ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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4.2 – COMUNICAÇÕES TERRESTRES

Os primeiros meios de comunicação eram rudimentares, reduziam-se muitas vezes a atalhos e caminhos, numerosos em terreno plano mas sem um traçado físico, com excepção das regiões montanhosas onde os itinerários eram fixados com marcos. Estas pistas permitiam viajar pé e serem utilizadas por carregadores. A construção de artérias permanentes respeitava os limites agrícolas. O empedramento permanente dos caminhos só era praticado em regiões com nível de civilização mais elevado. A actividade transportadora baseava-se essencialmente na condução pelo próprio homem ou ao dorso de animais domesticados. Este sistema de locomoção define uma época em cada região, dependendo em grande parte das condições ambientais. O seu emprego correspondia a uma percentagem diminuta das mercadorias deslocadas por via terrestre, transporte só viável em distâncias relativamente curtas, onde a qualidade das vias o permitia.

Nas zonas nórdicas foram desenvolvidos métodos específicos para viajar na neve como esquis e trenós. Na zona árctica americana o trenó puxado por cães tornou-se um meio eficaz de transporte terrestre.

A invenção da roda data provavelmente de há uns três mil anos a. C. Ao tornar-se parte integrante da carroça revolucionou a deslocação de pessoas e bens. À carroça eram aparelhados animais de tracção, o que facilitou o transporte de cargas a longas distâncias. Os veículos de quatro rodas, e mais tarde os de duas rodas, eram inicialmente reservados a deslocações da aristocracia e do exército, para combates e corridas. Os carros de eixo fixo tirados por animais eram aproveitados nas explorações rurais e dentro do âmbito restrito das herdades. Na Ásia Central, ainda no século XVIII havia poucos meios de transporte com rodas; as estradas não pavimentadas eram atravessadas aos costados de animais ou a pé.

Para as sociedades conhecedoras da roda, as pontes eram indispensáveis. A sua construção variava de acordo com os materiais disponíveis, a natureza dos rios e outros obstáculos a vencer. As pontes de barcaças eram preferidas nos rios com frequentes cheias. Onde a roda era desconhecida, como nos Andes, eram utilizadas pontes suspensas para a passagem de pessoas e animais, que chegavam atingir 60 metros dum lado a outro dos desfiladeiros. O transporte terrestre evoluiu devagar, pois era mau e custoso e oferecia pouca segurança. Os viajantes tinham de limitar as suas bagagens e enfrentar longas distâncias para servir povoados intermédios ou para facilitar a cobrança de portagens. As demoras decorriam da paragem obrigatória em barreiras de domínios senhoriais ou concelhios, do desvio para escapar à passagem em certos locais onde imperava a violência dos poderosos ou às zonas infestadas de bandos de criminosos. Ao longo das rotas principais, as viagens eram assistidas por um sistema de pousadas, situadas a cerca dum dia de viagem umas das outras.

Esta situação dificultava a acção dos mercadores e as relações comerciais que tendiam a desenvolver-se cada vez mais entre os povos. Além disso, o seu uso alargou-se a meios de transmissão de mensagens, às deslocações oficiais de administração civil ou militar. A formação de estados e dos impérios deu um impulso ao desenvolvimento da construção de estradas em mais larga escala. O traçado da rede de comunicações terrestres passou a obedecer às actividades económicas e sociais, ligando entre si as zonas que mantinham relações comerciais intensas ou uniam centros demográficos e políticos importantes.

Os primeiros bens a serem transportados a longas distâncias foram os objectos de luxo, pedras preciosas, perfumes, metais, madeiras e especiarias e, em troca destes, os produtos alimentares, sal, âmbar, estanho, ouro, peles e, ainda, escravos. A expansão da rede de estradas correspondeu também ao interesse dos grandes impérios em dispor de comunicações rápidas para transmitir informações e mensagens, transportar armas e bagagens, fornecer géneros alimentícios aos habitantes dos centros urbanos, assim como matérias-primas aos artesãos. A eficácia da rede de estradas dependia da existência de hospedarias, onde os animais e as pessoas pudessem descansar, encontrar água, comida e oficinas de reparação de veículos, e dependia também do custo de utilização destes apoios e do grau de coordenação das viagens.

As linhas de trânsito no interior dos estados ou regiões obedeciam a causas complexas, desde a cobrança de portagens e rendas à vigilância dos interesses senhoriais de administração corrente ou de carácter político ou militar. O custo do transporte terrestre por animais era muito elevado e eram excessivas as reservas de dinheiro necessárias para pagar portagens, protecção e rendas aos senhorios dos domínios ou concelhos a que estavam arreigados. O comércio das mercadorias destinadas a exportação, transportadas por animais de carga e carregadores humanos, estava limitado a produtos de grande valor em relação ao seu volume. O preço, estabelecido de acordo com o peso e a distância, era elevado.

Desde o século XII que existiam correios locais, mantidos pelas municipalidades ou corporações mercantis. O serviço era estabelecido por correios a cavalo por determinadas rotas em que existiam pontos fixos de rendição das montadas. O principal objecto do correio, além da mala diplomática, era a correspondência comercial e os documentos de comércio e crédito.

A conhecida rede de vias romanas influenciou o desenvolvimento da produção do mundo mediterrâneo e da área envolvente. As estradas romanas, construídas com uma perícia técnica notável, embora tivessem sido criadas para uso mais estratégico que comercial, facilitaram as comunicações e o transporte de mercadorias leves. Durante mais de mil anos, estas estradas pouco evoluíram.

Nas zonas desérticas as mercadorias eram transportadas em caravanas de camelos, o que tornou possível atravessar vastas regiões que de outra forma seriam de difícil acesso. Porém, o seu uso só lentamente foi adoptado. Quando se generalizou, transformou-se o equilíbrio existente no deserto, aumentando a autonomia de deslocação das tribos nómadas. A resistência destes animais permitiu encurtar as viagens entre as cidades interiores e a costa marítima, o que contribuiu para a expansão do comércio. No mundo islâmico, a utilização do camelo suplantou o uso de veículos a rodas no transporte de mercadorias. No deserto, simples pistas desempenhavam o papel de verdadeiras estradas por onde passavam grandes caravanas de camelos, cujas rotas eram determinadas pela localização dos oásis. As maiores cidades estavam ligadas por estas rotas, que eram muito frequentadas. Por elas circulavam não só artefactos, mas também ofícios e técnicas. As caravanas transportavam peles e couro, marfim, ouro em pó, especiarias e perfumes, têxteis de algodão e de linho, óleo para lamparinas, utensílios domésticos, armas e, como não podia deixar de ser, também transportavam escravos.

A existência de vias de comunicação ligando o deserto do Sara de ponta a ponta possibilitava não apenas a troca de mercadorias mas também o intercâmbio entre diferentes comunidades. Os terminais de descarga das caravanas transarianas davam origem ao estabelecimento de grandes mercados. Estas expedições chegaram a atravessar o deserto com a ajuda de instrumentos náuticos, como a bússola e o quadrante. Tais caravanas eram acompanhadas por destacamentos de guardas armados para protecção das expedições contra os salteadores ou para abrir caminho através de território inimigo.

No século XVIII, o feixe rodoviário europeu expandiu-se pouco a pouco, instituindo-se o trabalho compulsivo, em regime de corveias especializadas, para a construção e a manutenção das estradas. Os albergues, lugares de paragem e de repouso assinalavam os lugares para comodidade dos viajantes, cada vez mais numerosos, que não dependiam mais dos conventos e missões. Quando as rotas comerciais melhoravam, os condutores de viaturas entregavam-se a uma guerra de preços e os mercadores organizavam-se para obter tarifas mais vantajosas. Uma das dificuldades que se punha à construção de estradas era o preço elevado dos trabalhos. Com o avanço da centralização, os governos tinham interesse em possuir meios de comunicação bem organizados. Um sistema postal regular foi criado na maior parte dos países europeus. Apesar dos esforços dos mercadores, das cidades, dos senhores feudais e dos governantes, os transportes por via terrestre permaneciam lentos e difíceis. À medida que a população crescia, as estradas tornavam-se cada vez mais atulhadas. O transporte terrestre, não obstante conhecer evidentes melhorias, não sofreu modificações essenciais nesta época.

Na África Ocidental, século XVI, a circulação de pessoas e bens era facilitada pelo dromedário que era não só um meio de transporte como uma mercadoria. O mercado e outros centros comerciais estavam inteiramente dependentes das estradas. Havia muitas rotas comerciais em condições de modo geral medíocres, embora variassem bastante de região para região.

Na América, não havia animais de carga. O transporte de produtos era feito por carregadores profissionais e os objectos pesados eram movidos com o auxílio de grandes troncos de árvores. O único animal de transporte era o lama. No século XVI, os cavalos e as mulas foram introduzidos pelos espanhóis, bem como as carroças compridas e estreitas. A construção de estradas permitiu organizar caravanas que se deslocavam até áreas remotas transportando homens, mercadorias, instrumentos e armas.

São famosas as estradas incas, com escadarias e túneis talhados nas rochas, com pontes suspensas a passar por cima de ribeiros e desfiladeiros, com casas de repouso a intervalos regulares e um serviço postal baseado em corredores humanos. Uma série de estradas transversais ligavam a estrada da montanha, que percorria todo o cumprimento de Império, e a estrada costeira que atravessava o extenso deserto peruano.