ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.4 – ESTRUTURA NÓMADA

A sociedade fundada na pastorícia não se agrupa em aldeias ou cidades estáveis, pois as deslocações contínuas das manadas e dos rebanhos originam um sistema habitacional precário. A própria alimentação humana depende essencialmente dos animais. O sistema produtivo da pastorícia estava virado para a subsistência. Criavam gado com mestria, deslocando os seus rebanhos em busca de pastagens e água. Os meios de vida dos nómadas nas diversas regiões eram bastante semelhantes: a carne e o leite eram a base duma dieta pouco diversificada; a caça trazia alguma variedade à alimentação diária; os legumes e outras plantas formavam apenas uma pequena parte da dieta, pois só as populações sedentárias praticavam a agricultura.

Existiam dois tipos de nómadas: os nómadas sazonais com rebanhos de ovelhas e os nómadas com camelos. As ovelhas eram criadas em grande número nas estepes, pois a sua carne consegue armazenar água possibilitando a sua sobrevivência em regiões áridas. Os agrupamentos criadores de cabras e ovelhas eram obrigados a apascentar os seus rebanhos em áreas relativamente limitadas, enquanto que os criadores de dromedários podiam atingir as grandes desertos de areia. Os grupos nómadas criadores de camelos espalharam-se extensivamente pelos desertos do Sara e da Arábia, mas nunca escolheram o caminho da conquista. Os camelos, utilizados como animais de carga nas caravanas de comércio, forneceram um apreciável contributo para o desenvolvimento da economia nómada. Esta especialização gerou a distinção entre tribos nobres guerreiras e tribos consideradas inferiores, unidas por vezes às primeiras por laços de vassalagem.

As populações nómadas viviam tanto em tendas movíveis como em aldeias. No seu modo de vida, era necessário dispor de tipos de habitações desmontáveis e facilmente transportáveis, bem como o uso de recipientes mais leves, feitos de madeira e couro. O próprio vestuário e calçado eram apropriados. As conhecidas placas de cinto muito decorativas, eram os indicadores de nível social e de prestígio.

O desenvolvimento da criação de gado originou um estilo de vida nómada específico, em regiões asiáticas e africanas de extensas estepes e desertos com os seus oásis, com clima continental duro, em que a posse de manadas deu lugar a uma acentuada acumulação de riqueza e a intensificação de uma produção com fins mercantis. Esta situação manteve-se predominante até meados do século XX e ainda sobrevive nos nossos dias sem modificações sensíveis.

A propriedade do gado servia de medida do grau de riqueza e prosperidade. A riqueza essencial das sociedades nómadas de pastores é o rebanho que pode aumentar mais rapidamente numas famílias do que noutras. Esta apropriação diferenciada de gado facilita o desenvolvimento de desigualdades entre as famílias e entre as próprias tribos, embora a posse comum das pastagens e das águas limite esta tendência e se oponha parcialmente a ela. As tendas, as armas e os utensílios eram propriedade de grupos mais restritos, muitas vezes aparentados. A posse e a gestão do gado constituíam privilégios do chefe de família, e eventualmente dos seus irmãos associados, no respeito pelo princípio da solidariedade familiar. A propriedade individual do gado era a regra, embora dela fossem excluídas as mulheres.

A base da organização social era grande família de tipo patriarcal, cujo chefe era o mais velho da linha paterna. No entanto, num plano mais elevado destas funções, na chefia das grandes tribos, de confederações de tribos e em particular dos estados estabelecidos, as transferências de poder estavam sujeitas à ratificação duma assembleia de chefes e outros homens notáveis. As comunidades nómadas tradicionais podem ser identificadas, a nível geral, com as unidades tribais. As estruturas políticas e sociais eram complexas, podendo as dinastias individuais chegarem a dominar vastas áreas devido ao seu sucesso económico e poderio militar. No regime nómada mantêm-se as desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem.

Cada estado de oásis tornou-se um núcleo para as organizações nómadas periféricas, que quase sempre se transformavam numa confederação de tribos. Os aglomerados dos oásis possuíam suficiente importância enquanto centros de vida económica e cultural, bem como força política e estratégica. A relação entre os dois tipos de economia e de organização social, a nómada e a sedentária dos oásis podia ser, segundo a época e o local, complementar ou conflituosa. A economia nómada com os seus serviços de transportes de mercadorias e de comércio de importações e exportações, estava intimamente ligada à zona agrícola estável. O comércio tornou-se vital para a sua prosperidade.

O desenvolvimento da pastorícia com fins comerciais conduziu à posse de grandes rebanhos nas mãos de criadores individuais e gerou um processo de diferenciação social que envolveu os produtores e respectivas famílias, assim promovidas a pequenas empresas. Muitos lugares de reunião das manadas transformaram-se também em lugares de mercado, onde confluíam mercadorias da mais variada natureza e proveniência. A massa de dinheiro proveniente da venda no mercado dos animais gera processos fortemente perturbadores das modalidades igualitárias de acesso aos recursos naturais. O processo de acumulação da massa monetária impulsionou novos investimentos e acentuou a disparidade de riqueza entre os membros e as famílias das comunidades nómadas. Estes fenómenos representam dois factores de alteração da lógica reprodutiva da sociedade nómada tradicional, tanto a nível comunitário como a nível doméstico, e estão na origem da ocorrência de novas relações sociais de produção onde o dinheiro intervém como factor de mediação decisivo. Nesta situação criam-se as condições de emergência do trabalho assalariado quer entre membros das comunidades nómadas quer entre indivíduos provenientes de meios sociais heterogéneos. Esta tendência, acompanhada da monetarização da economia pastoril, aparece ligada a circunstâncias históricas que fizeram de alguns países do Médio Oriente e do Norte de África o receptáculo de enormes massas de dinheiro em divisas externas.

Na Península Arábica, a origem da pastorícia nómada foi consequência da domesticação do dromedário que permitiu o acesso a extensas regiões semidesérticas e desérticas, berço das civilizações beduína e árabe. As tribos nómadas viviam perto dos pequenos oásis onde a água das nascentes e as palmeiras forneciam sustento às cáfilas de camelos e às manadas de cavalos. As tribos beduínas deslocavam-se constantemente em busca de pastagens, atacavam oásis e caravanas para aumentar os seus parcos recursos e lutavam entre si pelo controlo de poços e dos trilhos dos rebanhos. Também frequentavam os oásis nos dias de mercado para trocar o que tinham pelos produtos que os povos sedentários cultivavam ou manufacturavam.

Nas estepes euro-asiáticas os estados criados sucessivamente por povos de raças diferentes e línguas variadas, que possuíam em comum uma economia pastoril, não tinham cidades nem civilização urbana, salvo nos grandes oásis meridionais, e atribuíam pouco valor à posse das terras desde que estivesse garantido o direito de pastagem. A agricultura é uma ocupação ocasional, em geral deixada às mulheres, mas que permitia obter legumes frescos e garantir o consumo de carne e leite. Porém, muitos produtos eram obtidos por meio de troca ou pilhagem. Nesta base económica desenvolveu-se uma sociedade aristocrática dominada por uma classe de proprietários de grandes rebanhos. Com a formação do Império Mongol, único império nómada a aproximar-se duma escala continental, o nomadismo desempenhou um papel importante na história, com as populações nómadas a tornarem-se senhores das estepes e de extensas regiões agrícolas ao lado de populações sedentárias.

No Norte de África, todas as principais cidades eram pontos de passagem de caravanas, surgidas a partir dum núcleo de campos cultivados e palmares, separadas entre si por extensões de estepes ou pelo deserto. O nomadismo com camelos espalhou-se duma forma extensiva. Foram adoptadas novas tecnologias, especialmente nas selas dos camelos. Os berberes nómadas, estavam organizados em tribos, e as suas deslocações dependiam do recurso aos camelos. Na África Ocidental, algumas tribos nómadas especializaram-se na criação de bovinos, ovinos e camelos em larga escala, em simbiose com as comunidades de camponeses autóctones. Na África Subsariana, século XVI, o modo de vida das comunidades de criadores de gado harmonizava-se com as necessidades destas actividades, isto é, era nómada ou semi-nómada de acordo com a região, mas nunca sedentária.