Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


A ESCOLA SOCIOLÓGICA FRANCESA E A EDUCAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE: UM ESTUDO INTRODUTÓRIO

Autores e infomación del artículo

RISSO, Gisele Carozza de Souza *

SCHROEDER, Tânia Maria Rechia **

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

Email: giselerisso@hotmail.com


RESUMO

O trabalho que segue, é produto dos estudos realizados durante o Programa de pós-graduação stricto sensu em educação nível de mestrado na Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná sobre as teorias sociais e educação na história contemporânea. A proposta é analisar a teoria de sociólogos de várias escolas que buscaram compreender a sociedade moderna e de que forma suas análises entendem a escola formal no interior da sociedade. Intentamos no artigo, compreender o pensamento de três autores – Bordieu, Gorz e Maffesoli – de maneira introdutória, buscando elementos para entender melhor a sociedade contemporânea e os problemas enfrentados pela educação em nossos dias. De igual modo, intentamos elencar quando possível algumas considerações dos autores sobre o tema educacional em especial.

Palavras-chave: Sociologia da educação, Escola, Pós-modernidade, Educação, Capitalismo.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

RISSO, Gisele Carozza de Souza y SCHROEDER, Tânia Maria Rechia (2019): “A escola sociológica francesa e a educação na pós-modernidade: um estudo introdutório”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (septiembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/09/escola-sociologica-francesa.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1909escola-sociologica-francesa


INTRODUÇÃO

O trabalho de pesquisador é como o de um arqueólogo, a cada resquício encontrado levanta-se uma infinidade de questões, que mesmo quando respondidas não são definitivas. Foi assim que os estudos da disciplina de Teorias Sociais e Educação na História Contemporânea iniciou. Entre as dúvidas, suscitou a de maior envergadura para os educadores: a escola é capaz de provocar alguma mudança efetiva na sociedade? O debate sobre a questão não se esgota jamais, pois sempre haverá divergências, porém, os estudos realizados forneceram uma base sobre a qual refletir.
Nesse sentido, pretendemos analisar o pensamento de três autores – Bordieu, Gorz e Maffesoli – com o intuito de imergir nas suas obras, buscando melhor compreensão de seus conceitos, noções, categorias, num processo interativo. Tentaremos igualmente apurar de que forma esses autores compreendem a educação, ou de que forma suas teorias fornecem ferramentas teóricas para compreendermos melhor a educação contemporânea.

PIERRE BORDIEU: A REPRODUÇÃO CULTURAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Pierre Bordieu (1930 – 2002), francês e graduado inicialmente em filosofia se fez notável através de estudos na área da sociologia. Nessa disciplina posicionou-se sempre em oposição ao modo de produção capitalista e investigou como a economia capitalista interferiu na sociedade – em especial, como afetou comunidades campesinas argelinas no início de sua carreira, interesse conectado com sua origem rural. Na obra estudada como referência – A economia das trocas simbólicas (sem ano) – Bordieu elucida a questão da semiótica atrelando-a à sua origem social. Nesse sentido, a semiótica é entendida com um espaço de conflito entre as classes sociais, na qual as relações de poder podem ser perpetuadas.
Borideu também ficou conhecido por tratar da sociologia, preocupando-se com a formação de novos pensadores e intelectuais. Nesta ramificação de sua obra, o autor pregava a volta aos clássicos, com o intuito de novo exame, a elaboração de novos conceitos e a definição clara por parte do sociólogo, de sua posição política. Essas observações são importantes para compreender a obra, pois, fiel ao seu discurso, Bordieu construiu novos conceitos com base em uma revisita aos clássicos e os enredou em um discurso crítico à sociedade capitalista, no entanto sua proposta era edificar uma nova sociologia que atendesse as exigências do século XX, por isso, não podemos confundir seu discurso com uma afinidade metodológica intransigente. Quando Bordieu se vale de conceitos, categorias ou noções de autores como Marx por exemplo, ele o faz no sentido de elaborar seus próprios conceitos, categorias e noções, e essa característica é percebida na leitura de sua obra, porque faz parte de sua natureza.
O pensamento de Bordieu é estruturalista, isso significa que o autor reconhece a existência de estruturas na sociedade que orientam não só as ações dos indivíduos, mas de igual modo as representações que estes fazem da sociedade na qual vivem. Entretanto, essas estruturas são historicamente e socialmente elaboradas, permitindo aos indivíduos que sejam alteradas. Nesses termos a questão parece simples, mas é de uma grande complexidade, e que pode ser considerada o núcleo da obra de Bordieu, pois, consiste no entendimento de como os indivíduos se relacionam com as estruturas, como eles a integram, produzem, reproduzem e legitimam, independente de sua natureza perniciosa. Em meio a essa problemática, o autor reflete ainda sobre o grau de liberdade e autogoverno do qual os indivíduos gozam. Notamos que o caráter de sua obra é peculiar, muito embora faça alusões a conceitos e ideias já consagrados seu pensamento é original, dificultando até classificações quanto às escolas de pensamento, tendências, entre outros, ao mesmo tempo em que sua posição política quanto à sociedade é bem definida.
A educação é uma constante, na obra de Bordieu. Suas investigações concentraram-se em elucidar de modo geral, de que forma a educação atua na reprodução e perpetuação das estruturas sociais pela via da cultura e quais os subterfúgios do sistema para os diferentes grupos presentes na sociedade, pois o autor afirma, que a escola não fomenta a igualdade social.
No início do capítulo Reprodução cultural e reprodução social da supracitada obra do autor, consta:
A sociologia da educação configura seu objeto particular quando se constitui como ciência das relações entre a reprodução cultural e a reprodução social, ou seja, no momento em que se esforça por estabelecer a contribuição que o sistema de ensino oferece com vistas à reprodução da estrutura das relações de força e das relações simbólicas entre as classes, contribuindo assim para a reprodução da estrutura da distribuição do capital cultural entre as classes. (BORDIEU, s/ano, p.295)
O proêmio de Bordieu para o capítulo destinado à questão da educação não poderia ser mais incisivo, quando afirma que a sociologia da educação deve ter como objetivo específico dissecar a relação entre a cultura e a sociedade, no sentido de quantificar o poder da educação na conservação das estruturas que sustentam as relações de força, ou seja, as relações econômicas que se refletem no cotidiano dos indivíduos. Tentando descomplicar o emaranhado de relações que o autor nos apresenta, poderíamos acrescentar que essas relações passam por um prisma simbólico, no qual o conteúdo cinza das relações sociais pautadas na dominação econômica é transformado num feixe de cores com infinitas matizes, ao qual chamamos cultura. Porém, o acesso e distribuição da cultura não é universal, mas regulamentado pela classe que usufrui do poder econômico. Há uma relação intrínseca entre o acesso à cultura e a manutenção do poder econômico por uma classe determinada, assim como o oposto se faz verdade, pois quem realmente usufrui dos bens culturais ditos superiores é a classe que detém o controle econômico.
O conceito de cultura introduzido por Bordieu, na problemática da conservação do status quo impede que façamos a crítica de que seu pensamento é maniqueísta, resolvendo toda a equação em dois pólos econômicos divergentes. A soma desse aspecto nas estruturas sociais e sua manutenção, atribui à escola institucionalizada, o papel de transmitir a cultura, contudo, explica por qual razão essa função da escola é vilipendiada.
Nas condições em que dispõe o problema, podemos constatar que há uma distinção de classe legitimada pela cultura, que por sua vez, deve necessariamente comportar uma hierarquia. Inferimos então uma semelhança com o pensamento de Maffesoli, pois, a compreensão de Bordieu subentende que existem valores culturais alçados a condições de superiores, em detrimento de outros – a cultura da elite versus a cultura popular respectivamente – no sentido de distinguir as classes. Ou seja, os recursos simbólicos necessários à fruição da cultura erudita ou considerara superior pela elite, não são compartilhados com as camadas mais inferiores da população, que se vêem impossibilitadas de acessar tal cultura. Maffesoli, como veremos no corpo deste artigo, afirma que em cada época determinados valores são elevados à condições superiores. Valores não só culturais, mas também morais, éticos, estéticos etc., porém em nenhum momento afirma que os valores têm o papel de distinguir as classes sociais, furtando-se, ao contrário de Bordieu, a criticar a dominação classista, expressa em todos os níveis da vida em sociedade. Não obstante, o tema sob a perspectiva de Maffesoli será tratado adiante.

ANDRÉ GORZ: INTENSIFICAÇÃO DA MERCANTILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS E DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

André Gorz é o pseudônimo de Gérard Horst (1923 – 2007), autor que teve ainda o nome Gerhart Hirsch, alterado pelos pais devido a sua origem judaica e o medo do anti-semitismo na Europa no período entre guerras. Mas não foi apenas o nome e os pseudônimos de Horst que mudaram com o passar do tempo, seu pensamento sofreu várias alterações com o passar dos anos, por isso, se faz necessária uma leitura mais ampla de seu trabalho para classificação adequada de sua obra.
Gorz contribuiu até a morte de Sartre com o periódico fundado por esse último Les Temps Modernes, revelando sua afinidade com o movimento existencialista e sua interpretação do ideário de Marx, assim como a metodologia fenomenológica. Gorz esteve ligado também à escola de Frankfurt e seu principal expoente Herbert Marcuse. Não obstante, se tivéssemos que eleger um tema central como eixo de sua obra, este seria o conceito que o autor faz em relação ao trabalho. Gorz abordou amplamente a atividade do trabalho na sociedade capitalista, alienação, distribuição, discussões que muitas vezes lhe renderam críticas dos próprios marxistas. Contudo, o autor manteve sempre a posição de confronto à sociedade capitalista e suas contradições.
A influência do existencialismo de Sartre é notada em suas primeiras obras, nas quais aborda questões como a liberdade e a alienação sob a ótica dessa corrente, assim como, busca compreender a sociedade a partir da experiência individual, como o fez sabiamente em seus romances. Gorz flertou ainda com o pensamento de Ivan Ilich, e a defesa do que hoje conhecemos como desenvolvimento sustentável, tornando-se opositor ao desenvolvimento de indústrias de cunho nuclear em prol do meio ambiente. O autor também é identificado como um dos expoentes da nova esquerda, movimento que levantava o estandarte e o aporte teórico utilizado pelo jovem Marx.
A obra adotada neste artigo como referência para o presente trabalho, foi O imaterial: conhecimento, valor e capital (2005), publicado pelo autor originalmente em 2003, ou seja, anos antes de sua morte. Nesse ínterim o autor já havia assistido à Segunda Guerra Mundial e outros grandes conflitos, movimentos políticos, revoluções culturais e tecnológicas que devem ser levados em conta quando buscamos entender suas palavras finais, consideradas ásperas em relação ao marxismo que, apesar de algumas ressalvas teóricas, sustentou ao longo de sua vida.
Ao analisar a contribuição de Gorz na compreensão do capitalismo em nossos dias, por meio da inclusão na problemática do conceito de imaterial, lança mão apenas de obras produzidas após a década de 80, tais obras são de natureza distinta das produzidas anteriormente por ele mesmo. A explicação plausível são as circunstâncias históricas. Cada autor sustenta um conjunto de princípios que confere originalidade e personalidade à sua obra, porém, conceitos e categorias devem passar por revisão constante. Um pensador que não realiza esse exercício, especialmente aqueles que vivem por longo espaço de tempo, ou passam por profundas transformações sociais, condenam sua obra a um engessamento teórico em relação ao tempo histórico, e a um sectarismo ideológico ignorante e anacrônico. Atualmente no Brasil, no campo político, obersvamos, espantados a defesa de ideias que não se aplicam mais às circunstâncias históricas. A obra de Gorz passou por tal revisão, mantendo-se atual, à margem das críticas de traição.
Outro fato interessante a respeito da vida de Gorz, é que o autor viveu e naturalizou-se francês, portanto, viveu no mesmo local e mesma época que Bordieu, autor referido no início deste aritgo. Atentamos para esse fato, pois, a utilização ou criação de conceitos não corriqueiros para explicar determinado fenômeno, como Gorz fez com o conceito de imaterial, e Bordieu faz com os conceitos de campo, habitus e capital, para sustentar sua explicação das estruturas sociais que regem o comportamento e a existência humana, trazendo novos olhares para a questão do capitalismo, era uma necessidade exposta e defendida por Bordieu para a formação de uma nova sociologia. Sem dúvida, a obra dos autores não passou despercebida pelo outro ao longo do tempo, mas, para nós é impossível mensurar as influências de um sobre outro.
A premissa da obra de Gorz (2005) de que o reconhecimento da força produtiva mais poderosa é o conhecimento, obrigou a repensar a economia capitalista, revisando conceitos nucleares como trabalho, valor, saber, capital humano, fornecimento de serviços, trabalho imaterial, etc., ampliando tais noções. Ou seja, não vivemos mais no antigo sistema capitalista, mas em um novo modus operandi desse sistema. A obra utilizada como referência aqui objetiva definir tais conceitos e avaliar os efeitos dessas mudanças na ordem econômica. Caberia perguntar-nos agora, se as mudanças descritas por Gorz (2005) na economia seriam de ordem estrutural? O autor continua a referir-se ao sistema econômico atual com o adjetivo capitalista, logo, as mudanças seriam de ordem conceitual, teórica, inalterando as bases econômicas que permeiam a sociedade. O capitalismo, com suas contradições inerentes continua a nortear a vida em sociedade independente de suas alterações.
A importância das considerações de Gorz (2005) a respeito das alterações conceituais do sistema capitalista são indubitáveis, proporcionando maior entendimento das relações econômicas e sociais. É nesse sentido que iremos relacionar algumas das constatações do autor, ampliando nossa capacidade de compreensão da sociedade e também do fenômeno educativo.
Um dos conceitos trabalhados por Gorz (2005) é o de capital humano. Segundo o autor, todo trabalho comporta uma dimensão de saber, saber esse não formalizado e por isso mesmo impossível de ser transmitido pelas vias formais – leia-se escolas – ao qual convencionou-se chamar de experiência. Devido a natureza desse conhecimento, seu desenvolvimento depende do indivíduo. A apuração de Gorz (2005) tem uma consequência radical no entendimento acerca da relação clássica exposta por Marx, entre valor de uso e valor de troca. Com a inserção do componente comportamental – a experiência – na equação, o valor das mercadorias e do trabalho realizado não é mais determinado pelo tempo disperdiçado na confecção de determinado produto, mas, sim por sua dimensão comportamental a qual os empresários denominam motivação. Subtraindo o tempo do cálculo, e disposta a peça da motivação no tabuleiro, aparentemente a relação de subordinação econômica – profissional, salarial, classista – está anulada, produzindo aquela mesma sensação de liberdade ludibriada do início do capitalismo, quando o indivíduo tornou-se “livre” para vender sua força de trabalho.
Outro aspecto relevante da obra de Gorz (2005) que nos auxilia a compreender a sociedade e a educação, é a noção de capital do conhecimento intimamente ligada à atividade de pesquisa e produção do conhecimento. De acordo com o autor, converter o conhecimento em capital é uma prática tão vetusta quanto ao próprio sistema capitalista, e consiste na aplicação de determinados conhecimentos nos processos de logística de uma empresa. Veremos de que forma isso afeta a educação em algum nível, e a contradição intrínseca que há no processo.
O desenvolvimento tecnológico facilitou a disseminação do conhecimento, o que seria benéfico à população. No entanto, o que ocorre com uma mercadoria em abundância no mercado? Sua desvalorização é certa – poderíamos mencionar o caso das universidades e faculdades privadas que se proliferam a cada dia, ao passo que popularizam o acesso à formação superior por um baixo custo, não prezando por sua qualidade. O que representaria a universalização do conhecimento e o funcionamento de uma autêntica economia do conhecimento como denomina o autor, não é interessante à economia capitalista, pois, não gera lucro.
A questão que se impõe aos economistas que pensam no viés capitalista, é avaliar o capital do conhecimento, porque os parâmetros convencionais, como o tempo de trabalho gasto, não se aplica nesse sentido. Essa interpretação dá margem a criação de monopólios pautados na originalidade do saber. O que confere valor a determinado conhecimento não são os benefícios que esse saber pode proporcionar às pessoas, mas o investimento que se fez para obtê-lo. Essa tática é ao mesmo tempo, o marketing de empresas que justificam a compra de seus produtos pelo alto investimento para desenvolvê-los. Vivemos, portanto, em uma sociedade na qual se intensificou a mercantilização das relações sociais.
 
MICHEL MAFFESOLI: A SOCIEDADE DAS TRIBOS E A CRISE DO PARADIGMA MODERNO

            Michel Maffessoli nasceu em 1944 e é o único dos autores estudados em nosso trabalho que permanece vivo, sendo nosso contemporâneo, e por isso, sua interpretação da sociedade adquire brilho especial. Assim como Bordieu e Gorz, Maffesoli é de origem francesa, integrando o rol célebre da escola francesa de pensamento, encarnando ao mesmo tempo toda a tradição filosófica e sociológica da França e a originalidade de um pensador de sua envergadura. Todas essas características contribuem para a criação de polêmicas e controvérsias acerca de sua obra nos meios acadêmicos.
Um dos aspectos de suas ideias que enfrenta crítica, é sua postura metodológica pronunciadamente fenomenológica, cuja análise social é feita de maneira descritiva, esquivando-se por vezes de julgamentos mais críticos da sociedade atual.
As críticas porém, não se reduzem a esse elemento de sua abordagem sociológica, mas direcionam-se também à maneira de como o autor compreende o processo histórico.
No entendimento de Maffesoli, a história transcorre de forma cíclica, ou seja, de tempos em tempos vivemos um ciclo, que pode se repetir algumas vezes e em cada um deles, a sociedade elege alguns valores, elementos que são alçados a um nível de importância maior que outros, os quais ditam o tom e o teor da vida em determinado ciclo. Segundo o autor, desde meados da década de 60 encerrou-se o ciclo moderno e iniciou-se o ciclo pós-moderno. Essa passagem representa uma mudança de paradigma, pois a sociedade está alterando seus valores, o que considera importante ou não, cedendo lugar, inclusive, para uma nova concepção de homem. Mas quais são os valores prevalecentes no ciclo da pós-modernidade?
Em contraposição à modernidade e à concepção de homem que ela carrega consigo, pautada nas relações humanas como um espelho disforme das relações travadas no âmbito econômico, o homem da pós-modernidade não é determinado pela posição que ocupa na hierarquia social econômica, ou seja, pela classe a que pertence, mas, pelo seu relacionamento com os outros indivíduos. O que Maffesoli quer expressar é que se na modernidade a vida era orientada pelo racionalismo econômico, hoje, cedendo lugar a uma atitude de cunho mais emotiva e sensível.
Daí depreende-se uma constatação chave para se compreender os dias atuais segundo o autor. Durante o período moderno, o racionalismo econômico projetava a vida humana em sociedade sempre à frente, produzindo um sentimento de valorização do futuro como fator temporal e histórico crucial. Na pós-modernidade valoriza-se o presente como fator temporal e histórico central, conferindo à atualidade uma característica social mais hedonista.
No capítulo que inicia à obra, o autor distribui em três, os conceitos introdutórios, mas interdependentes, nos quais baseiam-se à sua obra e sua análise sociológica da sociedade. Conforme Maffesoli (2014), a tríade de conceitos apresentados são os elementos que distinguem as massas e as tribos que formam a sociedade pós-moderna e representam características relacionadas à capacidade de se relacionar em grupo. Devido aos limites estipulados no trabalho, é difícil apurarmos de forma integral o que o autor escreve sobre os três conceitos – a aura estética, a experiência ética e o costume – mas, tentaremos apresentá-los de forma breve, devido ao seu caráter nuclear no pensamento do autor.
A ambiência social e a qualidade múltipla do eu são as noções que sustentam as considerações de Maffesoli (2014). O individualismo proposto pela filosofia burguesa pressupõe a identidade isolada e a dicotomia entre sujeito e objeto, em oposição. A identidade, o sujeito, realiza-se no outro e por isso, os pressupostos burgueses não são mais sólidos. Segundo o autor as relações sociais fundamentam-se sobre os aspectos em comum, como um mito compartilhado. A perspectiva contratual, na qual estou conectado a um propósito histórico e social não tem mais lugar na pós-modernidade.
O aspecto social elevado à condição de mito, constrói uma rede de indivíduos conectados emocionalmente, que se sentem pertencentes à uma determinada tribo em oposição ao esquema social capitalista por exemplo, que define de antemão o papel de cada um de acordo com sua classe social. Pode-se dizer, conforme Maffessoli (2014), que há uma série de espaços que encerram ambiências emocionais, espaços de mistificação de aspectos particulares da sociedade e que os sujeitos preambulam entre esses espaços. Essa característica social que conduz o autor a afirmar, que o individualismo burguês é efêmero.
Como escreve Maffesoli (2014), a ambiência emocional ou a aura estética é o que impele os sujeitos a se relacionarem, solidificando assim o social. Ela caracteriza-se por um sentimento compartilhado – ideologia, emoção, sentimentos - suplantando o individualismo e objetivando as circunstâncias que distinguem uma época.
A sociedade contratual e mecânica foi substituída por uma emocional e orgânica. A experiência ética e emocional de sentir-se membro de um grupo, de partilhar os mesmos sentimentos e anseios havia sido banida pela racionalização da sociedade e da existência, porque, esses sentimentos são oriundos da aura coletiva, do imaginário, do coletivo, da experiência coletiva e não de um objetivo ou razão social. Assim o autor introduz a noção de experiência ética e o diferencia da moral produzida pela história. Segundo o autor, a conjuntura histórica pode instituir um comportamento moral abstrato, porém, a ambiência provoca a ética. Não obstante, considerando a natureza transitória das tribos a ética de um determinado grupo pode estar em congruência ou não com a moral histórica vigente. A ética elaborada e instituída no seio do grupo é um dos elementos que corroboram o sentimento de pertencimento. Maffesoli (2014) confia que a sociedade atual está operando dessa maneira.
Coroando a tríade conceitual, o autor apresenta a noção de costume, que remonta ao cotidiano, às formas mais básicas de os seres humanos se relacionarem. Os costumes determinam como os indivíduos se relacionam e como representam sua própria cultura, logo, a análise do autor para compreender a sociedade é tão relevante, quanto o estudo econômico por exemplo.
Portanto, o problema que a sociedade e a educação enfrentam, segundo Maffesoli (2014), é na mudança de paradigma. Paradigma, como etimologicamente sugere, são padrões, declinações psicológicas que orientam nossa prática em todos os níveis e estágios da vida. Por isso, são fundamentais para apreendermos a realidade.
Contudo, podem também ser nocivos se os tomarmos como axiomas, verdades absolutas e imutáveis, obstruindo a compreensão de qualquer perspectiva diferenciada. Os paradigmas são como filtros para a nossa vida e podem gerar entendimento benévolo ou malévolo – para o bem ou para o mal – para melhor ou para pior. Apreendemos o mundo a nossa volta por meio de nossos paradigmas. O paradigma moderno, de acordo com Maffesoli (2014) está obsoleto, foi posto em xeque, e esse é o maior desafio enfrentado não só por educadores, pois, sua interpretação ainda está pautada nesse antigo paradigma, quando a sociedade opera segundo outros. Há portanto, um descompasso entre as instituições sociais e os paradigmas instituídos pelas múltiplas ambiências e tribos.

CONSIDERAÇÕE FINAIS

Nos propomos a fazer uma análise dos três autores referidos neste artigo, para enfim, tentar responder à questão inicial: da forma com a qual os autores realizam a leitura da sociedade e da realidade, podemos afirmar que a Escola transforma?
Em primeiro lugar, é importante salientar que todos os renomados autores – Bordieu, Gorz e Maffesoli – analisaram a sociedade e a realidade com base na cultura à qual estavam imersos, isto é, na francesa. Por esta razão, ao tentarmos realizar uma analogia dos conceitos e ideias expostas, à realidade sócio-cultural brasileira, observamos a existência de um grande abismo.
Entretanto, considerando as questões mais relevantes dos pensamentos dos autores, podemos concluir que Bordieu se debruça na análise sociológica e cultural, para afirmar que a família é mais eficiente pedagogicamente do que a escola, e que a cultura burguesa mantém, sem muito esforço a reprodução cultural. Assim, a classe inferior, desprovida de cultura, dificilmente conseguirá se manter nos bancos escolares, já que a reprodução cultural vai apenas reproduzir a posição social existente, seja econômica, cultura ou social.
Refletindo ainda sobre os conceitos do autor, podemos afirmar que há uma violência simbólica que nos permeia, já que a ideia de igualdade na escola é uma inverdade, porque cada um traz da sua família, capital econômico, social e cultural diverso, que faz com que haja tanta diferença na facilidade de aprendizado. Se há base cultural, a escola e a família trabalham de forma harmônica.
Infelizmente, conclui Bordieu, que a escola apenas reproduz as diferenças existentes na sociedade e, portanto, não é capaz de transformar.
O pensamento de Gorz, sobre o saber, vai um tanto além. O autor difere o saber comum da inteligência, que é a capacidade individual de se utilizar dos conhecimentos para benefício próprio (formar o empreendedor).
Trabalhador é denominado agora como colaborador. Há aqui o denominado capital humano, que precisa se manter no mercado de trabalho.
Fala a respeito do capital humano, como produto da sociedade, e estuda o advento do autoempreendedor, afirmando que o regime salarial deve ser abolido, e que a vida é business, pois tudo se torna mercadoria, já que a venda do si, se estende a todos os aspectos da vida.
Aborda ainda o “capitalismo cognitivo”, como sendo um capitalismo que sobrevive à debilidade de suas categorias fundamentais: trabalho, valor e capital, a manifestarem-se apenas através da troca de mercadorias, possuindo uma substância comum, qual seja, a quantidade de trabalho abstrato, em forma de mercadoria mensurável em unidades de tempo.
Afirma que o fator potencial da superação é o capital humano, ele mesmo, conquanto tenda a se emancipar do capital.
Gorz não vê na escola o poder de transformar, pois sustenta a tese de que toda ciência é opressora, porque provem da ciência burguesa que quer manter a opressão.
Por sua vez, Maffesoli, como um estudioso da pós-modernidade na qual o campo de estudo é o próprio cotidiano, propõe a análise do gesto maquinal de todos os dias, das paixões, desses elementos que fazem com que cada indivíduo se levante a cada manhã.
Segundo autor, o conceito não é estável na medida em que depende de posições e pontos de vista; a elaboração do conceito equivale ao estado intelectual do indivíduo que a formula.
O cerne da obra estudada discute a sociedade moderna e a pós-moderna, trazendo a ideia da existência de comunidades emocionais, da ética da estética como sendo o compartilhamento dos sentimentos comuns, e que para se abordar a sociedade é necessário aceitar a existência da heterogeneidade, da complexidade e da impossibilidade de se introduzir a realidade em locais etiquetados.
A proposta de Maffesoli é no sentido de uma apreensão do social que não determine o que “deve ser”, nem que pretenda orientar, nem dar sentido. A pretensão é participar da “polifonia” do discurso social. Não se trata de explicar, mas de compreender.
Afirma ainda, que o estilo cotidiano é um cruzamento de ações e de palavras que têm necessidade, para ser descrito, de uma multiplicidade de sinais indicadores, permitindo uma “colocação em situação” tão completa possível.
Suscita a volta do arcaico em razão do avanço tecnológico, abordando a solidariedade mecânica e a orgânica.
Por fim, aponta a barbaridade inerente ao avanço tecnológico, que faz com que as transformações se efetuem com tanta rapidez, cujos valores são cada vez mais pós-modernos, lembrando que foi a própria barbárie, a responsável pela regeneração de civilizações agonizantes.
Quer dizer então que, segundo o que se extrai do texto do autor, a escola por si só, não é capaz de realizar as alterações e transformações da sociedade, pois que não há padrão a se seguir.

REFERÊNCIAS

BASTOS, C., ALVES, F., SCHROEDER, T. Pesquisas Fenomenológicas na Contemporaneidade. Org.: Carmen Célia Barradas Correia Bastos, Fábio Lopes Alves, Tânia Maria Rechia Schroeder. Curitiba: Editora CRV, 2015.

BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, sem ano.

CAPALGO, Creusa. Fenomenologia e ciências humanas. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2008.

GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. Tradução de Celso Azzan Junior. São Paulo: Annablume, 2005.

MAFFESOLI, Michel. A ordem das coisas – pensar a pós-modernidade. Tradução de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Forense, 2016a.

______. Dinâmica da violência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Edições Vértice, 1987.

______. O tempo das tribos: o declínio do individualismo na sociedades de massas. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

*Mestranda em educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste Campus Cascavel/PR. E-mail: giselerisso@hotmail.com. Endereço postal: Avenida Treviso, nº 1104, Bairro FAG, CEP 85.808-450, Cascavel/PR.
** Professora Associada do Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioste Campus Cascavel/PR. E-mail: tania.rechia@hotmail.com. Endereço postal: Rua Firenzi, nº 580, CEP: 85.808-460, Cascavel/PR.

Recibido: 15/08/2019 Aceptado: 04/09/2019 Publicado: Septiembre de 2019

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