Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


AS CIÊNCIAS SOCIAIS À LUZ DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Autores e infomación del artículo

Alfredo Cesar Antunes *

Daniele Cristina Bahniuk Mendes **

Nei Alberto Salles Filho***

Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil

alfredo.cesar@hotmail.com


Resumo: Partindo da grande teoria das representações sociais de Moscovici, este artigo objetiva analisar a importância do estudo das ciências sociais. Fundamentalmente, o estudo discute que o conhecimento científico não é apenas aquele produzido pelas ciências da natureza, ciências duras, mas sim que igualmente tem um campo reservado às ciências sociais e humanas. Num primeiro momento o texto explicita aspectos gerais da grande teoria moscoviciana. Em seguida aborda-se a teoria do conhecimento e sua imbricação com a ciência. Por fim, faz um apanhado das ciências sociais e seu aspecto interdisciplinar. A conclusão que se chega é de que não se pode hierarquizar qualquer tipo de conhecimento, seja científico ou não, muito menos escalonar as ciências duras como sendo mais científicas que as sociais e humanas. Para o estudo, foi utilizada a pesquisa exploratória e de caráter bibliográfico comprometida com a articulação dos conceitos.

Palavras-chave: ciências; sociais; teoria; representações; Moscovici.

Abstract: Starting from the great theory of social representations of Moscovici, the present article aims to analyze the importance of the study of the social sciences. Fundamentally, the study discusses that scientific knowledge is not only that produced by the natural sciences, hard sciences, but also that it has a field reserved for social and human sciences. In a first moment the text explains general aspects of the great Moscovician theory. Next we approach the theory of knowledge and its overlap with science. Finally, it makes a collection of the social sciences and its interdisciplinary aspect. The conclusion is that one can not hierarchize any kind of knowledge, whether scientific or not, much less staggering the hard sciences as being more scientific than social and human. For the study, we used the exploratory research and of a bibliographical character compromised with the articulation of the concepts.

Keywords: sciences; social rights; theory; representations; Moscovici.

Resumen: Partiendo de la gran teorÍa de las representaciones sociales de Moscovici, el presente artÍculo objetiva analizar la importancia del estudio de las ciencias sociales. Fundamentalmente, el estudio discute que el conocimiento cientÍfico no es sólo el producido por las ciencias de la naturaleza, las ciencias duras, sino que también tiene un campo reservado a las ciencias sociales y humanas. En un primer momento el texto explicita aspectos generales de la gran teoría moscoviciana. A continuaciòn se aborda la teoría del conocimiento y su imbricaciòn con la ciencia. Por último, hace un recuento de las ciencias sociales y su aspecto interdisciplinario. La conclusiòn que se llega es que no se puede jerarquizar cualquier tipo de conocimiento, sea científico o no, mucho menos escalonar las ciencias duras como siendo más científicas que las sociales y humanas. Para el estudio, se utilizò la investigaciòn exploratoria y de carácter bibliográfico comprometida con la articulaciòn de los conceptos.

Palabras clave: ciencias; social; la teoría; representaciones; Moscovici.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Alfredo Cesar Antunes, Daniele Cristina Bahniuk Mendes y Nei Alberto Salles Filho (2019): “As ciências sociais à luz da teoria das representações sociais”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (febrero 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/02/teoria-moscoviciana.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1902teoria-moscoviciana


1. INTRODUÇÃO

A discussão sobre representações sociais têm quase sessenta anos, sendo que no Brasil sua chegada deu-se no início da década de oitenta, curiosamente por pesquisadores que se situavam em regiões como Nordeste e Centro-Oeste, escapando do tradicional eixo científico Rio-São Paulo. Nas obras de Moscovici que se encontram conceitos importantes, pois é considerado o pai de uma grande teoria das representações sociais (ALMEIDA, 2013).
Trata-se de uma teoria que estuda as representações que os indivíduos têm coletivamente sobre seus cotidianos e realidade, como esses conhecimentos se cruzam e a comunicação que se estabelece entre o indivíduo e os demais membros da sociedade.
Com base nesta teoria, o presente artigo objetiva analisar a importância do estudo das ciências sociais na contemporaneidade. Assim, vai ser discutido que o conhecimento científico não é apenas aquele produzido em laboratório, mas se dá na realidade social, podendo o senso comum ser sua fonte de estudo.
Para conseguir realizar o proposto no estudo, o caminho trilhado é a explicitação dos aspectos gerais da grande teoria moscoviciana, perpassando por conceitos essenciais tais quais: objetivação e ancoragem, universo consensual e reificado, relação individual e coletivo, por fim, a familiarização.
Marca registrada da teoria das representações sociais é a sua interdisciplinaridade, eis que considera aspetos da psicologia cognitiva, psicologia social e senso comum. Então, optou-se por uma exposição sobre a teoria do conhecimento, apontando que existem diversos tipos de saberes, sendo que não pode hierarquizá-los, pois são todos importantes em iguais medidas.
Fala-se sobre a epistemologia, como um conjunto de estudos sobre os conhecimentos, adentra ao território do conhecimento dito científico. Passa-se para a verificação do que cuidam as ciências sociais e suas singularidades em comparação às ciências da natureza.
Revela-se a interdisciplinaridade das ciências sociais e sua aptidão para trazer a aproximação dos diversos saberes. Dá-se ênfase à teoria das representações sociais, como uma das formas de explicar o fenômeno social.
Na sequência, apresentam-se os estudos feitos por Melo, Tenório e Accioly Junior (2010) acerca da representação social de um grupo de estudantes de licenciatura em Física, futuros profissionais da educação.
Apesar do avançado grau de escolaridade, dada pela formação universitária, somado ao fato dos grandes avanços da pesquisa social desde o século XIX, o grupo revela uma forte visão de que a ciência é empirista e se concretiza através da comprovação pelo método científico. Nesse sentido, científico seria aquilo comprovado empiricamente, e as ciências sociais não se enquadrariam na mesma proporção que as ciências da natureza.
Diante dessa superficial representação social acerca das ciências sociais, o presente artigo finaliza com a demonstração da importância de um estudo em ciências sociais, porque não se pode hierarquizar qualquer tipo de conhecimento, seja científico ou não.
Coloca em destaque o papel da universidade, ao mesmo tempo em que chama atenção a uma necessidade de rever como está se desenvolvendo a vida universitária na atualidade, porque a sociedade apoia a pesquisa científica, mas conclama que seus resultados lhes sejam revertidos.
A conclusão que se chegada é que todos os saberes têm seu valor interna e externamente considerados, não podendo dizer que o conhecimento racional seja apenas o científico, abarca também outros tipos de conhecimento. Nesta perspectiva, especificamente em relação às ciências sociais, que é interdisciplinar, e considerando a teoria das representações sociais o conhecimento abrange o conhecimento social, psicológico e do senso comum, fazendo com que a representação social dependa do grupo que se está inserido.
No tocante à metodologia, para a confecção do artigo, optou-se por uma pesquisa exploratória, visando obter maior familiaridade com o problema, a deixá-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Como o seu planejamento é maleável, possibilita avaliar vários aspectos do objeto de estudo (GIL, 2002).
Utilizou-se da técnica de pesquisa documental indireta escrita, como busca de bibliografia, realizada através de leituras a artigos já publicados acerca dos assuntos colacionados, aliados a consultas de livros. Afora isso, o método dedutivo se fez presente, no qual que se procede de proposições universais para colocações particulares, proporcionando a conclusão de premissas, que compõe o item 2.5 deste artigo, relacionado a importância de estudos em ciências sociais e as considerações finais.

 

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Aspectos gerais da teoria moscoviciana

Foi Moscovici quem formulou a teoria das representações sociais, a fim de investigar as relações interpessoais e intergrupais da vida cotidiana, sendo um saber do senso comum, construído através dos valores, atitudes, símbolos e crenças compartilhadas por um grupo social de pertença ou afiliação (ALMEIDA, 2013).
O fundador da teoria não se preocupou em definir o que sejam “representações sociais”.  para Moscovici (2013) as representações sociais não é algo a se generalizar, inclusive alguns grupos têm representações sociais diferentes sobre o mesmo objeto. Nessa medida, as representações sociais variam, pois se relacionam a aspectos da vivência daquele determinado agrupamento.
Nessa medida, a teoria das representações sociais é conhecida por conter o conhecimento do cotidiano, os saberes populares, e é, muitas vezes, chamada de teoria do senso comum. As representações sociais se manifestam em diversos saberes, também conhecida como uma teoria sui generis (SÁ, 2004).
A teoria das representações sociais tem cerca de sessenta anos e é vista por uma perspectiva multi e interdisciplinar, sendo esse o seu ponto mais forte (SPINK, 2004). Consegue dialogar com as diversas formas de saberes, em especial o científico, social, psicológico e do senso comum. Contudo, a fragilidade da teoria está em sua porosidade, sendo este o cuidado que o cientista social deve ter ao analisar as representações sociais.
Ao mesmo tempo que o indivíduo tem um papel social para cumprir, ele também pode mudar a realidade, isso é um processo constituinte dessa realidade social. Moscovici busca substrato para sua teoria no contraste com Durkheim.
Para Durkheim (2007) o fato social é exterior, impositivo e tem autonomia, ou seja, o fato social é uma coisa e os indivíduos se adaptam a ela. O fato social atinge os indivíduos até mesmo contra a vontade deles, constituindo-se uma realidade sui generis, diferente daqueles fatos individuais. O exemplo dado pelo sociólogo é a maneira como são educadas as crianças, como um esforço contínuo de impor a elas as maneiras de ver, sentir e agir que não chegariam a elas espontaneamente, senão através de uma imposição.
Por outro lado, segundo Moscovici (2013) a teoria das representações sociais dá racionalidade à crença coletiva, não por serem sociais, mas justamente por serem coletivas, na medida em que os homens se tornam racionais quando convivem uns com os outros. Desta forma, uma das funções da representação social é criar identidade ao grupo, adaptando-se ao contexto que está inserido.
As representações sociais se modificam o tempo todo e só uma teoria sociológica não conseguiria explicar os fenômenos, assim como só uma teoria psicológica, igualmente, não é apta a visualizar a realidade. Por isso, é necessário se sustentar em uma teoria psicossocial, reconhecendo que o indivíduo transforma e, simultaneamente, é transformado (SÁ, 2004).
De acordo com Sá (2004), lastreado no pensamento moscoviciano, a teoria das representações sociais vai decodificando o conhecimento e mudando a realidade, de maneira mais constante e rápida do que pensava Durkheim.
Explicita Spink (2004) a interdisciplinaridade da teoria aqui abordada, mostrando as influências das ciências sociais, da psicologia social e psicologia cognitiva. Pelas ciências sociais o lado individual fica a desejar, e se torna parecida com a crítica que Moscovici faz a Durkeim. De outro lado, na psicologia cognitiva é o inverso, focaliza o que e como é conhecido, mas ignora quem e de onde conhece. Os estudos de cognição social tendem a abordar a representação como processo não social. Por fim, a psicologia social liga o individual e coletivo. Conclui a autora que o cerne da teoria das representações sociais está na Psicologia Social, mas não apenas nela.
Várias formas de conhecimento existem e a representação social conjuga, pela interdisciplinaridade, o conhecimento científico dado pelo método das ciências sociais, o conhecimento psicológico enfocando no indivíduo, o conhecimento social subsidiado na coletividade e o conhecimento do senso comum, aquele advindo da experiência. Isso faz com que a representação social dependa do grupo que se está inserido.
Adentrando aos conceitos basilares da teoria das representações sociais, Moscovici (2013) acredita ter duas classes de pensamentos: universo consensual e universo reificado. No universo consensual é onde são feitas as representações sociais, as teorias de senso comum, lugar em que todos querem se sentir em casa. Por sua vez, é no universo reificado que se situam as ciências.
O conhecimento produzido no universo reificado vai sendo traduzido e divulgado para o universo consensual, através das mídias e jornais, tornando mais fácil a sua compreensão, e familiarizando seus objetos a uma camada maior da sociedade.
De acordo com Sá (2004) ambos os universos, reificado e consensual, atuam simultaneamente para moldar a nossa realidade. Uma realidade social surge quando o novo passa a ser incorporado aos universos consensuais, deixando de ser novidade, tornando-se conhecido e real.
Decorre dessa situação a importância dos processos de objetivação e da ancoragem, do qual decorre a transformação do não familiar em familiar. Ilustra Sá (2004) que a ancoragem ocorre quando se assimila o conhecimento do objeto representado a um sistema de pensamento que já exista socialmente, aliado às transformações dele implicadas. Em seu turno, a objetivação consiste na aptidão de transformar algo que é abstrato em algo concreto, revelando a aproximação do estranho em familiar. Por meio desse processo os elementos adquirem materialidade e se tornam expressões de uma realidade vista como natural.
Para Jodelet (2015) a objetivação explica a representação, num quadro estruturante a partir da naturalização daquela realidade, que ganha a qualidade de objetiva. A ancoragem se dá pelo enraizamento da representação social no pensamento, atribuindo-lhe sentido.

A objetivação explica a representação como construção seletiva, esquematízação estruturante,
naturalização, isto é, como conjunto cognitivo que retém, entre as informações do mundo exterior, um número limitado de elementos ligados por relações, que fazem dele uma estrutura que organiza o campo de representação e recebe um status de realidade objetiva. A ancoragem, como enraizamento no sistema de pensamento, atribuição de sentido, instrumentalização do saber, explica a maneira pela qual informações novas são integradas e transformadas no conjunto dos conhecimentos socialmente estabelecidos e na rede de significações socialmente disponíveis para interpretar o real, e depois são nela reincorporadas, na qualidade de categorias que servem de guia de compreensão e de ação (JODELET, 2015, p. 46).

Simplificando, tem-se que objetivar é transformar a imagem em objeto, ancorar é classificar. Na ancoragem que se dá um sentido, um significado para aquilo que se conhece. Assim, o resultado da conjugação entre objetivação e ancoragem é o processo de familiarização.
Na ótica de Jodelet (2015) as representações sociais são uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. É a partir das representações sociais que os indivíduos se comunicam e conseguem entender o ambiente que estão inserido. Assim sendo, esse estudo está ligado à esfera cognitiva, ou seja, só pode ser analisada tendo como contraponto o contexto social em que emerge e se transforma.
Considerando que as representações sociais vêm do cotidiano e as relações sociais se dão em vários vieses, a confiança na criatividade dos pesquisadores é de suma importância, em face de procedimentos conhecidos e testados. A complexidade do fenômeno social decorre da desconstrução entre o individual e o coletivo, sendo necessário entender como o pensamento individual se enraíza no social e como um e outro se modificam mutuamente (SPINK, 2004).

 

Assim, antes de adentrar na representação social sobre as ciências sociais, necessário é conhecer a teoria do conhecimento, e do que cuida as ciências sociais e após mostrar a importância de um estudo em ciências sociais.

 

2.2 A teoria do conhecimento

Não se pode hierarquizar nenhum tipo de conhecimento, inclusive o científico, taxando-o como mais importante que os demais. Assim surge o questionamento, o que é conhecimento? Existe alguma teoria acerca do conhecimento? A resposta é sim, o conhecimento é tratada pela epistemologia, conhecida como teoria do conhecimento, que nos manuais mais antigos encontra referência à terminologia 'gnosiologia' (DUTRA, 2010).
Etimologicamente, a palavra epistemologia significa discurso (logos) sobre a ciência (episteme). Trata-se de um termo relativamente recente, eis que surgiu apenas no século XIX, sendo que seu conteúdo veio a ser preenchido somente no século XX, quando dos estudos da História das Ciências e da Filosofia (JAPIASSU, 2002).
O conceito de epistemologia é bastante maleável, não contendo um significado único. Pode ser concebido como uma teoria geral do conhecimento, ou designar a gênese e a estrutura das ciências, igualmente pode remeter a uma análise lógica da linguagem científica, bem como designar o exame das condições reais de produção dos conhecimentos científicos (JAPIASSU, 1992).
Assim sendo, a epistemologia poderia ser dividida em cinco espécies. A primeira é a epistemologia global, que trata do saber globalmente considerado, quer sejam "especulativos" ou "científicos". Por sua vez, a epistemologia particular, trata apenas de um campo particular do saber, seja este "especulativo" ou  "científico. Depois vem a epistemologia específica, leva em conta uma disciplina, constituída em uma unidade bem definida do saber. Também, fala-se em epistemologia interna, que consiste na análise crítica dos procedimentos de conhecimento que ela utiliza, visando estabelecer os fundamentos desta disciplina. Por fim, a epistemologia derivada, visa fazer uma análise da natureza dos procedimentos de conhecimento de uma ciência, não para fornecer-lhe um fundamento, mas para saber como esta forma de conhecimento é possível (JAPIASSU, 1992).
Interessante diferenciar o que é saber e o que é conhecimento científico. O termo saber tem um significado bem mais amplo que a palavra ciência. O saber refere-se a uma série de disciplinas intelectuais, como o saber racional dado pela Filosofia e o saber crente ou religioso dado pela Teologia. Essas formas de saber não podem ser considerados como ciências, pois seriam saberes especulativos, sem se submeter a métodos rigorosos. A ciência, ao reverso, não é especulativa, porque se compõe de métodos e objetividades (JAPIASSU, 1992).
Para Dutra (2010) as teorias do conhecimento tratam sobre o conhecimento proposicional, aquele que embasa nossas crenças ou opiniões. No caso de fatos empíricos e científicos, que são conhecimentos prontos, o papel da epistemologia é de encontrar uma forma de justificá-lo. Isso ocorre porque nem todos esses fatos são claramente verdadeiros, e, portanto, admissíveis. Para serem concebíveis e mostrar sua aceitabilidade, imperioso fazer uma justificação para essas formas de conhecimentos. Em outras palavras, uma teoria do conhecimento serve explicar de que maneira pode ser comprovado, leia-se, justificado, o conhecimento proposicional, ou ao menos, alicerçado de maneira não apenas convincente, mas defensável a críticas razoáveis.
Para o presente artigo interessa o conhecimento científico. Dessa forma, Japiassu (1992) alerta notadamente quanto à epistemologia, independentemente de qual seja o significado desta palavra, ela não pode imobilizar os cientistas com doutrinas indiscutíveis e fechadas, mas sempre permitir novos olhares e estudos. Igualmente, uma teoria do conhecimento não pode dizer conclusivamente o que é conhecimento científico, pois há várias formas de concebê-lo.
Desta maneira, verifica-se a importância do universo reificado às ciências sociais, pois este é preponderante para determinar as representações sociais a alguma prática cotidiana estudada por essa área do conhecimento. Logo, a interpretação das representações individuais encontra-se embasada na chamada “Sociologia do Conhecimento”, uma disciplina que se ocupa de tudo aquilo que é chamado de conhecimento em uma sociedade, independentemente de sua validade ou não por quaisquer critérios (BERGER; LUCKMANN, 2002).
Quando fala da sociologia do conhecimento, Japiassu (1992) elenca que sua função é mostrar claramente qual a ruptura entre o saber comum e o saber científico, revelando as condições sociais de determinada época e lugar que tornaram possível a descontinuidade desses saberes, apresentando em que momento ocorreu a cessação entre os saberes.
Santos (2013) demonstra que ao estudar o fenômeno da apropriação dos conhecimentos pelo senso comum, Moscovici deu início a uma nova apresentação epistemológica, quando afirma que a compreensão da ciência pelo senso comum não é uma banalização do conhecimento científico, como por muitos se acreditava. Revela o contrário, que as representação sociais cuidam de um tipo de conhecimento ajustado a outras necessidades, seguindo a certos critérios e contextos determinados. Com isso, a teoria das representações sociais destinada à interpretação daquilo que é real, ultrapassando a classificação da Filosofa e Sociologia acerca de eventos e fatos sociais.
Ao verificar o campo das Ciências Sociais na sua face epistemológica derivada, também chamada de geral, pode-se descobrir qual a parte que cabe ao sujeito e ao objeto, no conhecimento que caracteriza uma ciência. Vale citar que “as representações sociais nascem e são cultivadas na sociedade, fora do laboratório. Elas estão mais relacionadas com a Volkerpsychologie de Wundt do que com a sua ciência de laboratório” (FARR, 1984, p. 134 apud SPINK, 2004, p. 99). Isso é fundamental para as Ciências Sociais, sendo tarefa da epistemologia conhecer seu objeto em profundidade, produzindo um conhecimento provisório, jamais acabado.

 

2.3 Aspectos gerais das ciências sociais

Quando se pensa em uma teoria do conhecimento, nela encontrando a ciência, a primeira dúvida é saber se existe uma só ciência ou são várias ciências? À luz dessa questão, Japiassu (1994) fala que classificar as ciências é, em verdade, uma necessidade epistemológica, na medida em que pode ter a equivocada ideia de hierarquia e escalonamento entre as disciplinas.
Com essa errônea visão sobre as ciências, de colocar umas disciplinas como mais importantes e seguras que outras, poderá acontecer de alguns conhecimentos, igualmente relevantes, serem deixados no campo do não-científico ou de uma ciência inconsistente.
Assim sendo, ainda que diante da magnitude do objeto de estudo das ciências sociais, que analisa os fenômenos atinentes à sociedade, por muitas vezes, se questiona sobre a sua natureza científica. Isto ocorre porque as ciências sociais surgiram espelhadas no modelo das ciências da natureza, aquela que se solidificava pela experimentação e comprovação matemática dos fenômenos.
Tanto é assim que as ciências sociais eram chamadas de Física Social, como pontua Lemos Filho (2000), sempre na tentativa de adequar os fenômenos sociais à linguagem matemática. Indica o autor que apenas com o movimento positivista, que buscava trazer ordem para as crises sociais vivenciados naquele período, surgido após a Revolução Francesa, é que as ciências sociais foram nominadas como tal. Augusto Comte encabeçou a ideia de revelar a autonomia das ciências sociais, mas ainda fortemente ligadas às ciência da natureza.

A idéia central do positivismo é muito simples: nas Ciências Sociais, como nas ciências da natureza, é necessário afastar os preconceitos e as pressuposições, separar os julgamentos de fato e os julgamentos de valor. A finalidade é, nas Ciências Sociais, atingir a mesma neutralidade, imparcial e objetiva, que se atinge na Física, na Química e na Biologia. Daí se evidenciam as implicações ideológicas conservadoras dessa concepção: se as leis sociais são leis naturais, a sociedade não pode ser transformada. Ao contrário dos filósofos iluministas, considerados negativistas por Augusto Comte, o positivismo privilegia a aceitação passiva do "status quo" social (LEMOS FILHO, 2000, p.25).

As ciências sociais retratam fenômenos sociais, compostos pelas ações e omissões dos seres humanos. Desta forma, Japiassu (1994) indica que as ciências sociais precisam explicar seus objetos a partir de valores e normas. Mesmo assim, baseadas em valores, as ciências sociais não se isentam de revelar um conhecimento objetivo.
Aliás, revela Japiassu (1994) que é essa temática dos valores a grande motivadora de demarcar o limite das ciências sociais com as ciências da natureza, uma vez que esta (ciências naturais) esmiúça e elucida seus fenômenos, enquanto aquela (ciências sociais) assimila seus fenômenos pela conjugação com seus valores. Trata-se do sujeito cooperando na construção do objeto do seu conhecimento.
De maneira ilustrativa Moscovici (2013) comparara o modo de conhecer dos fenômenos sociais com o modo de conhecer dos fenômenos naturais, sendo que seus estudos têm como pontos de partida as suas margens. A diferença é que o cientista social tem que estar muito atento à maneira como ele apresenta o problema indivíduo-sociedade, sob pena de revelar um problema impossível de ser resolvido cientificamente.

Alguém afirmou, certa vez, que tudo o que existe na natureza se produz a partir de suas margens: a superfície da terra, a membrana de uma célula, o momento de uma catástrofe, o começo e o fim de uma vida. Poder-se-ia dizer o mesmo do que se produz na sociedade. E especialmente neste território onde se articulam os fenômenos individuais e os fenômenos coletivos. Sendo assim, devemos estar atentos à maneira como colocamos o problema indivíduo-sociedade, pois, sem nos darmos conta, corremos o risco de o transformarmos não apenas em um problema difícil, mas principalmente em um problema que se revele impossível de ser tratado no plano científico (MOSCOVICI, 2013, p. 7).

Quando da formulação da Teoria das Representações Sociais, Moscovici (2013) teve a visão da interdisciplinaridade que marca as ciências sociais, utilizando tanto de fundamentos da psicologia social quanto da psicologia cognitiva.
Essa interdisciplinaridade é bastante forte na teoria moscoviciana, como diz Spink (2004), eis que retrata uma perspectiva multi e interdisciplinar, na medida em que o objeto científico dialoga simultaneamente com várias disciplinas. Contudo, o cuidado que se deve ter é não dar margens para as críticas diante de eventuais fragilidades da teoria. Sua porosidade pode fazer com muitas representações sociais não estejam perfeitamente ancoradas.
Nas palavras de Pimenta (2005) as ciências sociais são caracterizadas pelas pela interdisciplinaridade, que compreende todos os processos de aproximação de conhecimentos científicos ou de outros conhecimentos, que num certo momento se encontram separados. Com essa definição, o autor explicita que a razão de ser da interdisciplinaridade é a reconstrução do objeto científico, o qual pode ser lapidado por diversos vieses. Frisa que a interdisciplinaridade não é superior a disciplinaridade, tampouco inferior. Elas têm que estar conectas, uma vez que uma depende da outra para sucesso na construção do conhecimento.
Revelando a beleza da Teoria das Representações Sociais, Spink (2004) aduz que esta possui uma notória fertilidade de produção, ante a diversidade de objetivos que englobam sua pesquisa, aliada a diversidade de procedimentos para coleta e análise de dados, as quais se dão numa perspectiva multi e interdisciplinar.
O grande desafio das ciências é enxergar o entrelaçamento das diversas áreas de conhecimento, em vez de isolar e separar. Não se pode heterogeneizar em categorias separadas ou homogeneizar em indistinta totalidade. Deve-se olhar as várias dimensões da realidade estudada, a pensar além daquilo que se vê (PIMENTA, 2005).
Vale lembrar que qualquer tentativa de gradação da cientificidade das ciências se revela como uma atitude anti-científica. Não precisa apenas das ciências duras e nem apenas das ciências sociais, mas de todas as ciências interconectadas.
Nessa perspectiva, a teoria das representações sociais, que se situa dentro de uma discussão interdisciplinar, transparece a importância de estudos em ciências sociais, eis que a relação indivíduo-sociedade é um assunto de interesse que afeta a todos.

 

2.4 Um grupo de licenciando em Física e suas representações sociais acerca do que seja a ciência

Exposta a importância da pesquisa em ciências sociais, passa-se a analisar qual a representação social, de um determinado grupo, sobre o que seria conhecimento científico e se as ciências sociais estariam abrangidas nesse conceito.
Por brevidade, reportamo-nos ao artigo de Melo, Tenório e Accioly Junior (2010) que fizeram um estudo sobre as representações sociais de ciência de um grupo de licenciandos em Física. Para o estudo, elencaram-se duas formas possíveis de enxergar a ciência: a abordagem internalista, que considera-a como construtivista e empirista, bem como a abordagem externalista, que considera a influência de fatores sociais, econômicos e políticos na esfera científica.
Foi utilizada a teoria do núcleo central para o estudo acima. Tal teoria foi desenvolvida por Abric em 1976, mas somente passou a influenciar a teoria das representações sociais nos anos de 1990, quando se reconheceu a teoria das representações sociais como a “Grande Teoria” (SÁ, 1996).
O reflexo da intitulação de uma teoria moscoviciana como a Grande Teoria das representações sociais é que ela permanece, propositalmente, inacabada, podendo se deixar influenciar por outras teorias, tal qual a do núcleo central, por exemplo.
A teoria do núcleo central aplica-se tanto durante o processo de formação das representações, quanto no de suas transformações. A representação social é uma entidade unitária, todavia organiza-se internamente por um sistema duplo, na medida em que cada parte tem um papel específico, ao mesmo tempo em que tem uma tarefa complementar ao da outra (SÁ, 1996).
Os métodos e técnicas da pesquisa do núcleo central fundamentam-se, essencialmente, sobre uma perspectiva metodológica experimental. Os sujeitos tendem a destacar o essencial (o núcleo central, por hipótese) em relação ao circunstancial (ou, nos termos da teoria, os elementos periféricos).
Saliente-se que apesar do nome periférico trazer a ideia de margem, de distante, dentro da teoria do núcleo central o sistema periférico revela-se extremamente importante, eis que vai dar consistência ao núcleo central.
O quadro 1 apresenta as características que mais se evidenciam entre o núcleo central e o sistemas periférico. Enquanto o núcleo central evidencia a memória coletiva, espelha a homogeneidade do grupo, resistindo à mudanças, o sistema periférico está atrelado às experiências individuais, revela heterogeneidade do grupo e permite adaptações à realidade, a fim de proteger o sistema central.

A teoria do núcleo central se preocupa mais com a ancoragem, sendo inclusive, mais determinante do que o processo de objetivação. Revela-se de extrema importância um processo de familiarização, lembrando da relação indivíduo-coletividade, sem necessariamente que se consiga objetivar, ou seja, a duplicação para a imagem.
A abordagem da teoria do núcleo central tem base experimental, sendo que a ordem e frequência das evocações é que indicam que as primeiras classificadas formam o núcleo central, enquanto que as mais tardiamente evocadas são o sistema periférico.
Veja que a ordem e frequência das evocações podem se dar através do lançamento de uma palavra-estímulo, que consegue levantar cognições dos sujeitos de pesquisa, com os possíveis elementos dos núcleos centrais de cada uma das representações (SÁ, 1996).
No trabalho de Melo, Tenório e Accioly Junior (2010) foram pesquisas as representações de 26 alunos em final do curso de Licenciatura em Física, uma vez que já tinham cursado quase todas as matérias e estariam aptos a discutir acerca da natureza da ciência.
O quadro 2 apresenta uma estrutura da representação social de ciência do grupo pesquisado. A célula 1 representa o núcleo central da representação e a célula 3, os sub-núcleos das representações. De outro lado, a células 2 e 4 indicam os sistemas periféricos (MELO; TENÓRIO, ACCYOLI, 2010).

Em síntese, a representação do grupo baseia-se na visão científica da primazia da experiência e das ideias, ainda que com influências de outros fatores (social, econômico e outros) no processo de construção do conhecimento. Assim, a abordagem internalista prepondera. Podemos dizer então que na ótica do grupo, a ciência é vista como aquela advinda da natureza. Há uma significativa presença do empirismo nas representações de futuros professores de física.
Portanto, novamente se questiona: como ficam as ciências sociais e humanas, uma vez que o paradigma dominante da ciência está centrado na ideia de ciências duras com enfoque empírico analítico? Pela representação social do grupo, percebe-se que o tratamento científico se dá apenas aquilo que é realizado em laboratório.
A reflexão do ente artigo é de analisar a importância do estudo das ciências sociais na contemporaneidade, uma vez que existe uma superficial representação social desta área do conhecimento, colocada como não científica.

2.5 A importância do estudo das ciências sociais

A magnitude do objeto e sua interdisciplinaridade não podem deixar que se persista a representação social de que as ciências sociais não estariam englobadas dentro do conceito de ciências. Como vimos, é comum que se considere ciências apenas aquilo que pode ser provado matematicamente. Todavia, desde o século XIX, com o reconhecimento do fenômeno social como objeto científico, as ciências sociais ganharam (diga-se, foram reconhecidas) o mesmo status científico que as ciências da natureza.
Indica Lemos Filho (2000) que o surgimento das ciências sociais, como um ramo científico, se deu dentro da evolução da própria dinâmica das ciências. As crises e inseguranças surgidas após a Revolução Francesa mostraram que os problemas sociais e humanos também podiam ser estudados à luz dos métodos das ciências da natureza, nesse primeiro momento.
À medida que foram se organizando as ciências sociais passaram a se ramificar, a fim de melhor estudar a sociedade, surgindo a Economia, a Antropologia, a Sociologia, a Política e outros. Todas essas disciplinas se relacionam entre si, pois cuidam a seu modo do objeto científico.
Nesse sentido, a importância do estudo das ciências sociais não escapa à esfera institucional, principalmente do papel da universidade, que se volta para a pesquisa científica (VELHO, 2005).
Na atualidade, assistimos com pesar a diminuição de investimento e repasses de recursos públicos às universidades. Vide recentemente o risco de corte de quase duzentas mil bolsas de pesquisas científicas fornecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – órgão vinculado ao Ministério da Educação do Brasil (MORENO, 2018).
Tal atitude do governo atual evidenciou sua pouca preocupação com o desenvolvimento do mundo científico e o apoio às pesquisas realizadas em território nacional – inclusive aquelas ligadas às ciências sociais.
Pode ser que essa ação tenha sido uma maneira do governo perceber o grau de mobilização da sociedade e sua representação social sobre as ciências. Contudo, o que se verificou foi a grande mobilização de estudantes, setores acadêmicos e da sociedade em geral, principalmente pelas redes sociais, demonstrando que a sociedade reconhece a importância do conhecimento científico, tanto quanto de outros tipos de conhecimentos.
Esse apoio da sociedade à comunidade científica faz com que se deva repensar a vida universitária e sua contribuição ao social. Lembra Velho (2005) que as demandas produtivistas de massificação e utilitarismo colocam demasiadas pressões no ensino superior, tirando o foco de sua essência. Além disso, a expectativa de metas quantitativas, por muitas vezes deixam de lado a própria atividade científica dos pesquisadores.

por meio da informática, uma rotina avassaladora de cobranças e relatórios que ocupa de tal forma docentes e pesquisadores, a ponto de prejudicar de modo brutal o seu trabalho científico-acadêmico propriamente dito. A lógica tecnocrática e burocrática cada vez mais se assenhorea do espaço público e interfere na produção universitária. As ciências humanas, no sentido mais amplo, são as principais vítimas desse processo, na medida em que, por suas características, são mais dificilmente enquadráveis em modelos produtivistas-pragmáticos. Na realidade, sabemos que não só a nossa área, mas a pesquisa básica, em geral, é atingida gravemente por essas novas políticas, antagônicas à idéia de que o conhecimento é um fim em si mesmo e que seus benefícios se dão em prazos maiores do que os esperados por políticos e tecnocratas exercendo o seu poder (VELHO, 2005, p. 15).

Com isso, deveriam ser enfocadas as avaliações qualitativas no âmbito universitário e científico, as quais se dão a partir do entrosamento com a própria comunidade e dá a mesma medida de avaliação às ciências sociais. Na lógica de avaliação quantitativa, as ciências sociais saem prejudicadas, porque seus dados são dificilmente decifráveis apenas em termos numéricos.
Baseada nas críticas acima se transparece o reforço da importância do estudo em ciências sociais, eis que promove a aproximação da relação indivíduo-coletividade, manifestando estudos científicos que afetam diretamente a vida cotidiana das pessoas.
As teorias emergidas nas universidades em pesquisa das ciências da natureza são de grande valia, assim como, em igual medida, as pesquisas no âmbito das ciências sociais, as quais têm uma aplicação prática e evidente na vida das pessoas.
Destaca-se, que muitas vezes, o próprio investigador social sente dificuldade em intitular-se cientista, por conta da superficial representação social que se tem desta área do conhecimento. Com isso, a importância do estudo das ciências sociais e sua constante reafirmação da cientificidade se fazem necessária.
Nas observações de Lemos Filho (2000) não existe uma ciência definitiva, pois o conhecimento está em constante mutação. Assim sendo, as ciências sociais tem seu lugar dentro das ciências, seja dizendo acerca da organização social, ou vendo aos conflitos e contradições da sociedade, ou dando ênfase nos seus aspectos teóricos, ou ainda privilegiando pesquisas empíricas.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Expostas as palavras acima, verifica-se que o conhecimento não é apenas o científico, abarca também outros tipos de inteligência, incluindo o senso comum. Nesse sentido, a teoria das representações sociais encontra espaço para se desenvolver e apresentar que a produção do universo reificado pode ser compartilhada com o universo consensual e vice-versa.
Moscovici foi brilhante ao perceber que o individual e coletivo se comunicam, existindo os universos consensuais e reificados, os quais atuam conjuntamente para moldar a realidade. É a partir das representações sociais que os indivíduos conseguem estabelecer comunicações entre si e captar o ambiente que estão inseridos.
Por meio dos processos de objetivação, de transformação da imagem em algo concreto, e de ancoragem, no qual se classifica e dá um significado para aquilo que se conhece, ocorre a familiarização, ou seja, deixar aquilo que era inicialmente estranho em algo natural.
A representação social depende de cada indivíduo e do grupo que se está inserido. Ressalta-se que a interdisciplinaridade é a sua maior característica, nesse sentido, é importante destacar que o saber racional não é apenas o científico, mas engloba tantos outros, sendo estudado no âmbito da epistemologia, conhecida como teoria do conhecimento.
Conforme leciona Dutra (2010) as teorias do conhecimento verificam como um saber é possível e pode ser justificado. No caso deste artigo focou-se no conhecimento científico, especialmente no tocante às ciências sociais.
Demonstrou-se que o nascedouro das ciências sociais adveio das ciências da natureza, razão pela qual, em seu desenvolvimento inicial, estava tão arraigada ao método e linguagem matemática, tanto que era conhecida como Física Social. Com o aprofundamento dos estudos, foi ocorrendo a desvinculação das ciências sociais em relação às ciências da natureza, demonstrando que ela pode se sustentar cientificamente, através de métodos e linguagens próprias.
As ciências sociais estudam fenômenos ocorridos no seio das relações interpessoais, portanto agregadas de carga de valor, mas isso não as exime de um conhecimento objetivo. Ainda, tais fenômenos estão rodeados por diversas questões que precisam ser analisadas por disciplinas diferentes.
Desta forma, Moscovici (2013) percebeu que somente através do reconhecimento da interdisciplinaridade é que o estudo das representações sociais seria possível. Nessa perspectiva, tal teoria se situa dentro de uma discussão interdisciplinar e revela a importância de estudos em ciências sociais, pois a relação indivíduo-sociedade interessa a todos.
Mesmo sabendo da relevância das ciências sociais, ainda permanece arraigada na consciência coletiva uma visão de que ciência é apenas aquilo que se produz dentro de um laboratório. Isso ficou demonstrada pelo experimento feito por Melo, Tenório e Accioly Junior (2010) quanto às representações sociais de ciência de um grupo de licenciandos em Física.
O grupo pesquisado, mesmo com a formação universitária prestes a ser concluída, indicava que se prevalecia uma visão construtivista e empirista das ciências. Isso causa preocupação, na medida em que se trata de um grupo de futuros professores, os quais lecionarão sobre ciências e replicarão a seus alunos as suas visões, dito de outra forma, as suas representações sociais acerca do que sejam as ciências.
Essa visão minimalista das ciências, colocando-a apenas como matematicamente considerada não deve prevalecer diante da grandiosidade do objeto de estudo das ciências sociais, que estudo o fenômeno social.
Isso chama para a reflexão os cientistas sociais, os quais são convocados, constantemente, a confirmar a cientificidade de suas pesquisas. Igualmente, convida esses mesmos cientistas a partilhar com a sociedade o resultado de seus estudos e mostrar a relevância de seus trabalhos.
No momento, como o atual, em que há uma ameaça perene de desmonte das universidades, seja através de diminuição de repasses de verbas, seja por cobranças excessivamente quantitativas, em detrimento da avaliação qualitativa, seja por ataques quanto ao distanciamento da comunidade científica da sociedade, o estudo científico tem que ser valorizado e transmitido à sociedade.
Nos melhores termos da teoria moscoviciana, esse é o momento do universo reificado revelar suas benesses ao universo consensual, manifestando que todos os tipos de conhecimentos são válidos e importantes, não podendo ter uma sobreposição de um sobre o outro.
Considerando que as representações sociais vêm do cotidiano e as relações sociais se dão em várias perspectivas é preciso fortalecer a interdisciplinaridade, que particulariza as ciências sociais.
As conclusões que chegam são de duas ordens. A primeira é que as ciências sociais são verdadeiramente ciências e ponto final. A segunda é que o estudo das ciências sociais se revela tão importante quanto de qualquer outra área do conhecimento, não podendo ser tida como mais e nem como menos importante que as ciências da natureza, ou de qualquer outro tipo de conhecimento.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1994), Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000) e Doutorado em Educação Física/Ciência do Desporto pela Universidade Estadual de Campinas (2012). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Ponta Grossa e docente no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Sociais Aplicadas da UEPG. Atua principalmente nos seguintes temas: formação profissional, sociologia e representações sociais.
** Graduação em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2007). Especialista em Globalização Econômica (2008) pela Universidad Castilla La Mancha, Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Sociais Aplicadas da UEPG. Procuradora Jurídica do Município de Castro/Paraná/Brasil.
*** Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1993), Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (1997). Doutorado em Educação pela UEPG (2016). Pós-Doutorado em Ensino de Ciência e Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Professor Adjunto da UEPG e docente no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da UEPG. Pesquisa questões referentes às violências, direitos humanos, sustentabilidade, educação, esporte e cultura de paz, a partir do pensamento complexo e das epistemologias do sul.

Recibido: 16/01/2019 Aceptado: 14/02/2019 Publicado: 14/02/2019

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