ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.5 – CORPORAÇÕES ARTESANAIS

A corporação é uma forma associativa que se constitui como um grupo económico, cujo objectivo principal é a organização e defesa de certos ofícios e profissões, a fim de regulamentar o exercício e o acesso, submetendo os seus membros, que desempenham a mesma ocupação profissional, a uma série de obrigações, prestação de serviços e a uma disciplina colectiva. A organização dos ofícios sob a forma de corporações já vinha a ser intentada em alguns países europeus desde o século XI, onde o seu objectivo era dirigido mais à qualidade do produto e ao seu comércio. As corporações artesanais procuravam obter os mais variados privilégios junto dos órgãos políticos e a protecção das suas actividades produtivas.

A formação das corporações, denominadas guildas, constitui um fenómeno essencialmente urbano, com um tipo de associação que não se enquadra nas estruturas económicas baseadas na actividade agrícola. Adquirem e afirmam a sua personalidade, com a preocupação de estabelecer regras de carácter técnico e económico. Eram responsáveis por determinar preços, qualidade, quantidades de produção, aprendizado e a hierarquia no trabalho. Para concretizar a sua política os seus membros procuravam garantir um certo nível de vida e uma produção sem competição. As guildas desempenhavam diversas funções que iam desde a regulamentação da produção, serviços e vendas até ao controlo dessas mesmas actividades. Efectuavam além disso uma divisão de trabalho, organizando a distribuição de matérias-primas pelos seus membros, garantindo a qualidade dos produtos, fixando os preços e cobrando os impostos aos associados. Do ponto de vista administrativo a guilda era controlada por um chefe eleito pelos elementos mais velhos. Um factor para a organização destas guildas era a sua autonomia, que lhes conferia a possibilidade de se criarem ou dissolverem, fundir-se com outras ou subdividirem-se em mais guildas.

A expansão do comércio impôs a certos mestres-artesãos, primeiro esporadicamente e depois duma forma mais decidida, a transgressão dos vínculos da corporação, até aí respeitados, e dos regulamentos que entravavam cada vez mais a expansão da sua produção. Para responder a uma procura crescente os artesãos começam a opor-se ao tipo de relações económicas e sociais no seio das quais produziam. Esta oposição significou o desencadear duma luta social, política e ideológica no quadro das cidades e, por vezes, mesmo nos campos.

A expansão das guildas ficou afectada por não aplicarem os seus capitais na formação de empresas, nem recorrerem ao crédito. As guildas agiam contra a transformação do pequeno artesanato independente em grandes empresas corporativas. A indústria corporativa aferrada aos métodos tradicionais opôs tenaz resistência a todas as inovações, que considerou um ataque aos seus privilégios, baseados na especialização artesanal. Em certas épocas e em diferentes locais, os riscos da concorrência interna eram controlados pelas guildas que vigiavam a produção, os mercados, os preços, os pesos e medidas e que não toleravam senão uma mão-de-obra qualificada.

No século XVI, as guildas acabariam por atingir o seu ponto culminante. A corporação era o território onde imperava a rotina, a falta de incentivos, a rigidez com regras restringentes, a estagnação do ponto de vista técnico. A corporação representava o mundo de resistência às mudanças que estavam a ocorrer no sector da indústria transformadora. O sistema de guildas enfraqueceu sob o efeito das primeiras industrializações e sucumbiu perante o poderio económico das empresas. A guilda exercia um controlo puramente local e adaptava-se mal à expansão do comércio; não estava preparada para se estender rapidamente para lá das fronteiras, nem para tomar decisões rápidas como podiam fazer os chefes das empresas.

Na transformação do artesanato corporativo houve várias vias possíveis para o desenvolvimento do capitalismo industrial. Uma das vias, é a do mercador que se transforma em fabricante, organizando ele mesmo a produção, importando por vezes matérias-primas do estrangeiro, técnicas e operários especializados; outra, a do artesão que se torna mercador, vende o próprio produto e organiza a sua produção, não mais segundo a coacção e os limites impostos pelas corporações do seu ofício, mas apenas segundo os limites impostos pelo volume do seu capital. Este sistema desenvolveu-se progressivamente, mantendo estas características até ao advento da fábrica.

Na Índia, no século I d. C., verificou-se um acentuado desenvolvimento de corporações que desempenharam um importante papel na sociedade. Com o domínio otomano, as corporações cresceram a tal ponto que passaram a constituir a espinha dorsal da economia e da sociedade urbana do império.

Na Europa, no século XVI, a indústria corporativa encontrava-se já desactualizada, mantendo-se apenas graça aos apoios dos sectores menos lucrativos ou que se dedicavam à produção de artigos para consumo directo.

Na África Ocidental, quando os portugueses atingiram a foz do Congo verificaram que o rei era membro duma corporação de ferreiros, rigorosamente hermética. Conhecimentos posteriores revelaram que não se tratava dum caso isolado. Noutras regiões existiam corporações de ferreiros, de ourives, de escultores em madeira e marfim, de sapateiros, de tecelões, bordadores, etc. Havia também corporações de burriqueiros espalhados pelos centros mercantis. Existiam confrarias de caçadores, ligadas por celebrações e ritmos comuns, cujos chefes usavam o título de mestre-caçador. Estas confrarias desempenhavam um papel muito importante na economia regional, eram admiradas e temidas, chegando, em determinados locais, o seu mestre a assumir mesmo poderes reais.