ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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6.5 – CARÊNCIA ALIMENTAR E FOME

A carência alimentar é uma característica normal em muitas partes do mundo, mas que tem de se distinguir das prolongadas ou inesperadas ocorrências de fomes, em que a escassez de alimentos é generalizada, extrema ou as duas coisas. A carência alimentar é, por vezes, motivada pela situação social determinada pelas condições económicas e materiais da vida e não pela falta de disponibilidade de alimentos. Pode ser causada não pela escassez de alimentos, mas pela escassez de rendimentos e de poder de compra.

O camponês que dispõe da sua terra, de alguns recursos e da sua força de trabalho, consegue produzir os seus alimentos, quando as condições naturais ou sociais o permitem. Para o trabalhador que vende a sua força de trabalho a aquisição de alimentos depende do montante do seu salário. Os pastores nómadas ou os pescadores podem trocar os seus produtos por cereais ou outros produtos de que dependem, se encontrarem camponeses ou artífices interessados na transacção.

É frequente verificar-se uma distribuição desigual das mercadorias. As exigências do mercado são baseadas nas relações de troca e não nas necessidades biológicas das populações. Assim, chegam a ser exportados alimentos de áreas atingidas pela fome.

As carências alimentares prolongadas provocam profundos distúrbios nas relações de troca, tais como: o aumento de preços nas regiões mais afectadas; o açambarcamento motivado pelo pânico, mas também por ser financeiramente proveitoso; o caos administrativo; a abolição do controlo de preços e o aproveitamento especulativo; o desequilíbrio no comércio externo, entre exportações e importações; a expansão dos rendimentos e do poder de compra de algumas classes e grupos sociais em detrimento das mais desfavorecidas; o agravamento das contradições entre os meios rurais e urbanos.

A fome implica carências alimentares, mas o oposto não é verdadeiro. As grandes causas do agravamento da fome foram a intensificação da exploração a limites extremos, o aumento da quantidade e gravidade das guerras, ataques, invasões, migrações e confrontos de toda a ordem. Entre as causas da fome estão também as epidemias ou os efeitos das condições climatéricas, como as secas, as destruições provocadas enxames de insectos, designadamente gafanhotos. A frequência e a gravidade das fomes são indicadores da precariedade das condições sociais e económicas vividas ao longo dos últimos séculos.

Quem são as vítimas da fome? A comunidade de pastores nómadas e camponeses; mulheres e crianças retiradas as áreas agrícolas circundantes; homens que emigram à procura de trabalho; servos despejados pelos agricultores, jornaleiros que já não conseguem trabalho; tecelões e outros artesãos; mulheres das áreas de serviços domésticos; vendedores de serviços, trabalhadores assalariados, etc.

Nas sociedades com uma economia de subsistência precária, em que o equilíbrio das provisões alimentares é extremamente vulnerável, uma seca ou uma epidemia provoca uma crise agrícola ou pastoril, afectando a produção de alimentos, reduzindo os ganhos dos respectivos produtores e a actividade distributiva e comercial. Muitos rendeiros são despejados, sujeitos a vender o gado, a ficarem sem sementes e a endividarem-se. Pequenos produtores proprietários sujeitam-se à queda do preço de mercado da terra e do gado. A troca de animais por outros meios de subsistência, principalmente cereais, é igualmente afectada, a que se junta a perda de animais. Os efeitos são semelhantes quando as crises são motivadas por causas de origem económica ou social.

Para assegurar a sobrevivência em tempos de penúria são empreendidos inevitavelmente esforços a nível individual ou colectivo. Em sociedades organizadas as autoridades centrais não foram sempre indiferentes às consequências da fome. Em épocas normais precaviam-se armazenando géneros alimentícios. Existiam celeiros para conservar os cereais que, em caso de fome, eram distribuídos de acordo com regras e critérios estabelecidos com antecedência. Tais medidas já existiam no Egipto dos faraós.