ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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6 – PROCESSO DE CONSUMO

6.1 – CONSUMO ECONÓMICO

O consumo é uma operação económica que consiste na utilização de bens e serviços destinados a serem destruídos, conservados ou transformados, duma forma imediata ou progressiva. O consumo pode não resultar dum processo tangível, pois correntemente consomem-se serviços de todo tipo: artísticos, educacionais, de saúde, administrativos, etc.

No processo de consumo tem lugar o consumo final ou o consumo produtivo, conforme o consumo se concretiza no acto de satisfazer as necessidades ou desejos individuais ou colectivos ou no acto de utilização dos bens ou serviços num novo processo de reprodução. No primeiro caso, o consumo pode implicar o desaparecimento dum produto, com maior ou menor rapidez, por destruição ou por transformação. No segundo caso os bens são integrados em novos produtos que virão a ser produzidos e consumidos posteriormente.

O consumo individual ou pessoal é o que o homem concretiza ao utilizar directamente diversos produtos para satisfazer as suas necessidades, de acordo com a sua classe social e o nível de vida em que está integrado. Trata-se dum processo de consumo final, em que os bens são consumidos de imediato. Nele estão incluídos os bens ou serviços que se destinam, através do seu uso ou destruição, à satisfação das necessidades dos indivíduos, sem contribuir para o crescimento da produção.

Todas as pessoas, sem excepção, são consumidoras de bens finais e serviços que inevitavelmente utilizam para satisfazer as necessidades que se apresentam ao longo da vida. O consumidor é um comprador dos bens oferecidos no mercado e que aí escolhe e selecciona os que pretende adquirir. São consumidores os indivíduos de classes dominantes interessados em aumentar as riquezas improdutivas como meio de exibição de luxo e de prestígio. Os agentes económicos são consumidores de bens produtivos sem o que as suas actividades seriam irrealizáveis.

O consumo colectivo consiste no uso de bens e serviços colectivos, geralmente fornecidos pela administração pública, escolas, comunidades, instituições de protecção social, justiça, estradas, fornos comuns, etc., utilizados e consumidos duma forma duradoura, sem contribuir para o crescimento da produção.

Os bens e serviços consumidos variam de acordo com os hábitos das famílias, os grupos sociais, os países, ou a classe social a que pertencem os consumidores. Estas disparidades podem explicar-se pelos usos e costumes, as diferenças de nível de vida em função dos seus recursos ou as formas de viver, de se alimentar, de utilizar os meios de lazer, etc. Numa sociedade classista, as relações de consumo são influenciadas pelas desigualdades de distribuição de rendimentos, determinadas em última instância pelo modo de produção.

Os bens consumíveis podem distinguir-se segundo a sua natureza e integrarem-se em diversos grupos, designadamente: os bens alimentares; os bens indispensáveis à vida corrente do homem, como o vestuário, o calçado, ou a habitação; as matérias-primas que virão a integrarem-se na produção de futuros bens; as sementes ou tubérculos que permitirão o cultivo de novos bens alimentares; os utensílios, recipientes, ferramentas ou máquinas, combustíveis, que intervêm no processo produtivo doutros bens. A estes bens há que acrescentar os serviços prestados que não se apresentam sob a forma física, mas que resultam de um certo tipo de actividade humana. A procura de bens de consumo ampliou-se com o crescimento da população e a urbanização crescente. Com o aparecimento do trabalho assalariado, passou a existir uma soma inevitável de coisas que as pessoas tinham de adquirir no mercado, enquanto antes podiam ser fabricadas em casa.

No consumo produtivo, os bens integram-se directamente num novo processo produtivo, que utiliza diversos meios de produção, como ferramentas, máquinas, meios de transporte, instalações, etc. A utilização destes bens para produzir outros bens representa a fase final do processo de reprodução. Denomina-se como intermédio o consumo constituído pelos bens e serviços utilizados no processo de fabrico e destruídos ou transformados no decurso desse processo, como matérias-primas, energia aplicada, combustíveis.

O factor tempo é também fundamental na classificação dos actos de consumo. Uma parte dos meios de vida são consumidos diariamente e de novo substituídos, outros têm de ser conservados ou armazenados para utilização futura. O vestuário, os utensílios de uso corrente, os recipientes, consomem-se em espaços de tempo mais longo. Alguns meios de vida podem-se classificar como duradouros. Estão neste caso, as alfaiais agrícolas, as habitações, as ferramentas dos artesãos, os armazéns, as instalações pecuárias, as máquinas, etc. Um quadro ou um adorno, uma obra musical, um monumento ou um templo, podem manter-se intactos por períodos incalculáveis de tempo e, entretanto, produzirem satisfação à humanidade.

Segundo Karl Marx, “O trabalho consome os seus elementos materiais, o seu objecto e os seus meios, digere-os e é, pois, processo de consumo. Este consumo produtivo distingue-se do consumo individual por o último consumir os produtos como meios de vida do indivíduo vivo, o primeiro como meios de vida do trabalho, da sua força de trabalho actuante. O produto do consumo individual é, portanto, o próprio consumidor, o resultado do consumo produtivo é um produto distinto do consumidor” (O Capital, livro I, pag.212, Edições Avante).

O vínculo entre os processos de produção e consumo está condicionado pela acção das leis económicas dos respectivos modos de produção. A ligação entre estes dois processos é a distribuição e a troca. Não há produção sem consumo ou, mais exactamente, a produção é ela própria consumo de matérias-primas, de instrumentos de trabalho, de energia, de aplicação de conhecimentos humanos.

Nas sociedades primitivas a subsistência do indivíduo está sempre garantida, salvo quando resulta de fenómenos naturais incontroláveis. O trabalho é logo à partida um trabalho social, integrado no labor geral. A eventual pequena produção particular de géneros alimentares ou artefactos corresponde a uma reduzida parte do produto social auto-consumido, não provocando uma ruptura na actividade comunitária, visto que o objectivo desta produção continua a ser o valor utilitário, a satisfação das necessidades do conjunto dos produtores.

Nas sociedades tributárias, as normas que regem o trabalho social, na base de relações familiares, de servidão ou de escravatura, definem também as modalidades de uso e de apropriação dos bens de consumo. As classes dominantes são essencialmente consumidoras, pois a produção é-lhes entregue sob a forma de tributo pelos camponeses ou artífices ou resulta do trabalho forçado, servil ou escravo executado nos seus domínios. Os produtos entregues pelas classes produtores são consumidos pelos próprios senhores e suas famílias, pelos membros da corte ou dos templos, pelas pessoas encarregadas de serviços administrativos ou outros, pelos militares, etc. Os bens consumidos por estas classes incluem os bens de prestígio, privados de qualquer utilidade prática, raros por natureza, sumptuários, acumulados como tesouros e considerados como preciosos. À sua característica duradoura e possibilidade de conservação associa-se o interesse na acumulação de riqueza. A sua posse é sinal de excelência social ou individual, símbolo de autoridade.

Nas sociedades mercantis, o carácter social só se verifica no mercado, quando o produto encontra comprador, e os participantes intervêm no mundo colectivo das trocas dos produtos. Da utilização incompleta ou incorrecta dos bens económicos resulta uma situação em que as necessidades que poderiam ter sido satisfeitas não o são. O desequilíbrio entre a produção e o consumo pode ser originado por diversos factores: um excesso de oferta que não corresponde à procura ou inversamente uma procura insuficiente; uma discrepância entre o processo produtivo, a distribuição ou a troca. Quando o consumo se atrasa em relação à produção surge uma crise económica de superprodução, as mercadorias ficam por vender, deterioram-se ou estragam-se por completo. Quando a produção é ou inferior ao consumo social ou distribuída de forma deficiente ou desigual, surgem fenómenos de escassez, de carência alimentar ou de fome.

No sistema capitalista, o operário consome a sua força de trabalho, por um lado, em consumo produtivo ao utilizar meios de produção na transformação de novos produtos e, por outro, em consumo individual, ao utilizar o dinheiro recebido pela venda da sua força de trabalho em meios de vida. Parte deste consumo individual serve para manter a sua própria força de trabalho. O tempo excedente durante o qual o operário trabalha corresponde à força de trabalho apropriada pelo capitalista sob a forma de lucro, utilizado para seu próprio consumo e movimentação de capitais.

Além disso, a sociedade capitalista utilizadora do trabalho assalariado, não se move no âmbito do bem-estar dos consumidores, na satisfação de necessidades pré-determinadas, mas na da obtenção do máximo lucro e na capacidade de compra, daí resultando uma profunda alteração dos objectivos da produção e das condições de consumo.