O FUNDO CONSTITUCIONAL DO NORTE-FNO NO ESTADO DO ACRE: RECURSOS DO POVO, POLÍTICA DE ESTADO, BENEFÍCIOS DA ELITE

O FUNDO CONSTITUCIONAL DO NORTE-FNO NO ESTADO DO ACRE: RECURSOS DO POVO, POL?TICA DE ESTADO, BENEF?CIOS DA ELITE

Régis Alfeu Paiva

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2.1.5 DISCUSSÃO DOS DADOS - GRANDE PROPRIEDADE

Um dos fatores que pode ter dificultado a contratação de financiamentos FNO pode ter sido a dificuldade de deslocamento por pessoas residentes em áreas isoladas. Contudo, a falta de acesso aos microdados (contratos) impede uma análise mais profunda. Verificou-se, no entanto, que as liberações se concentraram na área servida por malha rodoviária (mesorregião do Vale do Acre). Cabe salientar ser nessa mesma região onde se concentra a maior parte dos projetos de assentamento, que bem ou mal são servidos por ramais.

Todavia, é preciso ressaltar que os recursos para a pequena propriedade familiar não são analisados neste tópico, embora possa haver assentados beneficiários de outras linhas que não as ligadas à propriedade familiar43. Além disso, tem sido um fato a remembração de áreas destinadas a assentamentos rurais, pois as mesmas apresentam melhores condições de infra-estrutura.

Para os municípios sem ligação rodoviária ou distantes, uma forma de reduzir os efeitos do isolamento poderia ser uma ação tipo .agência itinerante., escritório avançado ou até mesmo uma representação local apoiada por servidores municipais ou estaduais para centralização de recebimentos de propostas, adequação aos parâmetros bancários, encaminhamento, ajustes, assinatura dos contratos e fiscalização.

No tocante a distribuição total dos recursos para o setor rural, inclusive PRONAFs e Profloresta, percebe-se que a região atendida pelas duas agências da capital concentrou 69,7% dos recursos (12 p.p acima de sua participação populacional), seguida de Sena Madureira (2,3 p.p acima), como pode ser visto na Tabela nº 06.

Brasiléia recebeu praticamente o mesmo que a população (influência dos PRONAFs), tendo os outros municípios recebido recursos inferiores a seu índice
populacional. A cidade de Sena Madureira e as regiões atendidas pelas agências da capital e de Brasiléia possuem os maiores IDHs do Estado, revelando concentração nos investimentos.

Historicamente, a agricultura sempre teve papel de destaque no desenvolvimento da economia brasileira, sendo o setor agropecuário fundamental no processo de desenvolvimento regional, seja na segurança alimentar, empregos, renda e divisas. (GOMES et al. 2005).

Contudo, o baixo retorno do setor agropecuário acreano é sentido com o resultado da insegurança alimentar levantado pelo IBGE (vide Tabela nº 01). No caso da agricultura acreana, não foi implantado o modelo americano (máquinas e tecnologias por conta da falta de mão-de-obra, conforme. GOMES et al. (2005) nem o modelo japonês (técnicas biológicas e químicas).

Mesmo assim, o Estado viu sua população rural migrar para as cidades, possuindo atualmente 68,4% de urbanização e sem que isso tenha se traduzido em ganhos de produçãoprodutividade para ao setor agropecuário ou que esse movimento seja resultado de um processo de industrialização ou desenvolvimento urbano. Pelo contrário, os dados revelam que o Estado apresenta a maioria dos produtos agrícolas praticamente estagnados no mesmo patamar do começo dos anos 90 (vide item 2.4 -Análise das Culturas Anuais).

Se o estágio de agricultura moderna se atinge com um percentual de mão-de-obra rural de até 15% (ALVES, 1999, apud GOMES et al. 2005), em termos de Acre isso ainda não foi atingido.

Não obstante, o Estado já pode ser considerado urbano com seus 31,6% de população na área rural. O resultado desse processo de migração interna em busca de sustento após a falência dos seringais e até mesmo do modelo agrícola (pós-1990) é visto no gigantesco cinturão de miséria que cerca todas as cidades do Estado, notadamente a capital.

A prova da falência do setor rural pode ser constatada com o elevado percentual de insegurança alimentar no estado, com 74,7% de insegurança total, dos quais 28,5% de pessoas que não sabem o que vão ingerir na próxima refeição. Um paradoxo é verificado: existe mais insegurança alimentar no setor rural que no urbano (vide Tabela nº 01).

Em termos do presente trabalho, verificou-se ter o setor rural, como um todo, recebido ao longo do período estudado R$ 318 milhões, sendo a linha PRONAF responsável por menos da metade (45%) do total de financiado (Gráfico nº 02). A linha Proderur foi responsável por mais de um terço (37%) do volume total, com o programa Agropec respondido por cerca de 17%. A linha Profloresta teve pífios 0,5%, ou seja, muito pouco para um Estado que nos últimos três governos, a partir de 1999, tem em seu slogan a identificação com a floresta e apresenta discurso ecológico44.

Se forem somados os valores do Proderur e Agropec (a média pós-1995 é R$ 198,61 mil e R$ 226,48 mil por contrato, respectivamente), ambos destinados às maiores propriedades, verifica-se ter havido uma concentração de 53,7% na grande propriedade. Pura centralização de renda e riqueza.

Vale ressaltar que no período mais recente, atendido pelo Agropec entre 2005 e 2006, os investimentos concentradores de renda foram 14% maiores, agravados ainda pelo aumento no volume por contrato. Esse crescimento na quantidade média liberada também se dá em pleno governo da floresta (1999-2006) e na gestão do banco no período 2003-2006.

Para a propriedade familiar, ficou apenas uma média de R$ 10,4 mil por contrato. Ou seja, para cada contrato médio de grande proprietários (média de R$ 212,5 mil) poder-se-ia atender a 20 produtores familiares, com toda a força que estes representam no corolário nacional, conforme vários autores citados anteriormente45.

Além disso, se for levado em conta que as famílias rurais são mais numerosas que as de classe média urbanas - como as dos maiores proprietários, ter-se-ia no primeiro caso algo como 120 a 160 pessoas por contrato, com apenas cinco no segundo.

Isso permite inferir então a possibilidade de atender a um público de 16.538 famílias (99.231 pessoas em famílias médias de seis pessoas) com o volume de recursos investido na grande propriedade. Porém constata-se que o alcance real dessas linhas não deve ter ultrapassado a casa das cinco mil pessoas (média de cinco pessoas por unidade familiar em 962 contratos).

Quando os dados são analisados levando em consideração a divisão clássica, Vales do Acre e Juruá, verifica-se que esta região é preterida em favor daquela. Em termos de Proderur, denota-se uma concentração absurda de 90,8% para Vale do Acre (população de 71 % do total do Estado), com os valores praticamente se repetindo com o programa Agropec.

Estas duas linhas são as responsáveis pelos recursos para as áreas maiores. No geral, o Vale do Acre ficou com 83% dos recursos para o setor agrário e o Juruá com apenas 17% (população de 29%), como apresentado na Tabela nº 07.

O resultado dessa concentração de recursos pode ter a ver com a Imagem nº 02, onde se constata o tamanho da devastação na região Leste e pouca agressão na região Oeste. Nesta, é visível o tamanho da agressão sobre a floresta, principalmente no entorno de Rio Branco, com reflexos ainda no eixo das rodovias BR 364 (Sentido Leste –Oeste) e BR 317 (sentido Norte –Sul).

É possível afirmar que quanto maior a infra-estrutura e o aporte de recursos, maior poderá ser a devastação. Além disso, deduz-se que as inversões financeiras a partir do FNO podem não estar contribuindo com o desenvolvimento, mas sim no sentido de concentrar renda nas regiões mais bem localizadas e melhor servidas por infra-estrutura.

No caso de Rio Branco, a situação pode estar ampliando a deseconomia de aglomeração ali existente. Com isso, é possível deduzir que o FNO não atingiu seus objetivos no sentido de fomentar o desenvolvimento regional em seu conceito mais amplo, mas agiu na lógica do sistema financeiro bancário e atendeu principalmente aos que oferecem maiores garantias e na lógica do capital.

Na distribuição dos recursos para o setor rural46, a capital ficou com 69% dos recursos, mas em número de contratos foram apenas 46%, indicando uma maior liberação de recursos por contratos. Além da capital, o descompasso só não é notado no município de Sena Madureira (10,7% dos recursos para uma população de 6,9%).

Imagem de satélite com os desmatamentos (em amarelo) no oeste brasileiro47 Brasiléia ficou com valores próximos de sua importância populacional, mas ainda aquém do equivalente deste em recursos. As outras, principalmente as da região do Juruá, foram seriamente penalizadas. Em termos gerais, a região Oeste ficou com 86% (71% da população estadual) e a região Leste com 14% (população de 29% do total do Estado).

Os dados revelam falta de critérios do banco e possivelmente do governo, onde os investimentos agrupados agem de forma contrária ao desenvolvimento. Além disso, os elevados volumes reunidos em poucos contratos concentram a renda e contribuem para manter o Acre com um dos piores índices de Gini do país48 (vide Imagem nº 01).

Além do mais, os recursos investidos na grande propriedade atendem aos interesses do mercado, seja local ou externo, reduzindo a produção de culturas alimentares. Isso, por sua vez, se traduz na elevada insegurança alimentar no Estado.