ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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4.4 – RENDAS

A categoria económica “renda” exprime de forma muito clara e directa o tipo de relações económicas existentes entre as duas classes principais que se confrontavam: as classes senhoriais dum lado e as restantes camadas da população do outro. Apareceram inúmeras modalidades e variedades de renda que têm de ser consideradas no espaço e no evoluir do tempo. É um fenómeno que se manifesta com a máxima intensidade na agricultura, mas que surge também noutros sectores de actividade. A renda existia, embora em condições e graus variáveis, em quase todas as esferas da produção, tais como: pesca, salicultura, extracção mineira, terrenos aplicados a construções duradouras, artesanato, comércio e transportes.

A renda assenta no privilégio exercido pela aristocracia sobre os principais meios de produção da época e resulta naturalmente da categoria “bens dominiais”. Nas diversas formas de renda surgem as posições económicas das entidades senhoriais que embolsavam parte do excedente do produto social e as posições adversas do conjunto dos indivíduos que, realizando as actividades produtivas, lhes tinham de entregar valores representados por tempo de trabalho gratuito prestado directamente, valores representados pelos próprios artigos produzidos ou pelo seu equivalente monetário, ou formas mistas combinadas, em que participam as duas modalidades. A tendência da evolução histórica foi no sentido de diminuir a margem das primeiras em favor das segundas. A transição de rendas regularizadas em tempo de trabalho gratuito para rendas em géneros é originada, antes de mais nada, pelas possibilidades tecnológicas quando estas atingem um determinado nível e propiciam consequentemente a diminuição quantitativa de corveias.

Com o sistema de renda em espécie o camponês emprega o seu trabalho ao seu livre arbítrio, era mais independente o que criava um certa estímulo para o incremento da produtividade do trabalho. Os rendeiros eram forçados a pagar como renda pelo seu uso uma porção nada insignificante das suas colheitas e um certo número de animais do seu rebanho. O senhorio explorador apodera-se do produto que outro realizou e de que necessita para seu próprio consumo. Para guardar as rendas em espécie, os senhores dispunham de celeiros e palheiros. Na prestação pessoal, o camponês trabalha com os seus próprios meios (arado, animais de trabalho, etc.) na fazenda do senhor alguns dias por semana e o resto dedica ao cultivo nas suas parcelas.

Para as classes submetidas ao poder senhorial as rendas eram predefinidas com base numa quantidade determinada de certos produtos ou assumiam o carácter duma percentagem da produção bruta. As primeiras tinham um efeito que resultava no aumento da produtividade do trabalho, o mesmo não acontecendo com as rendas sob a forma percentual. Uma outra modalidade de renda, aplicada no meio rural, consistia numa prestação proporcional à actividade produtiva do agricultor independente do produto obtido, baseada na extensão das culturas praticadas e na quantidade de gado de trabalho.

Quando, em virtude do auge da produção, as relações mercantis adquirem maior difusão, verifica-se uma transição paulatina para a renda em dinheiro. Para assim proceder tem de colocar os seus produtos à venda no mercado, transformando-os em mercadorias. Nesta modalidade desaparecem as relações pessoais que constituíam a própria essência dos atributos específicos do domínio senhorial para as substituir por relações monetárias, materiais e impessoais. A produção agrícola começa a dar lugar a uma produção para venda.

A transformação da renda em espécie por renda monetária cria uma margem maior de iniciativa para o produtor, aumenta-lhe a liberdade de produzir e incrementar o volume de produção e de adquirir um interesse adicional pelo acréscimo da produtividade. Esta transformação leva à alteração das relações senhoriais quando os camponeses se tornam donos das suas terras e se desenvolve o modo de produção baseado na pequena propriedade.

Esta mudança está intimamente ligada ao desenvolvimento do comércio, da indústria urbana e da produção mercantil em geral, por conseguinte, à circulação monetária. É no comércio que os encargos pagos pelos mercadores assumem a forma prática quase exclusiva de prestações monetárias.

Por outro lado, com a transformação das relações senhoriais em relações de natureza já capitalista, surgem dois grupos: um, composto pelas formas que emergiam das relações directas no âmbito da produção; outro, composto pelas formas que emergem do processo de circulação comercial das mercadorias.

O desdobramento e acumulação de várias modalidades de renda são consequência, por um lado, das origens particulares de algumas delas e, por outro, do alargamento das rendas sobre os pretextos mais capciosos ou a sua aplicação com diferentes nomes para as justificar. O sistema de fixação de rendas constituía um meio prático, nas mãos das classes privilegiadas, de colher mais benefícios.

Uma das características da renda consiste na inevitável existência de limites dentro dos quais o seu quantitativo tinha de oscilar entre um máximo que não podia ser excedido e um mínimo abaixo do qual não era possível descer. O quantitativo global da renda arrecadada pela classe senhorial girava em torno destes limites, que não eram arbitrários. Existia obviamente uma larga margem. As rendas dependiam também do resultado final dos conflitos que opunha o poder da classe senhorial à capacidade de resistência dos produtores.

A existência dum limite máximo da renda resultava de várias causas: uma delas, consistia na necessidade de assegurar a sobrevivência biológica do produtor e a sua reprodução e na exigência, imprescindível à sobrevivência do agregado, de preservar as forças naturais, como a fertilidade do solo ou a criação de gado. Outra causa, consistia na circunstância de estar entregue ao produtor directo o esforço tendente a manter e reintegrar os bens e os objectos de trabalho consumidos na actividade produtiva, tais como: arados, foices, bigornas, martelos, embarcações, etc. A prática de ultrapassar esta barreira reflectia-se no abandono das terras e na fuga dos produtores, facto que podia corroer e corroeu a estrutura económico-social estabelecida, tanto mais que a formação de concelhos constituía um apoio dos produtores quando não podiam suportar os encargos para além de certos limites. Circunstâncias locais, como a existência de zonas de menor concentração demográfica ou a concorrência entre os possuidores de domínios, obrigavam a aligeirar os encargos para assegurar a produção.

O limite mínimo de renda não se revestia de tanta rigidez. Derivava fundamentalmente da própria exigência da classe senhorial para manter o seu poder económico e social, da necessidade dispor de pessoal e meios materiais de compulsão para assegurar o seu domínio. Este limite mínimo não podia descer sem fazer ruir toda a estrutura sócio-económica e com ela a classe senhorial, tanto mais que era inevitável o acréscimo das suas necessidades face ao desenvolvimento da burguesia, o que obrigava a aristocracia a pugnar por rendimentos que os defendessem e lhes permitissem opor-se à nova classe que os enfrentava.

Na sociedade feudal, a necessidade das classes dominantes em obterem uma renda crescente exigia uma pressão maior em relação aos produtores. Registou-se assim uma tendência para multiplicar o número de vassalos, segundo um processo conhecido por subenfeudação, com o fim de fortalecer o poderio militar dos senhores maiorais. Os efeitos da guerra e do banditismo aumentavam as despesas das casas feudais e da coroa, ao mesmo tempo que espalhavam o desperdício e a devastação do país. O crescimento do comércio com a atracção dos artigos exóticos que ele tornava disponíveis reforçava a tendência para intensificar a pressão sobre o campesinato, marcado por um aumento de obrigação de trabalho nas maiores propriedades, especialmente nas terras do clero.

A renda surgiu e realizou-se antes e independentemente da existência duma economia de mercado. O valor da renda é, entretanto, também influenciado por outros factores, como sejam a fertilidade natural dos solos, a situação privilegiada em relação aos mercados de venda dos produtos agrícolas ou o efeito dos investimentos adicionais realizados pelos arrendatários. Os proprietários da terra também recebiam rendas pela cedência de terrenos utilizados pela indústria extractiva ou na construção de edifícios.