ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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3 – ESTRUTURAS ESTATAIS

3.1 – ESTADO. O QUE É, ONDE E QUANDO SURGE?

O Estado nem sempre existiu, aparece apenas onde e quando surge a divisão da sociedade em classes. Não se conhece a existência duma instituição constituída por membros de comunidades anteriores à existência de classes que se destacasse para governar os outros e dispor dum aparelho de direcção e coacção. Antes, o vínculo geral, a própria sociedade, a disciplina e a organização do trabalho mantinham-se pela força dos costumes, das tradições e pelo prestígio e respeito de que gozavam os anciãos das comunidades. Com o Estado surgiu uma nova instituição, desconhecida das comunidades sociais, baseada nos princípios naturais de relações de parentesco ou territoriais.

Segundo Friedrich Engels, o Estado é “ um produto da sociedade num estádio determinado de desenvolvimento; é o reconhecimento de que esta sociedade está enredada numa insolúvel contradição consigo própria, que se cindiu em oposições inconciliáveis de que ela é incapaz de se livrar.” (Marx e Engels, Obras Escolhidas, tomo III, pag. 366, Ed. Avante)

O Estado, como organização social ou politico-administrativa duma comunidade humana, despontou como algo indispensável quando a sociedade, dividida em classes

antagónicas, não teria podido subsistir sem uma autoridade a exercer um poder sobre todos os grupos sociais existentes num espaço geográfico determinado. Tornou-se inevitável a existência duma instituição que protegesse a apropriação da terra, do gado, dos instrumentos de trabalho, dos bens produzidos, que consagrasse a posse dos excedentes adquiridos e a acumulação da riqueza, dotada dum poder capaz de impor o domínio de determinadas classes e dos seus dignitários. A classe que passou a obrigar as outras pessoas a trabalhar para ela teve necessidade de se organizar para as manter em submissão. Com a formação do Estado começou uma nova era na história da Humanidade.

À medida que se consolida a divisão da sociedade em classes, dominantes e subordinadas, consolida-se também o Estado, que se constitui como elemento de poder, legitimado ou não, duma sociedade cuja ideologia pertence às classes dominantes. Os meios de que passam a dispor são muito extensos e os governantes, seus representantes, em estreita aliança com os sacerdotes, tendem a assumir funções de natureza militar, a exercer uma autoridade centralizada relacionada com o poder económico, religioso, social e político e a impor novas regras aos usos e costumes das populações.

Sob o ponto de vista formal, o Estado é uma instituição social que assegura a ordem civil, a possibilidade duma actividade conjunta dos homens, que representa e defende os direitos de que podem gozar os membros da sociedade envolvida, que exprime dentro e fora os interesses comuns. Mas examinando as suas atribuições duma forma objectiva, o Estado identifica-se como instituição que exprime os interesses políticos da classe que domina economicamente a sociedade, por meio das suas intervenções na vida económica e social e através da gestão e da fiscalização dos serviços públicos, e propõe-se assegurar o equilíbrio necessário à coesão social.

Com a formação do Estado institui-se uma estratificação social mais complexa. A submissão da grande maioria da população a uma pequena minoria e o aparecimento duma forte autoridade foram pródigos em consequências. O “chefe” transformou-se em “soberano”, cujos poderes se transformaram progressivamente em poderes de natureza militar, com algum carácter religioso, e cujas funções se foram assumindo como hereditárias. O poder do “feiticeiro” tornou-se cada vez mais inter-relacionado com o poder secular, económico e político. A chefia política e religiosa surgia muitas vezes centrada num só indivíduo, um chefe que exercia a liderança numa base hereditária. Por vezes, surge a ideia segundo a qual o Estado seria algo dotado duma certa força divina ou sobrenatural. Esta ideia serve de algum modo os interesses das classes exploradoras, pois conseguiu penetrar profundamente nos costumes das populações. Instituições estatais e religiosas surgem assim entrelaçadas.

O desenvolvimento de estruturas tribais e familiares ou locais levou a desigualdades e daí a conflitos internos que ameaçaram a própria estrutura social, surgindo o Estado como um novo sistema de organização capaz de eliminar estes conflitos ou, pelo menos, a mantê-los controlados. O aparecimento do Estado era frequentemente precedido de alianças tribais ou de reunião de famílias em comunidades ou espaços territoriais. Desde a formação de clãs ou de tribos até à construção de estados houve um grande avanço, alcançado de diferentes modos em sociedades diferentes. O Estado como órgão coercivo de gestão política e económica não se limita, em geral, a uma única coesão étnica. Quando passa para lá do território definido pelo meio ecológico, seja de forma pacífica, pelo comércio ou pela penetração cultural, ou pela guerra, é dado um passo na construção dum sistema de integração ainda maior. Neste processo evolutivo vários reinos se podem juntar, perdendo a sua identidade individual, ou constituírem uma autoridade superior com mais amplos poderes, dando lugar à formação de estados.

A expansão agrícola e a aplicação de sistemas de irrigação promoveram a hierarquização de algumas sociedades e anteciparam formas estatais de organização política. A transição entre as comunidades primitivas e a formação dum estado ocorreu primeiro no Egipto e na China, durante o IV e o III milénio a.n.e.. Estes estados concentraram-se junto a vales de importantes rios, como o Nilo e o Huang He (Rio Amarelo). Em termos de evolução social as áreas periféricas eram mais retrógradas. A partir do III milénio a.n.e, encontram-se formas semelhantes de governo desde a China e a Índia ao Mediterrâneo, tanto entre os povos nómadas como entre os grupos étnicos estabelecidos em determinados locais. Todos tinham à cabeça um chefe a quem eram atribuídos poderes divinos. Os historiadores chamam a isto, realeza sagrada.

Através das diferentes épocas, sempre que existem modos de produção antagónicos há um grupo de pessoas que governa, manda, domina, conserva o poder e dispõe dum aparelho de coacção jurídica, religiosa, física ou de violência armada. O Estado assume-se então como uma máquina destinada a sustentar o domínio do novo modo de produção e duma classe em formação sobre as restantes.

A forma de Estado depende da correlação das forças das classes dominantes numa dada etapa do desenvolvimento histórico, das particularidades dum dada sociedade num determinado espaço, das tradições e das circunstâncias concretas na política externa e interna. As formas mais difundidas são: a monarquia, caracterizada pelo poder, mais ou menos amplo, dum soberano; a república aristocrática ou oligárquica, dominada por grupos da nobreza, do clérigo, militares ou cidadãos ricos; a república democrática, onde os órgãos legislativos e executivos são eleitos por um número restrito de cidadãos, em geral, com a exclusão das classes subordinadas.

O Estado é a parte fundamental da economia capitalista, que sem ele não pode funcionar; tem um papel decisivo no aumento da procura efectiva e na absorção do sobreproduto. Sem a sua participação seria impossível imaginar o desenvolvimento da economia capitalista. Um excedente não realizado significaria uma estagnação económica, pelo que é necessário fazer aumentar a procura, criar e alargar os mercados, função que o Estado reserva para si. A criação do mercado facilita a acumulação do capital e, por conseguinte, o desenvolvimento do sistema capitalista, tentando protegê-lo da estagnação e da destruição. Para evitar flutuações determinadas pelo curso do ciclo económico, o Estado adopta uma política adequada à condução da oferta e da procura, aplicando métodos de controlo indirecto sobre os problemas monetários, creditáveis e fiscais. Exerce, além disso, um controlo indirecto sobre o volume da acumulação do capital, aumentando a procura e estimulando os investimentos, determinando mesmo o destino dos mesmos. O Estado procura evitar o esgotamento do exército de reserva, mantendo o desemprego, o que faria aumentar os salários, e acompanha e intervém no poder das associações representativas dos trabalhadores. Quando entende necessário adopta o emprego de meios coercivos para defender os interesses das classes dominantes.