ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.7 – FERRO

As jazidas de ferro natural estavam muito espalhadas à superfície da terra e muitas eram possivelmente de origem meteórica. A partir da metade do II milénio a. C., o ferro deixou de ser uma raridade mas, só a partir do século VII a. C., começou a ser usado em larga escala em numerosas regiões. À medida que os poços se tornavam mais profundos, colocaram-se problemas novos e complexos, sobretudo com o transporte subterrâneo do minério.

As primeiras tentativas de fundir o ferro eram semelhantes às utilizadas na fusão do cobre e do bronze. Porém, a fusão do ferro necessitava duma intensidade de calor muito superior à capacidade dos fornos primitivos pelo que tardou a aparecer a técnica de trabalhar este metal. Além disso, o minério tinha de ser trabalhado no forno juntamente com o carvão. Este forno era então apenas um buraco no solo.

Esta técnica exigia grandes quantidades de minério e de carvão e, mesmo assim, o metal obtido por este método era menos resistente que o bronze. As reacções químicas com o carvão possibilitavam alcançar a temperatura do ponto de fusão do ferro puro, mas para isso eram necessárias oito toneladas de carvão para trabalhar uma tonelada de minério. Algumas dificuldades entravavam a indústria metalúrgica; uma das mais embaraçosas era a falta de combustível. O aparecimento do carvão mineral e do coque contribuiu para ultrapassar este inconveniente.

O acto de temperar o ferro, por meio de um arrefecimento rápido em água ou óleo, tornou possível combinar a dureza e a força, o que deu ao ferro uma superioridade pois este processo não existia na metalurgia do bronze. O controlo do processo de aquecimento com a ajuda de foles possibilitou a redução do minério a uma massa porosa e pastosa que ao arrefecer tomava a forma de blocos. Estes tinham de ser aquecidos e martelados para obter os lingotes a utilizar no fabrico de objectos.

A carburação do ferro a altas temperaturas, por um aquecimento elevado e repetido, provocou a absorção de certa quantidade de carbono que teve como efeito converte-lo em ferro fundido ou em aço. Este ferro endurecido tornou-se superior ao bronze e deu início à chamada “idade do ferro”.

A produção de objectos de cobre e bronze podiam ser feitos numa só operação, a fusão, e necessitavam de poucos acabamentos. As técnicas utilizadas no tratamento do ferro, como o tempero e a soldagem, levariam algum tempo a serem perfeitamente dominadas. A substituição parcial do bronze é assim gradual e demorada. Durante algum tempo, a metalurgia do ferro e do bronze existia lado a lado. Com o tempo passou a existir uma certa especialização em que os diferentes metais passaram a ser utilizados para objectivos diferentes.

Os primeiros objectos de ferro, tal como aconteceu com os outros metais naturais, foram em ferro martelado. Os primeiros utensílios e armas copiaram as formas dos seus congéneres de bronze. Posteriormente, uma primeira fase da metalurgia do ferro incluía o ferro forjado e o ferro fundido; seguiu-se a produção de toda uma gama de artefactos produzidos por artesãos que abrangia ferramentas e instrumentos para a agricultura e ofícios manuais, armas e objectos de uso quotidiano, lâminas de aço de qualidade notável e fáceis de afiar. Mais tarde, graças aos moldes de metal tornou-se possível a produção em quantidade.

A difusão dos instrumentos de ferro desempenhou um papel excepcional no desenvolvimento económico, aumentou a produtividade do trabalho e deu origem a uma revolução profunda nas técnicas agrícolas e no artesanato e na expansão mercantil. À medida que o ferro substituía a madeira e outros materiais para múltiplos usos, cresce a procura do minério de ferro.

Os utensílios de ferro facilitaram o cultivo de solos difíceis, a abertura de poços e o derrube de árvores O uso de lâminas de arado com gume de ferro representou um grande avanço no cultivo de cereais. Com o uso destes meios de trabalho melhorou a qualidade da preparação do solo, aumentou a fertilidade e a produtividade. A utilização do ferro tornou mais fácil trabalhar a pedra dura, abrir caminhos nas montanhas, desviar cursos de água ou escavar canais, construir pontes, aquedutos. As novas ferramentas e o melhoramento das já existentes tiveram um efeito positivo na actividade artesanal e na comercialização dos seus produtos.

A manufactura de objectos acabados podia ser levada a cabo em outros locais para onde os lingotes de ferro fossem transportados. Floresceram centros metalúrgicos em regiões distantes dos locais onde o minério era extraído e produzidos os lingotes. Isto ligava os fundidores aos importadores e estes aos ferreiros que careciam do metal para o laborar.

Os utensílios de ferro aumentaram as possibilidades de caça e de aproveitamento do solo, permitindo explorar mais activamente novas zonas. Terras pesadas e cheias de florestas são mais facilmente aproveitadas; o machado de ferro facilita a acelera o abate de árvores. O ferro deu à sociedade fundamentos técnicos novos e mais firmes, abrindo o caminho à construção de cidades e de civilizações.

As técnicas de produção de ferro variavam conforme os artesãos conseguiam ou não obter altas temperaturas (acima dos 1300 º C.) Com temperaturas inferiores apenas obtêm uma massa esponjosa que não pode ser moldada, mas apenas martelada e forjada. Este técnica era trabalhosa mas permitiu o aparecimento de ferreiros em numerosas aldeias.

Ao longo do século XVI foram feitos grandes progressos no fabrico do ferro e do aço, graças à divulgação do alto-forno e de aparelhos utilizados na redução da espessura das varas de ferro. O alto-forno começou a substituir as antigas oficinas de ferreiro ou forjas. Estes avanços tecnológicos contribuíram para diminuir os custos de produção e aumentar a procura de produtos metálicos. Os antigos fornos subsistiram ainda algum tempo apesar da eficácia incontestável dos novos modelos. Os altos-fornos aumentaram a capacidade de produção, graças ao acréscimo de tamanho e ao aperfeiçoamento dos maçaricos, movidos a força hidráulica. A produção foi, porém, afectada pela escassez de madeira, único combustível então usado. A facilidade de extracção de carvão, quase à flor da terra, explicam o uso na Inglaterra deste combustível, enquanto quase toda a Europa continuava a aplicar o carvão vegetal.

No interior das oficinas metalúrgicas as operações de ferraria conduziram a uma divisão técnica entre os trabalhadores encarregados dos foles das forjas, os que acarretavam o carvão e os artífices que se ocupavam das operações mais delicadas. Estas relações começaram a assumir o carácter de relações entre patrão e assalariados. O estatuto dos artífices metalúrgicos alterou-se passando a gozar de grande prestígio, derivado do elevado grau de especialização, e a ocupar uma posição privilegiada numa sociedade hierarquizada. Existiam também ferreiros ambulantes que viajavam de um lado para outro, manufacturando ornamentos sob encomenda ou vendendo objectos estandardizados.

Quando se exigiam oficinas especiais para a produção de ferro e a moldagem de utensílios, estas tornaram-se, por vezes, monopólio do Estado. Algumas destas oficinas estavam integradas no património dos soberanos ou dos templos, que chegavam a possuir minas de ferro em actividade com instalações anexas para fundição. Em meados do século XVIII, muitas ferrarias deixaram de ser administradas pelos governos e passaram para a mão de homens de negócios, facto revelador duma nova tendência no processo económico.

A importância dos artigos de ferro era tal que eram facilmente aceites como prestações de renda e, mesmo quando a renda se transformou num tributo monetário, o critério de cálculo do quantitativo a pagar baseava-se nesses artigos.

A nova tecnologia exacerbou as desigualdades, aumentou o poder militar e, combinado com a arte de cavalgar, o ferro desempenhou um papel decisivo no processo de formação dos impérios. A necessidade de armas de fogo para equipar frotas e exércitos foi um factor que influenciou a expansão da produção de ferro e a metalurgia em geral. A expansão da tecnologia do ferro ilustra claramente o papel dinâmico dos factores militares nas mudanças ocorridas nas estruturas económicas.