ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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6.3 – DOMÍNIOS SENHORIAIS

O domínio senhorial designa o conjunto das terras colocadas sob jurisdição da aristocracia, incluindo as prerrogativas exercidas sobre as populações subordinadas: poder de justiça, de entrega de rendas, de prestação de serviços gratuitos e contribuições diversas. No âmbito dos domínios senhoriais integram-se, além do território, os bens e os instrumentos imobiliários utilizados na actividade produtiva, com o carácter económico de bens de consumo duradouro. Em muitas povoações, a propriedade dominial estendia-se a toscas casas de habitação das classes subordinadas e a balneários públicos, visto que as populações não dispunham de instalações para esse fim nas suas rudimentares residências. O mesmo acontecia com estalagens, moinhos, fornos, armazéns, lagares de azeite e de vinho, com as suas prensas, pela utilização dos quais as classes senhoriais cobravam uma renda. À aristocracia pertenciam também outras instalações fixas como marinhas, incluindo salinas, pesqueiras, coutadas de pesca e caça, explorações mineiras e meios de transporte, como barcas. Havia fronteiras, caminhos e pontes que escapavam aos senhores, encontrando-se, por via de regra, sob a alçada das organizações municipais, ou seja, da burguesia.

As características dos domínios senhoriais são semelhantes quer estes pertençam ao soberano, à nobreza ou às instituições religiosas. Não se diferenciam no que respeita à sua estrutura económica. As relações económicas entre os cultivadores ou os artífices com as entidades senhoriais são idênticas, bem como a sua regulamentação. Ao mesmo tempo, está-se em face de domínios de carácter público ou semi-público. Embora os bens dominiais estejam afectos ou pertençam à entidade que exerce o poder político, o seu produto era parcialmente aplicado na satisfação das necessidades colectivas da sociedade ou duma dada região ou local.

O agricultor, o pastor, o pescador, o caçador ou o artífice, submetidos aos senhores do domínio em que estão integrados, entregam-lhes uma renda ou prestam um serviço gratuito. A estrutura e as tendências de mudança do uso dos bens dominiais determinam a estrutura da renda, incluindo o seu conteúdo e formas. Da mesma maneira a renda exerce uma certa acção sobre a estrutura dos domínios senhoriais. Isto significa que as modificações na estrutura duma delas implicam alterações na outra.

Em geral são considerados como domínio estatal as zonas tradicionais ou conquistadas a outros domínios. Destas áreas territoriais, uma parcela era atribuída ao próprio soberano e seus familiares e outras parcelas são entregues aos domínios das instituições religiosas ou da nobreza. Por vezes, eram também beneficiados os governadores que serviam os monarcas na qualidade de funcionários, bem como os comandos das unidades militares. Certas regalias são atribuídas aos colonos e são estabelecidas terras comunais para aproveitamento dos habitantes das aldeias ou dos grémios concelhios.

Os bens do Estado podem distinguir-se entre bens e rendimentos que constituem o domínio pessoal do soberano e os que compõem o património da sociedade, de que não podia alienar, em princípio, a título definitivo. Esta distinção tende, em muitos casos, a desaparecer progressivamente. Nunca existiu a preocupação clara de aplicar as rendas dos bens da coroa apenas à satisfação das despesas de interesse geral da colectividade. Os domínios do Estado e aqueles que eram propriedade privada do soberano não estavam separados. Não se estabelecia diferença entre o público e o pessoal. Os soberanos exerciam as funções públicas em seu próprio nome, pois a propriedade e o poder eram indissociáveis. Aqueles que detinham a posse da terra tinham poder sobre esta e sobre as pessoas que aí viviam. O domínio estatal podia ser enriquecido pelo confisco de terras dominadas pela nobreza, em consequência de amplas lutas políticas ou aquisições efectuadas pelos diversos soberanos. Estes utilizavam os seus rendimentos acumulados para levarem a cabo numerosas compras de domínios dispersos.

Os bens dominiais retidos pela nobreza dão lugar ao estabelecimento de relações com os respectivos soberanos que assumem características específicas diferenciadas no espaço e no tempo. Na forma de regime feudal, a terra, não era objecto duma livre disposição. O senhor feudal não podia apropriar-se de todo o rendimento da terra e era geralmente desapossado dela se não cumprisse os deveres inerentes a esse domínio. Não tinha o direito de expulsar os camponeses da terra que trabalhavam. O termo “propriedade privada” não é aplicável, em sentido estrito, nem para o senhor nem para o vassalo. As relações existentes eram, antes de mais, relações de dominação e de prestação de serviço.

Os domínios entregues às instituições religiosas incluíam, quase sem excepção, o máximo de rendimentos propiciados pela região recebida. A passagem do domínio do soberano para estas organizações significava, em geral, um agravamento da pressão senhorial sobre a classe produtiva. Os privilégios destes domínios envolviam frequentemente a isenção do serviço militar para ao moradores, o que permitia à entidade senhorial obter uma maior produção. Esta isenção não era, portanto, concebida a favor das classes subordinadas mas em atenção aos interesses senhoriais. Nos domínios territoriais das igrejas verificou-se uma evolução no sentido duma ascensão constante. A grande variação da área das reserva dos organismos religiosos tendiam a ser tanto mais vastas quanto mais importantes fossem os mosteiros. Estes bens pertenciam a entidades institucionalizadas, não eram susceptíveis de fragmentação ou alienação através de herança, doação ou venda, o que acentuava a concentração dos principais meios produtivos.

Em vastas regiões dominiais a entrada era proibida, através do regime de coutadas, tanto para caçar ou aproveitar madeiras e lenhas, levar os rebanhos a pastar, pescar em rios e lagos. A ampliação das coutadas teve consequências graves na medida em que subtraía à actividade da população produtiva directa a utilização de vastas zonas naturais onde objectos de trabalho ficavam por aproveitar. Com esta proibição, as populações ficavam impedidas de beneficiar das riquezas naturais dos rios, das matas e charnecas, onde podiam abastecer-se.

No Egipto, o faraó estava investido da missão divina de administrar o país como seu domínio. As terras, e os bens resultantes do seu amanho, eram co-propriedade dos deuses e do faraó, que as colocava sob a administração directa de agentes reais, as confiava aos templos e à nobreza como beneficiários perpétuos ou as atribuía como pagamento de serviços a determinados funcionários. Em princípio, tudo lhe pertencia: era senhor do solo, das águas, do gado, dos bens imobiliários, da força de trabalho. O domínio aparece sob a forma de atributo da soberania dum deus vivo entre os homens, seus súbditos. O faraó distribuía a terra pelos grandes dignitários, família, funcionários reais e amigos. As dádivas aos templos e ao clero tinham um valor considerável e os beneficiários reuniam domínios tão vastos que a sua manutenção exigia numerosos servos e artesãos.

Na Mesopotâmia, o soberano era virtualmente o dono das terras e considerado um mandatário de Deus para gerir, directa ou indirectamente, os bens considerados divinos. Os bens públicos, provenientes em larga medida de requisições impostas aos inimigos, eram frequentemente distribuídos aos homens que tinham servido o Estado, prática que deu origem a colónias militares. Algumas parcelas de terrenos mantinham-se na posse colectiva de grupos de famílias ou de tribos.