EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MOEDA


Yolanda Vieira de Abreu
Sanay Bertelle Coelho

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A MOEDA NA REPÚBLICA - 1889

Em novembro de 1889 foi proclamada a República. A mesma herdou os progressos econômicos que foram realizados desde a Independência nos setores de produção, transportes e serviços públicos. A primeira década deste regime foi difícil para a política econômica. Essas dificuldades têm suas causas relacionadas, principalmente, à súbita disseminação do trabalho assalariado no campo e ao reordenamento da introdução do país na economia internacional. A primeira causa está relacionada ao fim da escravatura e à entrada de imigrantes no país. A segunda ao florescimento das relações financeiras com o exterior.

A partir de meados da década de 1880, segundo Franco (1983), começa a aumentar uma discussão acerca da reforma monetária. Esse interesse público por uma reforma monetária estava ligado às novas condições, que impunham novas exigências ao sistema monetário. A necessidade de recomposição se articulava em torno de três eixos principais: a difusão do trabalho assalariado e a realocação de recursos provocada pela maciça entrada de imigrantes e posteriormente pela abolição; a notável expansão no nível de atividade, e a sucessão de anos excepcionalmente favoráveis para o balanço de pagamentos começados em 1886. Esses três fatores iriam criar a necessidade de numerário, para o qual o sistema monetário não estava aparelhado. O aumento do setor assalariado teria um notável impacto “monetário”, pois o pagamento de salários multiplicaria as necessidades de capital de giro na atividade agrícola, elevando assim o grau de monetização e a demanda por moeda na economia.

Trabalho assalariado e a política monetária

A atividade agrícola, principal atividade econômica do país, sofreria uma significativa realocação de recursos, em conseqüência do aumento da importância do setor assalariado, que se estenderia também para a atividade urbana.

O principal problema para a agricultura nos anos oitenta do século XIX, era a eliminação do trabalho escravo. Este problema se apresentava de modo diversificado nas várias regiões do país, pois existiam diferenças significativas entre as principais atividades econômicas regionais. Por exemplo, nas regiões cafeeiras havia diferenças entre as áreas produtoras. Essas diferenças podem ser avaliadas, segundo Franco (1983), pelas alterações na distribuição geográfica das exportações nas últimas décadas do século XIX mostradas no quadro 1.

O Quadro 1 revela não só a grande expansão da cafeicultura paulista a partir da Proclamação da República e da Libertação dos escravos. No entanto, revela a estagnação da produção do Vale da Paraíba em função da transição do trabalho escravo para o trabalho livre que nessas duas regiões tinham concepções bem diferenciadas em relação ao trabalho assalariado. Esse caráter diverso se devia às possibilidades econômicas de cada região em suplantar os problemas de mão-de-obra criados pelo aumento do trabalho livre. O desaparecimento do trabalho servil gerava muitas apreensões, não apenas quanto ao problema da existência da mão-de-obra, mas principalmente quanto às dificuldades que surgiriam com a introdução de pagamentos de salários na forma de moedas.

Quanto ao problema da existência da mão-de-obra, a introdução em larga escala do imigrante, parece tê-lo superado, sendo que a maior parte destes tiveram como destino as regiões cafeeiras de São Paulo.

De acordo com Hugon (1995), o trabalho assalariado gerou a necessidade de capital de giro em forma monetária para as fazendas. Diversos sistemas de remuneração foram experimentados e a maior parte baseava-se em dois tipos de remuneração: uma em relação ao plantio e ao cuidado com o cafezal e outra em relação à colheita. O grosso das remunerações em forma monetária concentrava-se na época da colheita.

Assim, em relação ao gasto monetário com o pagamento de salários, as necessidades de capital de giro das fazendas de café eram sazonais. De acordo com Franco (1983), se tornavam mais marcadamente sazonais, quanto maiores fossem os encargos monetários com o pagamento de salários e também quanto maior fosse a safra. Entretanto, os gastos monetários não eram apenas ao pagamento de salários. Durante a safra, surgia uma série de outras despesas de beneficiamento e comercialização e trabalhadores adicionais, pagos em dinheiro, o que reforçava ainda mais o caráter sazonal das necessidades de numerário da fazenda.

Era na época da colheita que os fazendeiros mais precisavam de adiantamentos e empréstimos para mover a safra. Assim, na época da safra existia sempre uma maior pressão de demanda por crédito sobre o sistema bancário.

Essas pressões sazonais resultavam em dificuldades de liquidez na Praça do Rio desde os anos de 1860. Como as colheitas exigiam remessas periódicas de dinheiro, o Rio, capital econômica e política, sempre sofria a drenagem do seu numerário para as praças da região da colheita. Com isso, sofria as seguintes conseqüências: elevação da taxa de desconto, juros altos, dificuldade de realizar negócios pela falta de numerário e falta de moeda.

No início dos anos oitenta, esses problemas podiam se tornar muito mais forte. Era preciso tomar medidas destinadas a prover acomodação para essa elevação da procura de moeda. Mas, essas medidas encontraram muitos obstáculos. Um deles era o incipiente desenvolvimento do sistema bancário. O mesmo era bastante concentrado na Capital onde se localizava a maioria de seus depósitos. O uso de cheques era raro, os indivíduos preferiam reter grandes quantias de moeda em vez de depositá-las.

Assim, podemos ter uma idéia quanto ao impacto da disseminação do trabalho assalariado no campo sobre o sistema monetário. A necessidade de mais numerário no campo se tornaria clara nas safras seguintes a 1888. A política monetária nos anos oitenta foi, segundo Franco (1983), traumatizada pela miragem da conversibilidade, aumento da dívida externa e escassez de meios de pagamentos. Nestes anos houve um período de estagnação, de expansão e também profundas transformações na segunda metade da década.

No final do império, os meios de pagamentos incluíam várias espécies de moeda. Circulavam notas inconversíveis do Tesouro e de vários bancos, moedas metálicas nacionais e estrangeiras e depósitos bancários.

Hugon (1972) relata que nestes anos não existiam medidas precisas para a oferta de meios de pagamentos. A economia vivia sob um contínuo viés deflacionista. Essa intenção deflacionista da política monetária nos anos oitenta se devia a aversão das autoridades em recorrer à emissão de moeda para financiar os déficits do Tesouro. Apesar da presença de déficits em quase todos os anos de 1880 a 1888, a emissão da moeda para financiá-los foi praticamente inexistente.

A política monetária foi conduzida de acordo com a meta da conversibilidade. Mas o estabelecimento da circulação metálica foi dificultado pela escassez de reservas metálicas no país. Como o Brasil não dispunha de metal suficiente para exportar com a finalidade de preservar a paridade em situações adversas do balanço de pagamentos, a taxa de câmbio caía abaixo do par e a conversibilidade era imediatamente suspensa. Assim, a adesão do país ao padrão ouro sempre esbarrava na barreira de um balanço de pagamentos sempre deficitário e na relutância do governo em seguir um plano deflacionista até as últimas conseqüências.

A lei de 17 de janeiro de 1890

De acordo com Pelaez (1976), em fins de 1889, o mecanismo de estabilização cambial, criado para permitir a circulação de bilhetes conversíveis, entrou em colapso com a queda da taxa de câmbio que provocou uma corrida contra o Banco Nacional, ocorrendo uma retração da liquidez e da confiança, que acabou com uma grave crise comercial. Essa situação se tornava bastante ameaçadora para a República. Para o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, a solução seria uma reforma urgente e inadiável nas instituições monetárias.

A gestão dessas finanças foi confiada a Rui Barbosa. Sua tarefa não era fácil. Era preciso uma ação rápida sobre a situação monetária, tomando as decisões mais urgentes, com o cuidado de não se opor brutalmente às exigências de autonomia dos Estados, que tinham vontade de dispor do próprio poder de emitir.

A principal medida de política econômica feita por Rui Barbosa foi a lei de 17 de janeiro de 1890, que introduziu diversas novidades na constituição monetária do país. Segundo Hugon (1972), a lei estabelecia emissões bancárias que eram feitas sobre lastro constituído por títulos da dívida pública, onde o ministro buscou inspiração na organização monetária norte-americana. O Brasil foi dividido em três regiões financeiras – Norte, Centro e Sul. Em cada região funcionava um banco de emissão que era, ao mesmo tempo, um banco comercial. Criou-se também um quarto banco em São Paulo a pedido de Campos Salles.

Rui Barbosa indicou sua preferência pela unidade de emissão confiada a um Banco Central e, a partir do segundo semestre de 1890, lançou as bases desse Banco, autorizando a fusão dos principais bancos de emissão.

A reforma de Rui Barbosa era bem diferente da lei de 1888. Nesta, aplicavam-se mecanismos deflacionistas, através do resgate do papel-moeda do Tesouro com a finalidade de preparar o terreno para a circulação metálica conversível. Já na nova lei de Rui Barbosa não existia qualquer medida deflacionista.

Na nova lei notava-se muita diferença em relação às leis anteriores. Estas diferenças estavam ligadas à questão da inconversibilidade, à liberdade bancária e modificações na formação do lastro da emissão.

Rui Barbosa tentou demonstrar que o país tinha uma grande necessidade de moedas. Para ele, um país praticamente agrícola necessitava de mais numerário do que um país industrial.

De acordo com Hugon (1995), outra argumentação do Ministro era de que o Brasil tinha uma elevada propensão ao entesouramento, e por isso, para circular um valor igual de transações, era necessário uma quantidade maior de base monetária. Argumentava também para demonstrar a escassez do meio circulante, que a libertação dos escravos, o crescimento da imigração, e o crescimento do capital das companhias do Rio de Janeiro (boom), exigiam uma grande expansão monetária. Assim, cresciam as determinações da nova lei quanto aos limites quantitativos às emissões.

Segundo Franco (1983), a lei de 17 de janeiro fixava em 450 mil contos o limite às novas emissões. Este valor era mais que o dobro do papel-moeda que circulava na época. Esse limite era definido por região. Como já foi dito, o país foi dividido em três regiões bancárias, cada um com seus limites específicos. Assim, o sistema de Rui Barbosa previa a pluralidade emissora, com três bancos que representavam o monopólio de sua região.

O decreto do Ministro deu origem a diversas opiniões e objeções furiosas, principalmente dos metalistas que defendiam a conversibilidade. Mas nada disso impediu que de início a reforma desse certo.

No final de fevereiro de 1890, entrou em funcionamento o Banco dos Estados Unidos do Brasil (BEUB), que estabelecia o sistema criado pelo decreto de 17 de janeiro.

Em função de diversas crises, o Ministro da Fazenda, no início de março, teria de modificar seu plano original. Essas mudanças cairiam principalmente nos meio industrial e financeiro.

No meio industrial eram questionados os privilégios e vantagens concedidas aos bancos emissores que os favoreciam concorrer em vantagens com industriais e empresários.

Segundo Castro (1979), no meio financeiro muitos se viam prejudicados com o novo sistema, pois diversos bancos haviam acumulado espécieis metálicas e obtiveram concessões para realizar emissões sobre base metálica. Essa reclamação baseava-se no fato de que os banqueiros realizaram grande importação de ouro no segundo semestre de 1889, e que a capacidade desses bancos em fabricar depósitos havia exaurido em imobilizações desse ouro. Então, a concessão de emissões sobre base metálica em regime de inconversibilidade, a principal medida da nova lei, impedia os limites à expansão do crédito bancário, e levaram os banqueiros a pressionar o Ministro da Fazenda nesse sentido.

Por grande pressão, o ministro Rui Barbosa aceitou uma modificação do decreto de 17 de janeiro. A nova versão permitia ao Banco Nacional e ao Banco do Brasil emitir até o duplo de 25 mil contos em bilhetes depositados em moeda metálica no Tesouro. Como no decreto de 17 de Janeiro, os bilhetes só seriam conversíveis se o câmbio atingisse a paridade. Segundo Franco (1983), o Ministro explicava as novas emissões pela necessidade imediata e inevitável de ampliar o meio circulante quando as tensões do mercado monetário o exigissem.

Portanto, o decreto de março tinha importantes mudanças. O mesmo removia as dificuldades para o crescimento em larga escala do crédito. A emissão inconversível sobre base metálica favorecia o aumento das reservas metálicas do país, o que permitia ao país exercer influências no mercado de câmbio, pois o ouro dos bancos poderia ser utilizado para fins de política cambial.

Segundo Hugon (1972), em novembro de 1890, uma crise financeira gerada pela liquidação da casa de Baring em Londres, que, além de serem importantes banqueiros, também eram correspondentes do Banco do Brasil, gerou importantes consequências para o Brasil. Essas consequências se tornaram mais sérias em 1891 e nos anos que se seguiram. O capital inglês que se movimentava para o Brasil foi afetado, vindo a acabar em uma crise cambial em 1891. A importante desvalorização cambial dessa crise foi associada ao crescimento excessivo das emissões, o que resultou em culpar as reformas monetárias pela desvalorização cambial.

Ao final de 1890, o sistema de Rui Barbosa se mostrava totalmente desfigurado. De Acordo com Pelaez (1976), circulavam no país várias espécies de bilhetes. Havia o papel-moeda do Tesouro, os bilhetes conversíveis do Banco Nacional, as velhas notas do Banco do Brasil de 1864, os bilhetes lastreados em apólices e os bilhetes inconversíveis com base metálica e também as moedas de ouro, prata e níquel, nacionais e estrangeiras. Mais uma vez, a opção de política monetária do governo se esgotava, surgindo então, uma nova oportunidade para a reorganização do sistema bancário.


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