ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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3.6 – IMPERIALISMO E EXPANSIONISMO

A noção de império refere-se às etapas históricas em que um estado se assume como potência dotada de poder económico e militar para poder exercer um domínio político, económico e cultural sobre outros estados. O império pode abarcar várias nações ou influir sobre a sua soberania como forma de explorar os seus habitantes e as potencialidades económicas dos respectivos territórios.

Tal como as comunidades e os interesses se expandem, também a autoridade estatal tem tendência a estender-se podendo ultrapassar os seus limites e espalhar-se por outras direcções. Este processo de expansão, que resulta na formação de impérios, pode ser pacífico ou não, mas obriga a estabelecer uma nova ordem para enfrentar uma nova configuração. Dos estados ao império vai um passo na direcção da união dum maior número de comunidades num complexo político. No processo de construção de impérios, vários estados podem-se juntar ou perder a sua identidade para constituir um grande poder que possui uma autoridade superior. A raiz do expansionismo e da fundação dos impérios reside no objectivo de ampliar a riqueza, a recolha de tributos e de mão-de-obra e no objectivo de ganhar o controlo sobre as rotas comerciais e as fontes de matérias-primas. Os impérios exerceram um considerável poder económico como resultado da utilização prática dos avanços tecnológicos nas áreas militares e dos transportes.

O imperialismo abarca toda a relação de dominação instituída por um estado sobre outros povos ou nações. O imperialismo pode assumir diversas formas; o país dominado pode ter o estatuto de protectorado ou colónia ou a dominação não ser territorial mas apenas económica, cultural e política. Os impérios caracterizam-se por terem uma duração de vida mais curta que as nações.

A partir da idade do ferro assistiu-se à formação de impérios, dominando extensos territórios étnica e culturalmente diversos, alguns dos quais dominados por dinastias de origem tribal. A língua do estado dominante tornou-se muitas vezes a língua oficial do império. A formação de impérios, bem como os problemas sociais neles surgidos, estimularam o aparecimento de religiões monoteístas de amplitude universal, que se apresentavam como veículo para a salvação de toda a gente.

O Império Romano surgiu no primeiro milénio a.n.e. Constituiu-se então uma nova forma política que permitiu a elaboração dum sistema de relações estáveis entre Roma e as suas províncias. O sistema imperial caracterizou-se por uma actuação tanto no domínio económico (passagem a uma utilização mais vasta do trabalho dos colonos em vez do trabalho dos escravos) como no domínio espiritual (aparecimento e difusão do cristianismo). O império incluía praticamente todo o Mediterrâneo e as suas fronteiras na Europa Ocidental iam até ao Reno e ao Danúbio. Todas as regiões fora de Itália eram consideradas províncias, eram dirigidas por governadores e nelas estavam estacionadas guarnições de soldados romanos. Os diversos países e povos submetidos por Roma encontravam-se nos mais diferentes níveis de desenvolvimento sócio-económico e cultural; havia regiões onde ainda existiam relações de tipo tribal. No século I a.n.e., já os romanos tinham submetido a Ásia Ocidental e o Egipto.

Ao Império Romano sucedeu o Império Bizantino (ou Romano do Oriente) até à sua queda em 1453 frente aos turcos otomanos. A sua capital Constantinopla era uma cidade estrategicamente muito bem localizada, mais próxima das rotas comerciais que asseguravam o acesso dos comerciantes europeus em direcção à Índia e à China. Após a dominação turca a rota entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Negro foi dificultada aos navios cristãos, o que impulsionou a procura de outra rota através do Oceano Atlântico, contornando a África. Portugal beneficiou da sua posição geográfica para dominar esta nova rota marítima, o que causou o declínio das repúblicas de Veneza e Génova.

O Império Otomano nunca tentou criar uma sociedade homogeneizada, quer através da integração de grupos étnicos que viviam sob o seu domínio, quer através duma cultura global. A sua expansão deu-se duma forma muito rápida, tendo atingido nos finais do século XIV, o estatuto duma das maiores potências imperiais do mundo conhecido. Na sequência da conquista de Constantinopla, o soberano otomano sentiu-se como um legítimo sucessor da tradição imperial romana. O Império adquiriu a posição de principal potência islâmica do mundo. O sucesso dos Otomanos foi, acima de tudo, o domínio da tecnologia da guerra, incluindo novo armamento e construção naval. A sua posição geográfica deu-lhe a possibilidade de controlar as rotas comerciais entre os territórios a oriente (Irão e Índia) e a ocidente (os estados europeus), assegurando uma abundância tanto em termos financeiros, como materiais. O governo subscrevia o princípio da livre circulação de pessoas, mercadorias e ideias. Em meados do século XVI, o estado otomano assumiu-se como superpotência reclamando o direito ao governo universal. No Oceano Índico, os otomanos tiveram de se preparar para combater as frotas portuguesas que procuravam estender o seu domínio ao Golfo Pérsico e ao Mar Vermelho. Na Europa, tiveram de enfrentar a preponderância dos europeus nos domínios comercial, tecnológico e financeiro. Os otomanos tornaram-se então incapazes de competir com os produtos de fabrico europeus, que começaram a granjear a reputação de serem de alta qualidade e de fabrico menos dispendioso. A invasão da prata barata e das moedas europeias arruinou o sistema monetário otomano. A Europa começou a inundar os seus mercados, desenvolvendo-se um processo que viria a atingir o seu ponto mais alto na segunda metade do século XVIII, altura em que o Império Otomano manteve o seu lugar enquanto poder económico periférico, mas já subordinado à economia capitalista mundial.

O mundo islâmico, desde o século VII que estava sempre a expandir-se, tornando-se uma das civilizações mais dilatadas, poderosas e influentes. Os três impérios, Otomano, Persa e Mongol, rodeados por Estados menores formavam o mundo islâmico, que se estendeu desde Marrocos, no Ocidente, até às Ilhas Molucas, na Ásia Oriental e ao Sudeste da África. A islamização foi conseguida, nalguns casos, em consequência de guerras e conquistas, noutros, foi divulgada através dos mercadores. A necessidade de ordem e segurança requerida pelo comércio levou à criação gradual de sultanatos para proteger e apoiar o comércio. O declínio do Islão começou a verificar-se no século XVII e prolongou-se pelo século seguinte em consequência de numerosas derrotas. Contudo este declínio dos impérios muçulmanos não teve um impacto concomitante na fisionomia cultural e demográfica no seu todo.

O Império Mongol foi no seu tempo, séculos XIII e XIV, o mais vasto e o mais unificado do mundo. Nenhuma realização política foi conseguida por outros povos como organização tribal. Reuniu grandes estados hindus e muçulmanos sob uma autoridade unificada. Este império conseguiu uma grande unidade durante cerca de dois séculos, graças a uma política militar eficaz e uma hábil administração. Foi caracterizada por uma tolerância religiosa excepcional. Com a expansão mongol, intensificaram-se as relações com as sociedades sedentárias, o comércio e os ofícios foram impulsionados, uma série de invenções foram transmitidas para o ocidente. A deslocação de grandes camadas de populações de diferentes civilizações tornou inevitável uma intensa interpenetração cultural. Atraídos para as cidades e centros culturais, os mongóis assimilaram outras civilizações, adoptaram a sua herança cultural e o seu pensamento. Assim o processo de sedentarização e desenvolvimento urbano acabou por ser retomado depois da sua interrupção. Com o Império Mongol, registou-se uma vasta destruição e massacres nas regiões conquistadas. Porém, os cavaleiros mongóis, antes invencíveis e dispondo duma eficaz cavalaria ligeira, deixaram-se ultrapassar como combatentes e desprotegeram-se contra armas de fogo mais refinadas.

Nos séculos. XV e XVI, a Europa Ocidental tomou a dianteira, em numerosos domínios. Um dos acontecimentos relevantes durante o período iniciado no século XV foi a expansão europeia a novos continentes, alguns totalmente desconhecidos até então. Trata-se duma expansão a nível mundial que não se pode considerar um império embora compartilhe algumas das suas características. Revela-se como entidade essencialmente económica, sem ser juridicamente política. Os portugueses foram a vanguarda desta expansão movidos pela ânsia de descobrir uma rota para o Oriente exterior ao Mediterrâneo. As suas expedições permitiram-lhes estabelecer entrepostos comerciais ao longo da faixa costeira da África Ocidental e do sul da Ásia e assumir o controlo da navegação do mar da Arábia, onde tiveram de enfrentar a competição dos otomanos. A descoberta do Brasil revelou a possibilidade de promover a expansão para o interior do território dum novo continente. Os espanhóis seguiram-se na corrida às novas descobertas o que os levou a alcançar a América em 1492. Estas viagens foram acompanhadas de numerosos mercadores que se instalaram em muitos portos e áreas costeiras na África e na Ásia. No caso africano, os acidentes geográficos, as dificuldades de aclimatação e as doenças endémicas, tornavam o continente de difícil penetração, especialmente na frente atlântica. Na Ásia a resistência à presença europeia era principalmente humana e cultural. Os navegadores e mercadores comerciavam sem grandes impedimentos entre os portos principais da Índia e da Indonésia, mas a sua influência não se prolongava para além dos postos comerciais que lhes serviam de base. Com esta viragem, a Europa passou a viver segundo uma estrutura económica global que influenciou o desenvolvimento económico ocorrido durante o século XVI. À Europa começou a chegar o ouro e a prata em grandes quantidades e muitos bens agrícolas. A economia mundial começou a girar à volta dum ponto que tinha a Europa como eixo. Numerosas espécies agrícolas foram conduzidas de uns continentes para outros, atingindo-se uma maior homogeneidade de culturas economicamente úteis. A expansão agrária foi estimulada por diversos factores, sendo o mais importante o crescimento da população, seguido pelo aumento dos preços que afectou principalmente os produtos agrícolas e pelo inicio da prática de novas culturas provenientes das colónias. Os europeus viriam também a transferir espécies agrícolas, incluindo animais, de uns territórios para outros. Também o sector industrial, sobretudo o que processava as matérias-primas, foi aumentando a sua produção estimulado pela procura e pela subida dos preços.