ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

Volver al índice

 

 

 

 

1.1 – SISTEMA COMUNITÁRIO

A essência da economia comunitário radica-se na necessidade objectiva e na capacidade dos grupos humanos assegurarem a sua existência, como membros da comunidade, com base no trabalho conjunto, na posse comum dos meios de produção, na partilha colectiva, recíproca e solidária. Nesta forma de comportamento assentaram as relações sociais da comunidade primitiva: cada qual contribui de acordo com os seus meios e recebe de acordo com as suas necessidades; os indivíduos caçam, pescam ou recolhem o que necessitam para fazer viver todos os membros do grupo, quer trabalhem ou não, quer sejam jovens ou velhos, saudáveis ou doentes; os bosques, os prados e as estepes e, por vezes, parte da terra de lavoura, são propriedade comunal.

Com o início da domesticação e criação de animais e plantas, inventam-se novos instrumentos de trabalho, ampliam-se os meios de obtenção de alimentos, as populações tendem a fixar-se em lugares próprios e a adaptarem o ambiente às suas necessidades. Esta mudança acabou por abalar a partilha comunal e conduzir à sua substituição pela posse individual dos recursos naturais e dos recursos criados pelo próprio homem.

A terra arável, embora permanecendo no domínio comunal, começou a ser atribuída às famílias inseridas na comunidade. Cada camponês tende a explorar por sua própria conta a terra a de que foi encarregado de cultivar, a apropriar-se dos instrumentos de trabalho e dos frutos produzidos. Igualmente, os pastores começam a considerar como seu o gado que criou e conduziu a lugares de pastagem, por vezes bem distantes dos acampamentos. Esta apropriação torna-se incompatível com a partilha igualitária entre todos os membros da comunidade.

O sistema comunitário persistiu por muitos milénios e, em casos raros, conseguiu subsistir mesmo até à actualidade. Numerosas sociedades comunitárias permaneceram, por longos períodos milenários, mesmo após o aparecimento da divisão social do trabalho, da propriedade, da formação de classes sociais e do começo da exploração do homem. Outras foram-se transformando, foram absorvidas por populações já integradas noutros modos de produção, escravizadas ou dizimadas violentamente. Algumas mantêm-se ainda hoje, embora naturalmente influenciadas por outras formações económicas com quem mantêm contacto, designadamente com camponeses de regiões vizinhas. Em muitos países actuais em vias de desenvolvimento, os vínculos comunais desempenham ainda hoje um enorme papel na sua vivência, entrelaçado com estruturas pré-capitalistas.

Os grupos étnicos a viver nos trópicos ou na extremidade norte do globo detiveram-se, durante longos milénios, no estado primitivo de seu desenvolvimento. As condições naturais dos trópicos garantiam ao homem a possibilidade de manter a sua existência sem estimular o desenvolvimento activo das forças produtivas. Na zona polar, as condições naturais demasiado rigorosas não permitiam desenvolver intensamente as forças produtivas e as correspondentes formas sociais. As únicas formas de produção eram a pesca, a caça e a criação de renas. No século XVI, alguns pescadores europeus frequentavam já as águas próximas da Terra Nova, ricas em peixe, mas daí não resultou, que se saiba, o estabelecimento de bases permanentes de ocupação.

Nas grandes florestas e regiões circunvizinhas, o tipo de economia baseado na caça, pesca e recolecção prevaleceu muito para além do início da produção agrícola, mesmo até ao início da era dos metais. Na África Subsariana o estilo de vida comunitário permaneceu imutável, sempre que os recursos naturais se mantiveram suficientes, até há poucos séculos. Na região dos Grandes Lagos, século XVI, mesmo após a formação de pequenos estados, grupos de camponeses detinham a forma comunal dos meios de produção, embora fornecessem bens e prestassem serviços em trabalho à classe dirigente, sem qualquer compensação. Em algumas áreas da África Austral, estas formas de vida perpetuaram-se, com poucas mudanças, até á segunda metade do século XIX. A explicação deste fenómeno pode residir na existência duma escassa população associada a uma imensa riqueza de recursos alimentares. Este ambiente pode ter constituído um fraco estímulo para a adopção de meios de cultivo ou criação de gado. A riqueza do bioma africano é tal que punha em causa as vantagens da agricultura. A caça e a recolecção proporcionavam um elevado nível de nutrição devido ao menor dispêndio de tempo e de esforço físico, que resulta do pastoreio e da agricultura.

No Sudeste Asiático, alguns grupos continuaram a comportar-se como caçadores-recolectores até aos nossos dias, mesmo vivendo em simbiose com vizinhos agricultores ou mercadores. As populações beneficiavam duma abundância de alimentos, vindos dos estuários, dos pântanos e do próprio mar. É difícil imaginar uma escassez de alimentos quando estavam disponíveis reservas marítimas tão ricas e periodicamente reabastecidas.

A descoberta do Continente Americano, levou os europeus a contactar com alguns povos que viviam ainda em sociedades comunitárias. Na América do Norte, século XVI, alguns grupos viviam em povoações e sustentavam uma agricultura já desenvolvida, outros alimentavam-se de animais e plantas das florestas e zonas costeiras, outros ainda comportavam-se como nómadas sazonais que subsistiam caçando e fazendo incursões. Os povos estavam inseridos em unidades de tamanho e complexidade variáveis, que iam desde pequenos grupos a grandes tribos, incluindo verdadeiras confederações. Na América do Sul, continuaram a existir verdadeiras “ilhas étnicas” que sobreviveram às mutações permanecendo em zonas caracterizadas por uma grande concentração de vida selvagem, sem necessidade de recorrer à agricultura para garantir a subsistência.

Os aborígenes australianos com o seu estilo de vida nómada, não conseguiram adoptar a agricultura, a horticultura, a cerâmica ou uma vida sedentária. Tem-se verificado uma estabilidade básica e a continuidade de modo de vida até aos nossos dias. Na Oceânia, século XVI, quando os europeus encontraram estes povos imensamente dispersos notaram a sua diversidade cultural e variedade de ambientes. À excepção dos aborígenes, que conseguiram manter a seu estilo de vida de caçadores-recolectores de forma bastante bem sucedida, os outros povos da Oceânia sobreviveram, em grande parte, graças à horticultura intensiva, suplementada por peixe e marisco, quando possível. Entretanto, os viajantes colonizaram as ilhas do Pacífico com a introdução de animais domesticados, tubérculos e frutos que trouxeram dos arquipélagos do sudeste asiático.