ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.7 – PRODUÇÃO INDUSTRIAL

A produção domiciliária, a oficina artesanal e a manufactura achavam-se na maioria dos casos intimamente ligadas em diversos estágios na mesma industria. A transição para a produção fabril mostrou-se relativamente simples, logo que as alterações técnicas favoreceram a mudança. A indústria alcança então uma posição dominante com a transformação gradual da actividade artesanal, a desintegração do sistema da corporação e da manufactura, que constituía já um obstáculo ao desenvolvimento da produção industrial.

As particularidades do meio físico natural e da existência de matérias-primas numa dada região, em conjunto com as predisposições humanas locais e outros factores, contribuíram para a especialização duma determinada actividade produtiva influenciada pelas condições naturais, tais como a proximidade dum rio, de florestas, de argila, de pedreiras, ou por condições já criadas pelo próprio homem como sejam: a exploração mineira, a criação de gado lanígero ou o cultivo de produtos agrícolas susceptíveis de transformação. Uma especialização intensiva começou quando as diferenças na obtenção de matérias-primas, na qualidade dos produtos ou na produtividade e sobretudo quando as diferenças do custo de fabricação exerciam forte influência sobre o nível dos preços. Numerosas regiões e ramos de actividade passaram a ser considerados como “industriais”.

Um dos traços característicos da formação das estruturas industriais foi a desigualdade do seu desenvolvimento. A instalação das diversas indústrias, a sua organização e extensão da mecanização não coincidem nem no tempo nem no espaço. Numa série de indústrias, o desenvolvimento técnico já progredira bastante para proporcionar uma produção de tipo fabril. Porém, nem sempre esta ocorria. O tipo de organização industrial, baseado na concentração em fábricas, surgiu nalgumas regiões mais progressivas ou em determinados ramos, que pelas suas especiais características de fabrico permitiam a utilização iminente de nova maquinaria.

A produção industrial exige a combinação de quatro factores fundamentais: o emprego sistemático e intensivo de máquinas accionadas por uma força motriz; o emprego de processos tecnológicos direccionados para a produção de bens para o mercado; a utilização duma quota crescente de capital constante; a concentração dos meios de produção e dos operários assalariados num local único, onde funcionasse igualmente a unidade de direcção e de controlo.

A essência da transformação para o processo de produção industrial consiste na mudança do modo de produzir, associada à ferramenta e engrenagens utilizadas pela mão humana, e na utilização posterior de máquinas que deixam de ser movidas por uma fonte de energia humana ou animal e passam a utilizar as vantagens da energia produzida pela máquina a vapor. Esta transformação exigiu que os trabalhadores se concentrassem definitivamente num só lugar de trabalho, impôs um carácter colectivo ao processo de produção, a extensão da divisão do trabalho a um grau de complexidade até aí inexistente e a instalação, tanto funcional como geográfica, duma única unidade ou equipa de produção. Uma outra característica consistiu na necessidade crescente de adaptação humana aos ritmos e movimentos do processo mecânico. Antes, a produção era essencialmente uma actividade individual no sentido de que o produtor trabalhava no seu próprio tempo e à sua própria maneira, independentemente doutros.

A substituição em larga escala da produção à mão pela produção com máquinas resultou na aceleração do desenvolvimento económico, mas também em transformações sociais relevantes. Profundas transformações ocorreram quando as próprias máquinas começaram a ser produzidas por outras máquinas. O maquinismo provoca uma verdadeira e profunda mudança no aparecimento incessante de novos meios de produção. No plano social, a máquina substitui o homem, primeiro como utensílio e em seguida como motor pelo uso de fontes de energia independentes do corpo humano. O trabalho manual e individual desaparece dum grande número de ramos de produção. A produção torna-se cada vez mais uma aplicação conjunta dos conhecimentos científicos e técnicos.

O avanço tecnológico evitou a paralisação do processo fabril, ultrapassando o ponto crítico em que a tradicional maquinaria se estava a transformar num obstáculo insuperável à continuação do seu crescimento. A capacidade inventiva não só ultrapassou esta barreira como também permitiu uma aceleração da produção, algo que até aí fora inconcebível. As inovações técnicas foram introduzidas nas grandes indústrias dirigidas por empresários dotados de meios económicos e financeiros e dotados duma mentalidade mais ágil e decidida.

Uma série de novas industrias, sobretudo as relacionadas com as actividades extractivas e metalúrgicas, transformadoras e transportadoras, incentivadas pelas novas aplicações técnicas, necessitavam de capitais iniciais muito para além das capacidades das manufacturas comuns. As empresas industriais eram iniciadas por homens que já tinham beneficiado da acumulação de capitais, meios fabricantes, meios mercadores, se associavam e começavam a empregar trabalho assalariado em escala considerável.

Para financiar um equipamento industrial complexo era necessário recorrer ao capital. Criou-se um papel para um novo tipo de capitalista, não mais apenas como usurário ou comerciante retalhista ou grossista, mas também como projectista e organizador de unidades de produção, capaz de corporizar uma disciplina sobre uma quantidade de trabalhadores que, destituídos da sua cidadania económica, tinham de ser constrangidos ao cumprimento de tarefas despersonalizadas, para as quais não estavam preparados.

Na indústria extractiva, as matérias-primas não dependiam dum adiantamento prévio de capital, pois o objecto de trabalho não é produto de trabalho anterior, mas produto oferecido pela natureza. Na mineração, por exemplo, um pequeno capital basta para iniciar uma produção em pequena escala. O carvão era muitas vezes extraído por lavradores que trabalhavam por sua própria conta ou por conta do proprietário senhorial. No entanto, os meios técnicos aplicados tornaram-se mais aperfeiçoados, permitiram conduzir a extracção mineira a maiores profundidades, à instalação de aparelhagem adequada, factores que exigiam já um capital considerável. A invasão capitalista, capaz de minerar com métodos aperfeiçoados e comercializar o produto mais facilmente, foi aumentando gradualmente até que a mineração livre foi restringida, embora não ultrapassada.

Por volta do início do século XIV, uma das causas mais flagrantes do atraso da produção industrial era a falta de capitais. Era impossível a criação de oficinas mais vastas, a aquisição de nova aparelhagem e a aquisição de grandes quantidades de matérias-primas, sem apoio financeiro a permitir pagamentos a longo prazo e a criação de reservas para atenuar as flutuações do mercado. As novas indústrias, como a siderurgia, acarretavam investimentos muito para além das somas que os grupos de artesãos podiam mobilizar. As ferramentas cedem o lugar às máquinas que custam muito caro, mas permitem a produção em quantidades massivas.

O crescimento da indústria estava, porém, dificultado pela estreiteza do mercado e a sua expansão ameaçada pela baixa produtividade imposta pelos métodos de produção existentes, obstáculo este reforçado, de vez em quando, pela escassez de trabalho. O progresso da técnica favoreceu substancialmente a produtividade do trabalho, mas dificilmente poderia surgir a noção duma mais-valia, especificamente industrial, sem a intensificação e consolidação do emprego do trabalho assalariado acompanhado do investimento em capital variável.

O desenvolvimento da indústria acelerou devido a melhorias extraordinárias das técnicas comerciais e financeiras. Também, o crescimento duma burguesia média das cidades proporcionou um mercado substancial para os artigos provenientes da indústria, o que constituiu uma condição importante para o seu incentivo. Por sua vez, as contribuições estatais situaram-se na criação de áreas de desenvolvimento em redor das fábricas e no crescimento gradual das políticas proteccionistas.

Na Grécia, em meados do I milénio a.n.e., começaram a desenvolver-se pequenas e médias empreses industriais que concorriam com as oficinas artesanais, dirigidas por cidadãos que utilizavam escravos e alguma mão-de-obra livre.

Na Itália, algumas pequenas indústrias de artesãos foram-se transformando em pequenas empresas empregando escravos, embora o artesanato não desaparecesse. Numa segunda fase, formaram-se algumas empresas caracterizadas por uma especialização acrescida, uma técnica mais aperfeiçoada, uma maior quantidade de trabalhadores assalariados e investimentos de capitais já consideráveis. Muitas indústrias, mantidas em estado artesanal, deixaram de poder concorrer com estas fábricas.

Na China, eram geridas pelo Governo grandes fábricas de produção de sal, fornos de porcelana e de produtos têxteis. A tendência para a especialização torna-se mais pronunciada numa série de centros industriais como: a “cidade da porcelana”, a indústria da seda e dos têxteis de algodão, o fabrico de utensílios de ferro, os estaleiros navais nos portos.

Na Europa, século XVIII, a natureza de alguns ramos de indústria necessitava já do início duma concentração do processo de produção. Foi o caso do sector mineiro que, devido a esta concentração e ao capital que exigia, foi apelidado de “banco de ensaios do capitalismo”. Um caso semelhante foi o dos sectores têxteis e o dos estaleiros navais, principalmente quando convertidos em alvo do interesse dos estados.