ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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6.3 – ADMINISTRAÇÃO DE RENDIMENTOS

A tributação era o sangue vital do poder estatal, mas para cobrar os tributos dos produtores directos era necessário o apoio de funcionários administrativos especializados ou a participação das elites dominantes nas localidades. Era do interesse dos soberanos empenharem-se na cobrança de rendimentos que permitisse satisfazer os encargos com o funcionamento da máquina do Estado, o que era indispensável à existência e manutenção da posição do chefe como supremo dirigente político da sociedade. Em algumas regiões, as datas de cobrança das rendas e outros tributos devidos pelos camponeses eram determinadas de acordo com os calendários agrícolas. Os registos mencionavam as festas que correspondiam à lavra e à colheita, datas em que se procedia ao pagamento das rendas.

Em geral, um núcleo de funcionários permanente andava de terra em terra a recolher os tributos, visto ser difícil trazer os géneros alimentícios e outros durante todo o ano a um ponto determinado, quer por dificuldades de transporte e organização do escoamento dos artigos, quer devido às dificuldades se conservação de alguns deles. Nestes casos, em lugar dos géneros irem ter à corte, era esta que ia ter com as fontes de abastecimento. Estes funcionários quando estivessem numa localidade beneficiavam dos serviços de instalação que os moradores deviam prestar. A administração fiscal estava habitualmente centralizada, mas com frequência a cobrança de impostos e de contribuições indirectas eram confiadas a recebedores locais ou arrematantes de impostos semiprivados que compravam esse serviço.

No Egipto, os escribas mediam a terra lavrada e apontavam a quantidade de sementes. Depois dos grãos de cereais, trigo e cevada, serem colhidos e separados, eram contabilizados pelos escribas que determinavam os que deviam ser guardados pelos camponeses como sementes e os que deveriam dar entrada nos celeiros do templo ou do palácio. O armazenamento era vigiado por capatazes, competindo aos escribas anotar o número de cestos entregues. Os bovinos regressados dos pastos eram minuciosamente contados e contabilizados, sendo também marcados. A colecta de impostos era efectuada através dum bem articulado sistema, levado a cabo por uma rede de cobradores fiscais devidamente autorizados. A determinação e manutenção das receitas do Estado só eram praticáveis com o recurso a um registo rigoroso. Os escribas agrimensores, com as suas cordas calibradas, calculavam o rendimento provável das safras. Os escribas das colheitas avaliavam o montante da taxa a pagar de acordo com os produtos a colher. Com intuitos fiscais, o Estado passou a proceder a recenseamentos bienais. O bom funcionamento da economia assentava nos recenseamentos e nos registos de cadastros.

Na Mesopotâmia, III milénio a. C., os animais e os cereais eram trazidos para o palácio a título de oferendas dos templos ou de tributos das terras conquistadas. Estes produtos eram gastos em oferendas e sacrifícios, pagamento de remunerações a oficiais e soldados, manutenção da casa real ou envio para outras cidades. No II milénio a. C., uma repartição contabilística central superintendia os gastos, fiscalizava a entrada e saída de produtos trocados. Os oficiais administrativos encarregavam-se da manutenção dos canais de irrigação e do transporte de mercadorias. No I milénio a. C., a actividade da administração resumia-se no fundamental a assegurar as receitas do tesouro real. Deste modo tinham-se modificado o objectivo, os motivos e a forma de actuação dos funcionários. Os agricultores eram obrigados a cultivar cuidadosamente os lotes de terra que lhes eram distribuídos de modo a poderem pagar regularmente os impostos ao Estado.

Na Grécia, a actividade da administração assegurava as receitas ao tesouro real. Tendo em vista este objectivo, eram empreendidos os necessários trabalhos de manutenção da irrigação e controlado o cultivo das terras, as sementeiras e as colheitas. Os agricultores eram obrigados a cultivar cuidadosamente os lotes de terra distribuídos de modo a poderem pagar regularmente os impostos.

Na China, em meados do I milénio a. C., os impostos eram pagos em géneros e baseavam-se no imposto proporcional à superfície cultivada. No início da era cristã, instituiu-se um sistema de controlo estatal sobre os preços e a distribuição dos géneros de primeira necessidade, associado aos empréstimos concedidos aos agricultores. No século III, foi instituído um sistema de “dupla tributação”: um imposto, era baseado na avaliação da propriedade de cada agregado, particularmente na quantidade de terra cultivada, cobrado duas vezes no ano em dinheiro; outro, incidia sobre todos os agregados tributáveis que tinham de pagar anualmente um imposto por cada membro adulto do sexo masculino da família, em cereais e em tecido de seda ou pano de cânhamo. Além destes tributos, cada adulto masculino tinha de prestar vinte dias de trabalho ao governo central e um período muito mais longo às autoridades locais. Este sistema foi alterado nos séculos seguintes, passando os impostos a incidir essencialmente sobre a propriedade. Foi posta em vigor uma escala mais equitativa de imposto sobre a terra baseada na medição e numa reavaliação da sua produtividade.

Nos estados islâmicos, as circunstâncias políticas obrigaram os soberanos a nomear administradores regionais com poderes de supervisão e tributação das terras agrícolas. Em geral, eram os chefes militares vitoriosos que assumiam o controlo absoluto dos territórios sob o seu domínio.

Na Europa, no I milénio d. C., os impostos reais dependiam em grande parte dum acordo com as classes privilegiadas antes de poderem ser aumentados. Todavia, a tarefa da sua colecta competia a departamentos do Estado e a funcionários competentes.

É interessante referir que em Portugal, a partir do século XIII, foi criado um departamento, denominado “Casa dos Contos” onde se reuniam todos os documentos respeitantes às receitas e despesas estatais, sobre os quais se pretendia uma maior fiscalização.

Na América Central, nas regiões tropicais da planície, os impostos eram pagos em cacau, grão de chocolate, pano de algodão, penas de aves e outros bens. Entre os Astecas, os impostos eram recebidos por uma classe profissional de contabilistas que registavam as quantidades e as redistribuíam a partir de armazéns reais. Havia impostos sob a forma de matérias-primas, por exemplo, metais e algodão, que eram enviados para ao artífices reais a viver no palácio, e que os convertiam em produtos finais. Existiam mordomos que regulavam o trabalho das terras senhoriais, controlavam a produção dos diversos artesãos que, em alguns casos, viviam no palácio, e o trabalho de mulheres que fiavam e teciam o algodão. Enfim, estava sob seu controlo todo o mundo produtivo e artesanal que transformava em produtos acabados uma importante parte das matérias-primas recebidas pelo senhor como renda ou tributo.

Uma das características práticas dos Incas era um censo periódico da população, registado por conservadores profissionais. Com base nestes censos, os impostos em serviços e produtos eram aplicados directamente a cada homem apto residente no Império. Os Incas exigiam pesados impostos aos seus vizinhos do Sul: sal, batatas, animais, plumas, tecidos de qualidade; trabalho para o fabrico de tecidos e calçado, extracção de minérios, construção de edifícios; soldados para campanhas militares; mulheres para servir a nobreza inca e até para sacrifícios humanos. Em contrapartida, estes povos apenas recebiam cobertores, outros tecidos e géneros alimentícios.