ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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6.4 – DESPERDÍCIO E LUXO

O desperdício significa a utilização incompleta ou incorrecta dos bens económicos, de que resulta uma situação em que as necessidades que poderiam ter sido satisfeitas não o serão. Da má utilização ou da inutilidade, resulta consumir sem obter fruto algum, fazer algo de infrutífero ou até prejudicial. Numa situação de escassez, os efeitos do desperdício agravam-se e revelam sempre um dano.

O desperdício significa ainda destinar o excedente, produzido por uma dada população num dado ambiente com certas técnicas produtivas, a um tipo de consumo que se apresenta, por um lado, como prejudicial para a vida presente e futura duma sociedade e, por outro, como um prazer exclusivo dum determinado grupo social. Estão neste caso, por exemplo, a destruição ritual de bens ou as formas de luxo destinadas a impressionar a imaginação individual ou colectiva, as famílias, as elites, os grupos, as instituições e também as classes sociais. Quando se consome por consumir ou para alimentar obsessões em relação a objectos ou desejos, estamos na presença duma dissipação, gasto inútil ou exagerado. É, igualmente, um desperdício o consumo ostensivo composto por bens dispendiosos, cujo fito é indicar aos outros a riqueza e a posição social dos indivíduos que o concretizam.

Em alguns períodos históricos e em determinados países, os governos viram-se obrigados a fixar limites quantitativos e qualitativos de consumo, constituídos por medidas de carácter económico, pois os gastos sumptuosos chegavam a colocar em risco as fortunas das famílias aristocráticas. Por outro lado, procuraram cercear a liberdade de artesãos e mercadores edificarem a sua fortuna graças à magnificência dos senhores. Porém, as medidas para travar a evolução do consumo de ostentação revelaram-se quase sempre ineficazes.

Define-se como luxo um bem, ainda que de uso corrente, quando acumulado ou gasto em quantidades tidas como excessivas ou, ainda, quando pela sua natureza intrínseca é considerado demasiado raro ou requintado. É o caso de ornamentos ou objectos cerimoniais confeccionados com elementos particularmente elaborados, obras de artífices especializados, ou feitos com materiais raros difíceis de extrair ou trazidos de longe através de canais de permuta ou de guerra. O próprio conceito de luxo está ligado ao estatuto social e à competição pela conquista dum lugar de confirmação duma posição social. A sua posse é um símbolo de autoridade, sinal de excelência social, e traduz-se numa apropriação de excedentes sem aplicação económica, numa acumulação de riqueza com fins sociais e políticos.

Entre os bens subtraídos ao consumo corrente, incluem-se também os “fundos cerimoniais” consagrados ao funcionamento das instituições. Estes fundos são comuns a todas as sociedades tradicionais, quer sejam produtos duradouros, como ornamentos preciosos, quer constituam provisões alimentares consumidas durante as festividades. Trata-se duma evidente acumulação temporária de excedentes.

No desperdício originado pelo consumo de luxo torna-se iminente a perturbação da ordem política e social, a expansão da miséria e a alteração da vida económica. O aparecimento de consumos de luxo entre as classes dirigentes instaladas nas cidades assinala o início dum processo de desagregação e de crescente vulnerabilidade aos assaltos das populações afectadas.