Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


ESTADO, ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL (1970-1990)

Autores e infomación del artículo

RISSO, Gisele Carozza de Souza *

SCHROEDER, Tânia Maria Rechia **

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

giselerisso@hotmail.com


RESUMO
Neste artigo intentamos analisar os aspectos gerais das reformas políticas e políticas sociais implementadas na América do Sul e no Brasil durante o período de 1970 até aproximadamente 2000. Igualmente, investigamos as orientações de organismos como o BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e o FMI - Fundo Monetário Internacional para os países do Cone Sul. A confrontação das averiguações nos permitiu constatar a influência de tais organismos na implementação de políticas sociais em nosso continente, a continuidade de tal influência e implementação até a atualidade, a convergência entre a efetivação de reformas políticas e o compromisso com a economia capitalista globalizada e a consequente precarização da educação.
Palavras-chave: Estado, Organismos Internacionais, Políticas Sociais no Brasil.

ABSTRACT
In this article we intend to analyze the general ascpects of the policial reforms and social policies implemented in South America and Barzil from 1970 to approximately 2000. We also investigate the orientations of organizations such as the BID – Inter-American Development Bank and the IMF – International Monetary Fund to the Southern Cone countries. The comparison of investigations allowed us to verify the influence of such organisms in the implementation of social policies in our continet, the continuity of such influence and implementation to the present day, the convergence between the implementation of political reforms and the agrément with the globalized capitalista economy and the consequente insecurity of education.
Key-words: State, International Organisms, Social Polices in Brazil.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

RISSO, Gisele Carozza de Souza y SCHROEDER, Tânia Maria Rechia(2019): “Estado, organismos internacionais e políticas sociais no Brasil (1970-1990)”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (noviembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/11/estado-organismos-internacionais.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1911estado-organismos-internacionais



INTRODUÇÃO
A universalidade do ensino básico perdeu força como bandeira na luta dos profissionais da educação e de igual modo caiu em desuso nas propagandas goveridntais, projetos de ONG’s e veículos midiáticos de orientação liberal. A justificativa pode ser esquadrinhada pela percepção de que a matrícula e frequência na escola não é garantia de emancipação humana e pela necessidade de compreender que os mecanismos acionados pelo capital para assegurar a estratificação social permeiam todas as atividades humanas, dentre elas a educação.
Não obstante, os estudiosos que tem como objeto a educação, gradualmente valeram-se de ferramentas teóricas e metodológicas variadas para entender de que forma a exclusão social é perpetuada no âmbito escolar. Logo, outras áreas de estudo somaram esforços à pedagogia para compreender de que maneira a educação faz girar a engrenagem do capitalismo, para então, a partir deste ponto, buscar a superação da realidade desigual através da própria educação, reconectando-a ao trabalho, potencializando sua capacidade por meio de práticas emancipatórias.
É nesse contexto que as pesquisas acerca da natureza das políticas sociais implementadas no Brasil sob a batuta de organismos internacionais se encaixam. Tais estudos revelam uma trágica premissa, a de que todo tipo de reforma educacional oriunda do próprio Estado é aprioristicamente condenada ao fracasso, pois, a escola está no cerne do aparato estatal que tem como objetivo primordial a manutenção da sociedade capitalista.
Paradoxalmente, a escola assume papel emancipador e alienador. Para os docentes comprometidos na luta contra a reprodução dos valores que representam a cultura do capitalismo, a educação tem como uma de suas funções se opor radicalmente ao sistema hegemônico. Para o Estado, reitera um conjunto de valores que revigoram a visão de mundo necessária à manutenção do sistema capitalista.
A transformação radical das estruturas que mantém o sistema capitalista funcionando é uma exigência educacional, pois, todos os modos de manutenção estão atrelados à escola e seu papel. De igual modo, uma mudança social é premente, porque é preciso que haja as circunstâncias determinadas em que uma educação com papel emancipador faça sentido. Enfrentamos obstáculo grande, mas não intransponível. Um dos primeiros passos já foi dado, o de compreender que historicamente a escola enquanto instituição correspondeu [...] ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes (MÉSZÁROS, 2008, p.35).
Nesse sentido, o Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial (1997) produzido pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, nos indica tacitamente, que papel cabe à escola em uma nação que vive sob o julgo de um Estado cujo o objetivo é a acumulação do capital. Segundo o documento o Estado não deve apenas garantir os recursos econômicos, mas, de igual modo as regras, os hábitos, ou seja, a cultura vinculada à aplicação dos recursos econômicos. Uma das exigências previstas para o Estado tornar-se eficiente é a reprodução dos hábitos que façam com que o mercado, a economia capitalista se desenvolva. Como estratégia do Estado, o documento anota como premissa, conduzir o povo a aceitação do novo papel do Estado como facilitador econômico e não como provedor.
Sendo a escola o grande irradiador de cultura em nossa sociedade, pressupomos, que caberia a ela tal papel. Tal aceitação porém, vai totalmente em sentido oposto aos interesses da população.
Shiroma (2011), igualmente analisa o assunto. Partindo das semelhanças entre as políticas educacionais empreendidas nas últimas décadas na América do Sul e das propostas da UNESCO e Banco Mundial como o Projeto Regional de Educação para a América Latina e Caribe, a autora argumenta que há uma agenda para a educação em âmbito internacional elaborada por organismos desse caráter e acrescenta que longe de serem proposições puramente teóricas, as exigências feitas já estão sendo executadas através de documentos como o Los proyectos hemisféricos em educación: matriz de aportaciones de organismos internacionales, produzido pela Organização dos Estados Americanos em 2003.
Entretanto, justificando a necessidade de seu estudo no intuito de esclarecer os educadores, Shiroma (2011) anui que o mero espargimento dos princípios elaborados pelos organismos internacionais não garantem sua implementação. Porém, se não se trata de uma verticalização dos princípios, como é possível constatar sua presença no discurso e medidas de várias escolas e secretárias de educação do Brasil? Como esses fundamentos estão sendo multiplicados, até mesmo quando não há a obrigatoriedade ou orientação política para tanto? De acordo com a autora, os organismos sugerem – e é por meio delas que os princípios se alastram – a criação de redes sociais. Veremos o quanto essa noção é nociva e abrangente.
Conforme Shiroma (2011), as redes sociais são,
[…] um conjunto de pessoas e/ou organizações que se agregam com interesse comum, contribuem para a produção e disseminação de informações, criam canais de comunicação e estimulam a participação da sociedade. (SHIROMA, 2011, p.18)
As redes sociais representam um processo de descentralização, onde as tarefas do poder central é distribuída entre os membros periféricos. Por isso, ao conceito de rede social está atrelado o de governança “[…] entendida como gestão pública de complexas redes interorganizacionais que substituem as funções tradicionais do Estado”. (SHIROMA, 2011, p.19) Furtando do Estado a responsabilidade pela oferta e gestão de serviços como a educação por exemplo e entregando essa incumbência à sociedade civil, constatamos aí uma alteração na noção de Estado, de provedor ele passa a ser facilitador. Tal mudança na concepção do Estado não é fortuita, como veremos em outro tópico, é até mesmo prescrita em documentos produzidos por organismos internacionais, cabendo à escola o papel central na mudança de tal entendimento por parte da população.
Quanto à abrangência das redes, analisando o Programa Regional da Reforma Educativa na América Latina, Shiroma (2011) intentou mensurar o impacto das redes sociais nas políticas educacionais. O referido programa estabelece cooperação entre a iniciativa pública e privada na implementação de políticas educacionais e tem por objetivo absorver a sociedade civil nas propostas de reforma da educação, influenciar intelectualmente os gestores da educação e acompanhar a implementação das políticas. Com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Banco Mundial e outras instituições do gênero, o programa visa segundo a autora, instituir a política de resultados no setor educacional e fomentar a descentralização através da gestão compartilhada. A materialização dessas ações no Brasil resultaram em um evento – com o nome Ações de responsabilidade social em educação: melhores práticas na América Latina – e na elaboração de um documento – intitulado Compromisso todos pela educação – que registra os princípios já expostos aqui e que nos possibilita,
[…] observar a marcante influência da rede e dos organismos internacionais na definição das políticas educacionais, nas atividades das fundações que, por meio das parcerias, disseminam valores, concepções, propostas, atuando de diversas formas sobre gestores, legisladores, os tomadores de decisão e também sobre os formadores de opinião com atenção especial à mídia, educação à distância e mercado editorial. (SHIROMA, 2011, p.33).
Sob essas diretrizes, faz-se necessário esclarecer a origem e natureza das políticas sociais. As políticas sociais, invariavelmente, vão sofrendo alterações à medida que substitui-se os governos e o relógio inexorável da história avança, entretanto, por trás da aparente mudança em prol do aperfeiçoamento, as políticas sociais têm objetivo bem definido no aparato estatal, conforme Faleiros (1980), relevância estratégica, no sentido de consolidar o capitalismo monopolista.
Em meados da década de 80, Faleiros (1980) já alertava para a importância de se compreender o papel das políticas sociais no sentido de consolidar um Estado que desse escopo ao capitalismo monopolista, ou seja, à acumulação de capital.
As políticas sociais são engendradas por um Estado que tem como princípio o modelo de atuação do welfare economics1  – economia do bem-estar social – esse sistema que equipara consumo e bem-estar remonta à consolidação do modo de produção capitalista. Podemos mesmo inferir que, com a finalidade que conhecemos hoje, as políticas sociais originam-se de tal consolidação, juntamente com as instituições que a possibilitaram. (FALEIROS, 1980)
Com a derrocada do feudalismo e as mudanças sociais provocadas pelo novo modo de produção em ascensão, o trabalho servil deu lugar ao trabalho assalariado e os sujeitos que não foram incorporados ao mercado de trabalho eram coercitivamente induzidos a tal atitude, porém, surgiram alternativas que podemos antever como o embrião das políticas sociais:
[…] os que não podiam se incorporar ao trabalho, eram socorridos pelas paróquias, por intermédio das caixas de socorro, mas de acordo com os interesses das classes dominantes, apresentando-se estas caixas como remédios contra o vício, a vagabundagem e a imoralidade. O objetivo real da ajuda era forçar ao trabalho. Os capazes de trabalhar eram enviados ao trabalho por salários muito baixos, e aos incapazes se lhes dava uma ajuda arbitrária, segundo os critérios da classe. (FALEIROS, 1980, p.10)
Constatamos que nos primórdios do sistema capitalista, as primeiras iniciativas no sentido de atender à massa que não foi introduzida no mercado de trabalho foram conduzidas pela classe dominante segundo o autor e que, rumavam não no sentido de sanar necessidades dos sujeitos como alimentação, moradia ou até mesmo instrução, mas de atender a demanda produtiva.
De acordo com Faleiros (1980) tais ações no sentido de regular a força de trabalho não eram compreendidas como prejudiciais ao mercado, mas sim, como enfrentamento à ociosidade da classe trabalhadora que compulsoriamente teria que estabelecer contratos de trabalho com os proprietários dos meios de produção, conferindo a todo o processo legitimidade e aspecto livre. A visão e ou o discurso de que a política social combate as más condições de vida, a pobreza e o desemprego persistem atualmente. Entretanto, o que está por trás da implementação de políticas é outro fato, a regulação do mercado.
À regulação do mercado feita por medidas que se assemelham as atuais políticas sociais, está implícita a concepção de bem-estar exposta por Adam Smith em seu clássico A Riqueza das Nações, na qual ele é consubstanciado à riqueza.
[…] Esta noção supunha que a riqueza dependia do esforço individual num sistema de concorrência perfeita. Assim é no mercado que se produz o equilíbrio entre o consumo e a produção […] a pobreza é um desequilíbrio entre a produção e a população. O auxílio para a distribuição do excesso de alimentos entre a população faria aumentar o número de pobres, como faria aumentar o custo dos alimentos, além de reduzir o rendimento dos trabalhadores independentes. Além disso, a distribuição só favoreceria a preguiça e o vício. (FALEIROS, 1980, p.11)
Nesta perspectiva, o auxílio não deve prover integralmente o sujeito - liberando o Estado desta função - e impelindo-o a buscar o bem-estar através do consumo, que pressupõe a venda da sua força de trabalho ao preço estipulado por quem compra, ou seja, os proprietários dos meios de produção. Ao mesmo tempo que isenta-se de atribuições que correspondem fundamentalmente ao Estado – de fornecer serviços e condições básicas de moradia, educação e sobrevivência – atribui toda a responsabilidade pela obtenção do bem-estar social aos sujeitos, disseminando uma ideologia individualista que responsabiliza o próprio trabalhador pelas suas condições de vida.
No fundo, o bem-estar é identificado com o consumo, que traria para o indivíduo a “felicidade”, com a satisfação de seus desejos e preferências individuais. É pela “livre escolha”, num sistema de mercado, que o indivíduo satisfaz suas preferências, levando-se em consideração que se está num sistema de concorrência, em igualdade de condições. (FALEIROS, 1980, p.12)
O avanço do capitalismo para um estágio monopolista fez os teóricos liberais rediscutirem a noção de bem-estar baseada no consumo, contudo, o que devemos observar é que no âmbito das teorias liberais o problema do bem-estar da sociedade é pensado no plano teórico a partir da relação do consumo e os preços praticados, negligenciando totalmente um dos pilares da teoria marxista o qual sabemos é uma realidade, o valor de uso e o valor de troca dos produtos e todas as implicações que esse entendimento trás para a economia e o incentivo ao consumo.

OS PRINCÍPIOS DA REFORMA DO ESTADO NO BRASIL (1990)
Os fundamentos da reforma política que assistimos no Brasil durante a década de 1980 e 1990 já estavam presentes na América do Sul na década de 1970, o que constatamos foi o seu desenvolvimento e consolidação nas décadas seguintes em consequência de alguns fatores circunstanciais determinantes. Williamson (1992) corrobora tal hipótese por meio de uma taxonomia que elenca os princípios econômicos e políticos exigidos dos países sul-americanos por organismos como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o governo dos Estados Unidos da América durante o período.
Entre outros, destacaremos os fatores mais relevantes pontuados por Williamson (1992) e que marcam definitivamente um norteamento diferente na política de organismos internacionais para a América do Sul durante o período. De antemão, cabe ressaltar que tais princípios não representaram em alguns países uma mudança abrupta e radical, as reformas políticas como ficariam conhecidas posteriormente, foram implementadas gradativamente, por isso, notamos e podemos afirmar que desde a década de 1970 até o final da década de 1980 foi um período de transição que culminou na aceitação de tais reformas como única medida possível no âmbito político e econômico.
Nesse sentido, as reformas políticas visam segundo Williamson (1992), distribuir os gastos públicos revisando as áreas prioritárias de forma que aquelas que potencialmente produzem um retorno financeiro maior sejam contempladas; a taxa de câmbio dos países do Cone Sul deveriam ser equiparadas de modo que fomentasse as exportações; as portas deveriam ser abertas às empresas com sede em outros países, e de algum modo até facilitada a sua entrada no mercado sul-americano de maneira que essas concorressem com as empresas nacionais; e por fim, dois princípios que conjugam-se, pôr sob o julgo de empresas privadas a administração dos serviços e bem públicos, ou seja, privatização, combinada com a redução de medias legais que dificultem essa incorporação, bem como instalação e concorrência de empresas oriundas de outros países com as nacionais.
Ainda de acordo com o autor supracitado, esses fundamentos expressam com segurança a política que Washington administrava na América do Sul nos anos 80, porém, o conteúdo destas reformas são diferentes das proposições feitas na década anterior e expressas nas políticas de alguns países, por isso, afirmamos anteriormente que trata-se de um período de transição, em que gradativamente os países da América do Sul foram aderindo compulsoriamente a tais princípios.
Conforme Williamson (1992), esta alteração dos princípios econômicos e políticos implementados pelos organismos internacionais teve início quando, na década de 1970, alguns de seus projetos de reforma em nosso continente falharam e convergiram em uma crise sob a dívida externa de países como Argentina, Chile e Uruguai no início da década de 1980. Tais mudanças no rumo das políticas orientadas pelos organismos internacionais e de suma importância para as reformas que assistiríamos a seguir, pois, de acordo com Williamson (1992), a expectativa era de que somente as mudanças econômicas fossem operadas, entretanto, fez-se necessário alterações nos regimes políticos de tais nações, como confirmam suas palavras: “A percepção de que o crescimento não seria restabelecido com base no modelo antigo e a perspectiva de que novas mudanças estariam a caminho começaram a surgir em meados da década.” (WILLIAMSON, 1992, p.46)
Na primeira metade da década de 1980, Bolívia, Chile e México foram os precursores na implementação das reformas fomentadas pelo Fundo Monetário Internacional e os Estados Unidos da América. Até o fim da referida década as reformas se tornariam praticamente unanimidade no continente, “[…] seguindo o sucesso eleitoral de candidatos de antiga reputação populista: Carlos Andres Peres na Venezuela e Carlos Menem na Argentina. O processo se estendeu até a virada da década no Brasil, Peru e Colômbia”. (WILLIAMSON, 1992, p.47)
Investigando as propostas do Estado brasileiro entre as décadas de 1990 e 2010, ou seja, tendo como objeto de análise o Plano Real de 1993, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado de 1995 e o Plano de Aceleração do Crescimento de 2007, Deitos (2011), constata que as políticas implementadas através desses programas no âmbito social estão em consonância com as orientações de organismos internacionais como o Banco Mundial, Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. O autor analisa igualmente as propostas educacionais do governo brasileiro no mesmo período, com foco especial no Plano Nacional de Educação de 2001, revelando que essas propostas estão articuladas com o desenvolvimento das políticas no âmbito social e econômico. Em outras palavras, a educação se configura como um braço auxiliar na implementação das políticas sociais e econômicas previstas pelos organismos internacionais e implementadas pelo Estado brasileiro durante o período estudado.
Nesse contexto, o Plano Real representa uma mudança significativa na concepção do Estado, reconhecendo o fracasso da política anterior e delineando o papel central do Estado no fomento à economia capitalista globalizada. Com o objetivo e justificativa de modernizar o Estado, o Plano Real promoveu a privatização de serviços e áreas em que o setor privado demonstrou interesse e a regulamentação favorável ao investimento privado e internacional no país. Ainda sobre a reforma do Estado sustentada pela batuta de Fernando Henrique Cardoso, Deitos (2011) destaca as proposições da reforma no âmbito do funcionalismo público, já antevendo os sistemas de avaliação dos serviços e dos servidores e suas consequências, em suas palavras:
Uma questão central que aparece nesse quesito sobre o funcionalismo público é o processo de estabelecimento de controle de gestão, de avaliação e promoção com base no desempenho. Esse processo considera necessária, para supostamente avançar na qualidade e qualificação dos serviços públicos em todas as áreas, uma avaliação que considere o desempenho nas funções, produzindo uma avaliação por mérito e quantificável. Isso geraria um processo de estratificação cada vez maior nos tipos de funções e atividades nos diversos setores, além da desorganização dos acordos e planos coletivos de carreira e das condições de trabalho e salários. (DEITOS, 2011, p.128)
Incentivando a promoção individual de servidores públicos essa ação desvaloriza e desconsidera as lutas e conquistas coletivas, uma vez que garantindo o retorno e ou a gratificação salarial através do mérito individual, o sujeito desconsidera os avanços enquanto classe trabalhadora. Outra consequência desagradável são as avaliações que atualmente não refletem realmente a qualidade dos serviços públicos prestados, principalmente na área da educação. Ademais, em consequência ao controle da gestão no funcionalismo público, Deitos (2011) revela que outra questão delicada estava imbricada na discussão, a da reforma da Previdência Social, ou seja, em congruência com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, as reformas estatais brasileiras da década de 90 já previam tais mudanças. Por isso, assim como afirma Williamson (1992) e comprova Deitos (2011), o controle e o redirecioidnto dos gastos do governo em áreas prioritárias que visam a implementação das políticas sociais e econômicas que refletem na sociedade as mudanças desejadas eram parte fundamental da reforma articulada pelos organismos mundiais na América do Sul.
O Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial elaborado em 1997 pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, assente os apontamentos de Williamson (1992) e Deitos (2011) já expostos, no que diz respeito à mudança de direção na política econômica e goveridntal dos países da América do Sul no fim da década de 80 e início da década de 90. De acordo com o documento, as mudanças no âmbito econômico internacional, lograram o fracasso de nações que intentaram promover o desenvolvimento econômico às expensas de um Estado autoritário.
O teor do documento supracitado é de uma espécie de manual de recomendações sobre as funções do Estado no novo mundo da economia globalizada. Assim como já vislumbramos nos breves apontamentos sobre o Plano Real, o relatório anui que para uma nação consolidar seu desenvolvimento econômico é preciso que o Estado tenha funções bem delineadas, qual sejam, facilitar e complementar a ação da iniciativa privada. Concorrendo assim, para a acumulação do capital.
Para justificar seu conteúdo, o relatório compara a conjuntura de incertezas econômicas da década de 90 com o paroxismo do papel do Estado, bem como sua necessidade de reformulação com o período logo em seguida à Segunda Guerra Mundial. Segundo o documento, a necessidade de redefinir a função do Estado no limiar do século XX, deriva da crise do papel que o Estado assumiu após o conflito, de interventor econômico. Invariavelmente as nações que focaram no Estado como agente central da economia e ou como provedor entraram em uma espiral de gastos que levaram à crise econômica o que segundo o relatório ameaça a integração dessas nações à economia globalizada. Outro fator que contribuiu para a revisão do papel do Estado no âmbito mundial segundo o relatório é o avanço da democracia, que não permite ações arbitrárias por parte do Estado. Resumidamente, a mensagem que estão passando é a de que a reforma se faz necessária, nos parâmetros que eles preveem, pois, o fracasso ou sucesso econômico de uma nação depende em suma da eficiência do seu Estado em facilitar e aglomerar os recursos econômicos.
É possível ler afirmações de natureza semelhante no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1996), documento produzido durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso em nossa nação, cujo objetivo era nortear a reforma do aparelho estatal como a própria nomenclatura indica. Vejamos brevemente o que o documento anota e se tais apontamentos são convergentes aos interesses dos organismos internacionais.
Sob o exposto até aqui, constatamos que segundo os organismos internacionais o sucesso ou insucesso das nações a partir da década de 90, dependeria da sua capacidade de implementar mudanças na gestão estatal no sentido de transfigurar o papel do Estado de provedor para fomentador da economia e dos serviços públicos. O documento em questão indica, como outros documentos elaborados por organismos internacionais, a necessidade de uma reforma no aparelho estatal, porém, não é uma reforma qualquer ou despropositada, é uma reforma construída em princípios e valores bem claros, sob justificativas que legitimam tal reforma.
Conduzir o Estado a ações que visam o equilíbrio e desenvolvimento econômico em âmbito nacional e internacional é sem dúvida, o objetivo central do Plano Diretor, revelando assim seu compromisso com a economia capitalista globalizada. Segundo o documento as instituições que regulam a economia são o Estado e o mercado, se uma delas apresenta falhas, tais falhas devem ser sanadas para que a economia volte aos trilhos. É nesse sentido que o Plano Diretor afirma que, a crise enfrentada no período – fiscal e inflacionária - é de igual modo uma crise do Estado, esse por sua vez, precisa ser reformulado no sentido de diminuir sua atuação na economia e direcionar seus esforços em suas funções básicas e primordiais, consolidando um modelo de desenvolvimento baseado na economia capitalista. (BRASIL, 1996)
Nesse sentido, o intuito da reforma é alicerçar um Estado regulador forte. Para tanto, e em contraposição ao modelo anterior denominado racional-burocrático que mostrou-se ineficiente diante da economia capitalista globalizada, o Plano Diretor pretende favorecer uma transição para um modelo que denomina gerencial, fundamentado […] em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão […] com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público. (BRASIL, 1996, p.10)
Outrossim, a reforma do aparelho estatal é justificada no Plano Diretor pela necessidade de se garantir direitos registrados na Constituição Federal e que estariam sendo vilipendiados, como a fixação de tetos salariais para os servidores públicos. (BRASIL. 1996) Ora, em 2018 observamos no caso das carreiras docentes em âmbito nacional, estadual e municipal que se tal direito não se fez prevalecer pela Constituição Federal elaborada em 1988, muito menos o foi pela reforma do aparelho estatal promovida por Fernando Henrique Cardoso, pois, nossos professores e profissionais da educação continuam lutando e almejando o estabelecimento de rendimentos padronizados e de acordo com o real valor de seu trabalho.
Conforme o Plano Diretor, o Estado perdeu sua autonomia financeira, incapacitando-o de implementar políticas sociais, por isso, a reforma estruturaria a conjuntura para tal, revertendo a crise do Estado precisada como:
[…] uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no Terceiro Mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) a superação da forma de administrar o Estado, insto é, a superação da administração pública burocrática. (BRASIL, 1996, p.15)
No Brasil, segundo o próprio documento, as ações se concentrariam na superação da crise fiscal e na opção ao esgotamento das substituições de importações. Para tanto, o Plano Diretor enumera como agenda um ajuste fiscal, ações que fomentem a competitividade interna das empresas de modo que isso reflita na competitividade internacional do país, mas também enumera a reforma da previdência, especialmente do funcionalismo público e o aumento da governança, ou seja, a capacidade do Estado de efetivar políticas sociais. (BRASIL, 1996)
A despeito da convergência dos fundamentos da reforma proposta pelo Plano Diretor com as de organismos internacionais, analisemos o conceito de governança, crucial para desvelar o verdadeiro aspecto da reforma proposta pelo documento e analogamente a real atuação do Estado após a reforma. Conforme o documento, a capacidade de implementar políticas do Estado é limitada devido à ineficiência do sistema de gestão adotado. O que está em pauta não é a qualidade dos serviços públicos prestados, mas sim, o seu custo aos cofres públicos, lembremos que, caminhamos no sentido de um Estado facilitador não mais provedor, ou seja,
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento.
[…] o Estado tendeu a assumir funções diretas de execução. As distorções e ineficiências, que daí resultaram, deixaram claro, entretanto, que reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. (BRASIL, 1996, p.17)
Sob a justificativa de que o setor privado realizaria com mais eficiência as atividades econômicas, o Estado transfere para ele esse “encargo” através das privatizações, reduzindo seu papel na economia e isentando-se do fornecimento de serviços públicos, entre eles a educação, que atualmente caminha no sentido de uma privatização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um artigo, publicado no Brasil em 2009, mas decorrente de uma preleção realizada no ano anterior, Mészáros nos fornece o subsídio necessário para compreender a atual conjuntura econômica do sistema capitalista. Ao contrário dos estudos da Escola de Frankfurt - que defende que após a crise econômica de 1930 o capitalismo entrou em um modo organizado e estável – Mészáros (2009) anui que os acontecimentos de 30 foram tópicos e que o verdadeiro colapso do sistema capitalista está em pleno desenvolvimento nos dias atuais e que logo terá consequências culturais e sociais. Segundo o autor, até mesmo veículos de orientação liberal como o The Economist2  assumem a perspectiva da crise, asseverando que o que está no centro das medidas econômicas é socorrer o sistema.
As iniciativas para sanar a crise estrutural que o capitalismo enfrenta apontadas por Mészáros (2009) estão afinadas com os preceitos enumerados no Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial, documento que já citamos anteriormente, qual seja, uma variável da nacionalização da insolvência3  das empresas e instituições que sustentam a economia capitalista. Na contramão dos princípios liberais e do papel que o Estado assumiu no período pós Segunda Guerra Mundial como descreve o relatório e que necessitavam de uma alteração, a nacionalização indicada por Mészáros (2009) caminha no sentido de um Estado facilitador das práticas econômicas essenciais ao funcioidnto da economia capitalista e que furta da população o retorno de tais investimentos na forma de serviços públicos, retirando do Estado o seu papel de provedor. Papel esse cujo relatório já indicava a necessidade de mudança.
Destacaremos agora as contradições inerentes ao processo de desenvolvimento da crise do capitalismo apontadas pelo autor que acrescenta que as medidas recentes no sentido de reestabelecer a estabilidade do sistema visam apenas a liquidez4  dos bancos, como por exemplo a impossibilidade de vender o excedente de produção, mesmo quando esse foi produzido com uma vantagem nos custos obtida através de salários baixos e ou redução nos custos de produção e o desequilíbrio entre a produção de alimentos e a desnutrição enfrentada em algumas nações. O sistema é incapaz de sanar suas contradições sem gerar mais problemas financeiros futuros, ou de que forma ele obteria recursos suficientes para cobrir as dívidas de bancos e outras empresas, levando em conta os dígitos astronômicos que vislumbramos nos noticiários todos os dias? E quais seriam as consequências inflacionárias dessas medidas? (MÉSZÁROS, 2009)
O exame de Mészáros (2009) delineia o panorama sob o qual devemos pensar as práticas futuras no sentido de transformar a sociedade e a economia, pois, a reprodução do capitalismo não interessa à população mundial, carecemos de um sistema político e econômico viável, sem discrepâncias entre produção e acesso, entre investimento e retorno, entre riqueza e pobreza, etc.
De acordo com Deitos (2010), as políticas sociais não podem ser compreendidas como benefícios do Estado concedidos à população, ao contrário, elas são o produto da contradição existente na relação entre a população e o Estado, ou seja, a luta de classes entre o proletariado e o capital, respectivamente. A autonomia do Estado, ou seja, sua capacidade de atuação no interior desse conflito, em benefício do capital é assegurado através da reprodução das condições sociais e culturais que o sustentam. A escola é um dos aspectos cruciais nessa batalha, pela sua importância na reprodução cultural de valores e na preparação das massas para o trabalho. Uma parcela dos educadores, por comodismo ou ignorância, encontram-se perdidos em meio ao conflito.
Cruelmente as políticas sociais não representam nem sanam as necessidades reais da população, justamente pelo cunho e origem de tais políticas. Ao contrário, objetivam apenas a reprodução das condições que o Estado necessita para assegurar sua reprodução. Em nosso caso, conjugadas com as ações no campo econômico do Estado, as políticas sociais reiteram as condições de existência de uma sociedade desigual, um paliativo para problemas de dimensão gigantescas como o acesso à serviços de saúde, educação, moradia, transporte, etc.

REFERÊNCIAS
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*Mestranda em educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste Campus Cascavel/PR. E-mail: giselerisso@hotmail.com. Endereço postal: Avenida Treviso, nº 1104, Bairro FAG, CEP 85.808-450, Cascavel/PR.
** Professora Associada do Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioste Campus Cascavel/PR. E-mail: tania.rechia@hotmail.com. Endereço postal: Rua Firenzi, nº 580, CEP: 85.808-460, Cascavel/PR.
1              Ramificação da economia que através de estudos microeconômicos, analisa o bem-estar social tendo como fator predominante as atividades dos agentes econômicos da sociedade. Portanto, um sistema de gestão baseado nesses estudos, se pautaria na distribuição de renda e na relação consumo-bem-estar.
2               Revista publicada na Inglaterra desde 1843, mas com circulação internacional, cujo os assuntos giram em torno da economia. A maioria dos proprietários e acionistas da publicação é formada por banqueiros.
3               Condição do devedor que não tem recursos para quitar sua dívida.
              Capacidade dos ativos de uma empresa serem vendidos, ou transformados em capital, sem a perda de seu valor.

Recibido: 19/11/2019 Aceptado: 27/11/2019 Publicado: Noviembre de 2019

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