Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


MEMÓRIA E FORMAÇÃO DOCENTE NO ESTADO DO PARÁ

Autores e infomación del artículo

Vivian da Silva Lobato*

Universidade Federal do Pará/UFPA, Brasil

Email: vivianlobato@yahoo.com.br


Resumo
O presente artigo objetiva apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP, em seus vários aspectos. O referencial teórico-metodológico está assentado nos estudos de Ecléa Bosi (1994; 2003). Foi realizada, primeiramente, uma pesquisa documental, com a finalidade de ancorar as narrativas dos sujeitos, professoras e alunas do IEEP; em seguida, foram coletados os dados sobre como as professoras se recordam e interpretam o IEEP, em seus vários aspectos, a partir de entrevistas semiestruturadas. Os resultados demonstram que o IEEP era não só um espaço de estudo, que visava garantir rigorosamente a aprendizagem dos conteúdos, mas também um espaço alegre de convívio. É importante destacar que as entrevistadas mostram-se saudosas do clima educacional do IEEP, uma vez que a escola proporcionou a elas formação de qualidade, que lhes permitiu ingressar no mercado de trabalho, com condições de bem exercê-la, bem como proporcionou conteúdos articulados com a prática, lazer, inserção cultural e amizades, enfim, uma formação completa, tão propalada nas teorias educacionais em voga.
Palavras-chave: memória coletiva, memórias de professores e alunos, formação docente no Pará.
Abstract
The purpose of this work is to collect data concerning how female teachers and students remember and interpret IEEP in its many aspects. The theoretical-methodological reference frame relies in the studies by Ecléa Bosi (1994; 2003). First, documentary research was performed, in order to anchor the reports of the subjects, IEEP’s female teachers and students; then, data were collected concerning how the teachers remember and interpret IEEP in its may aspects, drawn from semi-structured interviews. The outcomes show that IEEP was then a space for study, which aimed to rigorously guarantee the learning of the subject matters, but also a joyful convivial space. It is important to highlight that the interviewed people showed a nostalgic feeling for the educational atmosphere at IEEP, as the school afforded them excellent training, which allowed them to get into labor market ready to perform it, as well as affording them contents that were connected to practice, leisure, cultural integration, and friendship, that is, the complete training that finds so much support in the educational theories in vogue.
Keywords: collective memory, teachers’ and students’ memories, teachers’ training in Pará.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Vivian da Silva Lobato (2019): “Memória e formação docente no estado do pará”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/07/memoria-formacao-docente.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1907memoria-formacao-docente


Introdução
O presente artigo é fruto de uma pesquisa de Doutorado, a qual se propôs a responder a seguinte questão:como o cotidiano do IEEP é revivido a partir da memória de suas protagonistas, professoras e alunas, no período compreendido entre as décadas de 1940 e 1970?” a partir do depoimento de ex-alunas e ex-professoras que, com suas experiências, vivências e atuação estudantil e profissional no Instituto, participaram de sua história, bem como a história da própria formação docente em seu interior. Sendo assim, o presente artigo apresenta-se como um dos desdobramentos da pesquisa de Doutorado, cujo objetivo é: Apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP, em seus vários aspectos. Assim, tendo por base os depoimentos das entrevistadas que fizeram parte da história do IEEP, apresentamos os resultados que nos permitem contribuir com a história da formação de professores no Estado do Pará.
Método
O referencial teórico metodológico usado foi a narrativa oral, tendo como base os estudos de Ecléa Bosi (1994; 2003), e significa, no contexto da pesquisa, desvelar as representações, saberes, práticas e processos de apropriação e transmissão de conhecimentos que ajudaram a construir a história do IEEP.  
Para Bosi (1994), o grupo é suporte da memória. Em alguns casos, o grupo é efêmero e logo se dispersa, como uma classe para o professor, em que é difícil reter características pessoais e fisionômicas de cada aluno. Para os alunos, entretanto, as lembranças são mais sólidas. Para as narradoras, tais fisionomias e caracteres foram sua convivência de anos a fio. Para elas, o grupo de colegas foi, em geral, duradouro, constituindo, pouco a pouco, uma história e um passado comuns.
Foram realizadas oito entrevistas com ex-alunas e ex-professoras, que tiveram um caráter semidiretivo e se desenrolaram sem um roteiro previamente estruturado. Para garantir o anonimato das entrevistadas, os nomes atribuídos a elas são fictícios.
A pesquisa ficou delimitada entre os anos de 1940 e 1970, com base em relatos orais de personagens que fizeram parte desse momento histórico. Para Bosi (1994), o que nos leva a trabalhar com registros orais e, através deles, entrever a vida e o pensamento de seres que já trabalharam por seus contemporâneos e por nós, é que esse registro alcança uma memória pessoal, a qual é também uma memória social, familiar e grupal.
O critério para definir a participação dos sujeitos foi o interesse e a concordância destes em participar do estudo, a disponibilidade para agendamento de uma data para a entrevista, bem como ter sido aluna ou professora do IEEP no período compreendido entre os anos de 1940 e 1970.
Após a realização das entrevistas, procedeu-se à sua transcrição. De posse desse material, passou-se a uma leitura analítica, buscando-se identificar os dados significativos para a pesquisa. Em seguida, os dados das entrevistas foram divididos em categorias de análise, definidas a partir das direções que o discurso apontava.
Dessa maneira, as categorias de análise foram estabelecidas de acordo com os aspectos das vivências das entrevistadas, que apareceram com mais significância nas suas falas, seguindo, obviamente, o objetivo da pesquisa, de apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP, em seus vários aspectos.
Assim, tanto a divisão em categorias de análise, quanto a apresentação da discussão das entrevistas no presente artigo obedeceram a critérios e direções que os discursos das entrevistadas apontavam.

Discussão e Análise de dados

  1. O Curso de Formação de Professores

O Currículo
As alunas entrevistadas estudaram sob a vigência da Lei nº. 4024/6; enquanto as professoras trabalharam sob a vigência da Lei n. 5692/71.
Algumas entrevistadas acreditam que o currículo do curso normal da época atendia tanto à formação de professores licenciados, quanto proporcionava um embasamento para aquelas que pretendiam cursar Pedagogia em nível universitário:
(...) nós tínhamos Desenho, na primeira série nós tínhamos uma disciplina chamada Desenho, em que a gente aprendia como fazer as letras, como fazer um cartaz. Tínhamos também Estatística. Então, quando nós chegamos à universidade para dar Estatística Aplicada à Educação, nós já tínhamos uma base. (Raquel)
Nessa época, a proposta curricular do IEEP tornou-se um modelo básico para todas as outras propostas curriculares dos cursos de magistério da época, firmando, assim, sua identidade de principal instituição formadora de docentes, em nível médio, perante a sociedade local.
Sobre essa aproximação entre o currículo do IEEP e o currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Pará, Fátima acredita que o ensino no curso normal não deixava muito a dever ao ensino da universidade: “pelo menos para mim não era muito diferente, eu estava vendo no curso superior coisas que eu já conhecia. Mas existiam matérias, por exemplo, Didática, que a gente já conhecia, mas tinha feito só um apanhado”.
Essa afirmação da entrevistada se repete em outras pesquisas, as que mostram que os currículos dos cursos normais eram muito consistentes e os conteúdos trabalhados equivaliam a conteúdos dos cursos superiores, como verificado por Mastrobuono (2004), entre outros.
A escola também possuía laboratórios de Física, Química, Biologia, História e Geografia, assim, no horário destinado a essas disciplinas, os alunos assistiam às aulas nesses laboratórios.
A grade curricular era complementada pelo Colégio de Aplicação: “nós tínhamos o Colégio de Aplicação, onde as alunas iam aprender a dar aula. Era anexo ao Instituto e eu também fui diretora do Colégio de Aplicação”. (Ruth).
Na primeira série do curso pedagógico, os alunos iam para a colégio de aplicação apenas com o objetivo de observar; era um estágio de observação. No segundo ano, eles começavam a participar de algumas atividades desenvolvidas em sala, como corrigir, junto com a professora, os trabalhos dos alunos. Por fim, na terceira série, era exercitada a regência de classe, completando o estágio curricular.
O Colégio de Aplicação atendia à comunidade escolar do IEEP. Era oferecida a Educação Infantil, na época denominada Jardim de Infância, conforme a Lei nº 4024/61, como também o ensino de 1ª a 4ª série. Além de assessorar a professora regente de classe, os alunos faziam estágio na Secretaria, na Direção da Escola, objetivando, dessa maneira, apreender o funcioidnto global da instituição.
Desde a primeira série, os alunos começavam a articular teoria e prática. O fato de ter um colégio de aplicação ratificava que a articulação entre teoria e prática estava na base do currículo; logo, não era por acaso que essa era a escola modelo de formação de professores. Assim, podemos perceber a riqueza que foi o IEEP, em termos de organização, planejamento e projeto pedagógico, mas, sobretudo, o seu compromisso com a formação de professores.
Os alunos tinham uma formação teórica, mas diretamente articulada a uma prática, nascida na realidade da sala de aula, fato este que influenciava diretamente na qualidade da formação do professor, dentro de uma estrutura escolar como esta.
Com a Ditadura Militar vieram algumas mudanças no currículo do curso normal; essas mudanças caracterizaram-se como uma espécie de “esvaziamento” na formação do professor:
(...) eu senti isso quando eu voltei para ser professora, porque eu reclamava muito do currículo, já era na Lei 5692 (...) Por exemplo, o nosso currículo da Lei 4024 tinha aula de Desenho, que era para fazer as letras, como fazer um cartaz, que cor deveríamos usar no cartaz, era mesmo aula de desenho pedagógico; aprendíamos a fazer cartaz para alfabetizar, mural etc. Hoje você vê as letras dos professores as piores possíveis. (Raquel)
Com a ditadura tiveram algumas mudanças no currículo. Por exemplo, a gente fazia Didática I e II, e depois passamos a fazer apenas Didática I. (Fátima)
Ruth destaca que, no currículo do curso, dava-se importância a conteúdos relacionados ao desenho e à letra como aspectos instrumentais, isto é, com o intuito de instrumentalizar os professorandos. Já Fátima atenta para outra questão fundamental, que é o fato de terem passado a cursar apenas Didática I, em vez de Didática I e II, o que representa o “esvaziamento” curricular.
Sob a vigência da Lei n. 5692/71, pode-se entender que houve certa diminuição teórica na formação oferecida. Antes, os futuros professores eram formados a partir de uma concepção que se aproximava mais da formação erudita, tornando-os possuidores de uma cultura geral, capazes de oferecer uma educação mais adequada aos seus alunos. Sob essa nova Lei, porém, o Instituto adotou o que acabou sendo conhecido como tecnicismo, segundo o qual o professor deveria ter domínio de técnicas de ensino; tudo em acordo com a situação política da época, pois o Regime Militar beneficiou-se do tecnicismo, uma vez que não lhe interessava a análise crítica sobre a conjuntura social e política da sociedade brasileira.
De acordo com Romanelli (2001), além do esvaziamento do Desenho e da Didática, a Lei n. 5692/71 conseguiu ser ainda mais deletéria em relação a esse esvaziamento curricular, porque as disciplinas que impelia os alunos à reflexão foram retiradas dos currículos ou adulteradas. Para a autora, o currículo da Lei n. 4024/61 tinha um cunho mais enciclopedista e propedêutico do que o da Lei n. 5692/71.

A Avaliação
Conforme apontam algumas entrevistadas, quando eram alunas o processo avaliativo era muito pautado pela técnica da memorização e reprodução do conteúdo ministrado.
Tinha um professor, que eu não vou citar o nome, a [...] vai logo saber quem era, que ele fazia a gente decorar 102 [itens do conteúdo da disciplina] para depois fazer a prova. Tu já pensastes o que era decorar 102 [idem] e 608 [...] (...) Esse professor fazia a gente decorar dez pontos de [...], eu fui obrigada a repetir isso milhões de vezes. (Iara)
Por meio dessas práticas de avaliação, podemos compreender como a autoridade do professor era exercida, pois os alunos deveriam apresentar o conteúdo apreendido da mesma forma como havia sido ensinado, sendo desconsiderada qualquer alteração.
Outros instrumentos de avaliação também utilizados eram as sabatinas, os campeonatos de verbos, as olimpíadas de matemática e a atribuição de pontos aos cadernos que contivessem, de forma organizada e completa, todo o conteúdo ministrado durante o ano:
A gente tinha caderno de borrão e caderno de passar a limpo. Os pais da gente já davam para a gente; então, a gente escrevia primeiro no borrão e depois passava a limpo em casa (Raquel).
Assim, a gente aprendia mais, porque o professor incentivava, dava ponto pelo caderno, não era um ou dois não, era a maioria. Meio ou um ponto, já ajudava na nota final (Fátima).
Segundo os relatos, as provas escritas também se limitavam basicamente a avaliar a capacidade de memorização e reprodução dos assuntos trabalhados em sala de aula:
As provas escritas se prendiam a coisas também muito decoradas. Eu te digo, sinceramente: muita coisa ali eu não aprendi, não; a gente decorou para fazer a prova (Iara).
[...]a prova era dividida em duas: uma prova objetiva de gramática e fazia redação. Só que era uma redação muito tradicional. Na verdade, não era uma redação completa porque era só descrição (Iara).
Apesar das críticas, há relatos que destacam aspectos positivos no paradigma de avaliação adotado pelos professores do curso normal. Inclusive, há entrevistadas que acreditam, de modo geral, terem sido muito formativas e enriquecedoras algumas dessas metodologias.
Eles tinham um interesse que a gente passasse, mas que a gente fosse aprovada sabendo. Eles criavam várias situações metodológicas para que a gente se apossasse daquele conteúdo que estava faltando. Por exemplo, as sabatinas não eram bem “sabatinas”, eles faziam tipo um campeonato de verbo, se o problema era verbo; se era alguma coisa da matemática, fazia um campeonato, em que um perguntava para o outro (Raquel).
Vale ressaltar que esse era o processo avaliativo daquela época, e essas mudanças não podem ser atribuídas, exclusivamente, ao IEEP, como se esta fosse uma situação isolada do contexto educacional daquele período. Entretanto, mais uma vez o IEEP mostra a sua especificidade, ou seja, cumpre a lei, mas inova, ousa, fato que está exemplificado nos campeonatos de verbo, utilizando o caderno de borrão e outras situações didáticas que proporcionassem aos alunos não apenas serem aprovados, mas dominar os conteúdos.
Sobre essa associação entre memória e tempo, Bosi (1994) escreve que a produção da temporalidade é muito importante para a construção de identidade. Essa temporalidade não é uma herança imutável e só existe quando contada. As lembranças que rememoramos ou esquecemos deixam-nos a divisão do tempo em que os fatos acontecem. A nossa memória é dividida por marcos, por períodos, que têm a ver com nossa história de vida. A memória mantém-se intacta. Ela sofre a ação do tempo e da experiência vivida.
As atividades docentes
De um modo geral, os professores eram vistos pelas alunas como austeros e muito compromissados com o ofício que exerciam. Mais uma vez, para além da prescrição, eles tinham um compromisso com a docência, com o ensino, com a aprendizagem dos alunos. Então, não era só cumprir o que era prescrito, era também executar as tarefas inerentes à sua função de professor, em uma escola reconhecida pela qualidade, que visava à formação de futuros docentes.
Mesmo em meio à postura responsável e austera, havia espaço para atitudes de acolhimento e proximidade na relação professor-aluno. Os professores se preocupavam com as suas alunas e atentavam para possíveis problemas na aprendizagem delas, procurando identificá-los, buscando recursos pedagógicos para solucioná-los em sala de aula, já que não havia a queixa e o encaminhamento, hoje tão comuns. Ou seja, os desafios e as questões cotidianos das salas de aula eram enfrentados e resolvidos pelos próprios professores.
Os nossos professores eram muito acolhedores da gente, eles se preocupavam que a gente aprendesse. Não sei se porque a relação professor-aluno era muito direta, porque nós éramos 40 alunos e eles tinham um interesse que a gente passasse, mas que a gente fosse aprovada sabendo (Raquel).
Fátima aponta uma das estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores para que ela pudesse vencer a timidez e se entrosar com os outros colegas, além do seu grupo habitual de amigos:
E era bom que a gente se entrosava. Eu era tímida demais, então eles me colocavam num grupinho diferente do meu para que eu pudesse me entrosar com os outros alunos. Já o pessoal que fazia muito barulho, eles tiravam e colocavam separados (Fátima).
As usuais técnicas de grupo eram realizadas para favorecer uma interação entre os colegas e facilitar a comunicação entre professores e alunos.
Existiam também práticas pedagógicas que caracterizavam bem o ensino tradicional, próprio da época. Eram prescritas ao professor e era esperado que ele as cumprisse integralmente. Essas práticas levavam as alunas a sentirem medo do professor, razão pela qual se sentiam obrigadas a decorar as lições:
Tinha um professor que nos fazia perguntas. Ele colocava assim: cinco. Ele não dava quase aula, ele era professor em várias escolas. Então, a aula dele era rapidinha. Aí ele forçava a gente estudar porque ele nos fazia perguntas, era dois e meio cada pergunta respondida (...) a gente não usufruiu bem. (Fátima)
Essa metodologia é contraditória, pois sabemos que decorar não conduz à aprendizagem. Mas, ao mesmo tempo em que se mandava decorar, havia uma cobrança e uma preocupação de que esse conteúdo seria realmente apreendido e não somente decorado. Para isso, os professores se utilizavam de outros recursos, como sabatinas, competições etc.
Essa instituição tinha o papel de formar professores no Estado do Pará, talvez, por essa razão, os relatos orais nos indicam que havia uma inegável qualidade do seu corpo docente, salvo algumas exceções. O relato das entrevistadas destaca também a importância que cada professor, em particular, desempenhou na formação delas.
Outra professora classuda era a professora [...], também de [...], a velhinha era linda, toda arrumadinha, de salto alto, falava mansinho, uma dama. Tinha também o professor [...], um cavalheiro, ensinava [...], um homem que respeitava todo mundo (Ruth).
Ele era muito culto, ele tinha aquela linguagem sarcástica, mas inteligente. Ele ensinava [...]. Ele entendia de cinema como ninguém. Quando passava algum filme especial era o assunto do dia. Ele já era um professor que trazia indícios da educação moderna, ele aproveitava o que estava acontecendo aqui e agora, ele não se prendia a certas regras (Iara).
De acordo com Bosi (1994), as lembranças do grupo de colegas persistem matizadas em cada um de seus membros e constituem uma memória ao mesmo tempo una e diferenciada. Dialogando, brincando, confraternizando e estudando juntas, suas lembranças guardam vínculos difíceis de separar. Os vínculos podem persistir mesmo quando se desagregou o núcleo no qual sua história teve origem.
Essa lembrança revela o que foi empobrecedor e o que foi enriquecedor e revela, sobretudo, aquilo que marcou nossa experiência de vida. Períodos marcantes são trazidos com seus pormenores e demandam esforço do depoente para lembrar-se dos acontecimentos, das pessoas, das datas e dos lugares. É esse árduo esforço que Bosi (1994) denomina trabalho da memória: “a memória... é trabalho” (p. 55).
A Formação no Instituto
A formação do IEEP, nas décadas de 1950 e 1960, baseava-se em aulas que facilitava o processo de memorização. Aqui, mais uma vez, vale repetir a fala de Ruth.
Então, o ensino, naquele tempo, era o famoso ensino “a letra com sangue entra”, o professor só fala e o aluno fica calado. (Ruth).
No entanto, aqui a entrevistada se refere apenas a um grupo de professores, porque ela própria fala de outros professores que exerceram sua função docente utilizando-se de uma didática diferente, e ela, como professora do Instituto, procurou seguir esse exemplo.
A formação de professores continuou após esse período. Mais tarde, essas alunas tornaram-se profissionais do Instituto, dando continuidade não só à formação de novos professores, mas, sobretudo, às mudanças que ocorreram, ao longo do tempo, nesse processo de formação no IEEP.
A partir de suas experiências, cada entrevistada produziu o seu próprio jeito de ser professora, algumas ex-alunas do Instituto, outras não, pelo entrecruzamento de sua maneira de ser pessoa-professor com o jeito de ser de seus professores do curso normal e superior. A marca do eu pessoal vem à tona por meio das interações estabelecidas no cotidiano das salas de aula, da escola e das próprias mudanças introduzidas.
Parece-nos, pelo relato das entrevistadas, que a “decoreba” e a memorização exaustiva tiveram seus anos áureos no período em que foram alunas do Instituto. Dessa maneira, quando algumas das ex-alunas passaram a ser professoras do Instituto, a estrutura daquela instituição já havia sofrido algumas alterações. Uma das entrevistadas, que possuía um vasto conhecimento no campo docente, grande parte dele adquirido no próprio Instituto, atuou na direção da escola: “Eu sou a primeira diretora eleita daqui do IEEP, fui diretora por três anos, porque também eu já tinha sido vice-diretora antes, entre vice-direção e direção foram oito anos”. (Ruth)
Outra mudança caracterizou-se pela tentativa de abandono das práticas vistas como tradicionais e pela reação às diretrizes que nortearam a prática pedagógica na década anterior:
Por exemplo, tinha aquele hábito de quando o professor entrar o aluno levanta, aí eu fui logo acabando com isso. Eu disse: “Ninguém tem que levantar para mim porque eu não sou Deus, eu também estou aprendendo com vocês e cada um de vocês é único. E outra coisa: aluno que não me fizer pergunta vai se ver comigo, porque eu que vou perguntar para ele”. (Ruth)
Ainda como aluna do Curso Normal, Ruth teve a oportunidade de vivenciar, em sala de aula, práticas com as quais não concordava. Assim, a postura adotada pela então professora caracteriza uma tentativa de redimensioidnto do papel do professor. Antes, referência absoluta na sala de aula, agora ele deveria dar lugar ao aluno. Pretendia-se distinguir os professores que resistiam às inovações – os tradicionais – dos que as aceitavam – os inovadores, modernos, atuantes etc.
Entretanto, essas inovações não eram resultado de uma reflexão conjunta sobre a prática pedagógica. Por mais que a renovação de professores, ocorrida nos anos anteriores, tivesse introduzido novas posturas docentes, elas não compunham um projeto pedagógico institucional. De uma maneira geral, os professores daquela instituição viveram aquela tensão entre o velho e o novo:
Mas, sim, eu entrei em choque com alguns professores mais antigos, que ainda tinham sido meus professores (Ruth).
Eu acho que não tinha um grupo de professores homogêneo, não tinha uma proposta, não tinha aquela coisa de “vamos realizar, vamos encaminhar; cada uma cuidava de si; não tinha um supervisor, não tinha aqueles grupos de trabalho que tivesse aquela orientação (Coralina Oliveira).
A concomitância desses dois paradigmas – o tradicional e o moderno – provocou tensões que nunca se tornaram debates, pois cada professor abordava e defendia a postura que via como a mais apropriada dentro da sala de aula. O resultado foi que algumas contradições nunca foram resolvidas no Instituto.
As provas passaram a ser instrumentos que tinham como objetivo focar no entendimento do aluno, isto é, eram provas mais analíticas e reflexivas.
A minha prova era tão legal que eu deixava eles na sala e saia para depois recolher. Eles perguntavam: pode trocar idéia? Eu dizia: Pode. Qual é o problema? Na minha sala eu desmistifiquei esse negócio de cola (Iara).
Eu passava prova com livro. Eu dizia: Amanhã na prova todo mundo pode trazer o livro.... Aí eles perguntavam na prova: Ah, é de tal página a tal página? Eu falava: Tu te viras. Pega o índice e procura. Não é a resposta, está lá o assunto para você ler, entender e responder (Iara).
Os relatos mostram o embate entre as práticas de um momento anterior e um momento novo, em que professores mais jovens utilizavam-se de novas práticas pedagógicas, mesmo que muitos deles tenham vivenciado as metodologias daquele antigo período.
As entrevistadas mostram-se saudosas do clima educacional vivido e acreditam que o rigor tinha por objetivo a formação de um profissional qualificado. Nesse sentido, destacam o comportamento do professor, a forma de ministrar o conteúdo, o linguajar e o vestir condizentes com a condição de educador.
Os alunos nos respeitavam porque a gente se fazia respeitar, e era garantida através da direção da escola essa disciplina. A direção colaborava. Se preciso o aluno era chamado, mas eu nunca tive problema com aluno por causa de disciplina. Antigamente, os alunos eram mais compenetrados, respeitavam mais os professores, mas não sei se é porque hoje alguns professores não se fazem respeitar (Maria Ribeiro).
O Instituto entendia que a formação do professor ultrapassava o domínio do conteúdo, ou seja, o professor deveria ser reconhecido pelo cuidado consigo e com a imagem da instituição. Mas, conforme o relato das entrevistadas, ocorreram significativas mudanças, algumas delas relacionadas à própria clientela atendida pelo Instituto, pois, segundo alguns relatos, aqueles que procuravam o IEEP já não o faziam em função do interesse primeiro no magistério. A condição de curso profissionalizante, cuja formação representava uma garantia relativa de ingresso no mundo do trabalho, fez com que algumas questões se alterassem:
Essa característica se perdeu no tempo. Acho que quando o IEP se popularizou. Aquela característica de dizer: “eu sou aluno do IEP e entrei ali para ser professor”, isso se perdeu com o tempo. Quando a gente passou para ser professora, já não era a mesma coisa (Iara).
Nesse movimento de reconstruir o passado, as entrevistadas fazem o que Bosi (1994) chama de um esforço para construir uma identidade pessoal que, em alguns casos, não é exatamente a que ele possuía no passado. Quando as pessoas relatam situações de suas vidas, elas podem aproveitar para passar a limpo o passado e construir um todo coerente em que se mesclam situações reais e imaginárias.
De acordo com Bosi (1993), é também notável a gama de nuances da lembrança vinculada ao trabalho, próxima ou distante da produção material que opera no interior da matéria recordada.

  1. O curso durante a ditadura

Alunas e ditadura
Os relatos apontam que a Ditadura e o regime de exceção por ela imposto, de certa forma, foi sentido de uma maneira suave pelas alunas da época.
Com a Ditadura tiveram algumas mudanças no currículo, por exemplo, a gente fazia Didática I e II e depois passamos a fazer apenas Didática I, mas não percebi grandes mudanças. Desde que eu entrei, em 1959, eu não percebi grandes mudanças (Fátima).
Entretanto, o IEEP foi também um dos espaços de reprodução da autoridade tal qual esta era pensada naquele momento. Alunos, inspetores, professores e serviço técnico seguiam uma rígida hierarquia escolar.
Devido estar na época da Ditadura, a gente já convivia em casa com uma estrutura familiar muito repressora, e na escola a gente seguia as regras; Por exemplo, terminava o recreio a gente ia para a sala de aula. Quando o professor não vinha, a gente podia jogar vôlei, tinha aula de canto, não é como agora. A escola tinha outra estrutura, tinha inspetor do ensino, tinha o serviço técnico todinho e tinha a repressão, que é o “eu te expulso” (Raquel).
Conforme o relato de Maria da Conceição, apesar da repressão imposta pela ditadura, algumas professoras conseguiam introduzir sutis reflexões sobre o contexto social vigente, pelo menos discussões acerca das problemáticas sociais e políticas da cidade de Belém:
Eu lembro muito das aulas da [...], de Sociologia, porque ela tinha uma formação política muito aguçada e ela fazia sempre críticas à situação política da cidade e dos governantes. Isso ainda era muito surpresa para nós. Eram muito críticas as aulas dela, mesmo no período da Ditadura. Era num tom mesmo educativo, ela era sempre tida como uma professora moderna e atualizada; ela trazia notas de jornal que nós costumávamos ler e debater. As aulas eram muito interativas, então não tinha quem saísse dali, daquela turma de terceiro ano, do pedagógico, sem ter uma noção da vida política da cidade (Maria da Conceição).

Professoras e Ditadura
A conjuntura política – o regime de exceção em que o país vivia – limitava a reflexão sobre a realidade social e política da sociedade brasileira. As professoras entrevistadas relatam os conflitos vividos entre o silenciar e o falar, entre o não questionar e o discutir, conflitos estes presentes em suas práticas docentes da época:
Nesta época, 1974, 1978 por aí, entrou uma disciplina, Moral e Cívica, a qual, eu ainda lecionei, porque não existia professor de Moral e Cívica, não existia a cadeira [...]. Então, era difícil ministrar essa disciplina, porque, quando chegava na democracia, principalmente a gente que dava aula para o segundo grau, e que o aluno entende bastante o período que ele estava vivendo, então, eles perguntavam: nosso regime é democrático? Eu, por exemplo, dizia a verdade, porque eu não ia mentir para o aluno, nem omitir a verdade para o aluno. Depois, eu cheguei e disse ao diretor: Olha eu não quero mais Moral e Cívica, porque os alunos perguntaram se no Brasil existia democracia e eu disse a verdade e ainda disse o porquê. Eu acho que não chegou em órgão nenhum, porque talvez eu poderia ter sido banida do magistério naquele momento (Maria Ribeiro).
Segundo o relato das entrevistadas, as disciplinas consideradas “perigosas” eram: Educação Moral e Cívica, OSPB, História e Sociologia. Para os professores do IEEP poderem lecionar no período da Ditadura Militar, eles precisavam obter uma licença da Polícia Federal renovada anualmente. Além disso, as professoras conviviam com “olheiros” da Polícia Federal, funcionários a serviço do governo disfarçados de alunos ou de professores que vigiavam as conversas na sala dos professores e durante o recreio, bem como entrevistavam os alunos para saber o que os professores discutiam durante as aulas.
(...) nós tínhamos dois professores infiltrados dentro do IEEP, não lembro o nome deles, era um gordo e o outro magricelo (Iara).
À noite também tinham alguns alunos infiltrados. Cada turma à noite tinha um aluno infiltrado. Durante o dia tinha professor; professor que surgiu tu não sabias de onde, quem mandou. Aluno também que tinha vindo de Goiás (Ruth).
Iara destaca algumas estratégias usadas por ela para “driblar” a censura e conseguir inserir comentários críticos, pelo menos, relacionados às problemáticas locais: “Eu dava aula assim: por exemplo, lá em Castanhal está havendo um problema muito sério relacionado a livros didáticos que estão sendo podados, mas já foi resolvido o problema, foi inaugurada uma praça” (Iara).
Uma vez que não era permitido criticar abertamente os governantes, a então professora Iara procurava tecer sutis críticas nas entrelinhas de sua prática docente. Ela relata um episódio no qual coordenou o ensaio de uma peça encenada no IEEP, que fazia uma alusão ao acontecimento histórico do Brigue Palhaço1 , que trata da adesão do Pará à Independência.
A idéia inicial da Peça foi do [...]. Ele pensava que eu ia ser fiel ao texto, mas só que o povo que clamou dentro do navio que estavam morrendo, as frases eram os problemas atuais do Estado do Pará que eles clamavam. Então, era uma peça do Brigue Palhaço, ninguém podia contestar que não fosse. Fui aplaudida de pé pela plateia. Isso foi em plena Ditadura Militar. A plateia eram os convidados, os alunos, os professores, as famílias. (Iara)
Iara relata que após a encenação da peça foi entrevistada pela Polícia Federal na pessoa de seus “olheiros” que estavam lá de plantão.
Ainda sobre esse evento, a então professora e colega de trabalho de Iara, Ruth, relata suas lembranças de quem viveu o momento: “Os olheiros estavam todos lá. Porque eles iam acintosamente. Alguns eram escondidos, por exemplo, os que estavam infiltrados durante o ano. Mas, quando era assim um evento, eles iam na maior cara de pau” (Ruth).
A entrevistada relata que, durante todo o regime da Ditadura Militar, esteve trabalhando no Instituto, e sobre esse período ela lembra que: “A mão da ditadura esteve lá nos amaldiçoando durante todo o tempo” (Iara).
            A Ditadura Militar era uma situação que estava em todo o país, mas havia focos de maior ou menor resistência e, pelos relatos das entrevistadas, no IEEP houve resistência, principalmente pela ação de algumas professoras, o que mostra a força do IEEP, não só na garantia do ensino de conteúdos específicos, mas também de uma formação mais ampla e consciente, tendo em vista a formação de professores sob o foco da ideia de cidadania.
Sobre a memória do trabalho, Bosi (1994) afirma o quanto os entrevistados, principalmente os que já não trabalham, trazem um laço afetivo muito forte ao ofício em seus detalhes e segredos, quando o fazer passa a ser o seu próprio lembrar. Para a autora, o trabalho envolve “os movimentos do corpo penetrando fundamente a vida psicológica” (p. 471), e ao mesmo tempo é meio de inserção nas relações sociais.
Segundo Bosi (1993), no caso da recordação de acontecimentos políticos (revoluções, crises, figuras notáveis...), essa fusão ou aglutinação de lembranças factuais e valores ideológicos está muito presente. A lembrança se corporifica levando em conta a localização de classes e a profissão do sujeito.
Bosi (1994) considera que cada indivíduo carrega suas lembranças pessoais; entretanto, ele está inserido em um contexto social e cultural, e é nesse contexto que ele consolida suas lembranças. A memória individual sofre influências das diversas memórias que nos rodeiam. Dessa forma, a memória do indivíduo está relacionada à classe social a que pertence, ao relacioidnto com a família, à igreja, à escola, à profissão, aos grupos de referência. Essas diversas memórias constituem a memória coletiva, que dá base à identidade do indivíduo, como pertencente a um determinado grupo. Podemos, assim, dizer que a memória pessoal está ligada à memória em grupo que, por sua vez, está amarrada à memória coletiva de cada sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das narrativas memorialísticas das entrevistadas pôde-se relacionar sua história de vida com um recorte temporal da história do IEEP. A busca de resposta às indagações iniciais deste estudo conduziu a um objetivo para o artigo: apresentar dados sobre como as professoras e as alunas se recordam e interpretam o IEEP em seus vários aspectos.
O presente estudo, por mais que não fosse o seu objetivo precípuo, acabou captando o entrelaçamento entre a história do IEEP e a história pessoal das entrevistadas. Assim, o estudo possibilitou-nos apreender algumas indicações importantes do espaço-tempo da escola, da sala de aula, enfim de lugares percorridos pelas narradoras e que participam de sua constituição como ex-alunas e ex-professoras do IEEP.
As entrevistas contam-nos que o Instituto era um espaço de estudo que garantia o rigor do conteúdo; porém, também garantia um espaço alegre de convívio, um ambiente de lazer onde se faziam fortes laços de amizade. A dimensão afetiva que ligava as alunas, provavelmente, foi o que fez com que essa memória fosse resguardada e muito forte, ao longo das entrevistas. A pesquisadora encontrou muita dificuldade para extrair lembranças sobre os conteúdos do curso, sobre os livros, porque a ênfase de praticamente todas as narradoras estava na lembrança dessa convivência amigável no cotidiano do Instituto. Fato que referenda o que Bosi (1994) diz, isto é, a memória tem um componente afetivo fundamental e ela passa a ser coletiva porque todas as entrevistadas lembram desse cotidiano agradável.
O currículo proporcionava uma formação teórica respeitável. Durante a vigência da Lei n. 4024/61, a grade curricular era mais propedêutica e enciclopédica; já durante a vigência da Lei n. 5692/71, a formação curricular foi um pouco esvaziada em consequência do regime militar, mas, mesmo assim, ainda proporcionava um considerável conhecimento teórico.
A avaliação do Instituto é considerada como tradicional pelas entrevistadas, porém é necessário entender que aquele era o paradigma da época. Contudo, o IEEP mostra a sua especificidade, ou seja, o IEEP não apenas cumpre o seu papel dentro do paradigma tradicional então adotado, mas também imprime a sua marca pessoal ao propor, por exemplo, campeonatos de verbo e outras situações didáticas que proporcionassem aos não alunos a apreensão significativa do conteúdo.
Sobre as atitudes docentes, os relatos apontam para a rigidez, mas vale ressaltar que era o que se esperava do professor; era o que ele tinha de fazer; essa era a sua função prescrita: ministrar o conteúdo, cobrar a matéria, exigir que o aluno usasse caderno de borrão, conferir se o aluno copiou corretamente, passar prova etc. Entretanto, as entrevistadas não percebem estas atitudes como essencialmente negativas, mas, sim, como zelo pela sua aprendizagem.
Os relatos também ratificam a qualidade do corpo docente, uma vez que os professores do Instituto garantiam o processo de ensino-aprendizagem, pois a formação lá recebida permitiu-lhes exercer com qualidade o ofício docente e conseguir boa colocação profissional no mercado de trabalho; preparou-as para ingressar na universidade e, ao cursar o ensino superior, perceberem que a formação recebida no IEEP não deixava a desejar em relação àquela.
Com o passar dos anos, houve significativas mudanças no IEEP, algumas delas relacionadas à própria clientela atendida pelo Instituto, pois segundo alguns relatos, aqueles que procuravam o IEEP já não o faziam em função do interesse precípuo no magistério. A condição de curso profissionalizante, cuja formação representava uma garantia relativa de ingresso no mundo do trabalho, fez com que algumas situações se alterassem no Instituto, tudo isso aliado a alterações na legislação educacional brasileira. Também as mudanças sociais e políticas pelas quais o estado paraense passava foram, ao longo dos anos, alterando a identidade do IEEP.
Por fim, as entrevistadas afirmam sentirem saudade do lazer, da convivência, dos amigos que lá fizeram, das brincadeiras, dos professores que, apesar de às vezes serem autoritários e rigorosos, são por elas considerados como conscientes do ofício que exerciam, o de formador de professores. Saudade expressa também no colorido afetivo-emocional que permeou as entrevistas, seja pelas feridas que “pipocaram” nas mãos de Raquel no dia seguinte à entrevista; seja pelas lágrimas de saudade derramadas por Ruth, ao lembrar de uma amiga do IEEP já falecida; seja pela vibração na voz e gestos de Iara, ao relatar sua luta dentro do Instituto durante a Ditadura Militar; seja pelo respeito expresso na voz e no olhar de Maria da Conceição, ao relembrar de suas antigas professoras também entrevistadas; seja na pontada de amargura de Maria das Graças e Maria Ribeiro, ao comparar o IEEP de antigamente com a realidade que lá se encontra hoje; seja no cuidado de conservação com os livros usados durante o período em que Fátima lá estudou. Tudo isso são sinais às vezes físicos, às vezes subjetivos quase imperceptíveis que denotam a importância não só profissional, mas também afetiva, humana e formativa que o Instituto representou na vida de todas.

Referências
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*Professora Adjunta da Faculdade de Educação e Ciências Sociais da UFPA – Campus de Abaetetuba. Doutora em Educação: Psicologia da Educação.
1 Em 1823, 300 homens do 2º regimento da Artilharia de Belém se insurgiram contra a junta governativa. Foram presos no porão de um navio flutuante pelo Capitão Greenfell, oficial da Marinha Inglesa a serviço de D. Pedro I, que estava para assegurar a integração do Pará ao Brasil Independente. Com sede e quase morrendo sufocados, os encarcerados começaram a gritar por socorro e receberam uma nuvem de cal e foram trancafiados no calabouço do navio, morrendo asfixiados. Esse fato foi um dos desencadeadores da Revolta da Cabanagem.

Recibido: 07/07/2019 Aceptado: 15/07/2019 Publicado: Julio de 2019

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