ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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4.5 – IMPOSTOS

O imposto é a tributação imposta pelo Estado, pela aristocracia senhorial ou eclesiástica, pelas municipalidades, sobre todas as actividades económicas, ligadas à esfera da produção, da distribuição e da troca, e incide sobre tudo que tem valor e se exprime em termos monetários. O imposto distingue-se das anteriores formas de tributação que se apoiavam explicitamente em relações de domínio entre os povos ou estratos sociais e que conduziam a incessantes redistribuições de poder.

O imposto implica a atribuição dum valor às mercadorias e o sistema de preços que o acompanha, bem como as formas de retribuição ligadas à generalização das trocas comerciais e à monetarização dos processos económicos. Pressupõe a existência de produtos detentores dum valor, a transformação dos bens em mercadorias e dos produtores directos em trabalhadores assalariados. Impor uma taxa a um produto só faz sentido se os processos de produção e de circulação se diferenciam e se existe um mecanismo de preços. O imposto cria uma necessidade de moeda e força os agentes económicos a preferir a liquidez.

As prestações que oneravam as transacções comerciais incluíam as portagens, os impostos cobrados nos mercados, os arrecadados nos entrepostos do litoral, nos portos onde embarcavam e desembarcavam as mercadorias. Estes e outros encargos constituíam um evidente entrave ao desenvolvimento comercial. A portagem era um imposto terrestre de trânsito incidido sobre as mercadorias entradas nos concelhos para aí serem vendidas ou sobre as que se deslocassem dum sítio para outro através de organizações locais. Este imposto recaía também sobre o trânsito de escravos. O rendimento das alfândegas onde se cobravam dízimas atingia uma magnitude considerável. Alguns impostos eram cobrados sob a forma duma quantia fixa, modalidade que se aplicava aos artífices, mercadores, etc. As transacções realizadas nos mercados regulares estavam sujeitas a taxas cujo produto constituía rendimento do Estado, da nobreza, das instituições religiosas ou dos concelhos. As coimas, provenientes de infracções de natureza económica, constituíam uma importante receita senhorial ou concelhia. As multas criminais constituíam uma receita dos soberanos, obtidas das populações sob os seus domínios. O seu quantitativo dependia de muitos factores e, por via de regra, as suas modalidades e montantes estavam regulamentados. Existiam ainda outras contribuições que não apresentavam um carácter permanente, sendo lançadas extraordinariamente para ocorrer a encargos ou necessidades ocasionais ou cobrir as despesas com os delegados da administração régia.

Os impostos serviram também como meio de beneficiar as classes dominantes aumentando o fardo dos menos capazes de os suportar. Muitas grandes propriedades eram isentas de impostos. Algumas contribuições incidiam na prática sobre as camadas mais pobres da população, pois delas eram com frequência dispensados os chefes militares, os religiosos e parte da nobreza. A organização e a extensão do fisco constituíram um instrumento privilegiado da luta contra a economia familiar e a dispersão da produção ou da prática de adopção de normas para controlar ou eliminar a pequena produção independente.

O imposto constituiu a forma privilegiada e mais específica de financiamento do aparelho estatal. Os empréstimos estatais permitiam aos governos ocorrer a despesas extraordinárias mas tinham como consequência o aumento de impostos, como suporte das receitas necessárias para cobrir os pagamentos de juros. É preciso esperar pelo século XV para que a necessidade duma administração central em contínua expansão e as exigências dum exército permanente, independente dos tributos dos vassalos, conduzam a um primeiro esforço de regulamentação dos impostos e da sua fiscalização.

Na Grécia imperial, as mercadorias tinham de passar pelos territórios de vários Estados e pagar direitos de entrada e saída, o que se traduzia em múltiplos obstáculos ao comércio. Os direitos aduaneiros sobre os produtos importados eram muito pesados, bem como as portagens, os direitos de utilização dos canais e o imposto sobre as transacções. A manutenção da força militar e o luxo da vida da corte e da diplomacia acarretavam grandes despesas pelo que os governantes procuravam obter abundantes rendimentos reais através dos impostos. A carga dos impostos e tributos era agravada pela arbitrariedade da aristocracia local.

No Império Romano, as portagens e os direitos aduaneiros provocaram uma subida de preços e dificultaram o comércio a longa distância. Os direitos aduaneiros constituíam a principal fonte em matéria de impostos indirectos. Eram aplicadas ainda uma taxa sobre as vendas públicas e outra para conservação de estradas e estações de muda de cavalos. O produto duma taxa de 5% que incidia sobre as sucessões, e devia ser paga pelos cidadãos romanos, assegurava o serviço das mesadas militares. O imposto colectado às províncias era cobrado pelas municipalidades, onde existiam, e compreendiam duas taxas principais: o imposto sobre a terra fixado sobre a base dum cadastro das explorações agrícolas, tomando em consideração a qualidade do solo e as culturas nele produzidas; o imposto de capitação que se baseava num recenseamento ainda impreciso.

Na Índia, os agricultores livres, que representavam a massa principal dos produtores, eram obrigados ao pagamento de impostos sobre a terra e a impostos por pessoa e por família. Também as comunidades pagavam um imposto comunal baseado nas terras que lhes pertenciam. No interior dos reinos, as taxas eram adiantadas em diversos pontos das estradas e os impostos de barreira deviam ser pagos à entrada das cidades. As portagens, direitos alfandegários e outros, constituíam uma parte considerável do rendimento. As mercadorias de proveniência estrangeira tinham de pagar, além da portagem na fronteira, o direito de trânsito. A extensão do imposto sobre a terra tornou-o um elemento crucial da apropriação dos excedentes. Os beneficiários deste imposto eram o soberano, a nobreza e, em parte, os chefes de aldeia.

Na China, no segundo século a.C., a base do sistema fiscal aplicado na agricultura era o imposto fundiário proporcional à superfície cultivada, geralmente pago em produtos naturais e em géneros. Foram também aplicados “impostos sobre o capital” muito discriminatórios a todos os mercadores, artesãos e industriais, que deviam fazer uma estimativa dos seus bens e declará-los para serem colectados. Este imposto incidia também sobre quem possuísse uma carruagem ou fosse dono dum barco. No século VIII d. C., realizou-se uma reorganização da tributação com os impostos a incidir essencialmente sobre a propriedade. Esta medida radical caracterizou-se pelo reconhecimento da propriedade privada livre. No século XVI, o imposto sobre a terra era pago em conformidade com a quantidade de terra cultivada, o que reduziu os impostos dos camponeses que detinham menos terras, medida que contribuiu para a estabilidade e desenvolvimento da produção agrícola. No século XVIII, eram cobrados impostos adicionais para cobertura dos gastos militares. As numerosas guerras e conflitos colocaram as finanças em situação precária. Apesar disso. o governo concedeu isenção de impostos em grande escala.

No Japão, século XVI, foi estabelecido um sistema base de imposto por avaliação, por meio do qual as terras agrícolas eram medidas “campo por campo” e “parcela por parcela”, sendo feita uma avaliação em conformidade com a classe da terra, que era a base da tributação anual. Esta avaliação, em muitos casos, é fixada em termos de volume de arroz em vez de em termos monetários. Nas aldeias este imposto era calculado com base na estimativa de propriedades em terras do total da aldeia. A responsabilidade pelo pagamento do imposto anual não era do indivíduo mas do conjunto da aldeia.

Na África Ocidental, Gana e Mali, as receitas consistiam em impostos sobre as colheitas e o gado, na requisição de pepitas de ouro, em taxas aduaneiras e despojos de guerra. Nestes países, os recebedores principais de impostos andavam pelos mercados e, consoante as mercadorias expostas, o imposto era satisfeito em géneros (cereais, oleaginosas ou especiarias) ou em animais vivos ou abatidos. O Estado cobrava, nas respectivas fronteiras, direitos sobre as importações e as exportações.

Na América do Sul, na era colonial, foi fixado o valor dos impostos que os indígenas deveriam pagar e definiram-se os modos e prazos de pagamento. No século XVIII foram introduzidas reformas tributárias que tornaram o peso dos impostos excessivo, agravado pelas prepotências dos funcionários administrativos locais. O aumento da tributação múltipla afectou a população e motivou contínuas revoltas.