Michael Jhonatan Sousa Santos *
UFMT, Brasil
michael_jhonatam@hotmail.comRESUMO: Neste trabalho, objetiva-se determinar a relevância da noção de “religião do absoluto”, desenvolvida por Alain Vaillant (2012), para o estudo do romantismo brasileiro enquanto fenômeno literário. Para tanto, comparamos aspectos desse conceito com conhecimentos produzidos por Antonio Candido (2002) acerca da poesia religiosa e sobre sua importância na estética romântica brasileira. Procedeu-se uma observação dos dados históricos apresentados pelo estudioso brasileiro, bem como uma análise do poema Ode à existência de Deus, do escritor romântico brasileiro Sousa Caldas (1836), através da ótica de Vaillant. Assim, verificamos que a noção de religião do absoluto pode representar um viés significativo para a compreensão do romantismo brasileiro.
Palavras-chave: Romantismo, Religião do absoluto, Antonio Candido, Alain Vaillant.
ABSTRACT: The aim of this work is to determine the relevance of the notion of “religion of the absolute”, developed by Alain Vaillant (2012), for the study of Brazilian romanticism as a literary phenomenon. To accomplish such goal, we compared aspects of this concept with knowledge produced by Antonio Candido (2002) on religious poetry and its importance in the Brazilian romantic aesthetics. An analysis of historical data presented by the Brazilian scholar was conducted, and likewise an analysis of the poem Ode à existência de Deus (Ode to the existence of God), by the Brazilian romantic writer Sousa Caldas (1836), through Vaillant’s point of view. Hence, it was verified that the notion of religion of the absolute could represent a significant perspective for the understanding of Brazilian romanticism.
Keywords: Romanticism, Religion of the Absolute, Antonio Candido, Alain Vaillant.
RESUMEN: En este trabajo, se pretende determinar la relevancia de la noción de "religión del absoluto", desarrollada por Alain Vaillant (2012), para el estudio del romanticismo brasileño. Para ello, comparamos aspectos de ese concepto con conocimientos producidos por Antonio Candido (2002) acerca de la poesía religiosa y sobre su importancia en la estética romántica brasileña. Se realizó una observación de los datos históricos presentados por el estudioso brasileño, así como un análisis del poema Ode a la existencia de Dios (Ode à existencia de Deus), del escritor romántico brasileño Sousa Caldas (1836), a través de la óptica de Vaillant. Así, verificamos que la noción de religión del absoluto puede representar un sesgo significativo para la comprensión del romanticismo brasileño.
Palabras clave: Romantismo, Religión del absoluto, Antonio Candido, Alain Vaillant.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato: 
Michael Jhonatan Sousa Santos (2018): “A religião do absoluto no romantismo brasileiro: uma experiência de comparativismo crítico”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (febrero 2018). En línea:
 https://www.eumed.net/rev/index.html/caribe/2018/02/romantismo-brasileiro.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1802romantismo-brasileiro
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho, propõem-se  uma análise comparativa entre o conjunto de ideias que se permite sintetizar sob  a expressão “religião do absoluto”, desenvolvidas pelo autor francês Alain Vaillant  (2012) e as considerações de Antonio Candido (2002) acerca da poesia religiosa  e das influências que ela exerceu no romantismo brasileiro. 
   Objetiva-se, através  disso, primeiro: determinar qual a relevância da noção de “religião do  absoluto” para a compreensão do romantismo brasileiro enquanto fenômeno  literário. Segundo, demonstrada essa relevância, confrontar o ponto de vista  crítico de Candido acerca dos temas afins à religião às proposições de Vaillant,  que visam ser globais, sobre o romantismo, no que tange à noção de “religião do  absoluto”.
   Num primeiro momento, a  obra O Romantismo no Brasil (CANDIDO, 2002)nos serviu de substrato histórico. Assim, o que fizemos foi  verificar se as generalizações propostas por Vaillant se ajustavam aos fatos  ocorridos no Brasil romântico. A segunda etapa do trabalho, por sua vez,  consistiu em verificar se os apontamentos críticos de Candido convergiam com o  trabalho desenvolvido por Vaillant. 
   Este é, assim, um  trabalho de comparação entre diferentes posicionamentos críticos acerca de um  mesmo objeto. Através desse exercício, pode-se verificar o avanço do  conhecimento científico acerca de um tema; a validade de novos conceitos para  tratar de problemas antigos; e, principalmente, ele possibilita colocar a  mostra ‘o diferente’, podendo fazer surgir aspectos de fenômenos já estudados  que talvez não tenham sido considerados.  
   Conforme apontado no  título, trata-se de uma atividade de caráter experimental. Com isso indica-se  que as conclusões alcançadas precisam ser novamente testadas por meio de  pesquisas em um número maior de autores que tratem do tema apresentado, bem  como pela análise de textos literários do período em estudo. 
2 A RELIGIÃO DO ABSOLUTO NO ROMANTISMO BRASILEIRO
Em sua busca por  compreender globalmente o romantismo, Alain Vaillant assume que apenas dados  políticos e sociais não são suficientes para explicar um movimento cultural de  tal magnitude. Segundo ele, o imaginário romântico oscila, vertiginosamente,  “entre as esferas do visível e do não visível, do humano e do divino, do  natural e do sobrenatural” (VAILLANT, 2012, p. 38). Compreende-se, a partir do  exame do texto de Vaillant, que esse traço característico é um dos mais gerais  do romantismo e que estaria, primeiramente, ligado a uma mudança de postura  frente a um universo de hierofanias, experiências de manifestação de realidades  sagradas (ELIADE, 1992) culturalmente instituídas. Somente depois implicou em  movimentos políticos e sociais.  
   Para os românticos, ciência,  sentimento, história e arte convergem e estão em íntima relação com forças  místicas invisíveis. Assim, seria possível mirar o sobrenatural pela observação  do natural, o divino, pela visão humana (VAILLANT, 2012). A essa característica  fundamental do romantismo, Vaillant chama de “religião do absoluto”. Conforme  explica, ela se deve, primeiramente, a um processo de questionamento religioso  que legou aos indivíduos uma superação dos ritos de acesso a Deus institucionalizados  pela Igreja Católica.  Nesse sentido,  Vaillant afirma que as raízes mais profundas de todo o romantismo são suas  fontes cristãs: 
   [...] o  coração vivo do romantismo, o centro vivo de onde tudo emana, é, com efeito, a  religião - mais precisamente, o vasto movimento de secularização do  questionamento religioso que caracteriza globalmente a evolução intelectual  Europeia desde a Reforma e que, virtualmente, confia a cada indivíduo, claro,  em função de sua educação, o direito e o dever de se confrontar aos grandes enigmas  da metafísica cristã. (VAILLANT, 2012, p. 37).
   Conforme o teórico  francês, compreende-se que o romantismo tem uma afinidade natural com a reforma  protestante. Enquanto, no catolicismo, o homem depende da instituição religiosa  para que legitime seu acesso a Deus, na ética protestante, a experiência com o  divino atinge a esfera individual. Nesta, é como se Deus passasse a se importar  com cada sujeito, de tal modo que entrar na presença d’Ele se constituiria numa  experiência pessoal. Isso explica, segundo o teórico francês, a violência com  que tanto a instituição Católica quanto o Estado combateram o protestantismo.
   Vaillant (2012, p. 38)  afirma que, visto do prisma da ortodoxia religiosa católica, o romantismo  figurava como uma estética da transcendência, que logrou enxergar em todas as  experiências humanas a atuação de forças invisíveis e sobrenaturais. Assim, o  sujeito ganhou autonomia frente às instituições religiosas, além disso, passou  a enxergar nos aspectos básicos de sua vida uma atuação sobrenatural.
   A partir dessas  considerações de Vaillant, pode-se concluir que a afinidade do romantismo e do  protestantismo, tal como este se deu a princípio, reside na valorização do  sujeito, na crença de que ele possui meios de, por si só, acessar o divino e  sobrenatural.  
   No Brasil, baseados em  Candido (2002), pode-se afirmar que a afinidade entre o pensamento religioso e  o romantismo deu-se antes que se manifestassem outras tendências temáticas da  estética. Antes, inclusive, do marco inicial do romantismo brasileiro, a  revista Niterói, de 1836, na qual  Gonçalves de Magalhães publicou o prefácio de Suspiros poéticos e saudades. Se na Europa a Reforma serviu como  processo de libertação do indivíduo em relação às instituições, que convergiu  com o movimento literário romântico, no Brasil, o processo de libertação do  sujeito parece ter se iniciado na própria literatura.  
   Condiz com essa  compreensão o fato de que não houve uma separação no interior da igreja  Católica que indicasse uma ação de reforma nos modelos europeus. Contudo, segundo  Candido (2002), são componentes de sua hierarquia os primeiros a consumirem, assimilarem  e a propagarem os valores românticos, guardando-se as afinidades deste com o  protestantismo. Isso foi possível também porque nesse período – a partir de 1808  – o romantismo não se identificava como tal no Brasil, afirma o teórico  brasileiro. Outro elemento que corrobora, nesse sentido, diz respeito ao fato  de que a elite intelectual brasileira era consumidora de literatura europeia  romântica.  Ao tratar do modo como o  romantismo se inicia no Brasil, Candido afirma: 
   É preciso  destacar outro traço, cheio de consequências: o advento de uma religiosidade  que se distancia da devoção convencional para apresentar-se como experiência  afetiva, que confere certa nobreza espiritual e foi sendo considerada cada vez  mais posição moderna, oposta ao paganismo ornamental da tradição. Os primeiros  românticos brasileiros consideravam como um dos seus mestres Antônio Pereira de  Sousa Caldas (1762-1814), que de fato consagrou a segunda parte de sua vida a  traduzir os Salmos, de Davi, pondo assim na linha de frente a poesia religiosa,  seguido por Frei Francisco de São Carlos [...] (p. 17, 18) 
   Como  se pode observar, é possível delinear uma linha de coerência entre os  acontecimentos que marcaram inicialmente o romantismo no Brasil e as  considerações que Vaillant apresenta a respeito da estética. Contudo, também  verificam-se algumas dissonâncias entre os fatos apontados pelo teórico  brasileiro e as discussões apresentadas pelo francês. 
   Candido e Vaillant  equiparam-se quando ambos detectam que o advento do romantismo relaciona-se,  primeiramente, com uma tendência ao questionamento e à superação das convenções  institucionais da igreja, que são substituídas pela experiência pessoal. Porém,  Candido não é específico ao determinar as razões históricas dessa  religiosidade. Vaillant, por sua vez, além de assumir que ele está no “coração  do romantismo”, situa suas raízes no movimento de reforma religiosa. 
   Essa ausência de  especificidade pode ser notada também no emprego da expressão “paganismo  ornamental da tradição”. Candido (2002) é vago ao valer-se do termo “paganismo”,  o que se percebe ao olhar o fato por ele apresentado pela ótica de Vaillant  (2012). Essa oposição a um paganismo, no ceio da igreja Católica, pode ser  entendido de pelo menos dois modos. Primeiro: como um processo de purificação  e, portanto, como um fortalecimento da instituição religiosa em desfavor da  libertação do indivíduo, preconizada pelo romantismo. Uma espécie de  permanência dos valores da “contrarreforma”.  Pode-se entender, por outro lado, que essa  oposição apenas fortaleceu o indivíduo, sem que tenha equivalido a um  enfraquecimento da igreja. 
   Coopera com essas leituras  o fato de que no Brasil não houve um movimento social e político que tenha  servido de fulcro à libertação do sujeito frente à instituição religiosa. Como  dissemos antes, esse processo de libertação do indivíduo parece ter ocorrido,  predominantemente, na literatura, compreendida, aqui, como qualquer  manifestação de cunho poético, ficcional ou dramático em qualquer nível de uma  sociedade (CANDIDO, 1996), e por isso não implicou num choque de interpretações  do sagrado tão violento quanto o que houve na Europa.
   Independentemente de escolhermos um ou outro  modo de interpretação da oposição que a experiência individual da esfera divina  fez à tradição religiosa Católica no Brasil, o dado histórico de que ela consistiu-se  como a rejeição a um “paganismo” não contraria a noção de absoluto de Vaillant: 
   [...] por  todo sempre, o romantismo esteve em busca do absoluto, e ele procurou,  intensamente, recursos e formas, mais relativas que absolutas, para retornar à  pátria que deixou, sua pátria original, que é o reino dos deuses. (p. 38)
   Assim, o gesto  romântico brasileiro de se opor ao paganismo, de que trata Candido (2002), em  favor de uma visão mais estritamente cristã, ainda que pessoal, pode ser  entendido como uma busca do absoluto que se dá pelo viés do relativo.  Essa busca não se caracterizaria,  necessariamente, pela adição de numerosos credos e ritos, podendo ser orientada  por uma redução destes.   
   Antes de seguirmos com  esta exposição, cabe mencionar que o aspecto incerto de alguns pontos do texto  de Candido (2002) pode se relacionar ao modo contraditório pelo qual ocorreram  algumas mudanças históricas no Brasil. Nesse sentido, destacam-se eventos como  a proclamação da independência, no qual se pode verificar “uma independência  parcial”, ou uma “independência que ocorreu, mas não ocorreu”; e outros, como a  proclamação da república e o advento da Consolidação das Leis do Trabalho. Do  mesmo modo, é possível que o processo de libertação do indivíduo dos ritos dogmatizados  de acesso a Deus tenha se dado sem o enfrentamento das instituições,  diferentemente de como foi na Europa, onde houve a Reforma. 
   Com base no exposto  acima, já podemos concluir que a noção de “religião do absoluto” também é  relevante para a compreensão do romantismo brasileiro, embora apresentemos  peculiaridades históricas. Nesse sentido, continuemos a observar o sentimento  religioso de que vimos tratando e seus desdobramentos no romantismo brasileiro. 
   Conforme apresentado,  Antônio Pereira de Sousa Caldas foi tido como mestre pelos primeiros românticos  brasileiros e sua produção literária pode ser vista como um marco na literatura  do Brasil. Embora tenha se ordenado padre em Roma, Sousa Caldas sempre foi  tratado com reserva pelas autoridades eclesiásticas porque, em sua mocidade,  manifestava ideias deístas, afirma Candido (2002). Ele acrescenta, ao tratar  dos escritos de Sousa Caldas, que “são um momento importante do nosso  liberalismo ilustrado, pela defesa da tolerância, da liberdade de imprensa e da  compatibilidade entre a religião e as ideias políticas modernas” (CANDIDO,  2002, p. 18). 
   Também nesse ponto,  reservadas às proporções do enfoque, os teóricos se assemelham. Sinteticamente,  pode-se dizer que o deísmo é um posicionamento filosófico através do qual se  assume, ou se permite assumir, a existência de Deus por meio da razão  (ABBAGNANO, 2007). 
   As ideias deístas que Sousa  Caldas apresentou, tanto na mocidade quanto na velhice, sugerem traços do que  Vaillant chama a religião do absoluto. Por outro, o olhar cuidadoso e  focalizado de Candido não deixa de detectar a presença desse sentimento no  romantismo do Brasil. Os versos de Sousa Caldas, extraídos de suas Poesias  Sacras, da “Ode à existência de Deus1 ”, materializam a noção de religião do absoluto:  
A  luz se faça; e súbito creada 
   A luz,  resplandecendo 
   A voz ouvia  que aviventa o nada; 
   D’entre as  trevas se foi desinvolvendo 
   O cháos, que  estendendo 
   A horrenda,  tudo confundia,
   A terra, e o  mar, e os ceos, e a noite e o dia.
Mas tu quem  és, ó cháos tenebroso? 
   De quem o  ser houveste?
   De algum  Deus por ventura poderoso,
   A cujo aceno  tu também cedeste?
   Ou acaso  nasceste
   De ti mesmo  ante o tempo; e a tua edade
   Tem por termo  e princípio a eternidade? 
   ...
   O peito se embravece: 
   Voraz zelo as entranhas  me consome.
   Ah! Foge, erro feroz,  respeita o nome 
   Daquelle a quem conhece
   Por SENHOR o Universo;  e em vão gemendo 
   No abismo, esconde teu  furor horrendo.
Faze, ó razão, soar a  voz augusta 
   Que as rochas desferra,
   E que as forças do  Averno abala, assusta
   Escutai, alto ceos:  ergue-te ó terra,
   A fronte descerra;
   Atenta de meos versos a  armonia:
   De novos pensamentos a  ousadia. 
   (SOUSA, 1836, p. 7, 8)
            Quanto  à forma, a cada duas Septilhas o poeta inseriu uma sextilha, também alterna  versos de nove e seis sílabas poéticas. Tal estrutura expressa a busca  romântica de liberdade formal em relação aos modelos clássicos, que prezavam  por uma maior regularidade. Depreende-se de Bosi (2006) que as modificações  estruturais dos versos, ocorridas durante o romantismo, relacionam-se com as  modificações das estruturas sociais que ocorreram no período. Quando o poder da  nobreza foi abalado, mediante a revolução francesa, as formas de expressão  valorizadas por essa classe cederam espaço a diferentes modelos de versejar, de  gosto mais populares. Assim, destacamos que tanto a busca por liberdade formal quanto  a religiosidade romântica tem como fulcro o questionamento das instituições  sociais.    
   Tipicamente mais  romântico, tal como verifica Jean Cohen (1974), é a inserção de pausas longas  no interior do verso e a utilização de pausas curtas no final de cada um deles,  formando o enjambement. Sousa Caldas  utiliza tanto um quanto o outro recurso no poema apresentado. Essa utilização  também reflete o anseio romântico por liberdade porque, conforme Octávio Paz  (1976), na poesia moderna, em que se insere a poética romântica, a imagem e a frase  geralmente não cabe em um único verso. Os três primeiros versos do citado poema  de Sousa Caldas exemplificam isso, visto que tanto a frase quanto a imagem  poética, sinestesia, requerem mais de um verso para se constituir. Nisso, o  poema se opõem ao que ocorre na poesia do século XVI e XVII, em que verso,  frase e imagem poética tendem a coincidir. Assim, esse recurso também pode ser  considerado como uma ruptura de modelos formais socialmente valorizados pela aristocracia  nobre deposta pela revolução francesa.     
   Em correspondência com  essa estrutura formal, no nível do significado, verifica-se a presença de um eu  lírico questionador dos segredos do universo, que tenta aproximar razão e fé  para de compreender a existência como um todo. Ao mesmo tempo, verifica-se que  o modo como esse eu propõe sua relação com o sagrado não se dá por preces,  ladainhas, ou penitência. Dificilmente, pode-se aproximar o poema acima desses  textos, o que o diferencia profundamente da poesia com temática religiosa de  Gregório de Matos, por exemplo. Não há referência a qualquer instituição  religiosa; o contato do eu lírico com o sagrado é direto. 
   No poema, o eu lírico intima  um possível Senhor do universo, não argumenta com tal figura, mas usa o  imperativo do verbo para se dirigir a ela “atenta”. Esse eu convoca o “céu” e a  “terra”, criações divinas, na lógica religiosa do poema, para que atentem ao seu  poder criador: “de meos versos a armonia”, demonstrando com isso a importância  do indivíduo. A experiência individual aparece, ainda, claramente, na penúltima  estrofe, sobretudo, nas palavras “peito” e “entranhas”. O lançar-se ao  absoluto, conforme expõem Vaillant, não é apenas a adesão aos temas religiosos  ou transcendentais. Trata-se de um movimento de oscilação entre o natural, “A  terra, e o mar, e os ceos, e a noite e o dia.” e o sobrenatural, “algum Deus  poderoso”, e é intermediado pelo homem, “a razão”. A religião do absoluto no  poema é, assim, visível na figura de um eu lírico que não restringe sua fé aos  limites de uma instituição religiosa. 
   Além de Sousa Caldas,  outros poetas que ajudaram a colocar a poesia religiosa na vanguarda do  romantismo brasileiro eram considerados como referências para os primeiros  românticos de nosso país, acrescenta Antonio Candido (2002), citando os nomes  de Frei Francisco de São Carlos, Elói Ottoni e Frei Francisco do Monte Alverne.  Quanto a este, as considerações do crítico brasileiro indicam a possibilidade  de que seja possível observar a expressão poética da religião do absoluto em  sua obra: 
   Mas muito  mais tocado pelo espírito novo foi Frei Francisco do Monte Alverne (1784-1857),  professor de filosofia que influenciou a primeira geração romântica pelo seu  ecletismo espiritualista e, sobretudo, pela eloquência dos seus sermões, cheios  de patriotismo e de um sentimentalismo que transforma a religião em experiência  pessoal. (CANDIDO, 2002, p. 19, 20).
   Como se observa no  fragmento acima, além de reiterar a convergência entre experiência pessoal e  religião, incitada pela Reforma, Frei Francisco antecipa o misticismo que se  fará presente no romantismo por meio de um ecletismo espiritualista, apontando  para a discussão empreendida por Vaillant sobre a religião na estética de que  tratamos.  
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguindo o relato  histórico de Candido (2002) sobre o romantismo e as considerações que faz  acerca dos fatos que apresenta, verificamos a presença de autores e obras que  podem ser estudas por meio da noção de religião do absoluto. Revela-se, assim,  tanto uma certa coerência que a análise do romantismo, por meio do conceito de  que tratamos, apresenta, quanto se demonstra o vigor do estudo da literatura  por meio do comparativismo crítico. 
   Nesse sentido, os  resultados gerais indicam que Vaillant (2012) e Candido (2002) equiparam-se  quanto à percepção do lugar da religião numa “cronologia” do romantismo.  Aquele, contudo, destaca-se em relação a este na medida em que identifica e  apresenta esse aspecto como um estruturador geral do romantismo. Embora Candido  não se posicione, claramente, quanto aos acontecimentos que narra, primando,  por um lado, por um cuidado de historiador e, por outro, por uma ação de  exclusiva crítica literária, julgando a qualidade estética, é possível perceber  que, para ele, o elemento estruturador do romantismo brasileiro é o indianismo/nacionalismo,  apesar de reconhecer o advento primeiro da temática religiosa como experiência  individual. 
   Se compreendermos o  indianismo nessa perspectiva, devemos reconhecer que o coração do romantismo  brasileiro não é propriamente a religião, mas a política. Em outras palavras,  os jogos e estratégias de poder de uma colônia que visava sua libertação frente  à metrópole. No âmbito da literatura, elaborava-se, assim, uma libertação  cultural, em favor da constituição de uma identidade nacional. 
   Desse modo, aponta-se  uma divergência profunda entre Vaillant (2012) e Candido (2002), que pode  decorrer de peculiaridades históricas do Brasil e da Europa, que seja: a  experiência individual do sobrenatural parece não ser garantidora de uma  coerência global do romantismo brasileiro, como sugere Vaillant para o  romantismo como um todo. Aparentemente, nosso romantismo relaciona-se mais a  uma conquista do mundo natural por meio do fim da relação colônia-metrópole, do  que a uma conquista do mundo natural-sobrenatural, sugerida pela noção de  religião do absoluto. Ainda assim, deve-se considerar o caráter contraditório  que esse mundo natural alcança em nossa literatura, devido à sua construção  altamente idealizada. Essa idealização do mundo pode ser um caminho a se  percorrer através do conceito de religião do absoluto. 
   Em todo o caso, a  comparação proposta demonstra a necessidade de revisitarmos o romantismo  brasileiro, de pesquisá-lo novamente. Vaillant (2012) começa seu trabalho de  propor “uma visão global do romantismo” perguntando-se se esse movimento  realmente existiu. De fato, como é possível tratar por um único nome um fenômeno  que possui tantas contradições internas, tantas facções, que se relaciona tão diretamente  ao lugar onde ocorreu e ocorreu em múltiplos lugares?  O que Vaillant visa estabelecer em seu texto  é uma visão homogênea do romantismo, que supere as diferenças e tons locais que  o movimento assumiu, um ponto de coerência em torno do qual possam orbitar as  diversas características que o romantismo assumiu. 
   No Brasil, o romantismo  é classificado em três fases que, essencialmente, opõem-se: a segunda geração  queria fugir do mundo, por meio da morte, às vezes, enquanto os condoreiros  queriam mudar o mundo e permanecer nele. Apesar disso, tratamos todos os  escritores desses momentos como românticos. Talvez seja a hora de dissolvermos  as fases e buscarmos uma unidade para esse movimento, uma visão global, na  esteira do que propõe Vaillant.
4 BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia.Trad. BOSI, A. BENEDETTI, J. 5. ed. São  Paulo: Martins Fontes, 2007.
   BOSI, A. História  concisa da literatura brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006. 
   CANDIDO, A. O romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas  - FFLCH/USP, 2002.
   ____________.  Direito à Literatura. In: Vários  Escritos. 3ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995. 
   COHEN, Jean.  Nível Fônico: a versificação. In:  Estrutura da linguagem poética. Trad. Álvaro Lorencini e Ane Armichand. São  Paulo: Cultrix/Edusp, 1974.   
   ELIADE, M. O  sagrado e o profano. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes,  1992.
   CALDAS, A.  P. S. Obras Poéticas. Coimbra, 1836.  Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=midias&id=136535.  Acesso em: 12/2014. 
   PAZ, O. Signos em Rotação. Trad.  Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva, 1976.
   VAILLANT,  A. Pour une histoire globale du romantisme. In: Dictionnaire du Romantisme. Paris, CNRS Éditions,  2012, p. 13 – 154.