REESTRUTURAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO (1999)

REESTRUTURA??O E PRIVATIZA??O DO SETOR EL?TRICO BRASILEIRO (1999)

Yolanda Vieira de Abreu

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5.5 - O Sistema Elétrico e o Novo Paradigma

5.5.1 - O mercado

O Mercado é o nome dado a certo número de empresas que competem entre si. São membros do mesmo mercado as empresas em relação íntima umas com as outras. Nesse caso, os preços pelos quais compram e vendem são os mesmos, ou diferem apenas em virtude de certas vantagens ou desvantagens locais ou em correspondência com elas. É por meio da concorrência, em um mercado, que as empresas se encontram e se relacionam vitalmente. A abso-luta liberdade de intercâmbio não é essencial ao estabelecimento de um mer-cado comum. O receio de enfrentar a concorrência potencial de elementos estranhos mantém freqüentemente os preços baixos, nível que seria elevado não fosse a crença de que essa alta acarretaria a concorrência ativa e re-al de elementos de fora. (Hobson, 1985).

O mercado de energia elétrica pode ser considerado novo, tendo em vista que, anteriormente, na maioria dos países, era monopólio vertical e em mui-tos casos, estatal. A partir dos anos oitenta, a eletricidade começou a ser vista como produto que poderia ser negociado no mercado, e, para que se tornasse uma mercadoria atraente, separou-se os diversos setores do sistema de eletricidade, geração/transmissão/distribuição e comercialização. Cada e-tapa deverá ser disputada no mercado, seja através de compra da concessão e a manutenção desta, ou por fatia do mercado a ser suprido.

Para que este mercado exista e funcione de modo eficiente, as empresas de-vem ser reestruturadas. Pode-se definir a reestruturação como um arranjo comercial para vender energia: separando ou abrindo as estruturas integradas da indústria e introduzindo a competição e a escolha; a privatização como a substituição da propriedade do governo para a propriedade privada.

Os modelos de mercado para o setor elétrico, utilizados neste trabalho, foram os desenvolvidos por Hunt e Shuttleworth (1996,p.24). Existem quatro mode-los a serem utilizados para reestruturarem a indústria elétrica, que podem ser definidos por degraus de competição e também pelo grau de escolha entre os agentes envolvidos, de acordo com a descrição a seguir:

 Modelo1 - Não existe escolha. A esta estrutura denomina-se Monopólio.

 Modelo 2 – Existem vários geradores e somente um comprador. Denomi-na-se esta estrutura de agência compradora ou de empresa compradora.

 Modelo 3 - Os geradores independentes podem vender para qualquer dis-tribuidor e têm acesso à transmissão. Denomina-se esta estrutura de competição atacadista.

 Modelo 4 - Qualquer gerador independente pode vender para qualquer consumidor, seja atacadista ou varejista, e tem acesso livre às linhas de transmissão e distribuição, em troca de pagamento de um pedágio. Deno-mina-se esta estrutura de competição no varejo.

Nesses modelos de mercado para eletricidade, existem um ponto em co-mum, que é a idéia que a regulamentação é fundamental em todos os casos; assim sendo, a propriedade — pública ou privada — influi nos resultados. As alterações necessárias para implantar cada um desses modelos são:

* Do Modelo 1 ao Modelo 2 (monopólio estatal ou privado para a competi-ção), requer contratos e legislação adequada para a criação do produtor independente. Estes necessitam de incentivos para produzir a baixo cus-to e estar de acordo com o sistema do comprador.

* Do Modelo 2 aos Modelos 3 e 4 (competição no atacado e no varejo, com oportunidade de escolha para alguns ou todos consumidores) é o desen-volvimento dos “mercados de arranjos comerciais” ou contratos de negó-cios. Os Modelos 3 e 4 sempre requerem a cobrança para o uso da rede de transmissão e distribuição.

Para a reorganização do Mercado de Energia Elétrica no Brasil, durante o fi-nal de 1996 e início de l997, o MME (Ministério das Minas e Energia) ela-borou um trabalho, juntamente com consultores liderados pela Coopers & Lybrand, que estabeleceu as linhas gerais do modelo do setor elétrico a ser implantado no Brasil.

A noção básica é implementar a competição onde é possível (geração e co-mercialização) e a regulamentação onde é necessária (monopólios com livre acesso). Para isto precisa-se ter um regulador forte, um operador nacional do sistema e um planejamento indicativo, para que os atores possam atuar, sabendo quais são as regras do Mercado Atacadista de Energia (MAE).

Num futuro próximo, existirão duas formas de compra de energia no Bra-sil: através do mercado spot passando pelo MAE, e a segunda é através de contratos bilaterais, normalmente de longo prazo. A operação técnica do sis-tema e a confiabilidade ficam sobre a responsabilidade do agente denomi-nado Operador Nacional do Sistema (ONS).

Ao compararmos o modelo brasileiro com os modelos de Hunt e Shuttlewor-th (1996), verifica-se que ele se assemelha ao Modelo 3, descrito anterior-mente com uma operadora independente, que no caso brasileiro é o ONS. Uma diferença básica de outros países está na definição do preço spot, que no caso brasileiro, este preço não será só fruto das forças de mercado, mas resultados de modelos acordados entre o Mercado Atacadista de Energia (MAE) e o novo órgão regulador, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Isto acontecerá porque o preço no MAE, será determinado segun-do o decreto 2.655/98, que prevê:

“Art. 13. Para efeito de determinação dos preços da energia elé-trica no mercado de curto prazo, serão levados em conta os se-guintes fatores:

I - a otimização do uso dos recursos para o atendimento aos requi-sitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas;

II - as previsões das necessidades de energia dos agentes;

III - o custo do déficit de energia;

IV - as restrições de transmissão;

V - a redução voluntária da demanda em função do preço de curto prazo;

VI - as interligações internacionais.”.

“Art. 14º. Os preços do mercado de curto prazo serão determina-dos para intervalos previamente definidos, que reflitam as varia-ções do valor econômico da energia elétrica.

Parágrafo único. Um preço adicional, associado à capacidade das usinas geradoras, poderá ser introduzido, como incentivo à potên-cia gerada ou posta à disposição do sistema elétrico.”.

A cláusula 23ª do Acordo de Mercado assinado em 26/08/98, estabelece co-mo será determinado o preço de Mercado de Curto Prazo:

“O preço do Mercado de Curto Prazo será determinado pelo Agen-te de Contabilização e Liquidação com base no Custo Marginal de Operação determinado pelo Agente Operador do Sistema”.

Esse preço do Mercado de Curto Prazo será utilizado para liquidar todas as quantidades de energia contabilizadas, que não sejam cobertas por contratos bilaterais registrados, considerando-se os montantes cobertos pelo Mecanis-mo de Realocação de Energia. Os fluxos não contratados nas interligações internacionais também serão contabilizados com base no preço do Mercado de Curto Prazo.

O Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), o qual não só definirá pre-ços como também quantidades.(OLIVEIRA, 1998) Ou seja, ele vai alocar, entre os diversos geradores que compõem o parque hidrotérmico, quantida-des e preço. Então, quem comprar as centrais elétricas do sistema atual, terá as quantidades que poderá vender de energia e os preços serão fixados por um modelo computacional de otimização. Haverá uma energia secundária que será rateada e aparentemente vendida. Provavelmente serão estas quantidades que poderão definir de maneira geral o preço no mercado spot, porque vai ser a única a ser operada com certa liberdade.

Todas as negociações de energia, seja pelo mercado spot, ou através de contratos bilaterais, serão registradas pelo MAE e oferecidas garantias para cobrir custos de compras não-contratadas, além da necessidade das dis-tribuidoras e varejistas contratarem 90% de suas vendas no varejo com cin-co anos de antecedência.

A determinação do preço no Mercado Atacadista de Energia, possui componentes estranhos a determinação de um preço spot, por isso este traba-lho defende a idéia que ele não será determinado no Mercado e sim por um modelo computacional. Além da lei ser clara que será determinado pelo A-gente de Contabilização e Liquidação com base no Custo Marginal de Ope-ração, é que dentro desse preço estará embutido conceitos como “tarifa mar-ginal de curto prazo” e “custo de deficit”, que são mecanismos utilizados pa-ra substituir o mercado e não são utilizados quando o mercado esta em fun-cionamento. Esse mercado parece que não vai funcionar como em uma bolsa de valores ou de mercadoria, que os preços são conhecidos por todos e os agentes negociam no momento, e sim, depois de conhecidos todos os valores possíveis de venda e conhecido o total de possíveis compradores, será deter-minado um valor que determinará o preço para aquela hora, caso o preço for dado de hora em hora. Esse preço pode ser determinado por dia, por semana ou por hora, mas será um preço relativo ao custo marginal de operação, daquele período determinado.

O planejamento passa a ser indicativo e disponível a todos os agentes do se-tor. Nos projetos de hidroelétricas serão feitos estudos de viabilidade e im-pacto ambiental, sob coordenação da ANEEL, e disponibilizados no proces-so de licitação.

As atividades do Operador Nacional do Sistema deverão ser neutras e transparentes aos agentes do mercado. Dentre estas atividades encontra-se: o planejamento da operação do mercado (5anos), o programa e despacho de geração; a cobrança de uma tarifa de transporte e serviços ancilares, que en-globam todos os recursos e ações de controle necessários para garantir a transmissão de energia elétrica, do produtor ao consumidor, atenden-do a padrões pré-estabelecidos de qualidade e de confiabilidade; planejamento dos investimentos de transmissão e execução das liquidações das operações financeiras em nome do MAE.

A propriedade do sistema de transmissão é das empresas de transmissão (Trancos), que farão contratos com o ONS para utilização de seus ativos. A manutenção da transmissão é feita pelas Trancos. Além das Trancos (Empre-sas de Transmissão), Gencos (Empresas de Geração) e Discos (Distribuido-ras), foi instituído um novo agente, que seria uma espécie de corretor in-dependente, comercializador, que aglutinaria os pequenos consumidores pa-ra agir em nome deles no MAE.

O novo modelo do setor elétrico prevê a figura do Agente Comercializador, que necessita de um mercado igual ou superior a 300 GWh/ano, para ad-quirir autorização e participar do MAE. Esse agente pode ser importante para os co-geradores e pequenos produtores independentes ou autoprodutores, na medida em que se encarregaria de procurar o mercado, uma tarefa que pode ter um custo alto para o co-gerador ou para o pequeno produtor. É de espe-rar, ainda, que o comercializador tenha uma atuação mais abrangente, por exemplo, desenvolvendo uma tarefa semelhante na área de gás e, eventual-mente, procurando escoar outras formas de energia como o vapor e/ou o frio.

O dilema do agente de comercialização se inicia com o contrato de compra e venda do produto, porque ele tem de se posicionar de uma forma que estes dois contratos andem juntos, uma vez que a tecnologia de armazenamento de grandes blocos de energia ainda não é economicamente viável.