolini, na Itália, além de Alexander Graham Bell, gênio tecnológico da época que, paralelamente a invenção do telefone,  trabalhou em protótipos de  aparelhos de amplificação sonora para surdos (FERNANDES, 2012 p. 32).

Com estes nomes de prestígios o oralismo foi fortalecido e em 1880 foi realizado na Itália o Segundo Congresso de Ensino de Surdos-Mudos, que ficou conhecido como Congresso de Milão, onde foi aprovado o método Oral como o mais eficaz na educação dos surdos.
E o oralismo foi crescendo, pois tinha na medicina uma grande aliada e avanços que valorizava o que o surdo não fazia ouvir, criando aparelhos auditivos e dando a esperança que conseguiriam ouvir e interagir na sociedade de forma normal, falando. E assim, predominou de 1880 a 1960.
E as técnicas trouxeram traumas para os surdos, pois, os sinais, os gestos e mímicas eram proibidos para que os surdos não ficassem preguiçosos e perdessem o interesse pela fala, “alunos Surdos foram proibidos e usar sua língua potencial e obrigados a aprender a falar, independentemente de suas possibilidades para alcançar êxito nessa tarefa (FERNANDES, 2012 p. 33)”.
Houve um período em que o Oralismo foi colocado em dúvida e passou a existir a Comunicação Total, onde os surdos podiam usar a gestualidade e a fala, mas este método também não foi eficaz, pois dificultava o aprendizado da língua escrita.
Então, passou-se a valorizar a língua natural dos surdos, os gestos, e nasce o Bilingüismo, que vê os sinais como língua materna e a língua escrita como segunda língua. Isto se deu devido aos movimentos dos surdos e suas lutas para que respeitassem o seu modo de perceber o mundo.
E estudos dos sinais favoreceram para que fosse criada a Língua de Sinais (LS), um estudioso Dr. William C. Stokoe, Jr. (1919 - 2000) estudou a ASL, língua americana de sinais, criando a gramática da LS.
Assim, hoje os surdos podem optar por qual método querem se comunicar se foram oralizados, pela LS ou oral, mas ainda existem muitas barreiras na comunicação, mesmo sendo oralizados dependem dos aparelhos que não são eficazes para ouvir a voz humana e usam a leitura labial, mas o ouvinte nem sempre o compreende.
Mas, no decorrer de todas as discussões ao longo dos anos os surdos foram se unindo e mostrando o que era melhor para a sua comunidade, e assim fazem e fizeram grandes conquistas, Fernandes (2012) explicou os movimentos surdos no mundo e no Brasil resumiu assim:
Destacamos também o surgimento do movimento surdo, que se uniu aos demais grupos minoritários que eclodiram no mundo após a Segunda Guerra Mundial para defender e lutar por seus direitos. No Brasil, a organização política dos Surdos se ambienta na década de 1980, com a criação da Feneis e com apoio de pais e educadores, de modo a assegurar avanços a sua cidadania e a sua condição de minoria linguística (FERNANDES, 2012, p.67).

Assim, em de 24 de abril de 2002 foi sancionada a lei Nº 10.436 no Brasil, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação dos surdos no Brasil, também garantiu a divulgação da Libras e a inclusão dela em cursos de formação como componente curricular, principalmente no curso de Graduação Educação Especial, Fonoaudióloga e no Magistério.

2 NESSECIDADE DE TER/SER UM INTÉRPRETE

Como foi visto acima, durante muito tempo tentou-se colocar os surdos na normalidade, onde estão os ouvintes e falantes. Porque não foi respeitada a forma diferente do surdo ver e interagir no mundo. Para os ouvintes era mais fácil ensinar o surdo, a minoria, a falar e a ouvir. Mas, não foi um método eficaz para todos os surdos.
Apesar dos esforços das instituições especializadas na educação de surdos, os fracassos do oralismo começaram a ficar evidentes, conforme Fernandes (2012) pesquisas nos Estados Unidos e no Brasil mostraram que os resultados acadêmicos dos surdos não eram os esperados, poucos surdos chegavam às séries mais avançadas da educação básica e quando chegavam a leitura e escrita muitas vezes era equivalente a 4ª série, poucos chegavam ao ensino superior.
Além do fracasso escolar teve os “inconsistentes resultados na aprendizagem da língua oral (FERNANDES, 2012, p.63)”, conseguiam entender cerca de 20% do que as pessoas falavam por leitura labial (estudo realizado por Duffy apud Quadros 1997), também os ouvintes não entendiam a fala dos surdos. “Diante desse quadro de fracasso generalizado, pais, professores e – pela primeira vez - as pessoas Surdas passaram a pressionar o Poder Público para fazer valer os seus direitos à diferença (FERNANDES, 2012, p.64).
Os surdos passaram a participar das discussões e fazer valer os seus direitos, e assim passaram a usar mais a língua de sinais, usada antes escondida. O aprendizado da LS se dava em contato com outros surdos, nas escolas, nas associações e nas comunidades de surdos.
Enquanto a discussão ocorria os surdos estavam crescendo e mostrando serem capazes, tem pensamento, razão, são capazes de ter sua própria família e até mesmo de serem empresários.
Mas, ao usar a LS eles precisavam de alguém para interpretar os seus sinais e mediassem a sua comunicação com a sociedade, e alguém precisou entende-los e comunicar-se com ele.
Mas, na dec. de 60, não existia ainda uma língua de sinais oficial, mas, sim os gestos que eram feitos na família e amigos, e aqueles surdos que foram para a escola foram alfabetizados e oralizados. A Libras só foi reconhecida no Brasil em 22 de abril de 2002, antes disso não havia uma língua oficial, tinha os sinais usados pelos surdos no Brasil.
Como nem todos os surdos conseguiram ser oralizados permaneceram usando os sinais para ser entendidos, mas como os ouvintes que não conviviam com eles poderiam entender? Aí entra o papel do intérprete que geralmente eram pessoas da família e muitas vezes os seus filhos ouvintes. E, assim muitos dizem que os filhos de surdos nascem com uma missão “serem os ouvidos de seus”, eles se tornam interpretes pela necessidade de comunicação de seus pais com outras pessoas que não conheçam a Libras.
Os filhos de surdos hoje são reconhecidos como um grupo chamado de CODA, segundo Souza (2012),
A identificação de que os CODA seriam um grupo é muito recente, tendo-se iniciando os estudos há cerca de 20 anos (LADD, 2003), mesmo os pais surdos se deparam, por vezes, com algumas dificuldades comunicativas para com os seus filhos. Porém, estas crianças podem ser fluentes em língua gestual tal como os seus pais tendo-a como língua materna bem como a língua oral, adquirindo-a com familiares ouvintes ou pelos meios de comunicação social (PRESTON, 1994; FERNÁNDEZ-VIADER; 2004). Tendo a família um papel preponderante no desenvolvimento global da criança, a existência de uma comunicação fará com que a criança cresça saudável linguística e emocionalmente (SOUZA , 2012, s/p).

                        E o fato de serem expostos a Língua de Sinais desde tenra infância faz com que sejam conhecedores dela, vivam como bilíngues, pois, com os pais vivenciam a LS já com outros familiares aprendem a língua falada, e neste mundo de fronteira em que vivem conseguem aprender a lidar com as duas situações, sabem como conviver com seus pais as estratégias para serem atendidos, por exemplo quando necessitam algo de seu pais vão até eles e os tocam, ao contrário de filhos de pais ouvintes que gritariam para serem atendidos.            Quadros (1997) cita duas formas de bilinguismo para caracterizar a dos surdos, mas creio poder ser usada aqui para explicar a condição dos CODAs, sendo os critérios que definem o bilinguismo:

  1. Origem – aprendizagem de duas línguas dentro da própria família com falantes nativos e/ou aprendizagem de duas línguas paralelamente como necessidade de comunicação;
  2.  identificação – interna (a própria pessoa identifica-se como falante bilíngüe com duas línguas e duas culturas); e externa (a pessoa é identificada pelos outros como falante bilíngue/falante nativo de duas línguas);
  3. Competência – domínio de duas línguas, controle das duas línguas como línguas nativas, produção de enunciados com significados completos na outra língua, conhecimento e controle da estrutura gramatical da outra língua, contato com a outra língua;
  4. Função – a pessoa usa (ou pode usar) duas línguas em várias situações de acordo com a demanda da comunidade. (p. 31).

                        Os CODAs conseguem uma forma mais difícil de bilinguismo, pois tem a aquisição da Língua de Sinais e da língua oral ocorrendo de forma paralela. Esta situação entre dois mundos (sonoro e o visual) faz com que tenham experiências diferentes ora são intérpretes da fala para os surdos e outra dos sinais para os ouvintes, Souza (2012) explica assim,  
Pelo facto de serem ouvintes encontram-se em contato permanente com esse mundo, podendo transmitir as informações sonoras aos seus familiares surdos. O mesmo acontece do outro lado surdo. Havendo um ouvinte presente que não saiba comunicar, será o CODA a interpretar o que seja necessário para que se estabeleça uma comunicação produtiva (PRESTON, 1994). Iniciam um processo de interpretação quer simultâneo quer consecutivo, precocemente e inconscientemente. Esta situação atípica de responsabilidade atribuída a uma criança faz com que na história da evolução da profissão de intérprete de língua gestual, os CODA tenham sido os primeiros intérpretes de língua gestual. São estas crianças que desde o berço, ao contatarem com duas línguas diferentes, se tornam na ponte de comunicação entre o mundo ouvinte e o mundo Surdo (SOUZA, 2012 ).

                       
Assim, muitas vezes crianças Coda tomam conhecimento de coisas que outras crianças não sabem, por exemplo: questões bancárias de seus pais, participam de reunião escolares enquanto outras crianças estão brincando e, muitas vezes, de assuntos familiares de saúde, desta forma se tornavam até responsáveis por seus pais ajudando em seus compromissos e cuidando deles no seu dia a dia.

O sentido de responsabilidade é assumido muitas vezes pelos CODA, significando ter de ‘tomar conta dos pais’, ou seja assumir responsabilidades em idades desadequadas. Esta ideia surge, muitas vezes, por parte de familiares, que sendo ouvintes, consideram que a criança terá que cuidar dos pais, pois são surdos, sendo os pais humilhados e retirados da sua autoridade enquanto pais (PRESTON, 1994) in SOUZA 2012).

            E a função de filho por vezes era confundida, Pereira (2013, p.61) relatou em sua dissertação que certa vez sua mãe tinha saído e demorou a retornar, voltando tarde da noite e ele estava muito preocupado, pois morava em uma localidade escura e perigosa, quando ela regressou para casa ele imediatamente falou repreendendo “onde já se viu, uma senhora na sua idade andando na rua a esta hora, é perigoso, você é surda, pode ser pega por alguém! ” Muitas vezes estas atitudes acontecem devido a familiares ouvintes que podem dizer aos Codas que os pais são surdos e por isso não sabem fazer tudo certo, um mito instituído na sociedade, porque são surdos são incapazes.

Os estereótipos das pessoas surdas enquanto deficiente, mutilados, inferiores, incapazes, sem linguagem ... estão nas falas das pessoas, nos seus comentários, nas suas perguntas, nos seus comportamentos, enfim nas suas mentes. Os filhos de pais surdos passam a perceber tais estereótipos quando começam a interagir com os ouvintes. Eles sofrem e passam por crises de identidade, pois precisam entender as diferenças existentes entre ser surdo e ouvinte, entre ser surdo do ponto de vista surdo e do ponto de vista ouvinte com os seus estereótipos de surdez. (SKLIAR, QUADROS.2000, p. 49 apud PEREIRA, 2013, p. 62)

                        Isto pode mudar com as lutas da comunidade de surdos. Para complementar a pesquisa bibliográfica foi feita um questionário com uma filha de pais surdos, minha colega de trabalho na rede estadual de ensino, será chamada de Flor, onde foi solicitado que falasse sobre sua vida, com as seguintes perguntas: Como foi sua infância? Como a sociedade te via, sendo filhas de surdos? Qual a diferença que percebes do tempo em que a Libras não era reconhecida para agora? Para a primeira pergunta ela respondeu:
Minha infância foi como de qualquer criança que teve uma família bacana. Brinquei muito, muitos parentes, primos, verão na praia...a família estava sempre juntos talvez por receio de que eu não viesse a falar fluentemente, por ter pais surdos, sempre fui muito estimulada. Tive uma vó maravilhosa que morava com a gente e foi meu grande exemplo de tudo. (Flor, agosto de 2016)

                   Neste relato percebe-se como ponto positivo a família próxima de Flor, mas o fato de comentar que talvez seus parentes sentissem receio dela não falar, evidencia o processo dos Codas e surdos de serem entendidos e aceito por todos com suas diferenças particularidades.

Os familiares ouvintes ainda se sentem inseguros em relação à capacidade de seus parentes surdos serem bons pais. É evidente que qualquer pai e mãe desejam que seu filho seja bem-sucedido, independente de ele ouvir ou não. Entretanto, o fantasma da incapacidade ainda assombra essas famílias, o que pôde ser notado com a presença quase que constante dos avós na educação dos netos CODAs (...) (PEREIRA, 2013 p. 108).

Mas, o fato de ter os avós por perto mostra a insegurança em relação a capacidade dos pais surdo, mas para os CODAs pode ter sido positivo a convivência cm eles, porque esses muitas vezes foram a frente de seu tempo favorecendo a aprendizagem de seus filhos, lutando contra a exclusão da sociedade e ajudando no movimento surdo, lutando pelos direitos de seus filhos surdos, mas como foi visto na breve história da educação dos surdos relatada neste artigo, ficaram muitas lacunas na aprendizagem tanto da fala e da escrita, assim o receio dos familiares é compreensível.
A sociedade estava ou está vivendo um momento de transição e de reconhecimento do surdo e suas diferenças, mas os CODAs muitas vezes tiveram ou têm de responder dúvidas sobre como foi criado por surdos, como aprenderam a falar ou ainda de ouvirem falas preconceituosas a respeito de seus pais. Flor relatou que:

Acho que quando cresci um pouco e principalmente na adolescência é que percebi como era ser diferente, eu era a única menina que eu conhecia que era filha de surdos.... Ouvi muita coisa preconceituosa, como "mudinhos", pessoas de outro país, retardados (referindo-se aos meus pais). (Flor, agosto de 2016)

                   Muitas pessoas se referem aos surdos como mudos, porque pensam por eles não conseguirem pronunciar palavras serem mudos, mais uma vez evidenciando a incapacidade, pois, os surdos não falam por não terem exercitado a fala, sendo com exercícios com um profissional podem desenvolver a fala. Também, em alguns momentos foram confundidos com deficientes intelectuais, justamente por não falarem.  

O surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver outro impedimento) ao lhe assegurado o uso de sinais em todos os âmbitos sociais em que transita. Não é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua. Ausência dela tem consequências gravíssimas: tornar o indivíduo solitário, além de comprometer o desenvolvimento de suas capacidades mentais. (GESSER, 2009, p. 76).

                   Um filme clássico que mostra esta situação é “Seu nome é Jonas” do diretor Richard Michaels, lançado nos Estados Unidos no ano de 1979, com a história de Jonas um menino surdo que ficou por alguns anos internado em uma instituição para pessoas com deficiência Intelectual por engano, pois, acreditavam ser ele um “retardado” até descobrirem que na realidade era surdo, então ele passa a viver com a família e sua mãe procura meios para comunicação com o Jonas até ele conhecer e aprender a Língua de Sinais, com cenas marcantes, onde o menino aprende os sinais e percebe a importância deles para a sua comunicação.
O filme se reporta a realidade de décadas atrás, hoje há bem mais informações, há mais surdos em contato com a LS, mas claro ainda há um discurso oralista, baseado em fatos médicos, onde expressam a necessidade de aprender a falar para uma real inclusão, Flor compara o momento de sua infância com o de hoje e relata:

Hoje mudou bastante como as pessoas diferentes são vistas e incluídas na sociedade. Somos informados, o mundo se abriu bastante para aqueles que antes eram excluídos. O olhar também mudou bastante, não só em termos de lei, mas de humanização e compreensão de que todos podem ter seu lugar, com suas diferenças e essas não significam ser uma falta de algo baseado num modelo padrão e sim na admissão de que, por exemplo, numa comunidade surda, ouvir não é falta de nada, simplesmente é desnecessário! . (Flor, agosto de 2016)

                   A mudança na visão social sobre o surdo e outras minorias mudou, hoje por Lei deve haver intérpretes em locais públicos, fato ocorrido com mais frequente, mas ainda com carências. A informação está mais difundida seja nos meios de comunicação, ou associações de surdos, instituições acadêmicas. E, ser CODA não é o fim do mundo, pois, pode-se ter uma boa infância, crescer, estudar, ter sua própria família e fazer suas escolhas profissionais.
O fato de os CODAs terem sido interpretes de seus pais não os faz profissionais nesta área segundo Quadros

Não é verdade que o fato de ser filho de pais surdos seja suficiente para garantir que o mesmo seja considerado intérprete de língua de sinais. Normalmente os filhos de pais surdos intermediam as relações entre os seus pais e as outras pessoas, mas desconhecem técnicas, estratégias e processos de tradução e interpretação, pois não possuem qualificação específica para isso. Os filhos fazem isso por serem filhos e não por serem intérpretes de língua de sinais. Alguns filhos de pais surdos se dedicam a profissão de intérprete e possuem a vantagem de ser nativos em ambas as línguas. Isso, no entanto, não garante que sejam bons profissionais intérpretes. 0 que garante a alguém ser um bom profissional intérprete é, além do domínio das duas línguas envolvidas nas interações, o profissionalismo, ou seja, busca de qualificação permanente e observância do código de ética (QUADROS 2004, p. 30).

Assim, para ser interprete hoje precisa de curso de formação, em dezembro de 2005 foi sancionado o decreto  Nº 5.626, onde no Capitulo III dispões sobre a formação do Interprete de Libras.

Art. 17.  A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.
        Art. 18.  Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
        I - cursos de educação profissional;
        II - cursos de extensão universitária; e
        III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.
        Parágrafo único.  A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL, 2006).

Interpretar exige competências lingüísticas e cognitivas, além dos conhecimentos técnicos envolvidos no ato de interpretar, para melhor adequar as suas escolhas interpretativas, tanto em sinais como em português, então é imprescindível a formação deste interprete tanto para conhecimento das técnicas como o de conhecimento do assunto a ser interpretado.
Enfim, os CODAs muitas vezes precisaram interpretar para seus pais em determinadas ocasiões, mas nem todos escolheram ser interpretes por profissão, mas esta condição de filhos de surdos lhes trouxe alguns benefícios, como: se escolherem ser interpretes terão vantagem por serem nativos da LS e cresceram em um ambiente onde aprenderam a conviver com a diferença, desvantagens, pode ser as existam, mas neste artigo o objetivo era destacar os CODAs e sua condição de interpretes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da pesquisa pode-se perceber a trajetória dos surdos, como invadidos pela sociedade, pois não lhe eram perguntados nada sobre sua situação, outros escreviam e impuseram o “melhor” para eles ao longo da história, e pela visão clínica seria a audição a fala conforme a grande maioria ouvinte. Foi-lhes negada a oportunidade de opinar.
Com várias mudanças nos paradigmas de educação de surdos, ora oralismo, gestualidade, voltando ao oralismo, quando ficou evidente o fracasso deste último os surdos passaram a ter oportunidades de expressar suas percepções e a participar da luta pela Língua de sinais e pelo respeito a suas diferenças, seus familiares tiveram grande papel nesta luta participando das comunidades de surdos.
Quando passaram a usar a LS, ou mesmo quando usavam gestos para serem entendidos era seus familiares entendedores de sua forma de comunicação que interpretavam suas falas, muitas vezes irmãos ou pais, não estavam disponíveis para desempenhar tal papel, e como muitos surdos tinham casado com seus pares das instituições de ensino ou das associações de surdos, eles tinham/tem filhos que na maioria são ouvintes. Então estes desde muito novos precisam ser os interpretes de seus pais, pois, surge estes intérpretes na necessidade, por serem naturalmente bilíngues conseguem cumprir este papel, acompanhando de muita responsabilidade.
Sendo eles um grupo conhecido como CODAs, com poucas pesquisas ainda neste grupo, é necessário mais pesquisas, mais bibliografia sobre estes que são tão peculiares na comunidade de surdos.
No entanto, o objetivo de evidenciar o papel dos CODAs como interpretes, mesmo sem formação, muitas vezes ainda criança foi atingido com as pesquisas em SOUZA, PEREIRA, e o relato de FLOR, contrapondo a época em que a Libras não era reconhecida com o momento atual, onde há cursos de formação de interprete, mas que ainda os surdos precisam andar com os seus próprios, pois, ainda não há profissionais ou pessoas fluentes em Libras o suficiente para quebrar as barreiras de comunicação entre surdos e ouvintes em instituições públicas e privadas.
Assim, ainda hoje depois de quinze anos da lei que reconheceu a Libras e de doze anos do decreto de formação de interprete, os familiares, principalmente os filhos de surdos são seus principais interpretes.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o artigo 18 da lei mº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em < http://www. Planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm> acessado em 5 de março de 2017.
__________. Decreto 5626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e o artigo 18 da Lei nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm> acessado em 05 de março de 2017.
FERNANDES, Sueli Educação de Surdos Inter Saberes, Curitiba 2012.  disponível em <http://ftec.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788582120149/pages/5> acessado em 05 de março de 2017.
GESSER, Audrei LIBRAS: Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. Parábola Editorial, São Paulo, 2009.
MASUTI, Mara Lúcia SANTOS, Silvana Aguiar dos Intérpretes de Língua de Sinais: uma política em construção QUADROS, Ronice Muller Estudos Surdos III, Editora Arara Azul, Petrópolis, 2008.
QUADROS, Ronice Muller de Educação de Surdos: A Aquisição da Linguagem, Artes Médicas, Porto alegre, 1997.
SILVA, Silvana Araújo Conhecendo um pouco da história dos surdos Londrina, 2009. disponível em: <http://www.uel.br/prograd/nucleo_acessibilidade/documentos/texto_libras.pdf> (acessado em 07/09/16)
SOUSA, Joana Crescer bilingue: As crianças ouvintes filhas de pais surdos, Exedra: Revista Científica, Número temático - Português: Investigação e Ensino, pags. 404-413 Publicado em 2012, disponível em: <
http://www.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=13&idart=263> acessado em 20 de fevereiro de 2017.

* Doutorando em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco; Professor de Libras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas/MS; e-mail adriatto@outlook.com.br
** Formando em Letras-Libras pela UFSC; Especialista em Educação Inclusiva; Professora de Libras pela Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS; e-mail: elisapaulino@hotmail.com
*** Mestrando pela Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina, Professor de Libras pela UFMS – Campus de Pantanal; email: jp.deaf@gmail.com.

Recibido: 24/07/2018 Aceptado: 26/09/2018 Publicado: Septiembre de 2018


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