Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


OS LIMITES DE CONTESTAÇÃO À DEMOCRACIA E A CONTRADIÇÃO DA TEORIA PROCEDIMENTAL EM BOBBIO E DAHL

Autores e infomación del artículo

Lucas Araújo Monte*

Universidade de Brasília (UNB), Brasil

lucas.monte.bsb@gmail.com


RESUMO
O presente artigo questiona as teorias procedimentais da democracia em Bobbio e Dahl, no que diz respeito à possibilidade plena de contestação. A construção se dá com a apresentação prévia dos vínculos existentes entre a democracia de hoje com a “antiga”, com o objetivo de fazer uma conexão das bases do conceito atual de democracia. Nesse sentido, revisita a democracia desde Atenas e Grécia, aborda a concepção moderna de Rousseau, Madison e Mill, apresenta o surgimento e prevalência da teoria procedimental democrática, discute as perspectivas de Bobbio e Dahl, e realiza uma análise de todo o conjunto apresentado, tendo como paralelo a possibilidade plena de contestação na democracia. Conclui que a democracia possui limitações à contestação, e que por isso os estudos em relação aos valores democráticos não devem ser esgotados.
Palavras-chaves: democracia, contestação, valores democráticos, democracia procedimental, história da democracia.

RESUMEN
El presente artículo cuestiona las teorías procedimentales de la democracia en Bobbio y Dahl, en lo que se refiere a la posibilidad plena de contestación. La construcción se da con la presentación previa de los vínculos existentes entre la democracia de hoy con la "antigua", con el objetivo de hacer una conexión de las bases del concepto actual de democracia. En este sentido, revisa la democracia desde Atenas y Grecia, aborda la concepción moderna de Rousseau, Madison y Mill, presenta el surgimiento y la prevalencia de la teoría procedimental democrática, discute las perspectivas de Bobbio y Dahl, y realiza un análisis de todo el conjunto presentado, teniendo como paralelo la posibilidad plena de contestación en la democracia. Concluye que la democracia tiene limitaciones a la contestación, y que por eso los estudios en relación a los valores democráticos no deben ser agotados.
Palabras claves: democracia, contestación, valores democráticos, democracia procedimental, historia de la democracia.

ABSTRACT
The present article questions the procedural theories of democracy in Bobbio and Dahl, regarding the full possibility of contestation. The construction takes place with the previous presentation of the existing links between today's democracy and the "old democracy", with the aim of connecting the foundations of the current concept of democracy. In this sense, it revisits democracy from Athens and Greece, addresses the modern conception of Rousseau, Madison and Mill, presents the emergence and prevalence of democratic procedural theory, discusses the perspectives of Bobbio and Dahl, and performs an analysis of the whole set forth, parallel to the full possibility of contestation in democracy. It concludes that democracy has limitations to challenge, and that therefore studies on democratic values should not be exhausted.
Keywords: democracy, contestation, democratic values, procedural democracy, history of democracy.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Lucas Araújo Monte (2018): “Os limites de contestação à democracia e a contradição da teoria procedimental em Bobbio e DAHL.”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (mayo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/05/teoria-procedimental.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1805teoria-procedimental


1 INTRODUÇÃO

Uma das consequências da queda do muro de Berlim foi a busca pela implementação da democracia nos Estados-Nações. Assim, a democracia se firmou como um dos vocábulos mais significativos e relevantes do léxico científico, político e social. O debate sobre o termo permeou os mais variados campos do saber e camadas sociais, tendo assumido uma diversidade de significados. Ademais, o emprego do vocábulo demonstra um desejo social (mesmo que muitas das vezes difuso) acerca da sua implementação/permanência, alçando a democracia como um “norte”.
Apesar da referência da nova ordem mundial estabelecida após a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – como marco que direcionou os debates em torno da democracia –, os primeiros relatos de experiências democráticas consideráveis remontam há mais de 2500 anos atrás, na cidade-Estado de Atenas e na república romana. Desde dessa época a democracia tem sido teorizada e implementada de diversos modos, inclusive tendo sido utilizada como fundamento para grandes revoluções modernas, como a francesa e a americana, por exemplo.
No entanto, após tantas mudanças mundiais, os estudos em relação à democracia restaram, predominantemente, focados numa concepção empírica/procedimental, em detrimento de uma abordagem filosófica (também chamada de normativa ou clássica). Ou seja, parte-se do entendimento de que a democracia normativa (substancial) já foi exaustivamente teorizada, e que o foco das produções acadêmicas deve ser como implementar os princípios democráticos (formal).
Por outro lado, observa-se a cada dia mudanças mais latentes na sociedade atual, bem como o surgimento de novas demandas – as quais muitas das vezes se transformam em pautas políticas –, que devem ser recepcionadas pelo sistema democrático vigente. Nesse sentido, os principais autores desse viés procedimental (Dahl e Bobbio) preconizam que a democracia é um sistema apto para que qualquer conteúdo político-ideológico possa participar e concorrer num sufrágio.
Então, questiona-se: os limites de contestação (oposição) é algo inerente à democracia ou este regime de governo suporta, de fato, a competição, em total igualdade, a todos os conteúdos político-ideológicos.

2 ORIGENS E LIMITAÇÕES DA DEMOCRACIA CLÁSSICA

As bibliografias não apontam a época e o local exato em que a democracia foi criada e exercitada pela primeira vez, muito menos ousa-se falar que houve uma única origem. A tese mais aceita é que tenham havido diferentes experiencias democráticas ao longo da história e do globo terrestre, em diferentes tempos e por diferentes culturas. Por outro lado, observa-se que a existência de condições favoráveis – especialmente às relativas à igualdade – é o que possibilita o aparecimento e o desenvolvimento da Democracia (DAHL, 2001: 19-20).
No entanto, atribui-se às origens mais remotas da democracia às culturas atenienses e romanas clássicas, isto é, às existentes por volta do ano 500 a.C. Atenas e Roma consolidaram por séculos seus sistemas de governos, possibilitando a participação de um número significativo de cidadãos nas decisões estatais (DAHL, 2012: 2). As bases desses sistemas foram tão sólidas, que perduraram, como referência, mesmo após os respectivos declínios e inspiraram, após mais de 2000 anos, o considerado “pai da democracia moderna”, Jean-Jacques Rousseau, a projetar um modelo democrático “ideal” que previa a democracia direta (BOBBIO, 2015: 70-87).
A experiência democrática ocorrida em Atenas trazia no seu cerne uma limitação do número de pessoas aptas a participar do processo político. Apenas os cidadãos tinham direitos políticos e de propriedade, isto é, os homens livres, maiores de 18 anos, filhos de pai e mãe ateniense. Logo, mulheres, menores de idade, estrangeiros (metecos) e escravos estavam apartados do processo político-democrático. Assim, os habilitados a participar da vida pública representavam uma pequena minoria (DAHL, 2012: 6-31), e, mesmo dentre essa pequena parcela, somente cerca de 7% dos cidadãos atuavam diariamente na Eclésia (maior arena de deliberação) (BOBBIO, 2015: p. 88; DAHL, 2012: p. 23).
Sartori (1994b: 40) compreende que, para que a democracia direta seja exequível, há a necessidade da presença e participação real e efetiva das pessoas envolvidas, ou seja, é impossível a sustentação desse modelo com o seu exercício “a distância” e pela maior parcela de “ausentes”. Em outras palavras, quanto maior o número de pessoas envolvidas, menor é a participação de cada um, e mais baixa é a concentração do poder decisório nas mãos de poucos.
A democracia ateniense somente funcionava porque os seus cidadãos eram “suficientemente harmoniosos em seus interesses de modo a compartilhar um sentido forte de um bem geral que não [estivesse] em contradição evidente com os seus objetivos e interesses pessoais” (DAHL, 2012: 26). Além disso, tais cidadãos configuravam um perfil homogêneo no que diz respeito às características socioeconômicas-culturais-religiosas, pois, se não fosse assim, tenderiam a gerar conflitos políticos e divergências (DAHL, 2012: 27; SARTORI, 1994b: 38).
Na república romana observa-se uma semelhança na seleção dos cidadãos aptos a exercer os direitos políticos, tendo em visto que só previa a participação de homens livres no processo político (SARTORI, 1994b: 45). No que diz respeito aos povos conquistados, o sistema românico era, em princípio, mais amplo do que o ateniense, uma vez que para estes havia, em diversas situações, a previsão da aquisição do direito de atuar nas arenas públicas, ou seja, tornavam-se, de fato, cidadãos, com todas as garantias e privilégios decorrentes – exceto aos que se tornavam escravos. O império romano conquistou territórios muito além da península itálica, o que implicou num acréscimo considerável de cidadãos.
Não obstante, a simples ampliação do número de cidadãos romanos não apresentou um aumento considerável da participação efetiva na política da república. Dahl (2001: 23-24) aponta que a república romana jamais adaptou adequadamente suas instituições de governo popular para abarcar os novos membros. Ou seja, as assembleias de discussão e deliberação continuaram a se localizar exclusivamente na cidade sede. Dessa forma, o distanciamento geográfico, os custos de deslocamento e as atividades cotidianas (especialmente as laborais) de cada cidadão que não vivia em Roma (e seus arredores) inviabilizava a participação efetiva da maior parte dos cidadãos. Este problema foi se agravando à medida em que novas conquistas ampliavam o domínio de Roma.

3 OS ALICERCES DA DEMOCRACIA MODERNA

Os teóricos da democracia moderna embasaram os modelos de Estados-Nação que foram sendo constituídos, especialmente, a partir do século XVIII. A mudança do foco teórico foi no sentido de abandonar a ideia de que a democracia somente seria viável para gerir pequenos Estados (DAHL, 2012: 339). Todavia, Sartori (1994: 36) entende que a mudança de objetivos e valores propiciou o ressurgimento da democracia, no entanto, instituída sob novos ideais.
Desse modo, o entendimento em torno da democracia foi remodelado, ressignificado e posto em prática na instituição dos primeiros Estados-Nação do Ocidente – Inglaterra, Estados Unidos e França –, a partir de suas revoluções, e serviram, desde então, em maior ou menor medida, de “inspiração” na estruturação da maioria dos países que se constituíram posteriormente.
Este artigo abordará três autores da democracia moderna (Rousseau, Madison e Mill), a fim de analisar o pensamento de cada um em relação à democracia com o objetivo de observar as limitações à participação e/ou à contestação em cada uma teoria.

3.1 As bases da democracia francesa em Rousseau
O fundamento de democracia surge para Rousseau na existência da propriedade privada (BOSI, 2010: 23-25; ROUSSEAU, 2010: 23). Assim, no modelo democrático rousseauniano, a vontade geral, que surge do conflito entre as vontades particulares de todos os cidadãos, representa o bem comum. Assim, o palco legislativo é o espaço de eliminação das vontades particulares em proveito do interesse comum, pois o somatório das primeiras, e não o conjunto destas, se anulam, restando somente a vontade geral. Portanto, apenas a vontade geral pode, por si só, dirigir as forças do Estado, de acordo com o seu objetivo: o bem comum (ROUSSEAU, 2010: 39-42). Para Bobbio (2015: 43), a vontade geral expressada pelo filósofo genebrino era algo totalmente ideal, já que a realidade das sociedades, de uma forma geral, é composta não só por um centro de poder (centrípeta), mas, sim, por vários (centrífuga).
Este entendimento é importante para compreender a questão da participação direta no processo político-democrático. Dessa forma, o “bem comum” só seria atingido por meio do controle do governo pelo povo. No entanto, para que isso fosse possível, o Estado deveria ser pequeno tanto em território como em população, de forma a possibilitar que os cidadãos se reunissem para o exercício de sua soberania numa única assembleia popular (BOBBIO, 2015: 87; DAHL, 2012: 339-357). Rousseau (2010: 111) destaca que “a soberania não pode ser representada, porque não consente alienação, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade não tem representantes; ou é lei ou não é; não há meio termo”.
No que concerne às atividades do poder executivo, Rousseau (2010: 112) admite a representatividade, sob a justificativa da necessidade de um governo forte, ágil e eficiente, pois, “se a lei é a declaração da vontade geral, torna-se evidente que, no poder legislativo, o povo não pode ser representado; mas pode e deve sê-lo no poder executivo, que é a força aplicada à lei”.

3.2 A democracia sob a ótica de James Madison
Semanticamente, Madison adota o termo “república (ou governo) representativa”1 em detrimento de “democracia”.
Madison na sua elaboração conceitual sobre um modelo democrático apresenta um problema para a república americana: a existência de facções. A definição do termo fica a cargo do próprio “federalista”: “reunião de cidadãos, quer formem a maioria ou a minoria do todo, huma vez que sejão unidos e dirigidos pelo impulso de uma paixão ou interesse contrário aos direitos dos outros cidadãos, ou ao interesse constante e geral da sociedade” (MADISON, 1840: 72). Chama a atenção o fato da inclusão da “maioria” (movida pelas motivações de “facções”) ser um entrave. Percebe-se que o autor defende o status quo da formatação do seu sistema republicano acima de qualquer nova proposta popular – quando trata do interesse geral da sociedade –, ainda que conte com o respaldo da maioria.
Dessa forma, desde as primeiras discussões para a consolidação da república americana, já se observa uma preocupação com a contestação, especialmente nas que pudessem trazer à tona algum tipo de mudança considerada intocável pelos “federalistas”, como a questão do direito à propriedade e ao sistema de representação legislativa. Mesmo considerando de inviável execução, Madison (1840: 72) apresenta dois métodos para evitar as “facções”: a prevenção, por meio da destruição da liberdade essencial à sua existência, ou à imposição a todos os cidadãos das mesmas opiniões, das mesmas paixões e dos mesmos interesses; e a correção de efeitos: através do uso da maioria (na hipótese de a facção conceber a minoria) para destruir seus projetos; ou, quando a facção representar a maioria, proteger o bem público, os direitos individuais (diga-se, especialmente, o de propriedade), bem como a forma de governo popular, ou seja, por meio de representação e da constituição.
Dahl (2012: 40-345) observa também essa tentativa de gerir o “equilíbrio” de interesses conflitantes nos escritos do “federalista”, todavia, destaca que a ação proposta por ele, para fazer frente a esse “problema”, estava no cerne de sua própria concepção de governo republicano, ou seja, na criação de um sistema representativo em grande escala, o qual minimizaria a possibilidade de que os conflitos políticos se transformassem em conflitos civis graves. Portanto, a limitação à oposição estava na própria lógica da constituição da república.

3.3 – A influência do liberalismo de Jonh Stuart Mill na democracia moderna
A base do pensamento liberal de Stuart Mill origina-se nas ideias de Jeremy Bentham (1748-1832) – amigo do seu pai –, e também nos escritos do seu genitor, James Mill (1773-1836), especialmente no que diz respeito ao utilitarismo2 , ainda que tenha posteriormente rompido parcialmente com ambos autores (MERQUIOR, 2014: 126). Mill colocou em primeiro plano a importância da liberdade individual, ou seja, o anseio do indivíduo. Logo, prevalece o interesse e a vontade do indivíduo sobre a nação, e, assim, o autor inglês entende que a nação não carece de se proteger contra a própria vontade (MILL, 1991: 24).
Bobbio (2015: 171) observa, no liberalismo político de Mill, uma riqueza no que diz respeito à observância da fecundidade do conflito, do dissenso e da pluralidade dos pontos de vista. Assim, um sistema democrático não estaria mais próximo do que mantivesse um sistema social centrado3 e, sim, o que o reconhecesse como “um conjunto de interações entre grupos com funções de utilidade, que, enquanto tal, exclui toda concentração de poder que pretende organizar a vida social segundo um plano unitário”.
Dessa forma, Mill (1991: 43) defendia o livre pensamento e a necessidade de discussão como modo único de alcançar o progresso, tanto do indivíduo como da sociedade. Logo, a discussão, a argumentação, o conflito de ideias terão sempre um lado positivo. Se corretos, firmarão uma nova verdade, e, portanto, uma “verdade” melhor. Se falsos, avançam-se igualmente, já que, com a prova de que a verdade previamente estabelecida é válida, torna-se uma “verdade” mais forte.
Mill (1991: 33) apresenta que o princípio da liberdade 4 é orientado para defender as intervenções da sociedade no individual, e aplicado no uso da força física sob a forma de penalidades legais, bem como na coerção moral da opinião pública. O princípio consiste em que apenas se justifica a interferência dos homens, individualmente ou coletivamente, na liberdade de ação de outrem, no que diz respeito à autoproteção. Em outras palavras, “o único propósito com o qual se legitima o exercício do poder sobre algum membro de uma cidade civilizada contra a sua vontade, é impedir dano a outrem”, pois “o próprio bem do indivíduo, seja material, seja moral, não constitui justificação suficiente” (MILL, 1991: 34).
Resta expresso no pensamento político do filosofo inglês a existência de limites de poder que a sociedade (e o Estado) possa exercer legitimamente sobre o indivíduo, mesmo que tal ação seja para o “bem”.

4 DEFINIÇÃO CONTEMPORÂNEA DE DEMOCRACIA
A configuração teórica da atual democracia foi constituída a partir de uma mudança de importância do foco de uma abordagem filosófica (normativa ou clássica) para uma concepção empírica (ou procedimental). Um dos marcos dessa mudança foram os aportes do economista austríaco, radicado nos Estados Unidos, Joseph Schumpeter (1883-1950), especialmente os contidos na obra “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, publicada pela primeira vez em 1942. A partir do seu trabalho, houve uma guinada na teoria política, tendo influenciado diversos autores e consolidando-se como preponderante na atual ciência política de democracia (BOBBIO, 1998: 326). Autores renomados, como Giovanni Sartori, Anthony Downs, Noberto Bobbio e Robert Dahl, foram influenciados, em maior ou menor peso, pelas teses schumpeterianas.

4.1 A mudança da concepção clássica de democracia para a concepção empírica
Não há dúvidas de que a democracia moderna foi influenciada pela democracia dos antigos (BOBBIO, 2015: 52). No entanto, as próprias perspectivas democráticas foram ganhando sustentações diferentes ao longo do tempo. As experiências de governos populares, gregas e romanas, tinham como base o cidadão que se voltava aos interesses do coletivo e da sociedade, e não aos próprios. Tal concepção influenciou Rousseau para idealizar um governo em que a vontade geral (ou bem comum) seria um dos alicerces da sua proposta democrática. Mesmo com as influências prévias, a noção liberal, especialmente de Madison e Mill, rompe com parte do cerne destas propostas, pois o individual prevalece na maior parcela dos aspectos sobre o coletivo. Não obstante, as decisões goveridntais seriam tomadas, semelhante ao ideal rousseauniano, em observância ao “bem comum”.
A filosofia política desenvolvida no século XVIII e na primeira metade do século XIX é denominada como teoria clássica da democracia, e Schumpeter (1961: 300) a define como “o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade”. Portanto, a política democrática clássica partia do pressuposto de que os cidadãos seriam capazes de definir o bem comum, ou as medidas aptas a propiciarem o bem-estar ou felicidade geral (MILL, 1991), manifestada, principalmente, na escolha de representantes que zelem para que as suas “opiniões” sejam seguidas. Bobbio (2015: 43) afirma que se trata de um modelo ideal de democracia, já que se refere a uma sociedade centrípeta e formada por indivíduos, não por grupos. Sem embargo, a realidade é inversa, pois observa-se a existência de uma sociedade centrífuga, ou seja, que não possui somente um centro de poder, mas muitos, sendo, portanto, baseada em grupos de poder. Em outras palavras, a sociedade real é pluralista. Por isso, nenhum indivíduo tem condições de delimitar o interesse comum sem confundi-lo com os interesses do grupo (ou particulares), e mesmo que pudesse, a própria noção de “bem comum”, como acrescenta Schumpeter (1961: 301), pode significar coisas muito diferentes para cada indivíduo e cada grupo.
Por conseguinte, para que a democracia fosse viável sob a concepção clássica, o cidadão deveria ter conhecimento pleno dos negócios públicos, e, principalmente, o interesse na participação da vida pública. Assim, o cidadão deveria saber de maneira clara o que defender, tendo a capacidade de observar e interpretar os fatos que estão ao alcance de todos, e selecionar criticamente as informações sobre os que não estão. Além disso, teria que emanar uma conclusão clara e imediata quanto aos fatos particulares, e, no final, a sua opinião deveria ser aproximadamente tão boa como a de qualquer outro homem. Ainda, tal desempenho haveria de existir independente de pressão de grupos e da propaganda (SCHUMPETER, 1961: 304).
Schumpeter também critica outra base da concepção clássica da democracia: a soberania popular. No entendimento do economista austríaco, o “governo pelo povo” seria uma ficção. Em contrapartida, factualmente se observaria um “governo aprovado pelo povo”, pois, com exceção das situações em que a democracia direta é empregada, o povo, como povo, jamais poderia governar ou dirigir de fato (SCHUMPETER, 1961: 295-296). Desse modo, o papel dos eleitores e dos eleitos é invertido em relação ao estabelecido na teoria clássica. Assim, o eleitorado passa a ter um papel secundário em detrimento dos representantes que irão, de fato, tomar as decisões políticas.
A concepção da dinâmica democrática de Schumpeter baseia-se como um método político apto a permitir certo tipo de organização institucional, de forma que haja a possibilidade (pacífica), por meio do sufrágio eleitoral, de eleger e/ou substituir os representantes (SCHUMPETER, 1961: 324). Dessa forma, os eleitos atuariam sempre num “estado” de incerteza, visto que a vida política depende de uma constante concorrência pelos votos. Portanto, segundo Schumpeter (1961: 323), há na democracia uma “concorrência livre pelo voto livre”. Dessa forma, quaisquer tipos de limitação da concorrência deveriam ser eliminados, embora, o próprio autor reconheça que não se possa excluí-los totalmente, já que, então, se teria apenas uma democracia ideal, inteiramente irrealista.
Desse modo, para Schumpeter, a democracia possui, em seu núcleo característico, um respeito institucional maior para a concorrência livre pelo voto livre do que pela soberania ou pela a busca do “bem comum”, contrariamente ao que preza a teoria filosófica. Nesse sentido, o economista austríaco define a democracia como “um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições histórias” (SCHUMPETER, 1961: 291).

4.2 A democracia procedimental
Bobbio (2007: 157-158) trata da diferença entre a “democracia formal”, que diz respeito à forma de governo, e a “democracia substancial”, cujo cerne é pautado no conteúdo desta forma. Assim, a doutrina clássica focaliza a democracia como um ideal a ser alcançado, baseando-se em elementos normativos, como a asseguração da igualdade e liberdade, que direcionariam a sociedade para “alcançar” esse ideal. Por outro lado, a concepção procedimental (ou empírica) busca descrever a realidade na qual os princípios democráticos são aplicados. Sem embargo, Sartori (1994a: 34) reconhece que é “costume” adotar essa divisão – entre teoria normativa e teoria empírica –, mas a contesta, uma vez que ambas correntes possuem características normativas 5 na sua composição, e, portanto, segundo o cientista político de Florença, não seria o critério mais adequado para utilizar-se. Não obstante, Sartori (1994a: 35) admite a existência de duas esferas de análise diferentes da democracia, que se assemelham às adotadas neste trabalho: uma relativa ao “projeto” democrático (teoria tout court), ou a finalidade/metas previamente construídas; e outra referente à “prática”, ou à “teoria operacional da democracia”. A primeira é condição preliminar para a existência da segunda, assim, “o artefato ‘democracia’ tem de ser concebido e construído antes de ser observado” (SARTORI, 1994a: 37).
Dahl (2012: 9), na mesma linha de pensamento, entende que a democracia é um termo que pode se referir tanto a um ideal como também a regimes reais que ficam aquém do ideal. Segundo o cientista político estadunidense, esse duplo sentido é o que justifica um campo de pesquisa empírico na teoria democrática, uma vez que visa verificar se um regime, sistema ou processo é democrático ou não, ou se está mais próximo ou não do “ideal”. Assim, surge a necessidade de estipular indicadores que possam ser aplicados nos sistemas políticos reais, em outras palavras, uma transição da teoria normativa para a empírica. No entanto, para Dahl, essa divisão não é estanque, e, portanto, o intento de sua teoria é de associar os aspectos normativos e empíricos numa só doutrina teórica, apesar de previamente admitir as dificuldades nesse intento.
Dessa forma, pode-se definir democracia procedimental6 como aquela que tem, como principal objetivo – mas não único –, o estabelecimento de conjuntos de regras procedimentais, a fim que estas sirvam de instrumento de observação empírica, e, a partir dos resultados encontrados, possa ser apurado se determinado regime político é ou não é democrático; se está mais próximo ou afastado do que foi descrito nos conjuntos de regras como o “máximo” (ou ideal) democrático; utilizando-se como referência, para a formulação de seus princípios, determinado grupo de valores normativos e culturais, bens a serem tutelados e fins desejáveis. Portanto, o respeito às regras e às instituições democráticas é o que caracteriza a democracia sob a ótica da teoria empírica.
Nesse sentido, Bobbio (2015: 35) desenvolveu uma definição mínima de democracia, “entendida como contraproposta a todas as formas de governo autocrático, [...] caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos”. Logo, uma decisão tomada pela coletividade dos indivíduos somente tem aceitabilidade se observadas as regras (escritas ou não) que estabeleçam quem são os indivíduos autorizados a tomar decisões que deverão ser cumpridas pelo grupo, e com base em quais procedimentos.
Seguindo essa linha (procedimental), Bobbio (2000: 426) elenca seis regras descritas como “universais processuais”, que caracterizam um regime democrático no sentido de “quem” e “como” se deve decidir, não entrando, nesse caso, no mérito sobre “o que” se deve decidir7 .
Portanto, para Bobbio, a democracia é baseada no respeito às regras do jogo, pois “basta a inobservância de uma dessas regras para que um governo não seja democrático, nem verdadeiramente, nem aparente” (BOBBIO, 2000: 427). Assim, Bobbio entende que “a democracia, como método, está, sim, aberta a todos os possíveis conteúdos” (BOBBIO, 2015: 28), desde que sejam respeitadas as instituições e as regras do jogo. Em outras palavras, para o cientista político italiano, qualquer tipo de proposta político-ideológica – se consideradas as “regras do jogo” e as instituições políticas – está apta a participar e concorrer, em total igualdade com as demais, num pleito eleitoral.
A teoria procedimental da democracia atinge o seu auge e predomínio nas Ciências Sociais 8 com os aportes de Robert Dahl, especialmente os atrelados ao conceito de “poliarquia”.  Este conceito foi cunhado pelo cientista político estadunidense para discerni-lo do referente à democracia, que, segundo ele, se torna muito amplo e pode comportar diversas acepções. Portanto, em Dahl, poliarquia se refere à “democracia real”, já o termo democracia está atrelado à “democracia ideal” (LIMONGI, 2015: 11). Desse modo, a democracia é conceituada como um sistema político que possui, em suas características, a propriedade de ser totalmente – ou quase totalmente – responsivo a todos os respectivos cidadãos (DAHL, 2015: 25-26), e a poliarquia, como um regime relativamente democratizado, ou seja, dotado de caráter inclusivo e aberto à contestação pública (DAHL, 2015: 31).
A teoria de Dahl, em torno da poliarquia, tem como finalidade observar dois processos no sistema político que seriam a base da democratização: inclusão e desenvolvimento da oposição pública, ou simplesmente, participação e oposição. Preliminarmente, e baseado na premissa de que um governo deve continuar sendo responsivo às preferências dos seus cidadãos – considerados politicamente iguais –, o cientista político estadunidense apresenta três oportunidades plenas para todos os cidadãos: “1ª. De formular suas preferências. 2ª. De expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e da coletiva. 3ª. De ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência” (DAHL, 2015: 26).
Com a asseguração da totalidade destas preferências que se criam as condições estruturais – ainda que não suficientes – para à promoção da democracia. Associada a essas preferências há uma complementação oriunda do respeito a, pelo menos, oito garantias institucionais 9, que contribuem para a “plenitude democrática”, ou, em outras palavras, para que um regime seja classificado como uma poliarquia: “1. Liberdade de formar e aderir a organizações. 2. Liberdade de expressão. 3. Direito de voto. 4. Elegibilidade para cargos públicos. 5. Direito de líderes políticos disputarem apoio [e votos]. 6. Fontes alternativas de informação. 7. Eleições livres e idôneas. 8. Instituições para fazer com que as políticas goveridntais dependam de eleições” (DAHL, 2015: 27).       
Dahl apresenta que tais instituições são importantes para que se possa comparar regimes diferentes utilizando-se como base as duas dimensões teóricas da democratização: contestação pública e direito de participação. Desse modo, há garantias institucionais que operam somente na asseguração da oposição e outros somente na da participação, e alguns em ambos, como é o caso do direito de voto em eleições livres e idôneas, o qual atua diretamente nas duas dimensões; uma vez que tal direito estimula a contestação e ao mesmo tempo torna o regime inclusivo com o número significativo de participantes (DAHL, 2015: 28).
Partindo das duas categorias de análise que embasam o conceito de poliarquia – participação e oposição – se torna possível observar o “nível” democrático que se encontra determinado regime político. Assim, o modelo procedimental democrático proposto por Dahl é composto por quatro categorias extremas, que possibilitam um exame “infinito” de suas variações dinâmicas a partir da relação entre os dois eixos da democratização: 1ª) hegemonia fechada: situação em que há uma baixa contestação pública e participação política limitada; 2ª) oligarquia competitiva: posição que representa uma alta contestação, mas com uma baixa participação; 3ª) hegemonia inclusiva: caso que indica uma baixa contestação e uma considerável participação política; 4ª) poliarquia: conceito que representa uma alta contestação e uma ampla participação (DAHL, 2015: 30).

5 ANÁLSIE DOS LIMITES À CONTESTAÇÃO DA DEMOCRACIA
Valendo-se do instrumento analítico democrático de Dahl e levando em consideração a sua descrição para poliarquias – “como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, [como] regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação” (DAHL, 2015: 31) – observa-se que há, nas primeiras experiências de governos populares, mesmo que em diferentes níveis de abrangência e formato, um certo tipo de restrição à oposição pública.
A Atenas clássica restringia os aptos a participarem da vida pública dentre apenas os cidadãos10 , no entanto, este grupo era formado por um número restrito de atenienses. De maneira semelhante, a república romana clássica tinha limitações à inclusão de cidadãos para atuar na vida pública. Em que pese uma maior inclusão romana de novos participantes – já que, após a conquista de territórios, havia a possibilidade de os homens habitantes (que não se tornassem escravos) destes locais se tornarem “cidadãos” –, esta era limitada tanto pela exclusão de boa parte da população, além da centralização das arenas decisórias na cidade de Roma. Portanto, as dificuldades para se locomover até a “capital”, tanto pelo custo e distância, além da necessidade de cumprir atividades laborais de sustento, impedia a maior parte dos aptos a exercerem, de fato, o seu poder decisório e de atuarem, efetivamente, na vida pública da república.
Dahl (2015: 28-29) entende que num governo em que há limitação na participação, ou seja, que prevaleça o sufrágio restrito, como consequência, há também uma restrição à oposição pública, tendo em vista que um baixo número de cidadãos aptos não representaria, de fato, os interesses de todos os grupos da sociedade.
Ademais, a experiência democrática de Atenas demonstrou que aquela sociedade foi relativamente estável enquanto mantivera uma homogeneidade em muitas das características dos seus cidadãos. No entanto, quando as disputas e as divergências internas se acirraram ocorreu um enfraquecimento do sistema político-democrático, que foi uma das causas do declínio da polis ateniense e da sua conquista pelo império macedônico (AGUILERA, 2017). A república romana suportou, durante mais tempo, a questão da contestação no seu sistema político-popular. Os plebeus adquiriram, ao longo dos séculos, diversos poderes tanto na ordem político-legal, como na social, em que pese à resistência dos patrícios (aristocracia) em concedê-los. Sem embargo, nas últimas décadas do governo popular romano, as disputas internas ocasionaram uma desestabilização do governo, que culminou na instauração irreversível do império, e o consequente fim da república (SANT’ANNA, 2015).
Apesar do foco maior dado a análise da participação na sua obra, Dahl (2015: 28) também interpreta a lógica ao inverso: por mais que uma sociedade possa ter o direito de participação plena, a limitação à contestação pública a torna despida de boa parte do seu significado. Portanto, participação e oposição, como dimensões autônomas, se relacionam, ainda que, na análise de democratização de Dahl, de forma precária.
Quantos aos pensamentos modernos da democracia, observa-se que, no ideal de Rousseau (2010), é desejada uma inclusão ampla dos aptos a participarem da vida pública, e que a dissensão é bem aceita no seu modelo. No entanto, a questão da participação fica dificultada pela necessidade de a democracia ser exercida em locais de pequena população. Portanto, com um crescimento natural de determinada população a participação plena, em um momento, restaria inviabilizada. Além disso, a questão de a sustentação da sociedade ser formada a partir dos pontos de concordância é algo que só poderia ter bons resultados em sociedades com um alto nível de homogeneidade, bem como de baixa desigualdade social. Outrossim, o “bem comum” de Rousseau é visto como algo utópico, pois o que há são interesses que se sobrepõe a outros. Desse modo, a contestação, ainda que expressamente aceita por Rousseau, não teria a real amplitude prática se o seu ideal democrático fosse implementado, de fato.
“Os federalistas” americanos (1840) teorizaram um modelo que considerava determinados tipos de oposição como negativas para a consolidação do novo sistema político republicano. Assim, o direito à propriedade e ao sistema de representação legislativa eram pontos que deveriam ser protegidos pelo governo, de modo que qualquer contestação a esse respeito – mesmo que contasse com o respaldo da maioria – deveria ser rechaçada. Ademais, realizou-se a defesa de um grande sistema republicano, marcado por uma grande participação popular, com o objetivo de “diluir” os interesses contrários e priorizando a escolha dos “melhores” representantes para atuar nas arenas públicas de deliberação.
O pensamento liberal de Mill (1991) não restringia uma participação popular na arena democrática, bem como se demonstrou mais amplo na sua aceitação a oposição. Mill defendia os pontos positivos do dissenso e da pluralidade dos pontos de vista, portanto, via, no livre pensamento e nos frutos das discussões como o único modo de alcançar o progresso. No entanto, a liberdade à oposição não era absoluta, pois deveria haver o respeito prévio aos postulados liberais, ou seja, a contestação não poderia atingir determinadas liberdades individuais, como o direito à propriedade privada.
Ademais, o cientista político canadense Crawford B. Machpherson entende que o “liberalismo dos proprietários” jamais poderá ser democrático, não só pelo fato de que os proprietários das terras usufruam do direito do “primeiro ocupante”, e, assim, chegará um momento em que todas as terras “boas” estarão ocupadas, mas também porque a monetarização da sociedade permitiu a acumulação e concentração de riquezas, logo gerou assimetrias de classe e de status (BOSI, 2010: 29).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste breve artigo, percebe-se que as experiências democráticas reais e as teorizadas, até o início do século XIX, possuíam, em maior ou menor grau, limites à oposição implícitos – como na restrição à participação ou na aceitação da dissensão com ressalvas – e explícitos – a exemplo da proibição à contestação das liberdades individuais e do direito à propriedade. No entanto, teóricos da democracia procedimental, como Bobbio (2015: 28) e Dahl (2015), desenvolvem seus conceitos sobre o tema partindo da premissa (e defendendo-a) de que a democracia é um regime que comporta qualquer tipo de conteúdo (ou ideologia) dentro do espectro político, desde que os agentes em competição respeitem as regras democráticas (ou do jogo), e não previamente a valores correlatos (LIMONGI, 2015: 21). Ou seja, qualquer tipo de proposta político-ideológica estaria apta, a priori, a participar e concorrer, em total igualdade com as demais, em um pleito eleitoral. Isso seria uma das características procedimentais primordiais da democracia, a possibilidade plena de contestação/oposição (além da participação).
No entanto, Bobbio e Dahl se ancoram nos clássicos para afirmar, categoricamente, que a democracia, enquanto conjunto de valores (finalidades e metas), já foi amplamente discutida, e que o importante é teorizar mecanismos para que tais valores sejam implementados e respeitados (as “regras do jogo”). Por outro lado, observa-se que a contestação sempre foi um problema a ser resolvido dentro de sistemas democráticos. Enquanto a participação foi (e está constantemente) ampliada, a contestação sempre foi deixada para segundo plano, e, inclusive, mitigada.
Conclui-se que os estudos em relação à democracia normativa (filosófica, clássica ou substancial) deve ser constantemente aprofundado, tendo em vista que, mesmo no passado, questões relativas à contestação não foi resolvida. Tal situação torna-se mais agravante nos dias de hoje em que a sociedade está em constantes mudanças e há uma demanda massiva de novas demandas.

BIBLIOGRAFIA

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SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura S.A., 1961.

*Universidade de Brasília (UNB), Brasil lucas.monte.bsb@gmail.com
1 Madison (1840: 78) cunha a diferença entre as terminologias da seguinte maneira: “a primeira he mais vasta, e muito maior o numero de cidadãos, mas os poderes são nella delegados a hum pequeno numero de individuos que o povo escolhe”.
2 Em resumo, uma doutrina ética que propugnava a ação Estatal e social que tivesse como objetivo proporcionar a maior felicidade para um maior número de indivíduos (SCHUMPETER, 1961: 298).
3 Noberto Bobbio (2015: 171-173) analisa positivamente a mudança de pensamento da esquerda italiana, a qual deixou de lado a questão da centralidade do sistema social marxista, e absorveu os aportes liberais de John Stuart Mill na obra “Sobre a Liberdade”.
4 Ou o princípio de justiça; ou do neminem laedere (BOBBIO, 2015: 175).
5 Sartori (1994a: 34) menciona que há normas valorativas éticas e fundamentais, bem como normas técnicas condicionais e instrumentais (que ligam os fins aos meios). Bem como há uma diferença entre as normas prescritivas e normas descritivas.
6 Optou-se por utilizar-se a expressão “democracia procedimental”, em que pese o uso de termos distintos, como “formal” (BOBBIO, 2007), “empírica” (DAHL, 2012) e “teoria operacional da democracia” (SARTORI, 1994a), para tratar, praticamente, do mesmo conceito.
7 “1ª) todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade etária sem distinção de raça, religião, condição econômica, sexo, devem gozar de direitos políticos, isto é, cada um deles deve gozar do direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a expresse por ele; 2ª) o voto de todos os cidadãos deve ter igual peso; 3ª) todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para poder votar segundo sua própria opinião formada, ao máximo possível, livremente, isto é, em uma livre disputa entre grupos políticos organizados em concorrência entre si; 4ª) devem ser livres também no sentido em que devem ser colocados em condições de escolher entre diferentes soluções, isto é, entre partidos que tenham programas distintos e alternativos; 5ª) seja para as eleições, seja para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria numérica, no sentido de que será considerado eleito, o candidato ou será considerada válida a decisão que obtiver o maior número de votos; 6ª) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar por sua vez maioria em igualdade de condições” (BOBBIO, 2000: 426-427).
8 Chantal (2001) destaca que, a partir dos estudos empíricos, que culminaram no conceito de poliarquia, Dahl desenvolveu uma teoria democrática muito mais ampla que se baseia numa visão pluralista do processo político, que o colocou entre os grandes teóricos da democracia do século 20, ao lado de Joseph Schumpeter e Giovanni Sartori. Nesse sentido, Limongi (2015: 11) afirma que “Dahl contribuiu decisivamente para definir os contornos do que hoje se entende por democracia”.
9 Na obra “A democracia e seus críticos” (2012), Robert Dahl relaciona sete instituições necessárias para que um governo seja classificado como uma poliarquia: “1. Funcionários eleitos. 2. Eleições livres e justas. 3. Sufrágio inclusivo. 4. Direito de concorrer a cargos eletivos. 5. Liberdade de expressão. 6. Informação alternativa. 7. Autonomia associativa.”. (DAHL, 2012: 350-351). No entanto, pouco se distinguem das oito apresentadas no trabalho “Poliarquia: Participação e Oposição” (2015).
10 Conforme visto, era um grupo formado por homens livres, adultos, nascidos de pai e mãe atenienses, que, portanto, correspondia uma minoria na sociedade, já que restavam excluídos os estrangeiros, escravos, mulheres, e, obviamente, os menores de idade.

Recibido: 23/05/2018 Aceptado: 30/05/2018 Publicado: Mayo de 2018


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