Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


REFLEXÕES SOBRE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Autores e infomación del artículo

Vivian da Silva Lobato*

Damiana Gonçalves de Almada**

Universidade Federal do Pará-UFPA, Brasil

vivianlobato@ufpa.br.


RESUMO: O fenômeno da violência tem sido bastante discutido; seja na mídia, na graduação ou nos grupos de pós-graduação; assume uma multiplicidade de formas e sua incidência cresce, assim como o envolvimento de pessoas cada vez mais jovens. Uma espécie de cultura da violência, que se alastra favorece todo um processo de banalização de diferentes formas de violência, constata-se com certo torpor que a violência foi se rotinizando, deixando de ser excepcional para tornar-se uma marca do cotidiano. O presente artigo tem o objetivo de discutir teoricamente o fenômeno da violência nas escolas, com o aporte principalmente dos seguintes autores: Abramovay e Rua (2002); Candau et al. (1999); Charlot (2002); Peralva (2002) e Sposito (2001).

Palavras-chave: Violência; escola; relações-interpessoais.

RESUMEN: El fenómeno de la violencia ha sido bastante discutido; sea en los medios de comunicación, sea en la graduación o sea en los grupos de posgrado, asume una multiplicidad de formas y su incidência crece, bien como la participación de personas cada vez más jóvenes. Una especie de crecente cultura de la violencia favorece todo un proceso de banalización de diferentes formas de violencia. Se vee con cierto torpor que la violencia se fue volviendo rutinaria, dejando de ser excepcional para volverse una marca del cotidiano. El presente artículo tiene el objectivo de discutir teóricamente el fenómeno de la violencia en las escuelas, con el aporte principal de los siguientes autores: Abramovay y Rua (2002); Candau et al. (1999); Charlot (2002); Peralva (2002) y Sposito (2001).

Palabras-clave: violencia; escuela; relaciones interpersonales.

ABSTRACT: The phenomenon of violence has been widely discussed; whether in the media, in undergraduate courses or in graduate groups, it assumes a multiplicity of forms and its incidence has been increasing, as well as the involvement of increasingly younger persons. Some sort of expanding culture of violence favors a whole process of banalizing different forms of violence; one can see with a certain degree of lethargy that violence has become routine, it has ceased to be exceptional to become a mark of everyday life. This paper aims to discuss theoretically the phenomenon of violence in schools, with the main support of the following authors: Abramovay and Rua (2002); Candau et al. (1999); Charlot (2002); Peralva (2002); and Sposito (2001).

Key words: violence; school; interpersonal relationships.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Vivian da Silva Lobato y Damiana Gonçalves de Almada (2019): “Reflexões sobre violência nas escolas”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (abril 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/04/reflexoes-violencia-escolas.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1904reflexoes-violencia-escolas


INTRODUÇÃO

As diferentes manifestações de violência nas escolas vêm adquirindo cada vez mais visibilidade e dramaticidade na sociedade brasileira. Muitas são as suas expressões, os sujeitos envolvidos e as consequências. Tal problemática possui muitas implicações do ponto de vista da prática educativa e suas manifestações no espaço escolar têm preocupado pais e educadores. Dentro de tal contexto, esta pesquisa pretende levantar questões que possam contribuir para uma reflexão sobre o fenômeno da violência e suas implicações na prática pedagógica das escolas.
A escola, como agência formadora e mediadora dos conhecimentos socialmente adquiridos, vem se deparando com o fenômeno da violência, por meio de cenas de agressividade entre alunos, tráfico de drogas, assédio sexual e moral, furtos, indisciplinas e desrespeito com os profissionais que nela atuam. Essa situação tem preocupado muitos professores que, diante dessa realidade, se sentem inseguros para trabalhar com essa problemática.
A Escola vem trabalhando com uma geração de educandos que cresceu fortemente influenciada por imagens midiáticas de comportamento violento, agressivo e antiético do mundo atual. Contudo, o fazer docente na atualidade exige um olhar atento para as demandas sociais. Assim, é fundamental a promoção de atividades embasadas em vivências cidadãs e de resolução pacífica de conflitos.
Os embates que acontecem no interior das escolas, que muitas vezes desembocam em situações de violência, precisam ser entendidos considerando a complexidade social, econômica, cultural e histórica em que a instituição Escola está inserida. Conforme Bourdie, a escola acaba reproduzindo as desigualdades gestadas pela própria sociedade.

CONCEITUANDO VIOLÊNCIA

De acordo com o Dicionário Houaiss (2007), a etimologia do termo “violência”, violentia, é latina e refere-se à impetuosidade do vento, rigor, severidade: “1. uso de força física; 2. ação de intimidar alguém; 3. ação destrutiva, exercida com ímpeto, força; 4. expressão ou sentimento vigoroso, fervor”. (HOUAISS, 2009, p. 762).
Segundo Chauí (1998), a violência pode ser entendida como ações com o uso de forçar contra a natureza de um ser; ato contra a vontade e liberdade de alguém (coerção ou constrangimento); ato de violação de uma pessoa ou objetos socialmente valorizados; ato de transgredir ações definidas como justas e de direito, por uma sociedade.
De acordo com Zaluar (1999), a própria etimologia do termo “vis” (força), bem como a sua variação histórica e cultural, dificulta a sua definição.
Charlot (2002) postula que é preciso fazer uma distinção entre violência na escola, violência à escola e a violência da escola.
A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligado à natureza e às atividades da instituição escolar. Por exemplo, quando um bando entra na escola para acertar contas e disputas, a escola é apenas o lugar de uma violência que poderia ter acontecido em qualquer outro local.
A violência à escola visa a instituição e aqueles que a representam. Ela acontece quando os alunos depredam a escola, insultam professores e funcionários. Junto com essa violência contra a instituição escolar, deve ser analisada a violência da escola, ou seja, uma violência institucional, simbólica, das relações de poder entre professores e alunos, além de atos considerados pelos alunos como injustos ou racistas.
Ainda este autor considera pertinente distinguir violência, agressão e agressividade.

A agressividade é uma disposição biopsíquica reacional: a frustração (inevitável quando não podemos viver sob o princípio único do prazer) leva à angustia e à agressividade. (...)
A agressão é um ato que implica uma brutalidade física ou verbal (agredir é aproximar-se, abordar alguém, atacá-lo). (...)
A violência remete a uma característica desse ato, enfatiza o uso da força, do poder, da dominação. (Charlot, 2002, p. 3)

Pesquisadores franceses desenvolveram uma distinção teórica e prática entre violência, transgressão e incivilidade. Segundo eles, o termo violência deve ser empregado em relação ao uso da força ou ameaça que ataca a lei; como por exemplo, lesões, extorsão, tráfico de drogas e insultos graves. A transgressão é o comportamento contrário ao regulamento interno de um estabelecimento, porém, não ilegal do ponto de vista da lei. E por fim, a incivilidade não contraria nem o regimento interno de um estabelecimento, nem a lei; contudo, é uma contraposição às regras de convivência e se manifesta como desordens, grosserias, ofensas e freqüente desrespeito aos alunos, professores e funcionários (Charlot, 2002).
Para ele, essa construção é particularmente difícil quando se trata de violência escolar, haja vista que essa expressão remete a ações heterogêneas, difíceis de delimitar e ligadas à posição e às representações daqueles que a utilizam. Todavia, o autor define a violência como sendo um conjunto de atentados cotidianos ao direito de cada pessoa em ser respeitada.
Montoya (apud Debarbieux, 2002) faz referência ao termo vitimização, o qual vem sendo bastante usado nas pesquisas relacionadas ao fenômeno da violência nas escolas. A preocupação com a vitimização está relacionada à existência de uma “cifra oculta” nos dados estatísticos oficiais, por não estar explicitado no Código Penal. Isso significa considerar as agressões cotidianas, sejam físicas, insultos verbais ou ameaças, que representam uma fonte de stress para as vítimas envolvidas.
Segundo o autor, a teoria da “violência simbólica” de Bourdieu e Passeron constitui um modelo para este tipo de pesquisa. Para ele, ao nos determos exclusivamente nos aspectos quantitativos e penais da violência, corremos o risco de desconsiderar o apelo silencioso das vítimas por socorro.
Cabe-nos aqui uma breve explanação sobre a noção de “violência simbólica”, presente na obra A reprodução (1975) de Bourdieu e Passeron. Os autores consideram que a transmissão pela escola da cultura escolar (conteúdos, métodos de avaliação, relações pedagógicas, linguagem) proveniente da classe dominante, constitui-se numa violência simbólica exercida sobre os alunos das classes populares. Tal fato nos permite perceber que o sucesso escolar está condicionado à origem social dos alunos, além de revelar a força de coerção social da escola.
Haydem e Blaya (apud Debarbieux, 2002) discorrem sobre os comportamentos violentos e agressivos nas escolas inglesas e sugerem um uso muito específico para cada um dos termos. Segundo as autoras, o termo “violento” não vem sendo usado com muita freqüência no meio acadêmico, sendo mais utilizado nos sindicatos de professores e na mídia. Por outro lado, “agressão” e “comportamento agressivo” são freqüentemente utilizados, especialmente nas pesquisas sobre intimidação ou bullying. Esse tipo de comportamento conta com uma longa e bem conhecida tradição nas pesquisas inglesas. A palavra bullying é de origem inglesa e também foi adotada em outros países.

O bullying foi definido como o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão. Os xingamentos são a forma mais comum desse tipo de intimidação, seguidos por agressões físicas, incluindo também gestos ofensivos, extorsão e exclusão de uma criança de um grupo de amizades, bem como a disseminação de boato. (Haydem e Blaya, 2002: 72)

            Wieviorka (2002) postula que a violência hoje tem de ser pensada a partir de novos paradigmas e destaca que se, durante os anos 70 e ainda nos 80, ela transitava entre dois pólos, de um lado, o projeto revolucionário da esquerda que suscitava respostas por vezes violentas da extrema-direita, pelo meio que lhe era próprio e legitimado no momento, o estado autoritário. Para ele, esse novo paradigma está inscrito na própria crise da modernidade; quais sejam: o individualismo exacerbado, racismo, fanatismo religioso, aumento do crime organizado, em geral lidado ao tráfico de drogas, que tem envolvido um grande número de adolescentes e jovens e o enfraquecimento dos estados “cada vez menos capazes de assumir suas funções clássicas” (Wieviorka, 2002, p. 19).
Na mesma linha, pesquisadores brasileiros também buscam estudar o conceito de violência e o objeto do nosso estudo, a violência na escola. Embora ainda incipientes, esses estudos contemplam não apenas a violência física, mas incluem as variáveis da ética, política e procuram dar visibilidade à violência simbólica (Abramovay e Rua, 2002).
Para Abramovay e Rua (2002), a violência merece ser estudada como uma ruptura de pactos sociais por meio da força física ou simbólica, ocorrendo em uma variedade de situações, capazes de danificar os laços sociais. A autora também aponta situações, que, no limite, podem engendrar ocorrências violentas na escola, tais como: indisciplina, não explicação das normas de organização da escola, carência de recursos humanos e materiais, baixos salários, falta de infra-estrutura (laboratórios, biblioteca, quadras esportivas e etc.), gestão escolar autoritária, não-integração da família e da comunidade ao ambiente escolar.
Em uma pesquisa com jovens de Brasília, Abramovay et al. (1999) constataram que o aumento simultâneo da riqueza de um lado e da pobreza de outro estaria gerando a exclusão de vastos setores da população, ameaçados pela miséria. E também, a idéia de que a escola asseguraria colocação no mercado de trabalho e qualificação como possíveis alternativas para a exclusão e para a desigualdade social convive com o entendimento empírico de que isto nem sempre acontece, especialmente, para as populações de baixa renda.
Um outro dado destacado na pesquisa (Abramovay et al., 1999), é a ruptura de laços sociais mais amplos, conduzindo os indivíduos a voltarem-se para si próprios de tal forma que as lealdades privadas se sobrepõem às lealdades públicas. Em tais circunstâncias, tendem a aparecer códigos privados de comportamentos, compartilhados por setores da sociedade, como por exemplo, as gangues, que desenvolvem valores e padrões de comportamentos próprios, não importando serem contrários às leis e normas institucionalizadas. Segundo a autora, é possível que este seja o “terreno” propício para a formação das gangues juvenis no espaço urbano brasileiro. 1

A gangue apresenta-se, portanto, como uma forma de sociabilização de jovens que buscam formas alternativas de inclusão... Nesse sentido, roubar, assaltar, vender drogas, apesar de ilícitas, são comportamentos reconhecidos como válidos pelos componentes das gangues. (Abramovay et al., 1999, p. 181)

            Ao se associar a uma gangue, o jovem tem o desejo de conseguir dinheiro fácil, poder e tornar-se famoso e conhecido em seu bairro. Assim, as gangues acabam se constituindo um poder paralelo às outras formas legitimadas de poder e cuja ameaça intimida alunos, professores, funcionários e membros do corpo técnico pedagógico.
Sposito (1998) encontra uma relação entre a violência e a quebra do diálogo, da capacidade de negociação. Dessa forma, a autora define “violência é todo ato que implica a ruptura de um nexo social pelo uso da força. Nega, assim, a possibilidade da relação social que se instala pela comunicação, pelo uso da palavra, pelo diálogo e pelo conflito” (p. 60).
De acordo com Sposito (2001), as primeiras iniciativas de sistematização do estudo sobre o fenômeno vieram do Poder Público, na tentativa de esboçar um quadro das ocorrências violentas. Contudo, essas informações são precárias devido a uma série de fatores tais como: a ausência de continuidade de registro do fenômeno, a resistência das unidades escolares em registrar as ocorrências violentas. Assim, os primeiros diagnósticos da década de 80 apontam, principalmente em grandes centros urbanos como São Paulo e Salvador, depredações, furtos e invasões em períodos, nos quais, as escolas estavam fechadas.
Guimarães (1984 e 1990, apud Sposito) realizou pesquisa de mestrado e doutorado em escolas públicas da cidade de Campinas. As pesquisas deslocaram-se um pouco da análise quantitativa que vinha sendo feita, com o foco na questão da segurança nas escolas. Ambas aproximaram-se de questões rotinas escolares, como: a interação professor-aluno e indisciplina. Com a intensificação do policiamento, houve uma diminuição nos índices de depredação escolar, mas, por outro lado, no mesmo período, ocorreu o aumento significativo das brigas e agressões físicas entre alunos (Guimarães, 1984 e 1990, apud Sposito).
Para Sposito, é possível considerar que, nos anos 90, observam-se novas práticas de violência nas escolas. Além do vandalismo, que continua a acontecer, surgem as agressões interpessoais, principalmente entre alunos. As agressões verbais e as ameaças são as mais notadas. Com isso, observa-se, no final da década, o surgimento do interesse sobre o aspecto da vitimização no ambiente escolar.

De modo geral, observa-se que, do total de alunos, as modalidades mais freqüentes de vitimização foram o furto de objetos de pequeno valor dentro da escola, ameaça de agressão, pertences danificados e agressão física por colega... A pesquisa concluía que os poucos diagnósticos realizados revelam que as unidades de ensino não vivem “um quadro de violência generalizada. Comportamentos como ir a escola portando arma de fogo são bastante raros entre os estudantes paulistas. (Illanud, 1999, apud Sposito)

Nesse período, também apareceram importantes produções acadêmicas relacionadas à violência na escola. São exemplos citados por Sposito a pesquisa de Candau (1999), realizada no Rio de Janeiro, e algumas em parceria com o poder público, como Fukui (1991) e Tavares dos Santos (2000). Assim, a maior parte da pesquisa acadêmica, nesse momento, volta-se para a análise das relações entre a escola e a violência que ocorre nas periferias e favelas, muitas vezes sob a influência do narcotráfico e do crime organizado “esses trabalhos trazem questões importantes para a compreensão das relações entre a violência e escola, apontando, principalmente, a influência do aumento da criminalidade e da insegurança sobre os alunos e a deterioração do clima escola” (Sposito, p. 95).
Candau et al. (1999) notam que a banalização da violência já atingiu níveis preocupantes na sociedade brasileira. Para estas autoras, a própria naturalização de comportamentos violentos pela cultura de massa contribui para esta banalização. Ou seja, a sociedade atual convive com uma cultura do medo, da desconfiança, da competitividade, da insegurança e da representação do outro como inimigo. Tais fatores reforçam as manifestações de violência, nas relações interpessoais, nos esportes, no ambiente de trabalho, nas festas e etc.
Placco e equipe (2002) afirmam que a questão da violência precisa ser estudada a partir do contexto sócio-econômico-cultural e político da sociedade. De outra forma, corre-se o risco de atribuir ao indivíduo, à sua genética ou a problemas psicológicos, a responsabilidade por ações violentas, seja na sociedade, ou na escola. Além disso, destacam a necessidade de prevenção da violência dentro do espaço escolar e consideram os professores como parceiros privilegiados nesse processo:

A escola pode atuar na prevenção à utilização da violência por meio de projetos que considerem como ponto de partida a vulnerabilidade dos jovens, que mobilizem os professores em torno de uma tarefa coletiva, que se utilizem dos vínculos da escola com a comunidade, valorizando especialmente a participação dos pais. (Placco e equipe, 2002, p. 364)

Aliado a isso, os autores acima enfatizam a necessidade urgente de formar os docentes para poderem atuar preventivamente, posto que o desconhecimento e a falta de informações sobre o contexto da violência podem ter um efeito danoso e inverso ao pretendido. Logo, o trabalho de prevenção da violência na escola requer ações sistemáticas e cuidadosamente planejadas, objetivando a formação do aluno e do cidadão e que estejam ancoradas no Projeto Político Pedagógico da escola (Placco e equipe, 2002).
Peralva (2000) nota que, a partir dos anos 80, o debate sobre a violência no Brasil eclode com força, sendo, dessa maneira, parceiro do processo de democratização. Isso acontece porque as demandas latentes por melhores condições de vida da população das periferias adquiriram maior visibilidade, ocasionada pela abertura política. Além disso, Peralva (2002) postula que existem valores mínimos que a sociedade precisa compartilhar: os da cooperação, do reconhecimento do outro e do direito à vida. Assim, a generalização da violência ocorre quando esse mínimo indispensável não se encontra amplamente compartilhado pela sociedade. Ainda sobre isso a autora completa:

Para evitar isso, a democracia precisa garantir um equilíbrio sempre instável entre a igualdade, a liberdade e a referência a uma lei comum. Esse equilíbrio é uma construção histórica que, no caso brasileiro, por enquanto, inexiste. (Peralva, 2002, p. 180).

            Santos (2001) estabelece uma correspondência entre exclusão social e violência escolar. Conforme o autor, quanto mais o jovem é desfavorecido econômica e culturalmente, tanto mais ele vivencia o desemprego e a exclusão de oportunidades. Todo esse cenário de desesperança em relação ao futuro e às promessas da escola potencializa o surgimento da violência na escola.
O Sistema escolar está em crise, não tem resposta para ensinar o viver em uma situação de crise das oportunidades de ganhar a vida... Resulta desse processo uma relação ambígua com a instituição escolar, exigida como meio de profissionalização e de transmissão de conhecimentos, mas entrecortada pela violência estrutural da sociedade brasileira. (Santos, 2001, p. 116).

            Gonçalves (2002) focalizou seu estudo nas narrativas dos professores, ou seja, na forma como eles dão sentido aos atos considerados violentos, na escola. Para ele, a questão da autoridade docente talvez seja um dos aspectos mais cruciais, quando se pesquisa a violência na escola. Segundo ele, o “declínio” dessa autoridade em relação ao comportamento dos alunos em sala gera no docente um sentimento de esvaziamento do significado de sua função, historicamente assentada no mestre que pune e corrige. Outro importante aspecto identificado pelo autor, na narrativa dos professores, é a percepção docente de que o comportamento violento não se origina na escola, mas dentro de casa. Ou seja, a escola aparece, nestas narrativas, como um espaço seguro dotado de regras bem definidas. Logo, o desrespeito dos alunos em relação aos professores está na falta de limite e não na crise de autoridade que afeta a profissão docente.
Batista e El-Moor (1999) fizeram um levantamento nacional que abordou o tema da violência escolar, e postulam que o ponto de partida para entender a violência exige um olhar sobre a estrutura da sociedade, além de considerar a desigual distribuição de renda característica de nossa sociedade. Além disso, faz-se necessário lançar um olhar sobre a legislação que legitima coercitivamente os mecanismos de distribuição desigual de riquezas. Sendo assim, é preciso considerar que a violência já está presente no ordeidnto social da sociedade brasileira. Tais autoras sustentam que, para entender este fenômeno, é imprescindível identificar os valores que regem as relações em nossa sociedade “o individualismo que estimula a violência, a agressão como meio de obtenção da satisfação individual e também a competência, onde o êxito de um requer a derrota do outro” (p. 142).
Segundo as autoras, a humilhação constante e a discriminação social que representam uma ferida aberta na auto-estima do individuo podem servir como uma ponte entre a miséria e a violência. Provavelmente, é nessa brecha que as organizações criminosas entram, oferecendo um tipo de recompensa material e simbólica que a sociedade nega a esses indivíduos. Para elas, é este o momento em que a escola deveria se esforçar muito mais para ser de construção positiva da auto-estima do aluno.
Justo (2006) analisa os conflitos da escola a partir de uma perspectiva que considera tanto a subjetividade contemporânea, quanto a escola como organização. Segundo esse autor, o individuo da chamada modernidade era previsível, coerente, controlado e estável, enquanto o sujeito atual é fragmentado, impulsivo e plástico. Nessa perspectiva, as relações pessoais desses sujeitos são marcadas pelo provisório. Os relacioidntos afetivos duradouros estariam em crise, dando lugar a relacioidntos efêmeros. O “ficar” dos jovens seria um bom exemplo disso. Sendo assim, a indisciplina e a violência nas escolas, dentre outras coisas seriam conseqüências da dificuldade dessas subjetividades contemporâneas em conviver em ambientes marcados pela rigidez normativa e de regras e condutas sociais (como é o caso das escolas). Para Justo (2006), sendo as características da sociedade atual a flexibilidade, o gozo imediato e a transgressão (condições importantes para a manutenção do capitalismo), a escola com a sua rígida estrutura secular estaria indo na contramão dessas subjetividades contemporâneas.
Assim, para Justo (2006), a escola estaria em desacordo com este novo perfil de aluno:

Ela (a escola) não consegue dar conta das demandas da contemporaneidade e nem possui os instrumentos necessários para isso. Ela acolhe subjetividades desse tempo e possui uma estrutura organizacional de outro tempo bem distinto (p.42).

            Percebe-se que para o autor a discussão sobre os conflitos na escola precisa ir além de questões apenas internas à escola, como por exemplo, as questões administrativas, curriculares, de ensino-aprendizagem e etc. É necessário também considerar as questões sociais e econômicas em que vivem esses alunos, bem como, as questões ligadas as subjetividades que fazem parte dessa territorialidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, a Escola é um lugar onde se entrecruzam pessoas e subjetividades diversas. A lógica da violência à escola e a violência da escola, ou seja, entre a escola e os alunos, se caracteriza por uma incompreensão de ambos os lados. Os alunos não aceitam as normas escolares e a escola não é capaz de corresponder às expectativas destes. Por mais que, se entenda a violência escolar como multideterminada e multifacetada, deve-se atentar para o que diz Charlot (2002), se a Escola é impotente diante da violência à escola (aquela que vem do mundo externo), ela não o é no que pese a sua ação face à violência da escola e na escola. Assim, faz-se necessário discutir estratégias de prevenção a violência em ambiente escolar, há que se ter um olhar crítico tanto sobre o sistema escolar, quanto sobre as relações interpessoais presentes em cada escola. É necessário manter uma boa integração dos diferentes setores envolvidos no dia-a-dia da Escola e também destes com a comunidade escolar. Essa articulação entre os atores escolares pode dar subsídios para a elaboração de projetos que envolvam gestores, professores e alunos na busca da qualidade educacional em vários níveis, ou seja:  aprimorar as relações institucionais, estimular nos atores escolares o sentimento de pertença, como também estimular a participação no desenvolvimento das ações coletivas. Tais iniciativas podem melhorar o protagonismo dos jovens nas Escolas tornando-as um lugar onde se aprende conteúdos e valores sociais em prol da cidadania.

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*Doutora em Educação: Psicologia da Educação/PUC-SP. Professora da Universidade Federal do Pará-UFPA. Líder do Grupo GEPIVE. E-mail: vivianlobato@ufpa.br.
**Aluna do curso de Pedagogia da UFPA, Campus de Abaetetuba. Bolsista PIBIC do Grupo GEPIVE. E-mail: damiana.almada@gmail.com.
No Brasil, o termo gangue é usado para designar um conjunto de companheiros ou uma organização juvenil ligada à delinqüência.

Recibido: 03/04/2019 Aceptado: 08/04/2019 Publicado: Abril de 2019

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