ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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8 – ACTIVIDADES CULTURAIS E SOCIAIS

8.1 – CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS

A evolução da ciência económica, baseada no conhecimento empírico primitivo, dizia respeito essencialmente à produção, agricultura e ofícios, e, numa fase posterior, aos transportes e ao comércio.

O conhecimento dos céus serviu vários propósitos que incluíam um sistema de calendarização fixo, ligado ao ciclo agrário, baseado na observação dos astros, a regulação da irrigação dos campos, a travessia de desertos e mares por mercadores. Por estas e outras razões os governantes interessavam-se pela meteorologia e pelos instrumentos de previsão do tempo.

Todas as invenções mostram que o poder de observação, já demonstrado pelos conhecimentos de botânica e biologia animal, que estiveram na base da domesticação de plantas e animais, prosseguiram tornando-se cada vez mais refinadas e de grande alcance. O cultivo de novos tipos de vegetais e a criação de novos tipos de animais exigiam a acumulação de conhecimentos biológicos.

Os avanços na metalurgia só puderam existir com conhecimentos práticos tanto químicos como pirotécnicos. O trabalho dos metais envolvia uma grande variedade de meios técnicos, em especial, na moldagem. Grandes avanços registaram-se, três séculos a. C., na teoria e aplicações mecânicas como: o parafuso sem fim ou a roda hidráulica que utilizava a força humana ou animal.

Durante os séculos XIV e XV, e mesmo mais tarde, as invenções tinham como autores artesãos que trabalhavam empiricamente sem conhecimentos teóricos. Os raros experimentadores que dispunham de algumas noções teóricas viam-se constrangidos a trabalhar a sós nos seus laboratórios, sem recorrer à habilidade e aos conhecimentos técnicos dos artesãos. Esta colaboração tornou-se mais frequente nos séculos seguintes, melhorando a aliança entre a ciência e a técnica.

A expansão do comércio longínquo requeria um conhecimento exacto de como distinguir as localidades e de como medir o tempo que levava a alcançá-las. A investigação geográfica teve evidentes repercussões tanto políticas como comerciais, constituindo um factor indispensável ao sucesso das explorações. A elaboração de cartas ou plantas de determinados terrenos ou regiões eram encorajados pelos governantes. Os mapas e os levantamentos marítimos eram úteis aos navegadores, mas também aos mercadores e ao exército.

Devido às necessidades da burocracia surgem e desenvolvem-se a escrita e a matemática. Esta não foi usada apenas para fins administrativos e financeiros mas, também, por exemplo, pelos astrólogos que desempenharam mais tarde um papel muito importante na navegação. A aritmética e a geometria parecem ter-se desenvolvido sobretudo a partir de necessidades práticas: inventário de matérias-primas, medição anual das cheias do Nilo, construção de edifícios e estabelecimento de um cadastro para a fixação de impostos. O avanço da matemática revelou-se útil na medição de terras envolvidas em doações e partilhas, impostos, vendas, hipotecas e outras. As medições correctas eram também essenciais para a construção de fortes, templos, palácios, etc.

Ao procurar conhecer a alquimia, foram desenvolvidos instrumentos que viriam a ser os precursores dos utilizados actualmente nos laboratórios. Foram então descobertas substâncias como o álcool, destinado a fins médicos, e o fabrico de corantes. Da actividade alquímica resultou a fórmula da pólvora. Os alquimistas chineses acumularam uma experiência prática na manipulação da “droga do fogo”, uma mistura de salitre, enxofre e carvão com propriedades de combustão instantânea e explosivas. No século VII, a pólvora era utilizada na pirotecnia mas, no século XIV, diversos povos começaram a utilizá-la em canhões para fazer a guerra.

Nos séculos XVII e XVIII, apareceram numerosos exemplos da relação lógica entre a evolução das matemáticas e a das técnicas, que auxiliaram a encontrar soluções de velhos problemas de ordem prática. Verificaram-se melhorias no domínio da construção naval, na arquitectura, na construção de abóbadas, na indústria mecânica, etc. Os peritos militares aplicaram os novos conhecimentos geométricos nas teorias respeitantes às fortificações e balística.

No Egipto, a astronomia atingiu um grau bastante rigoroso no tocante às suas observações, apesar dos métodos rudimentares utilizados. A necessidade de calcular os períodos das cheias do Nilo contribuiu para o surgimento do estudo da astronomia. A matemática centrava-se na resolução de problemas concretos relacionados com o cálculo de áreas e de volumes; eram conhecidas as quatro operações elementares; as fracções eram bastante utilizadas, dado que a divisão proporcional constituía um cálculo necessário à justa repartição dos bens de consumo. A repartição dos víveres como forma de pagamento ou a avaliação das mercadorias exprimindo o seu valor em peso, em ouro, prata ou cobre, exigiam um determinado nível de conhecimentos matemáticos. Os problemas de geometria prática incluíam o cálculo da área e do volume de várias figuras geométricas. Na área geográfica, havia um bom conhecimento do terreno, dos oásis, dos vastos territórios vizinhos, da costa do mar Vermelho, da ilha de Creta e do rio Eufrates. A química estava avançada como o atestam a produção de tintas utilizadas na decoração de templos e túmulos, que ainda hoje se conservam vivas, ou a produção dos ingredientes usados na mumificação.

Os gregos alargaram os conhecimentos na zoologia e botânica. No século IV a.n.e., a matemática criou a teoria geral das proporções; desenvolveu-se a astronomia teórica, foi criado o primeiro observatório astronómico, calculada a órbita dos planetas e elaborado um catálogo das estrelas. As campanhas militares alargaram as noções geográficas e da botânica, utilizando as informações já acumuladas.

No Império Romano, foram traçadas as primeiras marcas em relógios de sol ou mesmo concebidos relógios de sol portáteis, com elementos rotativos que permitiam ajustar a latitude e o mês. Na área da engenharia foram desenvolvidos parafusos sem fim, cilindros de ar comprimido, guindastes, gruas accionadas por gigantescos tambores rotativos e mesmo por cabrestantes. No século II da nossa era, a ciência entrou em declínio e tornou-se cada vez mais especulativa. Criou-se a ideia de que as invenções não eram tarefa de filósofos mas sim de escravos desprezíveis. A ciência divorciou-se então cada vez mais da vida.

O magnetismo artificial foi descoberto muito cedo na China. No I milénio a. C., os chineses conheciam já alguns instrumentos astronómicos simples. O calendário tinha sido criado por métodos puramente empíricos, mas rapidamente se firmaram certas regras. A notação numérica adquiriu a sua forma definitiva e, bem assim, a utilização das quatro operações aritméticas fundamentais. A metrologia baseou-se primeiro nas proporções do corpo humano, mas mais tarde difundiu-se o sistema decimal. A geografia torna-se uma ciência e desenvolve-se a cartografia.

Foram impressionantes os êxitos indianos na matemática, astronomia, medicina e linguística. Na matemática: foi criado o sistema decimal com a utilização do zero (inovação que introduziu o conceito de “vazio”) adoptado pelos cientistas árabes; eram conhecidas as equações lineares; o sistema de notação numérica constituiu a base da aritmética moderna; graças a este sistema e à elaboração da teoria dos números abstractos; a álgebra alcançou um elevado nível de desenvolvimento; foi elaborado o conceito de grandeza negativa. Foram tratados problemas complexos relacionados com o cálculo de juros. Os indianos obtiveram êxitos extraordinários na geometria, largamente utilizados pelos cientistas árabes, cujos tratados a Europa começou a conhecer a partir dos séculos XI e XII. Os médicos indianos estudaram em profundidade as propriedades das ervas, a influência do clima, da higiene pessoal e da dieta na saúde do homem. A cirurgia alcançou um nível muito elevado.

Os mercadores árabes tinham uma boa ideia da geografia do mundo muçulmano e talvez do resto do mundo então conhecido. Em 1154 foi elaborado um mapa-mundo, o que representava um avanço espectacular no campo da cartografia islâmica. Com a tradução de obras árabes para latim ou hebreu, ou mesmo castelhano, uma grande quantidade do conhecimento cultivado no mundo islâmico pôde tornar-se conhecido da Europa Ocidental, enriquecendo a vida cultural das suas universidades. O movimento de tradução de outras línguas para o árabe teve lugar a partir do século VIII e até ao fim do IX. As primeiras traduções do árabe para latim iniciaram-se no século X; o movimento de traduções acelerou na primeira metade do século XII.

Durante todo o período de domínio mongol a Europa tinha acesso directo à China, mas isto não deu lugar à tradução de quaisquer trabalhos científicos chineses para latim. O caso foi diferente no tocante à transmissão de invenções tecnológicas. Os contactos entre a Europa Ocidental e o Islão processavam-se ao nível diplomático e ao nível do comércio. A Europa Ocidental medieval começou a construir a sua ciência adquirindo os conhecimentos proporcionados pelas ciências grega e islâmica, na maior parte dos casos através de obras árabes.

Na China, século XVI, a publicação duma “Enciclopédia de Agronomia” foi um importante acontecimento. O seu autor, Xu Guangqi, escreveu em grande pormenor sobre numerosos temas agrícolas. No início do século XVIII, foi publicada uma obra sobre botânica, onde se explicava em pormenor as características das plantas e os métodos de cultivo e, uma outra, com uma descrição exaustiva de meteorologia, pedologia, sericultura e outras actividades. Estas obras tiveram uma grande influência no desenvolvimento da agricultura. Um famoso cientista, Song Yingxing, escreveu um livro sobre as técnicas de produção em sectores como os têxteis, sal, cobre e ferro fundido, extracção de carvão e óleos, desde as matérias-primas aos produtos acabados.

Na Europa, no século XVI, a ciência não registou os progressos espectaculares que se verificariam mais tarde. No entanto, observaram-se aplicações práticas de importantes conhecimentos adquiridos em períodos anteriores. É o caso da impressão que se tornou numa ferramenta muito importante para a disseminação do conhecimento e a governação; do conhecimento do planeta e dos seus habitantes, com as novas e contínuas descobertas geográficas; do conhecimento dos astros de tão difícil difusão; sos novos estudos sobre o corpo humano. A “Revolução Científica” europeia atingiu o seu ponto culminante no século XVII, antes da “Revolução Industrial”. Foi o ponto de partida para um progresso ininterrupto da ciência e da sua companheira inseparável, a tecnologia. A cultura nunca deixou de estar reservada exclusivamente a alguns elementos da sociedade, tendo a maioria da população continuado no analfabetismo e na vida rural. Surge, porém, uma cultura elitista a coexistir com uma cultura de carácter popular, que foi gradualmente subindo através dum lento processo de desenvolvimento.

Os maias desenvolveram um extraordinário calendário escrito sobre pedra, no I milénio a.n.e. Na América Central, século XVI, a ciência ameríndia, especialmente na botânica, na zoologia e na indústria mineira, deu lugar a uma recíproca influência dos conhecimentos científicos europeus e americanos onde os índios tinham uma tradição tecnológica própria.