ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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8.6 – ACTIVIDADES RELIGIOSAS

A principal preocupação expressa pelos rituais religiosos era a procura de alimentos; os indivíduos esforçavam-se por conservar a fertilidade da natureza, o crescimento das plantas e até a fertilidade do próprio homem. Tais rituais atestam a existência de uma ânsia relativamente à reprodução das plantas e dos animais por eles consumidos. A produção de alimentos influenciou as crenças religiosas desenvolvendo-se o culto da fertilidade. A religião adquiriu uma importância crescente e as práticas religiosas vieram acentuar as diferenças sociais com vantagem para os sacerdotes, representantes terrenos dos deuses. Quanto maior era o nível de organização da sociedade e a sua evolução para a agricultura, tanto maior era a distinção entre afigura do xamã e a do chefe.

No animismo, assente na crença da “força vital” ou “alma” a habitar em locais e objectos, revela-se o objectivo de garantir a sobrevivência através do uso de ritos e magias que, através dos seus intermediários especializados, tornavam possível participar no “sobrenatural”. O xamã era a pessoa capaz de ajudar a comunidade a enfrentar os problemas da vida quotidiana e, ao mesmo tempo, um adivinho, um curandeiro e um mágico do controlo do tempo, particularmente de provocar a chuva. O xamanismo tem subsistido nas áreas do mundo onde as religiões monoteístas ainda não criaram raízes.

O modo de produção feudal teve na Igreja a maior proprietária fundiária. A sua maior preocupação com uma economia essencialmente rural colocava-a, com o aparecimento e crescimento das cidades, numa situação de oposição com os interesses dos mercadores e dos artífices, tanto mais que, sob a influência do pensamento árabe, aparecem ideias novas que a Igreja considera como heresias. No seio deste pensamento teológico nasce um certo pensamento económico que oscila em torno de duas ideias principais: a condenação do juro e o justo preço, segundo o qual, para cada mercadoria existe um justo preço que se baseia principalmente no custos de produção.

Na Mesopotâmia, III milénio a. C., os deuses estavam associados à economia primária de cada cidade: havia o deus da água doce e dos pauis, o deus dos criadores de ovelhas, a deusa do cereal. As divindades encarnavam as forças da natureza e os corpos celestes, que tinham grande significado para a vida económica: céu, terra e água. Mais tarde, a plena identificação de um deus com uma cidade acarretou vivas rivalidades com importantes consequências. Os chefes políticos que aspiravam à união da região, encontravam nestes antagonismos um obstáculo à criação de um Estado regional integrado e assim procuravam criar uma divindade suprema. Hammurabi tenta instalar um deus da Babilónia, que absorvesse a identidade dos deuses associados a diferentes lugares.

Devido ao fraccionamento político do mundo grego e à inexistência de um clero organizado não se constituiu uma religião única dos gregos, surgindo um grande número de sistemas religiosos extremamente próximos mas não idênticos. Os reis, utilizando as tradições antigas orientais, fizeram os possíveis por implantar o culto real, servindo-se dos ritos religiosos para elevar a autoridade do poder político. Era uma das formas de nova ideologia na qual se fundiam as concepções antigas orientais acerca do carácter divino do poder real, o culto grego dos heróis e dos fundadores das cidades e as teorias filosóficas sobre a essência do poder real.

No I milénio a. C., os cultos e as divindades das diversas povoações começaram a fundir-se. No início da nossa era começa a difundir-se o cristianismo primitivo que correspondia inteiramente aos anseios e aspirações do povo simples. Inicialmente expandiu-se entre as camadas inferiores urbanas, mas gradualmente começaram a aderir indivíduos pertencentes a outras camadas sociais. Os cristãos que se opunham à ideia da natureza divina do imperador foram sujeitos a perseguições muito ferozes. No século IV, o império romano compreendeu a potencialidade do cristianismo como princípio unificador e a Igreja Cristã como instituição a partir da qual o império podia ser reorganizado. O cristianismo não tardou a assumir-se como religião de Estado. As comunidades cristãs tornaram-se organizações fortes, encabeçadas por bispos que administravam o tesouro engrossado através dos donativos dos imperadores e cristãos ricos.

O budismo, tal como aconteceria mais tarde com o islamismo, surge-nos intimamente ligado ao comércio. Com o comerciante seguia também o monge que, como missionário, era responsável pela difusão da religião em outras áreas tocadas pelo comércio. O budismo acabaria por se tornar num requisito necessário para a legitimação do poder, caracterizando-se por uma ligação próxima entre a Igreja e o Estado. O budismo chegou à China em meados do milénio anterior à era cristã e desempenhou o papel de factor ideológico activo no processo de feudalização da China e de toda a região do Sudeste Asiático. Quase imediatamente conquista as simpatias tanto das massas trabalhadoras como de certas camadas da classe dominante. A sua difusão favoreceu a intensificação das relações culturais internacionais entre a China, a Índia e a Ásia Central.

O eclectismo dos mongóis permitiu que várias religiões fossem praticadas e pregadas livremente no seu território, comprovando a possibilidade de coexistirem pacificamente. Este eclectismo religioso foi uma das origens da base universalista dos líderes turco-mongóis e teve como consequência a manutenção da paz entre os seus estados. Apesar da crueldade que acompanhou as conquistas, o fanatismo religioso era desconhecido dos mongóis. Entretanto, relatos lendários tinham a intenção de desenvolver o conceito do mandato celestial e da origem divina do clã de Genghis Khan. Tratava-se de uma política premeditada necessária ao “salvar a alma” dos seus povos subjugados, pertencentes a diferentes grupos étnicos e crenças. A atitude oficial dos Khans era a de acreditarem na existência dum só Deus, que deu aos homens caminhos diferentes.

O século VI assistiu à transformação gradual de Meca numa cidade caravaneira e num lugar sagrado. Meca dependia do comércio mesmo para o seu aprovisionamento; as actividades da cidade estendiam-se desde o comércio local até ao grande tráfico internacional. Os assuntos públicos de Meca eram tratados pelo concelho dos homens mais ricos e das famílias reconhecidas como “nobres”. Muitas peregrinações eram frequentemente combinadas com as feiras. A expansão do islamismo e a conversão de outros povos veio dar nova força e conteúdo à universalidade que esteve sempre implícita no forte monoteísmo, no qual o culto de Deus é exigido a toda a humanidade. Na Arábia, já no século XVI os milhares de peregrinos que se dirigiam a Meca impulsionaram a economia da região, pois gastavam muito dinheiro na compra de produtos alimentares, artigos de luxo, alojamento e transportes.

Na Índia, os mercadores muçulmanos estabeleceram-se em diversos portos da costa ocidental. Um aspecto importante do Islão na Índia foi a sua rápida avaliação de uma coexistência a longo prazo com o hinduísmo. A tendência monoteísta no hinduísmo já existia há muito.

O legado confuciano parece ter prestado uma valiosa contribuição às florescentes economias da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático. Pouco antes do início da era cristã, os cultos locais foram resolutamente reprimidos e substituídos por cultos iguais para todo o país. O fundador da teologia confuciana desenvolveu a ideia da origem divina do poder imperial, que tinha uma nítida orientação de classe.

Na África Ocidental professavam-se três cultos religiosos: as religiões tradicionais africanas, o islamismo e o cristianismo. A concepção monoteísta diferia de território para território, já que nessas regiões tal noção ainda não existia. Os mercadores, que traziam consigo os cultos do islamismo ou do cristianismo, tiveram de enfrentar movimentos ora de acomodação ora de conflito. Cedo se aperceberam que tinham de adaptar as suas religiões às práticas locais. Na África Oriental, as populações sentiam-se influenciadas pela riqueza dos negociantes árabes, pelo fausto dos seus príncipes. O islão torna-se uma força popular local, com excepção da Etiópia, onde foi introduzido o cristianismo.

Em África, entre os séculos XVI a XVIII, o panorama religioso apresenta um certo número de constantes: em primeiro lugar, o factor internacional teve um papel permanente na recomposição do panorama religioso; em segundo lugar, verificaram-se duas contradições estruturais, uma entre o pluralismo tolerante das religiões indígenas e o monismo exclusivo das religiões reveladas; em terceiro lugar, as alianças de natureza classista (comerciantes, aristocratas, elites intelectuais e religiosas, camponeses) e entre populações que estas classes geralmente representavam.

Entre os astecas, o sacerdote tem a missão de invocar a chuva e desempenhar um papel simbólico na interminável sucessão do ciclo agrícola. Na zona dos Andes, os sacerdotes eram especialmente instruídos nas mecânicas do tempo, na hidráulica e noutros domínios do saber prático. Os incas, tinham uma religião solar que era estreitamente ligada ao poder imperial.