NOVELLO, Rejane *
SCHROEDER, Tânia Maria Rechia **
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Email: rejane.novello1978@gmail.com
RESUMO
O presente trabalho, reúne considerações acerca das teorias sociológicas elaboradas por Émile Durkheim (1858 – 1917), Michel Maffesoli (1944 -) e Pierre Bordieu (1930 – 2002), relacionando seu pensamento às concepções dos autores com relação a educação formal. Com o intuito de refletir sobre os problemas educacionais atuais, articulamos os conceitos dos três franceses quanto à educação: o primeiro julgando a educação como os demais fatos sociais, um produto da história e como parte integrante dos aspectos que constituem a consciência coletiva, uma instituição que exprime os comportamentos exigidos dos cidadãos; o segundo expressa a necessidade de reformularmos a educação devido às mudanças ocorridas no processo de socialização dos discentes frente os avanços tecnológicos e o desenvolvimento das tribos; o terceiro, mas não menos importante, delata a relação intrínseca entre a educação formal e a reprodução da estrutura social de classes.
Palavras-chaves: Sociedade, Educação formal, Escola, Transformação, Teorias sociais.
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NOVELLO, Rejane y SCHROEDER, Tânia Maria Rechia  (2019): “Notas sobre as teorias sociais de Durkheim, Maffesoli e Bordieu e a função da educação”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (agosto 2019). En línea: 
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/08/notas-teorias-sociais.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1908notas-teorias-sociais
INTRODUÇÃO
No decorrer dos estudos conduzidos no Programa de Pós-Graduação em  Educação/PPGE, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus  de Cascavel-PR, sobre as teorias sociais e educação na história contemporânea,  refletimos sobre o papel da educação institucionalizada e levantamos um  questionamento desafiador e perspicaz: a escola transforma a sociedade? Assim,  fez-se necessário aprofundar e debater sobre diversos teóricos, a fim de tentar  compreender e interagir sobre suas ideias, pensamentos e contribuições para a  educação e a sociedade como um todo. Pretendemos emoldurar nossa reflexão pela  seleção de três autores em particular, quais sejam Durkheim, Maffesoli e  Bordieu. Devido à natureza do documento, a brevidade nos impossibilitou de  aprofundar alguns temas, porém, de forma geral, nossa análise, estudos e  debates em sala, proporcionou melhor entendimento da questão inicial. 
      Preliminarmente é necessário elucidar algumas questões gerais acerca do  pensamento dos três autores. De acordo com Durkheim a sociologia é a ciência  que tem como objeto as instituições presentes na sociedade. Por instituição o  autor entende um conjunto de princípios e comportamento que cimentam a  sociedade. As instituições são influenciadas pelas circunstâncias históricas e  entre elas está a educação formalizada.
      Maffesoli, autor que descreve a pós-modernidade, assume a premissa de  que estamos diante de um empasse, a noção de mundo que prevaleceu no ocidente  está em xeque, a complexidade das relações sociais, a contradição do surgimento  das tribos e ao mesmo tempo da massificação exige que pensemos a sociedade em  bases igualmente complexas, pois, tais relações, em congruência com a  disseminação da tecnologia transformou profundamente os processos de  socialização, necessitando a educação, por isso, um processo de reformulação. 
      Bordieu é mais incisivo. A desconfiança direcionada à educação é a marca  de sua obra que postula a intrínseca relação entre o sistema educacional e a  manutenção das desigualdades sociais, encontrando um ponto em comum com  Durkheim, compreendendo que a educação não é capaz de promover a mobilidade  social. 
      Independente da perspectiva aceita como mais adequada, através da ótica  dos autores podemos constatar a necessidade não apenas de refletir sobre a  função da educação em nossos dias, mas a exigência social de um novo modelo de  educação que privilegie a ciência em seu âmbito teórico e prático e promova  realmente a equiparação social através do acesso a tal conhecimento. 
DURKHEIM: O CONCEITO DE EDUCAÇÃO, A NATUREZA DO ATO EDUCATIVO E A REPRODUÇÃO SOCIAL
Invariavelmente, o termo educação foi utilizado para especificar a  influência da sociedade e ou da natureza sobre o juízo humano. A abrangência  tanto da interferência social, quanto dos aspectos naturais em um mesmo termo,  conduzem peremptoriamente à considerações incongruentes com relação à educação.  Conforme Durkheim (2012), teórico positivista, a palavra deve ser utilizada  quando refere-se à ação dos homens maduros sob indivíduos mais novos. A  afirmação do autor é relevante para compreendermos de que forma o autor  conceitua a educação, ou seja, qual o tipo de atitude ele está aludindo quando  utiliza a palavra. 
      Mas qual é a essência do ato educativo? Durkheim (2012) aponta duas  respostas históricas e tecendo considerações sobre elas antevemos quais seriam  os objetivos que a educação formal deve desempenhar segundo ele. Em primeiro  lugar destaca uma concepção holística da educação, cujo papel seria elevar  exponencialmente as capacidades humanas, de forma tão harmoniosa que o educando  se aproximasse da perfeição. Em segundo lugar, destaca uma concepção que  denomina utilitarista, cujo objetivo seria converter o discente em um  instrumento de sua própria felicidade. Para o autor entretanto, a primeira  esbarra na impossibilidade de ser efetivada, pois, embora nobre, o objetivo é  contrário à própria organização social, que está conectada com as aptidões  específicas de cada um. Em outras palavras, formar um ser humano integral é  inviável, porque, a formação deve ser conduzida de acordo com as habilidades  que cada um possui e o papel que pode desempenhar socialmente. 
      De fato, cada profissão constitui um meio sui  generis que demanda aptidões e conhecimentos específicos, um meio no qual  predominam certas ideias, usos e maneira de ver as coisas; e, já que a criança  deve estar preparada com vistas à função que será levada à cumprir, a educação,  a partir de determinada idade, não pode mais continuar a mesma para todos os  sujeitos aos quais ela se aplicar. (DURKHEIM, 2012, p. 51)
      A segunda concepção choca-se com problemas não menos relevantes de ordem  teórica, o fato de a felicidade ser essencialmente subjetiva e individual. Para  Durkheim (2012), neste caso o problema agrava-se pois, além de o objetivo da  educação nesse caso ser obtuso, ele ainda está sujeito à individualidade de  cada homem. 
      O ponto de contato entre as duas teorias seria o fato de ambas  considerarem que existe uma educação ideal, aplicável a qualquer ser humano e a  tentativa de especificá-la, de determinar o objetivo mor da educação. De acordo  com Durkheim (2012), a história está na contramão dessa premissa. Ao longo da  história, conforme a conjuntura social se alterava, modificava-se igualmente a  natureza do ato educativo. Ora, se há uma educação ideal, um objetivo superior  ao qual a educação deve submeter-se, por que a alternância de sistemas?  Estariam todos os teóricos da educação, desde os gregos antigos, até os mais  recentes pesquisadores equivocados com relação ao papel da educação? 
      Sob estas diretrizes podemos depreender que, a mensagem que Durkheim  (2012) está querendo transmitir é a de que, a educação se moldou ao longo da  história, à organização social, se a educação sofreu alterações foi para  atender a demanda social, formando e incutindo os valores e habilidades  necessários à manutenção daquela sociedade em questão. Transposto para o nosso  período histórico, o problema nos leva a reflexão de propostas educativas  contra-hegemônicas e ou alternativas, pois, se elas são realmente levadas à  cabo, será que não estão igualmente atendendo à demanda dos papeis sociais? Ou  a sociedade não se opõe à um tipo específico de educação que vai contra sua  própria organização estrutural? 
      A fonte do problema segundo Durkheim (2012), é um equívoco histórico  quanto à natureza e a finalidade da educação. Com base nisso, poderíamos  argumentar que, toda sorte de sistemas educacionais, ou propostas curriculares  pautadas em condições de vida ainda inexistentes ou almejadas, consistiriam em  propostas virtuais, para não usarmos os termos utópicas ou enganosas, devido a  suas raízes inexistentes. De acordo com essa linha de raciocínio, se as bases  sob as quais se assentariam essa determinada proposta inexistem na prática, sua  origem, seus princípios, bem como seus métodos não teriam justificativa e ou  aplicação, condenando toda sorte de propostas educacionais transformadoras,  visionárias ou reformistas à um limbo de tentativas fracassadas, que não  deveriam ter nem saído do papel. 
      Conforme Durkheim (2012), “[…] em qualquer época, existe um tipo  regulador de educação do qual não podemos nos distanciar sem nos chocarmos com  vigorosas resistências”. (DURKHEIM, 2012, p.48). Porque, a sociedade produz  os valores que a educação reproduz, de acordo com sua própria urgência.  Historicamente, a educação está atrelada à religião, política, economia, ao  estágio de desenvolvimento da ciência, entre outros fatores. Não é possível  pensá-la, ou compreendê-la fora de seu contexto. 
      Esse enunciado é ratificado por Caires (2013). Em artigo intitulado Educação  profissional: diálogos com Durkheim, Weber e Marx, a autora fixa como  objeto de estudo a educação profissional brasileira na década de 1990, as  políticas sociais implementadas nesse período são concomitantes à  intensificação do capitalismo internacional, justificando seu interesse.  Segundo a autora, as políticas sociais, entre elas a educação, assim como a  conjuntura histórica sob a qual elas se assentam, prevalecem aspectos da teoria  sociológica de Durkheim, justamente no que tange à reprodução da ordem social. Aferindo  a teoria dos autores citados ao objeto selecionado, a autora elenca ainda  elementos da teoria Weberiana, confrontando-os com a perspectiva marxista, que  prevê uma formação humana integral, pautada na compreensão do trabalho como  atividade consciente e livre, ou seja, conectada à sua natureza. 
      A despeito de nosso interesse por Durkheim, o estudo supracitado nos  interessa por outra razão. Conforme Caires (2013), as mudanças ocorridas no  plano econômico mundial na década de 90, refletiram em alterações na legislação  acerca da educação profissional, que oscilou ora atrelando-se ao ensino médio  regular, ora desarticulando-se deste, havendo a possibilidade de sua oferta  acontecer em paralelo e ou sequencialmente ao ensino médio, garantido mais  flexibilidade quanto à sua oferta e organização curricular no interior das  instituições. Por outro lado, não podemos negar que a universalidade do ensino  superior ainda é uma meta longe de ser alcançada, adquirindo relevância o  ensino técnico para determinadas camadas da classe trabalhadora. Estamos diante  de uma questão dúbia em sua origem e papel a cumprir na sociedade. Ao mesmo  tempo que o ensino profissional pode desviar o indivíduo de sua formação  integral, sua oferta integrada ao ensino médio regular representa uma melhoria  no ensino. Nesse sentido a autora destaca: 
      Em decorrência disso, passaram a coexistir três formas  de oferta da EP. Uma delas, o Ensino Integrado, possibilita melhores condições  para uma educação tecnológica alicerçada na formação humana integral, cidadã e  crítica. As formas concomitante e subsequente, muitas vezes, desenvolvidas em  módulos fragmentados, acabam por manter uma relação mais próxima com a  formação, focada apenas no mercado de trabalho e se afastam de uma educação  mais humanista e reflexiva. (CAIRES, 2013, p.11) 
      O texto oficial que inaugura a escola profissional no  Brasil, elaborado na gestão do então presidente Nilo Peçanha – que assumira a  presidência por aproximadamente um ano e meio, entre 1909 e 1910, por ocasião  da morte de Afonso Pena – aborda o problema justamente sob os dois ângulos,  anuindo que o objetivo da política é assegurar uma oportunidade de  profissionalização às camadas menos favorecidas por um lado, e que tal  modalidade de ensino deverá atender à demanda industrial local por mão de obra  qualificada. O grifo de Caires (2013), sobre o texto oficial acima, segundo a  autora encerra profundas semelhanças com os pressupostos de Durkhein, pois,  ambos pressupõem uma educação classista, em que o objetivo é preparar o  indivíduo para o papel social que desempenhará. Em oposição à concepção de formação  integral humanista que prevaleceu após o Renascimento, esta disposição tem como  princípio atender à demanda econômica por mão de obra capaz e social, evitando  a população de desempregados que geraria um desequilíbrio nesse âmbito, não  sendo capaz de ocupar vagas de emprego, bem como favorecer a acumulação e  capital por parte dos patrões e consumir os produtos e serviços oferecidos,  movimentando assim a economia. 
      O arranjo social é o núcleo da teoria de Durkheim  segundo a qual os indivíduos integram um organismo, todas as suas ações devem  prever a continuidade desse organismo, interdependendo-se, em detrimento das  particularidades para o benefício de toda a sociedade. Caires (2013) afirma que  entre os interesses do sociólogo francês, não estavam os conflitos oriundos das  desigualdades sociais, essas contendas eram tratadas de forma tópica,  necessitando de correção para a retomada da ordem vigente. É nesse sentido que  Durkheim analisa a questão da divisão do trabalho social, problemática ligada  atualmente à oferta da educação profissional, pois reconhece a secção entre a  formação profissional e a formação que chamamos de integral em benefício da  sociedade, haja vista que cada indivíduo deve exercer seu papel de acordo com  as exigências da conjuntura social em prol do todo e em detrimento próprio. 
      O caráter ambíguo da educação foi explorado por  Durkheim, que esclarece a questão nos seguintes termos. Pesquisando o conceito  de educação, o autor francês comparou os modelos educativos que existiram até a  sua contemporaneidade. Requestando o que havia de comum entre eles, julgou  encontrar nas similaridades seu conceito. Segundo Durkheim (2012), a educação  tem em si aspectos particulares e também genéricos, mais globais. O raciocínio  do autor parte do pressuposto de que a educação sempre se realizou de maneira  específica segundo a classe social a que era direcionada e mesmo o lugar de  onde partia tal educação, logo admite uma educação diferente entre as áreas  rurais e urbanas, entre os patrões e subalternos por exemplo. 
      Inteligentemente, Durkheim (2012) afasta as críticas  da impossibilidade de aceitação moral de uma educação classista questionando  que, se o determinismo da classe e ou ambiente que prevalece sobre os indivíduos  fosse excluído do processo educativo, esse se tornaria automaticamente mais  democrático e equitativo? Refletindo a partir da atualidade é fácil e sedutor  concordar com o sociólogo francês. Vivemos sob a égide da igualdade de  direitos, da igualdade jurídica já levantada na Revolução Francesa,  salvaguardadas as devidas variações teóricas e estruturais, vivemos em uma  nação cujo Estado é socialista, até muito recentemente tínhamos na presidência,  líderes que se orgulhavam de alardear o combate e diminuição da pobreza, sem  adotar bandeira a questão que fica é: e a educação no interior dessa  conjuntura? Se tornou mais equilibrada? Para Durkheim (2012) a única  possibilidade de uma educação dessa natureza efetivar-se está já no passado, na  pré-história, momento em que os homens não tinham distinções. Depreende-se daí  a premissa de que a educação deve refletir a organização social, ainda que esta  seja desigual. 
      Reflexões à parte, retornemos ao nó teórico da  natureza ambígua da educação segundo Durkheim (2012). O autor delineia o papel  cultural que a escola tem a cumprir. Sem embargo da educação classista, o  francês anui que todos os indivíduos de uma determinada sociedade em idade  escolar devem apreender certos valores e que cabe à educação assegurar essa transmissão.  Como exemplo o autor cita a religião, que embora pessoas sejam de níveis  sociais diferentes, partilham de valores religiosos iguais. Entretanto, a  preocupação de Durkheim não é humanista mesmo que aparente ser. Os valores que  a escola deve obstinar nos discentes são aqueles essenciais a manutenção do  espírito coletivo, qual seja, o de uma sociedade dividida em classes. 
      Durkheim (2012), assente a tese de que toda sociedade  elabora um ideal de homem – uma das similaridades que o autor encontrou nos  diversos modelos educativos estruturados ao longo da história da educação - e  que tal conceito tem caráter universal, porém, em algum ponto esse arquétipo  sofre alterações. Este protótipo é o eixo da educação, cuja função é transmitir  os valores e comportamentos desejados e exigidos pela sociedade para todos os  seus membros e por outro lado, fazer penetrar os valores exigidos do indivíduo  de acordo com sua posição social. Portanto, a educação é uma espécie de cimento  social, assegurando paralelamente a homogeneidade tácita, o espírito coletivo e  nacional e também diversificando-se, particularizando-se para atender à demanda  das diferentes classes sociais. 
MAFFESOLI: A CRISE DO PARADIGMA, A BREVIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS ATUAIS E O ALUNO NÔMADE
            Émile Durkheim (1858 – 1917) e  Michel Maffesoli (1944 - ) têm outras semelhanças além da nacionalidade  francesa, ambos são considerados pioneiros na área que estudaram e estudam,  respectivamente. Durkheim é frequentemente citado juntamente com Karl Marx e  Max Weber como um dos elementos basilares da ciência social moderna. Através da  disciplina de sociologia que ele próprio fundou e em meio as mudanças sociais  operadas no limiar do século XX, Durkheim preocupou-se em analisar a  organização social, bem como suas estruturas numa perspectiva positivista. 
      Por sua vez, Maffesoli, nosso contemporâneo também se fez notório pela  inovação de sua obra e popularização de conceitos como tribo urbana.  Entretanto, aos estudiosos e leitores acostumados à sociologia tradicional e ou  consagrada, para não parecermos pejorativos ou parciais, as ideias de Maffesoli  podem parecer paradoxais e representar mesmo um desafio de interpretação, do  ponto de vista do leitor e do ponto de vista do cientista social. 
      Na introdução da obra que tomamos como referência para o presente  trabalho, Maffesoli (2014) afirma que escreve no fim da Era Moderna, esta  primeira afirmação já revela uma das premissas do autor, ao passo que confronta  a compreensão da ciência social tradicional. A afirmativa do francês revela sua  compreensão histórica, segundo a qual vivemos em um período após a modernidade,  denominado correntemente como pós-modernidade. Aparentemente uma solução  puramente teórica, tal compreensão tem implicações na obra do autor que  esclarece na referida introdução, que seu objeto de estudo, qual seja a  existência social, demanda considerações peculiares sobre determinados conceitos  e categorias cristalizadas. Dentre elas, Maffesoli (2014) furta-se à  segmentação tradicional das disciplinas científicas e de sua “sensatez”, que  segundo ele, embora fundamental é desdenhável. 
      Não obstante, o próprio autor justifica suas escolhas e assume o risco  afirmando que sua opção o tira do solo seguro que oferece tal divisão do saber,  pois, seu objeto não encaixa-se nas categorias utilizadas em tais divisões. Por  meio dessas assertivas antevemos a perspectiva do sociólogo. A nítida inconsistência com que poderiam acusar o autor, alguns desavisados é  resultado de seu entendimento dos rumos da sociologia, mais abrangente, mas  globalizante, para não dizermos genérica, intentando 
      […] mostrar o deslocamento de importância que está  ocorrendo, de uma ordem social essencialmente mecanicista para uma  estrutura complexa a dominante orgânica. Assistimos à substituição da  história linear pelo mito redundante. (MAFFESOLI, 2014, p. 5) 
      Além de revelar a verve, polêmica para alguns e  transgressora para outros, de sua obra, a citação indica uma apreensão da  sociedade totalmente oposta à dos historiadores marxistas por exemplo, além de  revelar alguma afinidade com seu conterrâneo Durkheim, ao referir-se à  sociedade com o termo orgânica, que nos remete as ideias do funcionalismo do  pai da sociologia. Nesse sentido, Maffesoli (2014) anota que a despeito das  estruturas sociais hegemônicas, há fatores subentendidos no cerne da existência  humana que garantem a manutenção da convivência em sociedade. 
      Speller (2004), articula as ideias de Edgar Morin e  Michel Maffesoli em um estudo sobre mulheres professoras em um determinado  município do estado do Mato Grosso, cujo a migração por ocasião da atividade  econômica do garimpo de minerais preciosos engendrou uma conjuntura social  peculiar e complexa, permeada de conflitos entre índios, empresas exploradoras  e donos de terras. O artigo, apesar de breve é relevante para nós devido a seu  objeto, logo, depreendemos algumas considerações sobre a educação e a sociedade  em Maffesoli. 
      Conforme Speller (2004), professores e alunos – não  restritos à região estudada – enfrentam, devido a migração, um desenraizamento  que tem como consequências a ausência de referências simbólicas – paradigma,  conceito que explicitaremos mais à frente – e a falta de identidade com a  cultura local. Entretanto, no local pesquisado, tais condições estabelecem uma  rede de união e solidariedade, corroborando a premissa de Maffesoli quanto a um  elemento tácito que mantém a unidade social. 
      As novas e transitórias condições de vida forjam um  novo sujeito e por sua vez um novo modelo de aluno, uma espécie de nômade, “[…]  o nômade seria aquele que não se cristaliza, não se torna rígido, ludicamente  criando e deixando criar o novo […] sem prender-se a rótulos e estereótipos”.  (SPELLER, 2004, p.45) 
      Nesse sentido, a autora explícita o que Morin e  Maffesoli compreendem como paradigma. Todos nós interpretamos a sociedade na  qual vivemos através de conceitos que chegam até nós por meio da cultura, via  linguagem. Este conteúdo lógico, ideológico e simbólico presente em nossa  consciência é o que os autores consideram como paradigma e através dele que  discernimos o mundo que nos cerca, selecionando as categorias e conceitos  fundamentais para a cultura do meu grupo e excluindo as restantes. Segundo  Morin e Maffesoli, atualmente prevalece um novo paradigma que entre outras  coisas, refuta a lógica dialética, que compreende os fenômenos em polos  diametralmente opostos. Nas palavras de Speller (2004), 
      O autor preconiza um paradigma complexo dialógico de  implicação/distinção/conjunção em oposição ao paradigma ocidental cartesiano,  vigente desde o século 17 que separa, procedendo por disjunção, sujeito e  objeto, alma e corpo, espírito e matéria, qualidade e quantidade, finalidade e  causalidade, sentimento e razão, liberdade e determinismo, existência e  essência. (SPELLER, 2004, p.47) 
      Para Speller (2004), o paradigma que precisa ser  deixado para trás, em busca da ordem renuncia à complexidade da existência  humana, por isso a perspectiva dos autores faz-se necessária para compreender o  cenário atual. Essa assertiva representa justamente o principal ponto de  contato entre as teorias de Morin e Maffesoli, que consiste na crítica à  divisão e organização tradicional da ciência e seu entendimento do que é a  verdade. Para os sociólogos, tal organização exclui fatores predominantes da  vida como a subjetividade e o acaso, furtando do âmbito científico tudo aquilo  que não pode ser medido ou determinado. Intentando atingir a total ordenação  dos fenômenos, a total explicação, os cientistas eliminaram o que há de  cabalístico, para usar um termo corriqueiro na obra de Maffesoli. 
      A ciência  tradicional entende a sociedade e os fenômenos naturais em uma lógica  cartesiana e ou newtoniana, à exemplo da lógica matemática, ou seja, os  fenômenos da realidade são equiparados e compreendidos em tal perspectiva.  Maffesoli realiza a crítica de tal noção que considera determinista e  mecanicista e compara a busca por razões primordiais empreendida pelas ciências  com a busca e explicação dos fenômenos através da religião. De forma geral, o  que o francês quer expressar é uma crítica a ciência como está organizada,  pois, para ele, ela não abrange a complexidade do real, que para ser entendida  necessita de uma metodologia igualmente complexa, que articule disciplinas,  conceitos e categorias e os considere de maneira aberta. Segundo o autor  passamos por uma crise do paradigma ocidental,  pois o que está em jogo na realidade é uma relativização da verdade, que de  acordo com as ideias de Maffesoli (2014) é produto da situação. 
      Em resumo, a teoria de Maffesoli (2014), intentar  decifrar a relação paradoxal entre a massificação e a proliferação das tribos.  Essa relação é o que constitui os caracteres sociais de nosso tempo segundo o  autor, que explica, diferenciando suas ideias das de Marx por exemplo, ao  considerar a massa sem identidade, em oposição a categoria de classe operária  que desempenha um objetivo na história, a massa não cumpre tais objetivos, por  isso utiliza o conceito de tribo, conforme o autor,
      Trata-se da  tensão fundadora que me parece caracterizar a socialidade deste fim de século.  A massa, ou o povo, diferentemente do proletariado ou de outras classes, não se  apoiam em uma lógica de identidade. Sem um fim preciso, eles não são os  sujeitos de uma história de marcha. A metáfora da tribo, por sua vez, permite  dar conta do processo de desindividualização, da saturação da função que lhe é  inerente, e da valorização do papel que cada pessoa (persona) é chamada a  representar dentro dela. (MAFFESOLI,  2014, p. 10). 
      Assim, a transitoriedade latente em sua obra reflete-se até na  utilização da palavra tribo, que não vem unida ou próxima a compreensão de  conceito, mas sim, de metáfora, em que cada pessoa (persona), desempenha um  papel específico, mais autônomo do que aquele desempenhado por uma classe. 
BORDIEU: RELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FORMAL E A ESTRUTURA SOCIAL DE CLASSES
            Para  Bordieu (2007), a sociologia da educação conserva como objeto a relação entre  reprodução cultural e reprodução social. Logo, seu objetivo específico seria  mensurar a influência da educação formal na manutenção das estruturas sociais.  Com o intuito de compreender essa relação o autor utiliza o conceito de  habitus, que encerra a interdependência entre as estruturas e a ação. 
      A relação entre  a educação com as estruturas que sustentam a sociedade não é usualmente  considerada pelos sociólogos, porém, seu estudo acrescentaria luz sob o  funcionamento de tais sistemas sociais. Sobre o assunto ele anota, 
      […] é  preciso conhecer as leis segundo as quais as estruturas tendem a se reproduzir  produzindo agentes dotados do sistema de disposições capaz de engendrar  práticas adaptadas às estruturas e, portanto, em condições de reproduzir as  estruturas.” (BORDIEU, 2007, p.296) 
      Outra  afirmação contundente do autor com relação à educação formal é a de que, ela  substituiria, em regimes democráticos, a hereditariedade do poder, fomentando  as estruturas que garantem a alienação do poder à uma determinada classe.  (BORDIEU, 2007). Não obstante, constatamos uma posição do francês oposta ao  liberalismo e os valores que o determinam. 
      Astutamente,  Bordieu anui que a função social da educação de legar às gerações pueris o  capital cultural herdado historicamente pela civilização – noção consagrada por  Durkheim – esconde o papel bem delineado de reprodutora cultural dos valores  essenciais à sociedade de classes que a educação formal cumpre atualmente. 
      Por  mais democrático que possa aparentar ser, a justificativa de que a escola teria  a função de transmitir o capital cultural é vil, devido a própria natureza  desses bens e o meio de usufruir deles. Muito embora o acesso ao conhecimento  historicamente acumulado seja garantido as classes desfavorecidas por algumas  vias – hoje em dia poderíamos mesmo citar a internet, que oferece entre outras  coisas visitas on-line à museus, vídeos com concertos musicais e óperas,  sendo que o acesso à rede é praticamente universal em nosso país e também  propostas educacionais que privilegiam o acesso ao conhecimento – a sua fruição  só é feita mediante a apreensão dos instrumentos e códigos utilizados na sua  produção, ou seja, os bens culturais historicamente produzidos é  verdadeiramente apreendido apenas por aqueles que detém o referencial simbólico  necessário à sua compreensão, a classe dominante. Nesse sentido, a produção e  apropriação dos bens culturais percorre um caminho cíclico, retornando sempre à  sua origem, perpassando pelas classes sociais desfavorecidas sem efeito algum.  (BORDIEU, 2007) 
      Não  obstante, podemos afirmar conforme Bordieu (2007) que o acesso e fruição dos  bens culturais estão atrelados à distribuição do capital econômico. Em outras  palavras, o nível de utilização dos bens culturais corresponde à classe  econômica na qual o indivíduo se encontra, que segundo Bordieu são três: a  inferior, integrada pelos trabalhadores rurais e operários em geral; a média,  cujo os integrantes são funcionários com formação técnica; e a superior,  integrada por profissionais liberais e administradores de alto escalão. 
      A  assertiva de Bordieu encerra outro debate que já havíamos citado brevemente no  tópico sobre Maffesoli, a massificação. Nesse caso em específico a massificação  da cultura, que com essa natureza é considerada inferior, como o cinema e ou  livros de cunho estritamente comerciais. Ou seja, todo o sistema engendra uma  diferenciação da cultura popular para a cultura hipoteticamente superior,  àquela que mereceria realmente ser consumida e desejada por quem está abaixo na  pirâmide social. À época em que escreveu Bordieu, a estrutura social refletia  igualmente não só o acesso à cultura na forma de bens de consumo, mas  igualmente, como parte integrante da cultura o acesso à universidade.  Atualmente com a efetivação de políticas de ações afirmativas em âmbito nacional,  teríamos no segmento de educação superior pública, revertido esse quadro  parcialmente? Ou ainda assistimos as vagas nas universidades públicas serem  destinadas aos membros da classe superior? 
      Todavia,  a função da escola estaria erroneamente posicionada no centro de irradiação do  conhecimento científico? Não, concordamos que o papel da escola seja nuclearmente  este, porém, o autor justifica porque, ele não é concretizado, pois “[…] a ação  do sistema escolar somente alcança sua máxima eficácia na medida em que se  exerce sobre indivíduos previamente dotados pela educação familiar de uma certa  familiaridade com o mundo da arte.” (BORDIEU, 2007, p.304) 
      Ao  longo de sua obra, Bordieu (2007) pretende denunciar o aparato educacional que  em sua visão age no sentido de reproduzir os valores culturais essenciais à  manutenção da classe hegemônica no poder, valorizando práticas educativas  desiguais em seu conteúdo, mas igualitárias em sua forma. Nesse sentido,  concordamos com o autor que indica que a escola, como a descreve não tem a  capacidade de promover nenhum tipo de ascensão social, pois, a distinção entre  as classes não é uma problemática abordada pela educação institucionalizada.
            
      CONSIDERAÇÕES FINAIS
A despeito das transformações nas relações sociais proporcionadas pela  tecnologia, assim como as mudanças das forças produtivas operadas pelo avanço  inexorável da tecnologia, ainda vivemos sob a égide do capitalismo. Não  raramente essa premissa é posta à prova devido à complexidade e fugacidade que  a existência humana se configurou. A educação está no olho do furacão, em torno  dela orbitam novos métodos, novas propostas, novas tecnologias, críticas,  debates, enfim, um sem número de interferências. O fato é que as mudanças  históricas recentes ocorreram com a mesma velocidade da internet e a escola  infelizmente mostrou-se incapaz de acompanhá-las. Nesse ponto concordamos com  os três autores citados, pois, o que todos têm em comum é o discurso,  independente da finalidade que querem dar a ela, de iminente reforma no sistema  educativo. 
      O ceticismo de Bordieu expresso na sua denúncia do papel reprodutor da  educação nos leva a seguinte questão: basta garantir o acesso aos bens  historicamente produzidos? Ou é necessário conduzir os educandos nos meandros  do universo semântico que possibilita desfrutar tal capital? Como fazer isso? A  proposta classista e pragmática de Durkheim nos conduz a não menos relevantes  indagações como: qual é o verdadeiro papel da educação técnica na atualidade?  Proporcionar uma formação profissional a quem precisa e não tem acesso? Ou  garantir que os educandos sejam privados de uma educação integral através dessa  ressalva? Por fim, as ideias de Maffesoli nos levam a questões mais gerais  sobre a sociedade: será que não estamos realmente vivendo em uma nova era em  que todas as relações sociais não estão mais enquadradas nos moldes que a  física newtoniana previu? E como nos descreve o autor, estamos existindo em uma  socialidade com estrutura mais orgânica, em que as pessoas (personas) representam  diferentes papeis, nas diferentes tribos que fazem parte, sem perder seu  individualismo, agraciando o belo e o prazer? E que a escola de fato, como se  apresenta hoje, está falida? 
      Portanto, nossa tríade francesa, seja por um viés ou outro, condena o sistema  educativo institucionalizado, ora por sua função reprodutora dos valores da  classe hegemônica, ora pela impossibilidade de garantir uma educação  igualitária, ora pelo descompasso com relação à conjuntura atual. 
REFERÊNCIAS
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*Mestranda em educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste Campus Cascavel/PR. E-mail: rejane.novello1978@gmail.com. Endereço postal: Travessa Intendência, nº 24, Região do Lago, CEP: 85.812-370, Cascavel/PR.